segunda-feira, 26 de abril de 2010

Diablogs 5 - O menino que perdeu a fé

- Qual a primeira história que você quer?
- Pode ser uma história sobre doença?
- Deixe-me ver... Tem uma que eu gosto muito...
- Como se chama?
- O que?
- A história?
- Ah, sim ... Não tinha pensado nisso... Bem, vou chamá-la de "O menino que perdeu a fé".
- Está me zoando, então.
- (Risos) Não estou não... Vai me deixar contar ou não?
Assentiu, rindo junto.
- Era uma vez um rapaz que muito se incomodava com todas as referências religiosas que havia em minha sala. Frequentemente, alfinetava os terapeutas junguianos como místicos e pouco científicos, eu deixava passar para ver onde aquilo iria dar, até que um dia ele chegou muito mexido na minha sala. Algo de muito diferente ocorrera e ele não queria muito falar no assunto, mas estava tão definitivamente incomodado que acabou tendo que me dizer. O rapaz frequentava uma faculdade noturna e trabalhava durante o dia, era de notável valor e nunca mencionara, talvez por medo de minha reação, que ele sentia sempre um desconforto razoável na aula de um determinado professor. O velhinho era muito querido mas um tanto ridicularizado pela turma, pois começava as suas aulas com um breve momento de oração, uma oração pedindo para que a aula transcorresse bem, para a saúde das pessoas, essas coisas. Os alunos que não quizessem se juntar á oração podiam fazer outra coisa, desde que sem barulho, e a maior parte da turma ligava seus Ipods ou repassavam alguma matéria enquanto o velhinho, acompanhado de alguns poucos alunos, fazia sua breve oração. Pois bem, nas semanas anteriores uma aluna pediu em prantos para que rezassem por sua mãe, que havia sido diagnosticada com um Tumor Cerebral. O professor fechou os olhos e deu a mão para essa menina e meu paciente, ateu convicto, acabou se juntando à oração: O professor agradeceu pela reunião daquelas pessoas, pelo amor da filha, pelos desencontros da vida e, sobretudo, agradeceu pela completa recuperação daquela senhora, mãe de sua aluna. Na semana seguinte a menina falou que um pequeno procedimento havia neutralizado aquele tumor, mas que o médico ficou impressionado com a redução espontânea do mesmo, que ele atribuiu a algum artefato do aparelho de ressonância. Quando ele acabou de contar essa história, perguntei, afinal, porque esses assuntos religiosos ou metafísicos lhe despertavam tanta raiva, tanta aversão? Ele me contou muito a contragosto que quando era criança tinha o seu porquinho da índia, que um dia soltou de forma um pouco imprudente no quintal. O bichinho se enfiou num buraco e até logo, nunca mais foi visto. Com muito fervor, ele rezou, implorou para o seu melhor amigo aparecer, sabia que se havia um Deus, Ele poderia trazê-lo de volta. Ficou doente, chorou por muitas noites e implorou a seus pais que não comprassem outro bicho. Um dia ele parou de orar e de pedir. Nunca mais teve um porquinho da índia, nunca mais pediu nada e passou a acreditar apenas em seu próprio esforço e no que podia palpar. Achou a história do professor uma bobagem, mas uma coisa muito lhe impressionou.
- O que?
- Ele se juntou à oração do professor e pediu, do fundo do seu coração, para aquele grande Silêncio que as pessoas chamam Deus, pediu de coração para ajudar a menina em sua aflição, pois tinha certeza que a sua mãe, como o seu bichinho, não mais sairia do buraco. Foi como se algo tivesse se quebrado dentro dele. Ele negaria até a morte, mas acho que, naquele momento, o rapaz tão ciente de seu ateísmo, sentiu que a pessoa por quem ele orava estava se curando.
Ficaram alguns segundos em silêncio.
- Ele voltou a falar no assunto?
- Não. Ele ficou mais alguns meses comigo e foi transferido para uma cidade do interior, perdemos o contato. Não sei se ele recuperou a fé, não sei como ficou, mas tenho quase certeza que era um ateu de araque.
- Você falou isso para ele?
- Não me lembro.
Ficou um tempo em silêncio, olhando para o nada.
- (Suspiro prolongado) Mas vem cá, o que você chama de fé?
- (Sorriu enquanto tomava fôlego) Fé? Fé é continuar pedindo quando não se é atendido e continuar vivendo, mesmo quando as coisas não são como deveriam ser. Isso é que é a tal da fé.
Sorriu suavemente, desviando o olhar.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Diablogs 4

Pegou-a chorando na cama, virada para a parede. Sentou suavemente ao seu lado, para não irritá-la.
Ficou por lá durante um tempo, entrando em sintonia com ela e sua dor. Finalmente, foi notada.
- Vai embora.
Respondeu de chofre:
- Vou não.
- Chata.
- Sou mesmo.
Esboçou um sorriso. O sorriso foi retribuído de pronto.
- Qual a má notícia?
- Qual má notícia?
- Não se faça de besta. O que aquele pau de enrolar linguiça falou?
Sorriu mais abertamente, lembrando da magreza do médico e desse apelido engraçado.
- Falou que eu fiz febre e não vou poder sair para o pátio hoje.
Abaixou a cabeça, procurando por palavras. A outra se antecipou.
- Sabe o que mais me irrita?
- Não?
- Como ele pode falar que eu "fiz" uma febre. Eu tenho mais o que fazer! Vou fazer uma febre?!
- É mesmo. Os médicos tem umas expressões estranhas... É verdade...
- Eu quero me fazer ficar boa.
- Eu também quero.
- Me ajuda, então?
- Ajudo... Vou te contar uma história. Você gosta?
- Gosto.
- Então vou te contar uma história todo dia, até você ficar boa.
Sorriu um sorriso ensolarado.
- Você ajuda as pessoas contando histórias?
- Claro. Eu sou uma colecionadora de histórias. Toda noite eu saio com um saco de Papai Noel e vou catando as histórias do dia. Aí eu trago para cá e dou para vocês.
- Quem falou que as histórias curam?
- Eu falei.
- Quer só ver.
- Quem viver, verá.
Apertou os lábios, numa espera.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ricardo, o Afável

Kevin Costner, em filme dos anos noventa onde fazia o personagem título: Wyatt Earp, uma figura lendária do Velho Oeste, dizia a se referir a outro xerife, que ele julgava um tanto frouxo: "Ele é afável", o que queria dizer que não era duro o suficiente para civilizar Trombstone, cidade assolada por bandidos. O tal xerife acaba morrendo com um tiro de um bêbado que tentava desarmar na base do papo. De fato, os caras chamam Wyatt para botar ordem no barraco quando o seu colega afável é assassinado. Ricardo Gomes me lembra esse xerife. Não estamos mais em Trombstone, então não será necessária troca de tiros, mas o hesitante técnico do São Paulo parece aqueles tios gente boa que todo mundo gosta e sabe que pode aprontar com ele que tudo bem.Por que tudo parece errado no São Paulo?
Como colocamos nos outros blogs, podemos dividir a formação de um time em fases de Estofo, Energia, Energizar. Muricy, antecessor de Ricardo Gomes, é um especialista em Estofo. Obcecado pela marcação, Muricy montou verdadeiras muralhas que só faziam ganhar de um a zero. Todos os detalhes repetidos, tudo ensaiado e os insuportáveis chuveirinhos procurando um centroavante fortão e meio burro. A segunda fase, da Energia, tem a ver com a capacidade de um time flutuar pelo campo e multiplicar a ocupação de espaços. São times arrumados, precisos, que sabem exatamente o que e quando fazer nas diversas sutuações de jogo. É o que os comentaristas chamam de padrão de jogo, uma espécie de identidade de um time, de marca registrada. O time joga com muito menos cansaço, ocupando espaços e fazendo as jogadas com fluidez. O Manchester United de Alex Ferguson se encaixa nesse tipo de time onde tudo parece estar em seu lugar, o tempo todo. O terceiro movimento de um time, que é o Energizar, bem, esses já são bem raros. O Santos de Dorival Jr está nesse momento, o Barcelona também. O time se multiplica em campo, como se tivesse dois jogadores a mais que o adversário. O posicionamento é bem determinado, mas as jogadas tem uma fluida rapidez que possibilita a esses jogadores exepcionais, como Messi e Neymar sempre fazerem o inesperado, quebrando a espinha dorsal de um defesa. Vou falar disso em outros blogs. Washington, cansado de ser o Judas de plantão do tricolor, botou o dedo na ferida. O time perdeu o que tinha de bom, que era o estofo e a sua organização obsessiva, com uma capacidade defensiva impressionante e a melhor zaga do Brasil, para ser um time xoxo, lento, sem padrão de jogo e sem lampejos. Ricardo Gomes, aparentemente pessoa querida e profundo conhecedor de futebol, nunca ganhou nada e sempre cacacterizou sua trajetória em times médios. Quando o São Paulo perder a Libertadores, ele deve voltar aos Monacos da vida. E todos vão se lembrar que ele era um cara afável e gente boa, desses que as sogras querem para as suas filhas.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Diablogs 3 - Outro pedido

Nesta série, vamos utilizar de diálogos em "short cuts" para falar de temas relacionados com angústias, medos e formar de lidar com essas dificuldades. Espero que gostem.

Percebeu com alguma estranheza que ela não estava angustiada ou sofrendo naquela manhã quase ensolarada. Cumprimentou-a com os olhos.
- E aí?
- Tudo bem.
- Estou melhor hoje.
- Bacana.
- Fazia tempo que eu não ouvia essa.
- Essa o que?
- Essa expressão, "bacana".
Esboçou um sorriso.
- Hoje vai ter de novo?
- O que?
- Aquela coisa lá que você fez ontem?
- Aquele exercício?
- Aquele negócio do "Não consigo". Foi bem legal.
- Ué, hoje a gente pode fazer o contrário.
- Como assim?
- Hoje você pode começar a fazer uma lista de "Consigos".
(Suspiro, fundo).
- Não tenho muitos consigos, não.
- Você consegue falar, não consegue?
Assentiu com os olhos.
- Você consegue reclamar e se lamentar, não é mesmo?
Olhou, com um esboço de sorriso.
- Acho que estou entendendo.
- Feche os olhos e faça uma lista de consigos, por favor.
- Não consigo (risos).
- Muito engraçado.
- Posso fazer, então?
- ...
- Eu consigo respirar... Eu consigo sonhar...Eu consigo escolher... Eu consigo até estar viva, veja só (risos).
- Pensa em todos os seus consigos. Você consegue vê-los?
- Como assim?
- Você consegue colocá-los em um carrinho de mão?
- Pode ser um caminhão (risos).
- Melhor ainda. Enche um caminhão de "consigos".
- ...
- Já fez?
- Espera.
- Ok.
- (...) Pronto.
- Agora coloca este caminhão no meio do Silêncio.
- Deixa lá, junto com os "Não consigos"?
- Não. Deixe que os "Não consigo" abracem os "Consigo".
Sorriu, quase maravilhada.
- Eles estão se abraçando, mesmo.
- Que bom. Deixe-os assim, abraçados.
A sua expressão era de paz. E de alívio.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Diablogs 2 Faça um pedido ao Silêncio

Essa série terá pequenos diálogos em "short cuts", com um diálogo entre duas personagens, uma delas em sofrimento.

A conversa continuou, claudicante.
- O que está te incomodando?
- Olha, com certeza me incomoda esse Silêncio. Eu peço, peço, peço e esse negócio que chamam de Deus é só silêncio. Isso está me dando muita raiva...
- E muito medo?
Hesitou um pouco antes de assentir. Sim. Estava com medo.
- Você me ajuda?
- Que tipo de ajuda você quer?
- Você me falou que aquela história de peça/acredite/receba não funciona.
- Não falei nada disso.
- Bom...Para mim não está funcionando, nada nada...
- Então ... Podemos começar daqui.
- Como assim?
- Você pode começar fazendo uma Lista de "Não Consigo".
- Não vai ser nem um pouco difícil fazer uma lista assim.
- Beleza...Então começa.
- Começo...Não consigo melhorar, não consigo sair daqui, não consigo parar de chorar, não consigo acreditar em nada...Quer mais?
- Quero.
- Não consigo me concentrar, não consigo parar de ter medo (interrompida por seus soluços).
Esperou que aquele choro de alguma forma se apaziguasse, antes de falar.
- Terminou?
(Enxugando as lágrimas)
- Posso ficar o dia inteiro aqui, listando o que eu não consigo.
- Mas essa amostra inicial já é um bom apanhado?
Sorriu dessa expressão, "um bom apanhado".
- Podemos começar com isso.
- Então feche os olhos.
Obedeceu, um pouco sem graça.
- Imagine um altar, na frente desse grande silêncio. Conseguiu?
- Um altar?
- Isso.
- Não consegui, não.
- O que você consegue ver?
- Consigo ver um grande vazio. Graaannnde vazio. Um nada.
- Do que você vai chamar esse nada?
- Olha, sem ofensa, vou chamar esse vazio de Deus.
Sorriu.
- É um bom nome para o vazio.
- Obrigada.
- Agora pegue uma cesta com todos os "não consigos' e coloca diante desse vazio.
- ...
- Pronto?
- Quase. Ficou faltando um "Não consigo". Dos grandes.
- Qual?
- Não consigo um namorado que preste (risos). Posso colocar?
- Claro.
- E agora?
- Agora faça um pedido ao silêncio.
- Qualquer um?
- Não. Peça para o silêncio tomar conta de todos esses "não consigos".
- Só isso?
- Só. Deixe tudo aí.
- ...
- Deixou?
- Deixei.
- Pode abrir o olho.
Esboçou um sorriso.
- Melhor?
- Melhor.
- Ótimo. Faça iso toda vez que ficar angustiada.
- Só isso?
- Por enquanto, só. Amanhã tem mais.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Diablogs - 1 O Silêncio

Durante algumas semanas, vou publicar um folhetim eletrônico em forma de diálogos curtos, chamados Diablogs. Espero que os leitores apreciem.

" Percebeu-a muito crispada, à beira de lágrimas. Teve um impulso de perguntar de chofre o que havia, mas sabia que isso só iria fechá-la ainda mais. Esperou por um tempo, entrando em sintonia com a sua angústia e esperando a hora que falar fosse um movimento natural:
- Tudo bem?
- Tudo...
Tocou em sua mão, carinhosamente.
- Não está tudo bem, não é?
Fugiu-lhe uma lágrima antes que pudesse desviar da pergunta.
- O que foi?
- Acho que eu não consigo rezar.
(Esperou algumas lágrimas para perguntar).
- Conta para mim, como você está rezando?
- Eu ...(Assoando o nariz)Sei lá... Queria melhorar. Eu faço que nem aquele filme ensinou; Eu penso, peço, acredito, mas não consigo sair daqui nem melhorar, daí ...(Interrompida por um choro delicado).
- Daí você fica com raiva.
- Fico...Fico com muita raiva, mas ficar com raiva de quem, de Deus?
- Talvez você fique com raiva de você mesma.
Virou-se, com os olhos abertos e subitamente sem lágrimas.
- Você acha?
- Acho sim, claro. É como se ninguém te ouvisse, nem quisesse te atender, não é?
- É isso mesmo.
- Aí você acha que ninguém te ouve porque não merece ser ouvida, não é?
- E eu não mereço mesmo.
- Claro que merece.
Olhou para o lado com os olhos apertados.
- Quer que eu te ajude com isso?
- Quero sim.
- Que bom."

No próximo capítulo: "Faça um Pedido ao Silêncio".

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Motivação: Energizar

Como esse blog é novo e desconhecido, posso me arriscar a algumas confissões. Gosto de alguns filmes bobos. Um deles tem como título em Português: "Escola da Vida", título mais bobo ainda que o filme. Tenho o hábito algo pedante de guardar o título em inglês, dada a indigência dos títulos em português ("Amor sem escalas", por exemplo, entrega o final do filme). "Escola da Vida" é na verdade "Mr D", tem Ryan Reinolds no papel principal e é daquelas comédias meladas e edificantes para inspirar nossa esperança e bons sentimentos. Trata-se da história de um professor inspirador, jovem e bonito que vem transformar a vida de outro professor, medíocre e angustiado (e um tanto feioso). De quebra, ajuda a resolver o seu complexo paterno também. Uma beleza. Insisto, eu adoro. Danem-se os críticos da Folha. O que eu mais gosto é o método de motivação desse professor, Mr D, que inicia o contato dizendo que o lápis dos alunos é a espada de Jedi que vai abrir todos os caminhos do conhecimento. Ele incendeia a alma da escola mostrando para as pessoas o que todos os líderes deveriam fazer: elas podem mais do que imaginam, elas são mais do que conseguem ousar, a espada do conhecimento pode abrir todos os caminhos. O melhor de tudo: aprender é uma grande aventura. Isso que é motivar, inpirar e sobretudo, Energizar. É cutucar em nosso circuitos límbicos de prazer e motivação, mediados por Dopamina e Noradrenalina, neurotransmissores que todos os bons comunicadores sabem ativar. Essa é a característica de Mr D : estudar é se aventurar, aprender é virar um Jedi, a tarefa de um líder é ampliar consciências e estimular a coragem em um mundo dominado pelo medo. Medo vende muita coisa. Precisamos aprender a vender a coragem, mesmo que a esperança pareça piegas. Eu recomendo o filme. Recomendo que você, leitor ou leitora, comece e termine o seu dia com uma boa energização. Em tempo, o que energiza é a alegria e o friozinho na barriga do desafio.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Motivação - Energia

Quase tudo em nossos dias tem a ver com energia. "Aquela pessoa? Tem uma ótima energia". "Fulana? É uma vampira de energia". "Estou sem energia para ir àquela reunião". Vários critérios diagnósticos de Psiquiatria falam de perda de energia. Onde está, então, essa tal de energia e como recarregá-la? Quais são os ralos por onde escorrem os nossos fios de energia? Por que estamos sempre cansados?
Muitas disciplinas meditativas tentam diminuir o vazamento de energia. Preocupação, mágoa, perfeccionismo, necessidade, tudo issso faz escorrer e faltar a nossa energia vital. Exercícios , amor, desejo, realização de sonhos, gratificação, isso tudo aumenta a nossa energia. O raro é que existam pessoas interessadas em uma Organização Interna de sua energia. Não. Nossos modelos energéticos são perdedores, sempre queremos dar mais, fazer mais, ir mais longe. Fica faltando o que os fisiologistas chamam de Alça de Feedback. O que seria? Bom, temos dois tipos de feedback: o positivo e o negativo. A mensagem que manda parar, ou continuar. Por exemplo, ao final do dia, dificilmente olhamos para o que foi feito e o que não foi feito como um exercício de feedback positivo, do tipo: trabalhei honestamente, ajudei pessoas, dei o meu melhor, sorri para uma criança na rua, brinquei com um cachorro que latia meio bravo atrás da grade, foi afinal um bom dia. Eu tinha um amigo na infância que era um otimista desses meio bobos, mas hoje eu acho que o cara era um sábio. Fomos ver um jogo do São Paulo no Paulistão, amargamos um zero a zero com o Botafogo de Ribeirão até os 40 do segundo tempo, levamos chuva, ele perdeu a capa de chuva, pisou na bosta de cachorro, o São Paulo fez gol quando subimos no ônibus e ele chegou em casa dizendo a todos que o dia foi uma delícia. Isso é feedback positivo: tirar alimento das coisas; por isso que feedback quer dizer, alimentar de volta. Mas não é isso que fazemos: em nosso balanço do dia contabilizamos fracassos, reclamações e lembramos da dor que não passa ou do gol que não assistimos. Isso determina uma energia baixa. Podemos nos alimentar dos sucessos, dos fracassos e das dúvidas. Podemos fazê-lo para cima ou para baixo, gastando a mesma energia no caminho.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Motivação: Estofo

Estava comentando hoje um seriado americano de alguns anos atrás, "Taken", ainda hoje bastante reprisado em canais da TV paga. O seriado é narrado em off por uma menina cujo personagem vai se definindo no decorrer da saga, uma híbrida entre humanos e alienígenas, batizada pela mãe - Allie (não é o oitavo passageiro). Dakota Fanning faz essa pequena sábia, que não cansa de repetir que os homens são maus e fazem coisas ruins por conta de seus medos. Impressionante a quantidade de pessoas que hoje adoecem do medo, pelo medo, pela sensação de que vivemos em um mundo hostil e pouco confiável, ou que o mundo vai cair em nossa cabeça se cometermos um erro. Impressionante também como o medo pervade todos os discursos, mesmo o discurso médico: tome o remedinho do jeito que estou falando, senão...Na vida profissional então, o discurso que evoca e domina pelo medo é cada vez mais instrumento de gerenciamento. Sobrevivem os que são mais ou menos medrosos dependendo da cultura de sua empresa. Na última postagem falei dessa característica que Jack Welch procurava/exigia de seus líderes: Estofo. Há um outro nome muito mencionado na Psicologia Corporativa: Resiliência, eu gosto desse, pois denota resistência e flexibilidade, um termo emprestado da física de materiais. Ter Estofo, então, é ser "durão"? Os durões podem ser muito úteis para determinadas organizações, mas terminam quebrando, como os galhos secos e poucos flexíveis, em algum momento não serão resilientes, justamente pela falta de flexibilidade.
Fábio Capello, técnico hoje da Inglaterra, ensina aos seus comandados que uma virtude do atleta de alto desempenho no meio de uma disputa é a tolerância ao sofrimento. Tolerância à frustração para atravessar as dificuldades. Essa é a diferença entre profissionais mais ou menos resilientes: a capacidade em atravessar os períodos de dificuldades, os mares de tormenta, as mudanças climáticas; o nosso primeiro impulso é espanar, explodir, jogar tudo para cima, mas podemos esperar, tolerar a angústia e os tempos de incerteza, aprender a decidir com o máximo de lucidez em situações de medo. Essa é a minha interpretação de Estofo. Estofo é a base onde você vai construir toda a sua personalidade e a sua carreira profissional. Contudo, de nada adianta o saber esperar sem o saber lidar com a Energia, o que veremos na próxima postagem.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Motivação: Estofo, Energia, Energizar

Tenho, desde moleque, essa mania de ler o que me cai nas mãos; há alguns anos peguei a autobiografia de Jack Welch, presidente, ou para usar o termo em português, CEO da GE nos anos 90, inspiração para muitos dos atuais sistemas de gestão de pessoas nas empresas. Posso dizer que devo parte de meu ganha pão a esse estilo de transmitir ao funcionário a impressão que ele é sempre descartável e quando seus resultados não forem mais satisfatórios, rua. Thank you, Jack! O fato é que sempre há algo que se salva em um livro e o dele tinha um trecho bacana, sobre o que ele espera de seus líderes, além de um bom chicote e algemas: a doutrina dos três "E" - Estofo, Energia, Energizar (não sei se os termos em inglês são esses, então me corrijam os leitores quando eu fizer alguns enganos).
Ainda hoje eu conversava com uma cliente que se queixava de seu chefe, que apresenta todas as características contrárias às propostas por Jack Welch: ele não tem Estofo nenhum, ou seja, vira paçoca diante de qualquer dificuldade, pouco sabe sobre os princípios de sua gerência ou tem imensa dificuldade em transmitir o seu conhecimento. Isso acarreta uma perda de Energia constante de sua equipe, que ficam correndo como baratas tontas para tentar atender às suas demandas flutuantes e sua falta de planejamento e clareza. Finalmente, os níveis de motivação caem de forma nunca vista, ante o olhar cegueta da direção, que vê o grupo se desmanchar sem perguntar a um passarinho azul o que está acontecendo (em português corporativo: what the hell is going on, people?) Em homenagem a esse tipo de gerenciamento, que muito contribui para os consultórios de psiquiatras e terapeutas, vamos abordar nos próximos 3 dias esses "E"s e como usá-los em sua vida pessoal e profissional. See you!

sábado, 3 de abril de 2010

Motivação 2

Nesta semana havia uma dessas matérias pitorescas de Internet descrevendo uma disputa familiar, na Suécia, sobre a herança de um catador de lata, morador de rua. É isso mesmo que você leu. Havia uma disputa sobre uma herança de aproximadamente um milhão de dólares de um homem cuja alcunha em português seria algo como o "Zé da Lata", sujeito que recebeu uma súbita atenção dos seus familiares após a sua morte. Vira e mexe aparecem casos de pessoas que viviam de forma bastante modesta e ao morrer revelam-se milionárias após anos de poupança e coleta de dinheiro. Alguns quadros obsessivos, mais ou menos graves, apresentam esse comportamento de coleta ou de colecionador. Mas não é isso que esse blog vai abordar. O título acima é sobre Motivação, a motivação e o método do seu Zé da Lata para ficar rico a partir da coleta de materiais reciclados na rua. O distinto senhor era assíduo frequentador da biblioteca de sua cidade, onde lia os periódicos sobre a Bolsa de Valores e mercados de capitais. Será que a mesma característica obsessiva de catar latas, juntar dinheiro e saber todos os detalhes das empresas e do mercado de ações, mesmo sem acesso à internet, foi o segredo desse senhor? Não. Tem mais um mecanismo envolvido e está relacionado com a capacidade de aprendizagem. Nosso simpático e solitário investidor formou uma rede neural, um programa de processamento de dados dentro de sua cabeça que lhe permitiu conhecer, testar e prever tendências até se tornar um autêntico craque nesses procedimentos complexos. Agora mesmo chegou em minha máquina um spam intitulado "Não há limites para você". Era alguma coisa sobre coaching, ramo do aconselhamento psicológico, que, no caso, promete desenvolver o "potencial oculto" das pessoas que receberem essa postagem ilegal em suas caixas de entrada. O fato é que as empresas gastam fortunas com "consultores motivacionais" que usam técnicas de auditório para inspirar e criar motivação nas equipes, ou, sobretudo, levar recados da direção para a galera. Coisas como "O Céu é o Limite"; "Você cria o seu resultados"; "Você é o autor de sua vida", etc, etc, etc. Ninguém ensina o método do "Zé da Lata": informe-se, crie uma estratégia, cheque os resultados, aprenda, perceba tendências, otimize os pontos fracos, monte um sistema vencedor. Qualquer Vanderley Luxemburgo consegue criar sistemas de aprendizagem que geram motivação em seus grupos, enqunto nossos gerentes saem da faculdade com o mesmo chicotinho que os feitores usavam nas fazendas para "gerar motivação" nos escravos. Motivação deriva do interesse, do conhecimento e do método. O resto é vídeo motivacional.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A Motivação

Ano passado fui a um Congresso em Gramado, pulando de sala em sala a procura de visões novas e insights sobre o meu ofício, com resultados não muito bons, quando entrei numa sala onde se abordava as entrevistas motivacionais para pacientes dependentes químicos. O procedimento consistia em perguntar para o freguês se ele realmente estava afim de parar e o quanto se dispunha a colaborar com o tratamento. Um ovo de Colombo. O palestrante chamou a doença de vício e soltou uma ou duas frases dessas de programas de variedade sobre a dificuldade de "largar o vício" ("Vício", caro leitor ou leitora, é um termo há muito banido do trabalho com esses transtornos, por toda a carga pejorativa que o cerca). Pensei imediatamente no capuccino quentinho que me esperava nos stands (até a ANVISA descobrir e achar que o laboratório vai comprar a minha prescrição com um chocolate quente; aí vai ser pão amanhecido e água, mesmo)e comecei a salivar como um cão de Pavlov. Engraçado que a motivação seja tema das pranchetas de tanta gente mas o seu estudo sistemático seja ainda tão pobre em nosso meio. Veja nesse pequeno exemplo alinhado acima: lá estava eu, motivado, naquele frio de inverno gaúcho procurando por vida inteligente no Congresso.O simpático colega conseguiu murchar a minha motivação inicial com duas frases, onde o seu ponto de vista algo pueril sobre o assunto colocou-o próximo do que Ana Maria Braga diria sobre o tema. Imediatamente a minha barriga começou a roncar e a minha motivação passou a ser de saciar um instinto mais primitivo,o da fome. Eu poderia adiar a saciedade imediata desse instinto por um bem maior, o aprendizado, mas o palestrante não estava me motivando. Esta é a primeira grande questão sobre esse assunto: o Cérebro humano tem uma novidade evolutiva, o Cortex Frontal, que consegue planejar, adiar ou executar ações motivadas por uma determinada intenção. Podemos dizer que passamos a maior parte do tempo fazendo isso, atividades motivadas que visam um determinado resultado. A motivação é a faculdade de direcionar essa atenção e essa intencionalidade a um determinado objetivo. Nos próximos dias, vamos desenvolver melhor essa idéia, no sentido de entender em várias camadas o que regula e dirige a nossa Motivação. Nessa mesma bat-hora, nesse mesmo bat-canal.