segunda-feira, 24 de maio de 2010

As Curas Profundas

Outro dia, um colega querido e considerado me confidenciou um profundo cansaço. As pessoas estão desesperadamente apressadas, o trabalho dele, que envolve terapias milenares orientais, precisa de tempo e compreensão de processos, alguns paciente rapidamente se impacientam e interrompem o tratamento, quase saem correndo com as agulhas ainda espetadas. Não tem paciência. Nessa época onde tudo acaba sendo coisificado e somos todos objetos de consumo, por que a Medicina ficaria de fora disso? As pessoas querem respostas imediatas, alívio imediato, como se as suas dores fossem um fuzível queimado que basta trocar, pronto, está novo. A causa mais frequente de abandono de tratamento não é o resultado ruim, mas o contrário, a melhora do quadro. Melhorou, o tratamento é descartado, como um lenço de papel depois que assoamos o nariz. Quando a doença volta, então soam as trombetas, preciso falar com o médico, preciso de horário para ontem, preciso, preciso... Devemos ao Dr Freud a descoberta que muitos de nossos sintomas se originam de marcas profundas, em estratos também profundos de nossa memória. Uma paciente que não respondia ao tratamento e à várias trocas de medicamentos e de médicos encontrou profundo alívio quando finalmente percebeu a grande dor armazenada em suas memórias profundas, após a morte de seu pai, na sua infância. Como no tempo do Tio Sigmund, a raiz do conflito estava nesses bancos de imagens, que a Neurociência chama de Memória Implícita, produzindo um profundo medo da vida e da perda, que finalmente produziu o distúrbio de neurotransmissão que chamamos genericamente de Depressão.Quando a paciente finalmente compreendeu aquela menina de seis anos ainda chorando a morte do pai após tantos anos, finalmente sentiu o alívio. Existem tantas depressões quanto paciente deprimidos, cada uma com uma chave que podemos ou não achar. O problema é que queremos para ontem, então o remédio alivia a dor, mas a ferida continua por lá, nas memória profundas.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Efeito Placebo e o Sistema de Crenças

Em nossos tempos de divórcio entre Ciência e Religião, com a primeira substituindo a última como portadora da Verdade, mesmo que uma verdade móvel e não definitiva, pode parecer um sacrilégio para a nova Inquisição falar do Novo Testamento. Questiona-se a existência histórica de um pregador que viveu na Galiléia há mais de vinte séculos, que pregava o amor, a experiência direta da Divindade ("Eu e meu Pai somos Um") e realizava frequentemente curas milagrosas usando a própria voz, o toque da mão ou misturas singelas como a própria saliva e um punhado da terra arenosa da região. Uma fala sempre se repetia após essas curas : "A tua fé te curou". Isso quer dizer que, não importa a capacidade energética do curador, se o curado não dá passagem a essa energia, a cura é quase impossível (como ficou demonstrado quando esse rabino de nome Jesus não conseguiu curar ninguém em sua terra natal, Nazaré, pois ninguém acreditou que o filho do carpinteiro pudesse curar alguém ).
Não é fato raro na crôncia hospitalar as curas espontâneas, as melhoras inexplicáveis de alguns casos, a participação de fatores extra tratamento médico levando pacientes a uma melhor ou pior evolução. Dentre esses acontecimentos que virtualmente optamos por ignorar todo dia (Uma atitude de muita iluminação: "Se eu não posso explicar então não existe")é o Efeito Placebo. Estudos vivem por contornar o famigerado efeito Placebo e sabe por que? O efeito Placebo representa a ativação de um processo natural de reparação de nosso organismo, ativado por nosso sistema de crenças. Não queremos saber disso, só do efeito de nossas balinhas mágicas. Ativar defesas naturais, baseadas em nossa fé? Que horror!
O efeito Placebo pode ser usado melhor em nossa prática: se existe a crença na medicação e no curador que a está administrando, o resultado tende, quase sempre a ser melhor do que a descrença. Eu costumava dizer em aulas que os médicos deveriam sair da faculdade com um zíper na boca, para tomar muito cuidado com as palavras, sobretudo com as frases supostamente "realistas" que tiram do paciente toda esperança. A esperança pode curar e ficamos corados de tentar interferir na relação do paciente e sua crença no tratamento. Podemos ser defensivamente "realistas" ou pessimistas, esvaziando a esperança que pode ativar defesas orgânicas invisíveis, inexplicáveis pela nossa Ciência "Objetiva". Posso recomendar aos leitores: se precisar de ajuda, prefira os otimistas aos pessimistas. E não hesite em querer o que parece improvável.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Dúvida, Insegurança, Hesitação

Há alguns meses atendi uma moça com um quadro de manejo extremamente difícil: após um longo período de Depressão, que chegou a causar a sua demissão, apresentava um quadro de Fobia a praticamente todos os estímulos externos. Tinha medo de sair de casa, medo do tratamento, medo de ler notícias trágicas, portanto tomava distância do noticiário, de revistas e de sua participação no mundo. Óbvio que este medo também se estendia aos medicamentos que poderiam aliviá-lo, com reações extremas a qualquer mudança de dose. Outra característica, talvez a mais sofrida, era a sua incapacidade de tomar as decisões mais simples, ficando sempre presa entre alternativas cuja decisão não tomaria mais de alguns segundos quando ela estava "normal". Após uma desadaptação já esperada aos medicamentos tentados, mesmo com a orientação sobre a natureza traiçoeira de seus sintomas fóbicos, ela acabou desistindo do tratamento. Espero que tenha encontrado alívio em outro serviço, mas não tenho tanta certeza sobre isso. Não é a primeira vez que um tratamento se interrompe assim, embora seja sempre doloroso. A parte mais frustrante é perceber que a doença cria uma espécie de círculo do medo em torno do paciente que, como um bicho ferido, morde a mão de quem tenta se aproximar e ajudar.Em alguns casos, parece que a pessoa fica dependente da angústia e do medo, como alguém que assiste muitos filmes de terror porque "é gostoso ter medo". Existe uma região de nosso Sistema Nervoso implicada em nossa capacidade de tomar iniciativas e explorar o ambiente. Outra região próxima (ambas próximas de estruturas subcorticais chamadas Gânglios da Base) cuida do processamento de informações menos importantes, funcionando como um radar para situações não usuais. É como um sistema de alarme. Muitas situações em nossa vida deixam esse sistema de alarme em atividade excessiva, gerando uma dificuldade de diferenciar situações de perigo real e imaginário. Quando esse sistema se desbalança, temos pessoas permanentemente assustadas, angustiadas, esperando que algo de ruim aconteça imediatamente. Como a minha ex paciente, não se consegue mais distinguir a mão que afaga da que fere e sai furtiva, como dizia Frejat. O trabalho de recuperação desses microtraumas e medos reverberantes passa por medicamentos, sim, e com a conquista da participação do paciente para dia após dia recuperar a sua confiança em si e na vida. Isso passa, sempre, pelo enfrentamento desses medos e dessa falta de confiança. Esse pedaço, obviamente, não é fácil. Muitas vezes, portanto, as dúvidas insolúveis, a insegurança paralisante e a hesitação para tomar as menores decisões são sinais de esgotamento e desbalanço dessas regiões do Cérebro e tem tratamento, embora muitas vezes longos e com resultados iniciais desanimadores. Cabe ao médico orientar bem o paciente nessa jornada, para que o mesmo não sucumba ao desânimo. Assim podemos colher resultados cada vez mais animadores em nossa prática.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Os Pontos de Vazamento

Há muito tempo que se houve falar de profecias autorrealizáveis, sobretudo as negativas. Lidamos com elas nos consultórios todos os dias: " Não te falei? Os homens não prestam mesmo..."; "Não tem jeito, a vida é uma merda!"; "Para ficar rico, é preciso ser um ladrão". Dia após dia, as circunstãncias parecem sempre comprovar as nossas previsões mais pessimistas. O pior é que o discurso pessimista sempre traz sobre si uma aura de "Realismo". "Veja como sou realista, tudo o que eu falo sempre acontece". Não precisamos de grandes doses de conhecimento da natureza humana para perceber que as pessoas que se refugiam em seus medos tem sempre para conforto de sua covardia o amparo dos fatos. Há um trecho do Velho Testamento que observa que se o homem olhar para o céu, nunca vai plantar. Sempre haverá a ameaça de estiagem, ou de chuva excessiva, ou de pobreza da terra para nos fazer hesitar e esperar mais um pouco, mais um pouco.
Há cerca de duas décadas que a Psiquiatria vem tornando os seus diagnósticos Dimensionais. Isso quer dizer que os trasntornos tem uma continuidade direta com comportamentos normais, representando uma escala de gravidade que vai do traço neurótico à doença psiquiátrica. Todos temos variações de humor, mesmo dentro do mesmo dia e não por isso nos tornamos bipolares. Todos temos dúvidas circulares que vão e voltam dentro de nossas cabeças e não por isso somos obsessivos; entretanto, em vários momentos da vida, ficamos presos em impasses que em muito lembram os fóbicos ou os obsessivos compulsivos. Talvez tenhamos uma subpopulação de genes que determinam a necessidade de ter medo em determinadas situações. O medo é uma característica evolutiva que está diretamente relacionada com a preservação da espécie. O nosso problema é que medo vende jornal, vende revista, um quase atentado amadorístico em New York cancela milhares de viagens, pois todos tem a sensação de que o perigo mora ao lado. O trabalho terapêutico tenta sempre criar rotas alternativas de crenças, para estimular nos pacientes a participação na vida, na experiência de estarmos vivos, que podemos renovar todos os dias. por isso precisamos cuidar de nossos pontos de vazamento, onde a energia para prosseguir vaza, vaza, até cairmos no meio do caminho, quando, necessariamente, precisamos procurar ajuda. Precisamos de softwares de Não Dúvida rodando em nossos Cérebros. como instalá-los? Vamos tentar desvendar esse mistério em nossos próximos capítulos.