quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Neymar e a Hybris

Vamos fazer uma pequena pausa de nossos textos mais "psiquiátricos" para meter o bedelho no futebol (aliás, esse deveria ser o nome do blog: "Metendo o Bedelho"). Vamos voltar um pouco no tempo, quando o gorducho presidente do Santos, Luís Álvaro, do alto de uma empáfia marqueteira anunciou triunfalisticamente que o menino prodígio Neymar não iria ao Chelsea, mas que basicamente ganharia a mesma coisa no Santos, através de um engenharia marqueteira semelhante à usada para trazer Robinho. Lembro da frase cuidadosa e bregamente preparada para a ocasião: "Desaparece o craque, surge o Mito". Mesmo sãopaulino, senti um profundo arrepio na base da espinha. Transformar um moleque que mal se firmou como um bom jogador em um Mito? Isso, com certeza, é uma Hybris. Mas o que significa esse palavrão?
Na Mitologia Grega, a Hybris é uma espécie de ruptura entre homens e deuses, causadas pela suprema vaidade dos primeiros, sempre invejosos dos poderes dos habitantes do Olimpo. Podemos lembrar do destino de Prometeu, um titã que se julgou capaz de ludibriar o próprio Zeus, o mais poderoso dos deuses do Monte Olimpo. Prometeu fez a oferenda de um touro magnífico aos deuses, mas subtraiu toda a parte da carne e deixou aos seres divinos apenas montes de pele e gordura. Logo depois roubou o fogo dos deuses para dar aos homens, sendo condenado a uma eternidade de sofrimento, amarrado a uma rocha com um corvo devorando o seu Fígado.
Quando um dirigente joga nas costas de um adolescente o peso de ser um Mito, com certeza está cometendo uma Hybris, isto é, uma desmesura, um ato que necessariamente vai chamar por uma correção. O técnico do Atlético Goianiense, René Simões, deu o brado: "Estamos criando um monstro". De Mito a Monstro, essa é a trajetória de quem é equiparado aos deuses. Hoje o twitter está repleto de ofensas e os jornais estampam o título: "Perdeu, Playboy". Mano Menezes deixou de chamá-lo. Juca Kfoury, nosso maior jornalista esportivo (o que não o impede de escrever as suas asneiras) discordou, achou que Mano estava sendo solidário com o colega demitido pelo Santos, Dorival Júnior. Não, senhor Juca. Na Mitologia Grega, toda vez em que o mortal tenta ultrapassar as suas limitações humanas e equipara-se aos deuses, aparece a deusa Nemesis para devolvê-lo à sua miserável e falível condição humana. Mano está devolvendo Neymar à sua condição primeira: não é um deus, não é um mito, é apenas um bom e promissor jogador de futebol. Vai doer um pouco no Fígado, mas não vai ser uma punição tão dura como a de Prometeu.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Transtorno Dismórfico Corporal - Abordagem

Vou parar de incomodar os meus poucos seguidores desse blog com esse assunto. Foi ótimo escrever sobre o tema, me ajudou a organizar as idéias para a aula no Projeto Open, voltada para jovens cirurgiões plásticos, amanhã. Para finalizar essa série, vou voltar aos parâmetros de atividade e psique humana que emprestei da Cientologia no início desses textos: Doingness, Havingness e Beingness. Para que voltarmos a isso?
Agora pouco eu conversava com uma cliente, ex modelo que, de cabeça me citou meia dúzia de colegas com diversos graus de Transtornos Dismórficos Corporais. Uau. Realmente podemos estar diante de uma epidemia ( no caso das modelos, uma doença ocupacional?) A obsessão com a imagem, com O Havingness - quem tem o melhor corpo, quem é mais jovem, espelho, espelho meu, vai criando esse circuitos reverberantes de Preocupação-Ruminação-Obsessão que provocam tragédias de procedimentos desnecessários, depressões e afastamentos de pessoas bonitas, bem sucedidas, no auge da carreira, simplesmente pelo medo da feiúra, medo do ridículo, medo da exclusão. Bem sabemos que vivemos em uma sociedade onde o medo da exclusão é a moeda de troca para escravização de todos. Como abordar esses diferentes estágios de medo?
O médico precisa zelar pelo Beingness. Sabemos que a ênfase é no Doingness: "Eu vi os seios que você fez na minha amiga, ficaram lindos"; "Ouvi falar que o senhor é um verdadeiro artista". O paciente procura aparentemente por um Doingness,a destreza técnica do profissional, os resultados obtidos, o Fazer e o Ter do médico: qual o resultado, quantas pessoas conhecem, ele é famoso? Na hora do "vamo´ver", entretanto, o que vai estar em jogo é o Beigness: quem é o profissional, quanta tranquilidade vai conseguir passar, ele será um capitão do barco que vai zarpar no Pré Operatório e vai concluir a jornada na alta? O paciente quer Ser alguém, quer um médico que lhe transmita um Beingness. Quando ocorrem acidentes de percurso, como sintomas afetivos, ansiosos ou dismorfofóbicos, podemos resumir a abordagem nas "Quatro Nobres Verdades" a serem transmitidas ao paciente:
1a Nobre Verdade: "Há uma área do seu Cérebro que está hiperativa". Viu que legal? Substituimos o "É psicológico" ou o pior: "Isto é coisa da sua cabeça" por uma frase que dá ao paciente uma base orgâncica e não "imaginária" para o seu sofrimento. Já cansei de ver o paciente sair muito melhor do consultório só pela sensação de alguém sabe o que ele tem e o que fazer com aquilo;
2a Nobre Verdade : "A sua condição tem tratamento". Melhor ainda. A mensagem é mais clara ainda. Além do quadro ter uma base orgânica, ela é abordável clinicamente e o seu médico de referência pode ajudar, ou chamar alguém que ajude.
3a Nobre Verdade : "O Tratamento de sua condição consiste em reduzir o Hiperestímulo do seu Cérebro Emocional". Refinamos ainda mais a mensagem. Vamos frisar a estratégia dessas três mensagens:
A Olhe o problema de fora. Não é você que está pensando, é alguma coisa dentro de você que está te deixando hiperestimulado(a);
B Esses pensamentos são um sistema que se retroalimenta de si mesmo, precisamos cuidar disso para lidar com esses sintomas;
C Estamos (eu e você) capacitados para lidar com isso.
Genial, heim? O Beingness do médico e do paciente estão valorizados e prontos para debelar a crise. Finalmente:
4a Nobre Verdade: não é a Senda Óctupla do Budismo, mas a Senda Trina, a saber:
A Atenção Correta: preste atenção aos pensamentos até que eles vão diminuindo. NÃO BRIGUE COM OS PENSAMENTOS, NEM TENTE CONTROLÁ-LOS. Apenas preste atenção, até que eles vão encolhendo, aos poucos.
B Ação Correta; use medicamentos que diminuam o estado de hiperexcitação, como tranquilizantes que vão da Passiflora aos Benzodiazepínicos, além dos Inibidores da Recaptação da Serotonina.
C Esforço Correto: mude o foco de seus pensamento. É proibido ir ao espelho,cobrir o rosto, cutucar a ferida ou manipular a região objeto de preocupação. Faça coisa que lhe agradem, refocalize os pensamento, após praticar os passos anteriores da nossa Senda Trina.
Ufa, é isso. Uma boa aula para nós, então.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Idéia Inoculada

Nas primeiras cenas do filme de Christopher Nolan, "Inception" ( em Português - " A Origem "), Leo Di Caprio está apresentando uma idéia para um grande executivo,explicando para ele que o "microorganismo" mais resiliente e que nada consegue eliminar é uma idéia. A idéia inoculada na mente de uma pessoa é como um parasita que passa a crescer e a se multiplicar, gerando um sistema que pode ganhar vida própria. No decorrer do filme percebemos o quanto aquele personagem descobriu de forma trágica a verdade dessa afirmação. Inocular uma idéia pode ser mais perigoso do que um vírus ou um parasira letal. Nas últimas postagens estamos delineando esse processo em que uma idéia pode virar um sistema, o sistema uma doença, a doença uma perda de contato com a realidade.
Uma olhada no espelho pode plantar uma idéia: " o meu nariz está torto"; "A minha boca é desproporcional"; "Algo está diferente comigo". Uma idéia assim pode crescer e se multiplicar ou ficar latente, presa entre as nossas redes neurais. Vou dar um exemplo: uma impressão vaga que gravada como idéia, do tipo: " Esse filho não é meu, mas se parece com fulano". O homem passa a ter um comportamento reticente com relação ao bebê. Dias depois, se mostra irritado com o choro do mesmo. A esposa começa a notar que ele chega mais tarde em casa e pouco quer conversar. Esse processo, indo num crescendo pode bem terminar em tragédia, mas o mais comum é que essa idéia venenosa fique anos dentro da psique de seu propietário, gerando mágoa, distância, doenças. Parece estranho, mas uma das tarefas de uma boa psicoterapia é ir pescando essas idéias venenosas e colocando em perspectiva o sistema de dor que se acumula em torno dela.
No caso dos Transtornos de Imagem Corporal, esse processo pode ser tão difícil como controlar uma infecção resistente. A menina com Anorexia fica muito ofendida quando lhe pedem para comer, afinal de contas, já está imensa de gorda em seus quarenta quilos. O paciente com Transtorno Dismorfofóbico pode sair chorando de uma consulta onde o m´dico pede uma avaliação psiquiátrica antes da cirurgia, só porque é a quinta vez que se apresenta para uma Cirurgia de Nariz. As famílias olham impotentes para aquele sistema de Crenças que se multiplica como um Câncer na vida do ente querido, que se recusa a ouvir qualquer coisa que contradiga a sua visão do mundo. Imagine um cirurgião plástico, que sempre achou as aulas de Psiquiatria da faculdade um bom período para dar um pulo na Atlética. O que fazer com um caso desse? Não tem jeito é ele muitas vezes que vai ter que explicar ao paciente esse processo: uma idéia foi inoculada lá, ela passou a ser uma preocupação, depois foi virando um incômodo para em seguida começar a invadir a imaginação da pessoa em momentos que nada tinha a ver com a idéia em si. Depois de um tempo já não dá para dormir sem pensar por uma hora naquela idéia, com mil e um planos de como lidar com aquele problema, que estratégias assumir para equacioná-lo. Após alguns meses, a pessoa experimenta uma crise de ansiedade quando tem que olhar no espelho. Antes que os colegas fujam desesperado: podemos lidar com essas idéias. podemos cuidar delas. Aguardem nossos próximos capítulos para ver como.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Anorexia, Vigorexia, Transtorno Dismórfico: Patologias de Imagem?

Há um livro de que gosto muito, "Superfreakonomics", onde os autores descrevem várias curiosidades do mundo dos Economistas e como eles tentam entender o mundo através de estatísticas e algoritmos matemáticos/computacionais. Em dois capítulos diferentes eles discutem os malefícios e os benefícios da Televisão na sociedade humana. Primeiramente, um dado estarrecedor: a chegada da TV em diferentes pontos do país, no caso, Os Estados Unidos, a partir dos anos 50, fez disparar os índices de violência e criminalidade nos estados onde os programas de TV e a venda de aparelhos foi mais significativa. Isso numa época em que as crianças podiam ligar os aparelhos sem dezenas de opções de tiros, corpos mutilados e zumbis sanguinários devorando gente. Esse aumento da criminalidade muito provavelmente não se deu pela força sugestiva das imagens, mas pelo aguçamento do desejo de consumo gerado pelas imagens da propaganda e do merchandasing nascentes. Compre, compre, compre. Queira, queira, queira. No auge da Crise Mundial de 2009 Lula pedia à classe média para continuar comprando. Essa é a nova utopia humana: comprem, consumam, devorem.
Voltando ao início de nossas postagens sobre o Transtorno Dismórfico Corporal, você tem um Ser definido pelo o seu Fazer e o seu Ter. Eu Tenho, logo Existo. A sociedade de Hipermídia passa a tornar vital a todos um bom lustro em nossas Personas: qual a nossa aparência, que carro dirigimos, em que revistas aparecemos. Temos uma fração de eleitos sorrindo na Revista Caras, definindo um padrão: Seja Rico e Bonito ou Pereça Socialmente. O Inferno é o Exclusão.
As meninas chegando à adolescência passam a serem pressionadas por padrões de beleza inatingível, sobretudo pela magreza e a perfeição de formas. É nessa fase, aliás em idades cada vez mais tenras, que os consultórios começam a atender pré adolescentes aterrorizados com a própria Imagem. Mas as patologias de Imagem não se restringem a essas faixas etárias. Transtornos Alimentares, como Anorexia e Bulimia, dependem quase exclusivamente da preocupação obsessiva coma própria imagem e da aceitação pelo grupo. Atendi recentemente uma moça que ficou bem perto de um ato suicida bem planejado pelo nível de assédio e perseguição que sofria na escola por ser gorda e feia, em suas próprias palavras. A escolha de sua carreira e de vida pessoal foi profundamente afetada por essa vivência. Observamos também outras patologias de Imagem, nos casos de Vigorexia, ainda uma doenças não classificada pela Psiquiatria, mas cujo número de casos vai se tornando cada vez mais frequente gerando outro abuso, o de medicamentos anabolizantes. O quadro pode começar de forma tão branda quanto o de uma menina que começa a noter o seu nariz um pouco torto, até isso virar uma preocupação torturante e pervasiva em todo o seu dia. Uma inocente busca de melhor forma física em nossas academias pode deflagrar uma mudança profunda no comportamento dos Vigoréticos, que passam a ser parte de uma tribo de marombados, sempre preocupados com suplementos e massa magra para exibir os músculos e forma física em nosso mercado de Personas até começarem as lesões por estresse ou por supersolicitação de músculos entre halteres e aparelhos sofisticados.
Não visamos abolir a Televisão nem a Internet, o que só seria possível em uma comunidade Amish americana ou em algum lugar no interior do Sudão, mas criar um foco de consciência nas pessoas. Nem vamos negar os profundos benefícios de se cultivar a beleza e a autoestima para todos. Vamos democratizar a beleza e o bem estar, claro. A nossa questão é que os filhos e os pais estão sendo continuamente pressionados a serem cada vez mais compulsivos. Para o cirurgião plástico e o psiquiatra, isso é bom motivo para manter a independência e o espírito crítico na hora de diagnosticar e indicar tratamentos. A virtude, como nos tempos dos gregos, continua na justa medida, o que é bom e previne compulsões.

sábado, 4 de setembro de 2010

Cirurgia Plástica e Imagem Corporal

Para você que chegou agora, olhe as últimas 3 postagens, que falam sobre o tema de uma aula, ok? Obrigado. Do que falávamos mesmo? Ah, Imagem Corporal. Vamos nessa.
Na esquina de minha rua tinha um barbeiro, daqueles que cortavam cabelo com a navalha, o Ranulfo, carinhosamente alcunhado por nós de Pomba, pelo o que fazia em nossas cabeças. Quando o simpático mas algo tosco Pomba acabava os seus cortes de cabelo e finalmente mostrava a sua "obra" para a minha mãe, eu e meu irmão saudávamos o sucesso de seu corte com uma crise de choro. Evitávamos olhar para o espelho por algumas semanas, sem mencionar as gargalhadas que nos esperavam na escola. Escapamos por pouco de um Transtorno Dismórfico Corporal, pois todos os elementos da doença lá estavam à nossa disposição: mudança da imagem corporal, prejuízo da autoestima, medo do olhar crítico e do ridículo público. Quando um cirurgião mexe na aparência de uma pessoa, notadamente no nariz que é o ponto de equilíbrio ou de desequilíbrio de uma fisionomia, os primeiros contatos com o espelho são particularmente dramáticos, pois haverá uma fase inicial onde a imagem desse rosto vai ser reorganizada nas redes neurais do paciente. Nesse momento pode haver uma espécie de curto circuito ansioso, onde a pessoa não consegue se reconhecer naquela que está refletida no espelho. Esse "não sou eu" deve fazer o médico se sentir como o Pomba vendo as crianças aplaudindo o seu corte militar com choro e palavrões.
A Neurociência vem descrevendo nos últimos 20 anos a capacidade do Cérebro mudar os seus mapas e imagens mentais diante de mudanças na entrada e saída de informação, num fenômeno chamado Neuroplasticidade. Este processo permite ao paciente criar para si uma nova imagem, sem a experiência do sábio chinês Chuang Tzu, que sonhou que era uma borboleta e acordou sem saber se era um sábio sonhando ser uma borboleta ou se era uma borboleta sonhando ser Chuang Tzu. Apesar da estranheza inicial, o nosso Cérebro tem a capacidade de reorganizar a sua Imagem Corporal quase imediatamente quando a nova imagem aparece, sem imaginar -se uma borboleta, ou uma lagarta.
A cena do médico tirando as bandagens de um paciente, no momento de mostrar o resultado de uma cirurgia já foi bastante explorada pelo cinema e televisão, sempre como suspense se o paciente vai ou não aceitar o resultado, a nova face refletida no espelho. Esse é o momento crucial,onde a imagem que o paciente guardava de si vai ser modificada, remapeada em suas redes neurais. Uma reação catastrófica pode gerar um período de não reconhecimento da própria imagem, com todos os outros sintomas do Transtorno Dismórfico Corporal, como olhar obsessivamente para o espelho várias vezes ao dia, a preocupação obsessiva com o orgão operado até a tentativa de esconder a nova imagem com bonés, cabelo e barba ou até máscaras semelhantes às usadas por Michael Jackson. O trabalho de recuperação consiste em diminuir, com o uso de medicamentos e psicoterapia, essa reação catastrófica de não reconhecimento para o paciente poder fazer a sua reorganização de imagem corporal da melhor forma possível. Esse deve ser o pesadelo de um cirurgião plástico, o mesmo do barbeiro da esquina de minha rua. Mas é bom saber e orientar o paciente que se trata de uma doença que pode ser adequadamente tratada.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Transtorno Dismórfico Corporal

Para quem está pegando o bonde andando, essa é a terceira postagem a respeito de uma aula que vou dar em uma Jornada de Cirurgia Plástica daqui a uma quinzena. O tema principal da aula está no título acima. Apesar de ser um Transtorno relativamente raro de se ver no consultório de um psiquiatra, não é tão difícil de cair nas mãos de cirurgiões plásticos, podendo representar de 6 a 15% dos casos que vão procurar avaliação. O quadro se caracteriza pela preocupação excessiva com um defeito, real ou no mais das vezes imaginado da aparência que causa um desconforto significativo na vida do paciente e mais ainda no coitado do cirurgião plástico que tropeçar num caso desses. O fato é que mesmo que o defeito realmente ocorra, o paciente se apresenta com uma preocupação desproporcional em relação ao mesmo. Esse transtorno, portanto, não tende a diminuir, mas, pelo contrário, tende a aumentar em uma sociedade pautada pelo culto à aparência como forma de aceitação e inserção social (quando escrevo isso, lembro de uma propaganda de roupas masculinas que tinha o slogan: "O mundo trata melhor quem se veste bem", com várias mulheres cercando um nerd bem vestido. Veja que tudo é uma questão de marketing. Se você nascer em um país islâmico, o slogan será "Seja um homem bomba e receba 27 virgens no paraíso"; ou, em um país ocidental: "Tenha boa aparência e amplie suas oportunidades de acasalamento"). O termo antigamente utilizado para este transtorno era Dismorfofobia. O nome está errado porque situa essa doença em uma Fobia da feiúra, ou medo exagerado de se ter uma aparência ruim ou repulsiva. As Fobias são quadros de medos irracionais e exagerados de coisas que normalmente não representam ameaça à média das pessoas. Lembro de um paciente de um metro e noventa, de causar medo na tropa de choque da Mancha Verde que se encolhia de medo ao cruzar com uma lagartixa em seu caminho. Ele sabia perfeitamente que seu medo nada tinha de racional, mas, mesmo assim, evitava situações ou lugares onde houvesse uma lagartixa. O Transtorno Dismórfico Corporal se insere no Espectro dos Transtornos Obsessivos Compulsivos, onde uma preocupação vai virando uma idéia recorrente, uma idéia recorrente vira uma idéia sobrevalorizada, que vira uma idéia obsessiva até que toda a experiência de uma pessoa se organiza em torno dessa idéia. Isso não é, apenas, uma fobia de lagartixa ou de ficar com o cabelo oleoso. É um quadro em que a idéia sobrevalorizada pode adquirir uma tal monta que a pessoa termine atentando contra a própria vida pela sensação de estar sendo observada e ridicularizada por todos. Apesar dessa gravidade, há vários recursos a se utilizar antes do quadro ficar muito grave. Vamos falar mais sobre isso nas próximas postagens.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Fazer, Ter, Ser

Estava preso no congestionamento de Quinta Feira (antes o trânsito era mais carregado no começo da semana, agora não, estamos com uma piora perto do final de semana) sobre as questões do Fazer e do Ter como determinantes do Ser em nossos tempos bicudos. Para o leitor que abriu esse texto e não o anterior, estamos ainda prosseguindo com a questão do ponto de encontro entre o psiquiatra e o cirurgião plástico. Quando as pessoas especulam a respeito de alguém, a questão levantada é sempre essa: Quem é? O que faz? E mais profundamente: o que ele Tem? A filosofia especula que estamos na era do simulacro, ou seja, é mais importante aparentar do que ser. Quando as pessoas, cada vez mais de ambos os sexos, vão procurar a ajuda de um cirurgião para modificar a própria imagem corporal, seja uma cirurgia estética ou reparadora, é claro que a aparência é uma questão importantíssima de nossa sociedade. É claro que o Ser é pautado pelo Ter: ter uma boa aparência, ter um carro bacana, ter a bolsa "poderosa". O ponto onde essa preocupação atinge o psiquiatra e o cirurgião de forma concomitante é no Ideal do Eu, ou ideal do Ego.O Ideal do Eu é a projeção de nosso falso Self (também abordado em postagem anterior). Para recebermos atenção,admiração, em suma, para sermos alguém, precisamos da aparência ideal, da carreira ideal, do parceiro ideal. Quanta gente derrama-se em frustração nos divãs por verem as suas vidas reais bem longe do ideal projetado para seu Ego. Vamos falar nas próximas postagens de como o senso de Ser de uma pessoa é afetado por esses padrões, bombardeados pelas mídias, as imagens alucinatórias de magreza, beleza e simetria, gerando uma horda de fiéis que não hesitam em sacrificar a própria saúde e bem estar para estar entre os bacanas, os populares, os eleitos. Os vários procedimentos vão trazer complicações ansiosas ou sintomas de Transtorno Dismórfico Corporal na exata proporção da base de Ser do paciente ser mais ou menos lesada.
Estudos sobre ansiedade e cuidados maternos mostram que, ninhadas de ratos que são separadas de cuidados e atenção logo ao nascimento mostram, quando chegam na idade adulta, maior índice de ansiedade, maior produção e liberação de Cortisol, um hormônio relacionado à resposta ao estresse do que os ratinhos que foram bem cuidados e manuseados pelas mães. Esses estudos confirmam o que a Psicologia repete há um século, que o senso de Ser e consequentemente, a capacidade de Fazer e de Ter\Adquirir está em relação direta com a Atenção que recebemos desde a infãncia e o senso do que se É. Parece estranho, mas tanto o psiquiatra como o cirurgião plástico vão ser mais ou menos bem sucedidos no lidar com os pacientes que receberem do profissional a sensação de que Ser alguém, não um número de ficha. Você existe e é importante. O procedimento vai ser acompanhado de atenção plena, e isso vai fazer muita diferença na evolução e no trabalho que os profissionais vão ter no Pós operatório da cirurgia e na aceitação dos resultados. É nesse ponto que as duas especialidades remam na mesma direção e se potencializam.