quinta-feira, 17 de junho de 2010

Jacaré, Dunga e Copa do Mundo

Há umas semanas atrás eu escrevi um texto bombardeando Ricardo Gomes, o afável, provando por A mais B que Ricardo era um perdedor vocacional, dando sequência à sua carreira de derrotas no São Paulo. Não é que depois disso o time engrenou e logo terei que escrever sobre Ricardo, o astuto? Vou aproveitar o embalo para atacar o Dunga e bancar o Urubulino como Sócrates, que escreveu em seu blog que o Brasil não passa da primeira fase. Menos, doutor, tira a cerveja da frente do computador. Acho que até as oitavas a gente vai.
Essa Copa me lembra de meus áureos tempos de judoca, nos idos dos anos setenta. Eu era louco por futebol, então naturalmente a minha mãe me colocou no judô para aprender a cair, no basquete para crescer e na música para aprender a tocar piano. Futebol que é bom, só no quintal do prédio. Obviamente um judoca medíocre, finalmente cheguei a uma final no campeonato interno do Tênis Clube Paulista contra o temível Jacaré, assim aucunhado porque rastejava nas corridas no tatame como um crocodilo em busca da presa. Jacaré era tudo o que o Sensei conhecia sobre répteis, então Jacaré ficou. Quando fui enfrentá-lo, pude ver o sorriso de Maradona no seu canto de boca, como se ele tivesse o Messi em seu time e eu o Júlio Batista. Lutei na retranca. Evitei ao máximo o Judô-Arte do Jacaré e me dediquei ao Judô de Resultados (não sabia que aos dez anos era um precursor do Dunga), travando a luta e fingindo atacar, até que uma hora sabe Deus como consegui desequilibrar o Jacaré, ele caiu e muito irritado deu um pulo do chão para ficar em pé, como um ginasta olímpico. Só que ele me acertou no rosto, e eu, boleiro frustrado, levei a mão à mandíbula e caí gemendo, só faltou cair rolando dentro da área. O Sensei entrou na minha, parou a luta e deu uma punição ao Jacaré. Daí até o fim foi só fechar o ferrolho como uma Suiça e correr para o abraço emocionado dos amigos, que não gostavam muito do Jacaré. Ganhei de meio a zero, Jacaré foi embora grunhindo e sacudindo o rabo.
Essa pequena e singela lembrança me ocorreu para falar da Copa do Mundo. A primeira rodada foi um porre. O Futebol virou uma luta de Judô: o melhor ataque é o contra-ataque. O lutador aproveita a energia do outro que ataca para contragolpear e ganhar a luta. Então é aquele tal de time ficar fazendo bolinha na frente da área para de vez em nunca resolver dar um chute.É um tal de zero a zero e de um a zero a torto e direito. Dunga não foge à mediocridade. Não podemos dar o contra-ataque de bandeja, então ficamos esperando um lampejo de alguém que invente, como o Maicon inventou, um golzinho sem ângulo. Dunga montou o time como eu na final do judô. Só que ele é o Jacaré. Ele tem um belo e temido time ao seu lado. Não precisa fingir que está atacando. Pode ter um pouco de coragem, como o Maradona, por exemplo, que não entende nada de futebol de alto nível, então bota a Argentina para atacar.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Inconsciente Criativo

O psicanalista francês Lacan colocou em seus seminários que uma das grandes revoluções trazidas pelo pensamento de Freud tenha sido a reversão do Cartesianismo. Após o "Penso, logo existo" de Descartes, veio o "Isso pensa dentro de mim" com a descoberta do Inconsciente. Vamos abordar isso em outro momento, mas essa é a enunciação do nosso Quarto Cérebro, um campo psíquico de produção de pensamento, imagens, sensações e percepções fora de nosso campo habitual de consciência. O Inconsciente Freudiano pensa e traz à tona os nossos conteúdos deletados, excluídos de consciência que retornam em nossos sonhos e atos falhos. Jung, porém, não contente em explorar esse aspecto do Inconsciente, foi muito além.
Voltando para a frase " Os sonhos são manifestações não falsificadas da atividade criativa do Inconsciente", que abordamos na postagem anterior, vamos dar uma olhada agora na segunda parte da frase: ...são manifestações da ATIVIDADE CRIATIVA do Inconsciente". Depois do "Isso pensa dentro de mim", um "Isso cria dentro de mim". Não é à toa que os psicanalistas fazem chacota de nós, junguianos. Essa parte da frase aponta para um conceito ainda mais vertiginoso: temos dentro de nós um núcleo produtor de Consciência e de criatividade. Como explicar isso? Nessa hora me ocorre uma resposta de Pablo Picasso quando alguém lhe perguntou onde procurava por aquelas imagens fantásticas que apareciam em suas pinturas. Ele respondeu: "Eu não procuro, eu acho". Em bom "junguianês" Picasso estava descrevendo o seu processo de captar a criação que vem de dentro, de sua alma, de sua Psique Inconsciente. Quando isso era encontrado, poderia ir para a tela.
Na mitologia Hindu somos todos sonhos de uma figura mítica, que quando acordar desapareceremos. Seria esse o Inconsciente Coletivo, O Self?
Somos a criação de nosso mundo, nosso momento histórico, mas temos uma psique atemporal que sonha o nosso destino e cria sempre novos caminhos e oportunidades, mesmo quando tudo parece perdido ou no escuro. A Psique Inconsciente tem a força criativa da própria vida, sempre procurando por crescer e multiplicar. Isso aparece sempre quando conseguimos uma sintonia, o problema é que hoje, estamos sob o jugo da ditadura do Ego, que se agarra à matéria e sente-se controlador do mundo. Além do Ego temos uma Supraconsciência sutil mas presente que ajuda a criar e a pensar a nossa vida. Ela aparece em sonhos, visões, imaginações e intuições que nos assaltam, nos iluminam e desorientam. Ego, você não está só no campo da psique. Tem alguém querendo se fazer ouvir. Ouça. Pena que muita gente ache graça ou pense que isso é "místico" demais para o seu gosto.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O Sonho de Jung

Tudo bem, queridos leitores (ou leitora, no caso) logo vou postar textos definitivos sobre psique e futebol, em tempos de Copa do Mundo. Mas hoje vou responder a uma pergunta de minha seguidora, que colocou a seguinte frase de Carl Jung : " Os sonhos são manifestações não falsificadas da atividade criativa do Inconsciente ". Ela pede para esse que vos tecla comentar a frase e de quebra falar sobre sonhos e suas interpretações. É assunto para um ano de blog, mas vou tentar abordá-lo de forma nada sonolenta.
Vou começar sobre essa frase, que ninguém dá nada por ela, mas contém algumas elaborações teóricas de tirar o fôlego. Vou me concentrar na primeira parte da frase: " Os sonhos são manifestações NÃO FALSIFICADAS ..."; Este tiro tem destino, o alvo é a concepção freudiana das manifestações e interpretações de um sonho. Para a Psicanálise clássica, o sonho pode ser "lido" a partir de dois conteúdos: Manifesto e Latente. O sonho demonstra uma cena, por exemplo, Jung entrando em uma câmara secreta, cheia de ossos e sarcófagos antigos. Ele conta esse sonho para Freud, que o interpreta como o desejo inconsciente de Jung de matá-lo, simbolicamente falando. Vamos tentar entender o salto interpretativo: Jung era discípulo querido e menino de ouro do freudismo emergente no princípio do século XX. Tio Sigmund era o patriarca, o condutor desse movimento que mudou a forma de entendermos o homem e o mundo.O conteúdo manifesto é do jovem Carl descendo às catacumbas, em busca de algo perdido. O conteúdo latente, que Freud associou aos túmulos e cadáveres, seria o desejo inconsciente de morte do Pai e tomada do poder fálico paterno pelo filho. O sonho teria então um texto e um subtexto. Seria, a grosso modo, como se o sonho ocultasse o desejo inconfessável através de suas imagens. Jung ficou muito contrariado, para não usar outro termo, com essa interpretação. Para ele, devemos nos ater ao conteúdo manifesto sem acharmos que o mesmo oculta sempre ódios e cobiças inconfessáveis. Devemos confiar no que o sonho está demonstrando diretamente. Depois de um século desta pendenga, podemos dizer que Jung estava correto nessa conversa: o sonho provavelmente estava falando do que seria o caminho do pensamento junguiano nas décadas seguintes, quando o psiquiatra suiço realmente vasculhou os fundamentos arquetípicos da alma humana, o que incluiu escavar velhos textos e saberes que estavam enterrados no esquecimento da História. Um freudiano poderia contrargumentar que Freud tinha razão, pois Jung "matou-o" simbolicamente nos anos seguintes, tornando-se crítico e dissidente do movimento psicanalítico após rompimento doloroso com Freud. Podemos admití-lo, também, por que não? Mas no que tange a esse sonho, os junguianos vão continuar batendo o pé que o conteúdo está aí e devemos confiar nele. Isso que ele quer dizer com "manifestações não falsificadas". Descer às catacumbas, como apareceu no sonho, significava uma tendência que já se manifestava em Jung, quando passou a estudar Mitologias e Religiões comparadas para entender a formação da Psique Humana. Não era uma coleção de impulsos assassinos se manifestando de forma rebuscada. Para a interpretação de um sonho, devemos considerar o conteúdo manifesto como limite do que vamos interpretar, como uma mensagem da psique que chamamos de Inconsciente.
A segunda parte da frase, em que Jung fala sobre um Inconsciente Criativo eu comento no próximo blog. Até lá.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Cérebro Emocional

Vem ganhando corpo na literatura de Neurociência a constatação de que, como muitas estruturas de nosso organismo, o Cérebro Humano é a sobreposição de diversas estruturas que foram se complexificando e aperfeiçoando no decorrer de milhões de anos de evolução. Temos um Cérebro Vegetativo, responsável entre outras coisas por tudo o que funciona magnificamente em nosso Sistema Nervoso que sequer nos damos conta, como o batimento cardíaco, a respiração e o simples fato de estarmos despertos. Tudo isso depende desse Cérebro, que está anatomicamente embaixo das outras estruturas, acrescentadas no decorrer de eras a essa original, como várias camadas de sorvete, uma bola mais evoluída sendo colocada acima da bola anterior, mais primitiva. No topo de nosso sundae neuronal temos o Neocortex, que separa "alguns" homens de outros mamíferos mais primitivos, responsável por nossas funções cognitivas mais complexas e recentes na história humana, como Pensamento, Linguagem, Capacidades Construtivas e Memória. No meio desse sanduíche evolutivo temos o Cérebro Emocional, termo totalmente inadequado tecnicamente mas maravilhosamente sintético e didático para fins de explicação, pelo que iremos adotá-lo. O Cérebro Emocional, também conhecido como Subcórtex, também equilibra e se conecta a outras funções fundamentais, como o sono, o apetite, o medo e a organização de movimentos. A parte mais lucrativa para os psiquiatras nesse Cérebro é o Sistema Límbico, que responde por grande parte dos sintomas que enfrentamos diariamente, como medos, fobias, ansiedade e depressão. É um sistema que se integra ao Cérebro de baixo e ao de cima, formando uma verdadeira cola evolutiva. Podemos reagir como primatas primitivos em uma briga doméstica ou como seres evoluídos,dependendo do "andar" de nosso edifício cerebral que predomina na hora da briga. Podemos acrescentar milhares de anos de Religião, Filosofia e mais recentemente Psicologias para aprendermos a adotar comportamentos mais evoluídos e humanos, no bom sentido das palavras. Humanizar significa transformar reações emocionais primitivas em outras, racionais e refletidas. Essa é uma grande vantagem que o nosso Neocortex nos propiciou, a capacidade de reflexão, de interromper o impulso instintivo e adotar uma estratégia a médio e longo prazo para atingir nosso objetivo.
Desde o notável avanço dos medicamentos e das terapias biológicas que vem se colocando a "superioridade" de suas bolinhas sobre os tratamentos psicológicos. Os profissionais que conseguem combinar o tratamento farmacológico com a compreensão profunda dos maus funcionamentos de nosso Cérebro Emocional estão ficando raros, infelizmente. Mas saiba o leitor que integrar o conhecimento acerca dos vários Cérebros (sim, existem outros) é o caminho mais promissor para entender doentes e sintomas. Essa é uma parte importante da minha busca e de muito mais gente. Somos uma colagem de lembranças, crenças, medos e sonhos que se distribuem dentro e muito provavelmente fora de nossos neurônios. Saber sobre isso nos permite uma vida e um entendimento mais profundo da alma humana.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Sobre homens e sofás

Esse blog comemora, depois de 19 postagens, o seu primeiro seguidor: Oi, Rutinha, benvinda. Prometo ser mais assíduo. Vou falar hoje de um assunto que temo não seja muito de seu interesse, que é a relação perigosa entre médicos e indústria farmacêutica. Diariamente ouço o Mundo Corporativo na rádio CBN, e nessas semanas que passaram um interessante debate se estabeleceu:a questão dos profissionais que estabelecem um vínculo empregatício de PJ, ou seja, Pessoa Jurídica, optando por receber um salário melhor para abrir mão de alguns direitos trabalhistas. A Justiça Trabalhista tende a julgar que esse tipo de contrato lesa o trabalhador, mesmo quando é o próprio que opta por essa modalidade de contrato. Um dos ouvintes escreveu para o programa indagando se a Justiça Brasileira julga os trabalhadores criancinhas que não sabem pesar os prós e os contras desse tipo de vínculo.
Por falar em prós e contras, a nossa querida agência reguladora, a ANVISA, tem criado barreiras cada vez mais detalhadas e prevalentes para a relação entre propagandista farmacêutico e médico. Isso na prática tem inibido o clientelismo, a troca de favores e as relações algo incestuosas entre indústria e médicos, mas também na prática, o efeito imediato é que os meus pacientes assinam o cheque com a caneta Bic, já que a ANVISA proibiu aquela canetinhas promocionais. Não pode caneta, pen drive, blocos de notas e outros pequenos agrados estão proibidos, porque podem influenciar a nossa prescrição. Esse fato me lembra a história do português que pegou a esposa traindo-o no sofá e vendeu o sofá. O poder de formação de opinião e de fomento de pesquisa da parte da Indústria Farmacêutica é descomunal. Há uma pressão muito grande da Literatura para tratarmos mais tempo, com doses maiores e mais opções medicamentosas os nossos pacientes. Como no debate da CBN, nossos queridos colegas da ANVISA acreditam que somos criancinhas manipuláveis que vamos trocar nossa reputação e consciência por canetinhas e psssagens para o Congresso. Sou muito grato aos laboratórios que me levaram ao Congresso de Neurociência em Gramado ou ao Congresso Brasileiro de Psiquiatria nos últimos anos, mas isso não mudou uma gota de tinta em minhas prescrições que visam o interesse, inclusive econômico, de meus pacientes com medicamentos de melhor custo/benefício para cada caso. Isso vale muito mais do que algumas canetinhas. O verdadeiro lobby na formação das opiniões, nos diagnósticos e nas condutas estão em outro lugar, bem longe dos consultórios, tem uma força de pressão maciça e necessita de médicos com espírito crítico e boa formação científica para separar, sempre, o joio do trigo. E isso se consegue formando e informando bem a classe médica, coisa que as agências não tem estrutura para bancar.