sábado, 30 de outubro de 2010

Par Imperfeito

Ontem tive uma manhã psicoterapêutica no Congresso. Mas você é psicoterapeuta também, Marco Antonio. Para quem não sabe, a Psicoterapia é um bicho em extinção no ecossistema cada ver mais pobre da Psiquiatria, mas não vamos falar disso agora. Na primeira apresentação, um tiozinho do setor de Psicoterapia da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Ele falava da fantasia totalizante da Psicologia dos séculos anteriores, da necessidade de se construir um sentido para tudo, tudo participa do Todo. Não há como construir um saber totalizante, disse o Desconstrutivista da aula das 8 e meia, para todos os gatos pingados presentes, como eu. A apresentação de Ana Lia, da Sociedade Junguiana (SBPA) invoca a Física Quântica para dizer que somos todos conectados e interrelacionados no Todo. Jung estava certo, então. Já adianto aos caros leitores que essa pendenga será eterna, sempre haverá o defensor de que a evolução humana se dá às cegas e os outros que encontrarão um sentido nos movimentos caóticos da vida. Isso também não será nosso assunto. Qual será o nosso assunto, então, cara pálida? Obsessões Amorosas, é claro, só que agora com uma base filosófica (e neurobiológica) muito mais bacana.
Os homens tem uma grande vantagem atual nas relações amorosas: a vantagem de poder perder. Neurobiologicamente, o macho da espécie tem a obrigação de espalhar o seu semen pelo maior número de fêmeas possíveis. Quando uma relação não dá certo, ele se pergunta: qual será a próxima? Quantas fêmeas vou conseguir colecionar? Neurobiologicamente, a fêmea primata precisa encontrar o macho mais viável, com o melhor patrimônio genético. Quantos filmes e revistas femininas ganham fortunas com isso: como conseguir O Cara, como manter O Cara, como dispensar o Cara que não é O Cara. A mulher busca pela Totalidade, a sensação do encontro amoroso absoluto. Isso gera uma técnica de xaveco masculino quase infalível: você encontra uma mulher num site de encontro (já pensou nos nomes - "Par Perfeito", "Almas Gêmeas"? Parecem feitas por mulheres ou homens explorando essa fome de encontro absuluto), retomando, você encontra na balada ou no site uma mulher, qual o xaveco perfeito? Falar que o encontro é absoluto, claro. Você é maravilhosa. Você é a Mulher que eu estava procurando.Vamos fazer planos. Eu sou o cara que te conhece de outras vidas. Quando essa promessa desmorona na primeira dificuldade, e, acredite, dificuldade é o segundo nome de relação a dois, todo aquele amor totalizante desmorona como uma torre de papel sob a chuva. Restam lágrimas, decepção e um apego obsessivo ao que foi dito, ao que foi prometido. Como alguém pode falar tantas coisas, pode prometer tanto e daqui a dois dias, ou daqui a meia briga ou meia troca de farpas, simplesmente deixa de sentir? Um amor total que não aguenta meia hora de sereno? Cuidado, meninas. Cuidado com a fantasia de Pares Perfeitos, pois os pares são sempre imperfeitos, portanto, humanos. Sobretudo, cuidado com homens que prometem demais, ou não sustentam o que prometeram.Fujam deles e de seu bláblablá. Um homem se faz de atitude, não de palavras.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De Fortaleza, com amor

O título é uma paráfrase de um título de filme que eu adoro. Do título, o filme eu não vi. Estou em Fortaleza na vigésima oitava edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Hoje dei sorte e assisti a boas mesas e debates. Por aqui todo mundo é Dilma, como já sabíamos que era. O chofer de taxi que me trouxe falou que o Lula iria dar as diretrizes para ela. Pensei nisso durante uma aula que eu entrei por engano, quando uma colega demonstrava a dificuldade de processamento auditivo de crianças vítimas de violência doméstica. Será que o Bolsa Família, originalmente um programa de incentivo à aderência escolar, transformado pelo governo Lula em programa de renda mínima e curral eleitoral, não vai ser um programa de estímulo à natalidade, aumentando a mesma nas camadas da população menos habilitadas a fazê-lo? Do que eu estou falando? Estou correlacionando pobreza, miséria e violência doméstica, que vão gerar crianças com várias e importantes dificuldades emocionais e intelectuais? Sim, é exatamente disso que estou falando. Ou melhor, os estudos sobre famílias disfuncionais falaram. Existem famílias disfuncionais fora das favelas e dos bolsões de pobreza? Claro que sim. Diariamente recebemos da mídia reportagens sobre Suzanes, Nardonis e outras monstruosidades construídas dentro dos lares, enquanto nosso Congresso (o Nacional, não o de Psiquiatria) tenta aprovar leis que proíbem as palmadas. Palmada no bumbum não pode, mas as crianças que chegam com politraumas nos hospitais de periferia não tem a proteção da lei.
Eu não compartilho do horror que a classe média costuma dedicar ao Lula e sua entourage. Tenho temores muito mais profundos, que na verdade todo o projeto petista seja catastrófico para construir um bem estar social num país que começa a ter força nas pernas. Tenho medo do simplismo que acredita que dar esmolas é um projeto factível para o país crescer e cuidar bem de suas crianças.

domingo, 24 de outubro de 2010

Somos todos Obsessivos?

Nas últimas décadas as pesquisas em Neurociência decifraram os circuitos que são ativados em nosso Cérebro Emocional quando estamos preocupados com alguma coisa e essa preocupação vai ganhando peso até virar um curto circuito obsessivo. Já falamos sobre isso nos Transtornos Dismórficos Corporais, quando uma idéia sai de nosso Córtex e passa por vias que vão fazer uma alça nas vias motoras e voltam por um sistema de relê para realimentarem a mesma idéia, geralmente no Córtex Frontal, onde tudo tinha começado. É quase como se pudéssemos observar a idéia, ou a preocupação, ou a obsessão indo e voltando do Cérebro Racional até o Cérebro Emocional sem nunca encontrar uma saída. Um labirinto neurofisiológico. Dessa forma, uma preocupação vira uma idéia fixa, uma idéia fixa vira um sistema obsessivo, um sistema obsessivo pode virar uma paranóia.
Hoje quase tudo nos cobra algum grau de obsessão. Vivemos na época do pensamento intencional, quase tudo o que fazemos tem um objetivo e um plano de ação. Pensamos, pensamos, normalmente no que nos falta, no que não temos, ou não realizamos, nossos objetivos não cumpridos. Hoje dei uma passada na região do Mercadão, região central da cidade de São Paulo, quando passamos pela rua e víamos deitados no meio fio os mendigos das ruas adjacentes a 25 de Março. O cheiro de urina, as frutas esmagadas no chão e os cachorros de rua deitados perto de seus donos, que cena. Pensamos e somos estimulados a pensar, no carro novo, nos projetos a realizar, nas dificuldades das relações e o cachorro de rua com o corpo encostado em seu dono, indiferente à miséria, confiante que a comida virá e o abrigo é lá mesmo.
Todos temos um nó na vida que não conseguimos desatar e nos ocupa muito tempo em preocupação, suor e lágrimas. Uma lacuna profunda na alma da mulher pós moderna é a ausência estudada do homem, que se subtrae dos relacionamentos como um pássaro que abandona o ninho para dominar a fêmea ou o jogo do encontro e desencontro amoroso. O homem sofre de seu medo e solidão, mas recua diante da expectativa feroz e da cobrança de uma mulher que quer a forra de séculos de opressão e desatenção.
Penso no cachorro do mendigo, na sua presença amorosa, na gratuidade da sua presença. Ele nunca vai padecer de uma obsessão amorosa ou profissional. Talvez porque ele não tenha objetivos que lhe tirem o sono sob as marquises.

sábado, 23 de outubro de 2010

Perto do Coração de Fogo

Tem uma passagem de um filme que adoro, "Melhor é Impossível" (mais um título bobo em Português, para um título em Inglês que seria "O melhor que fica", ou um slogan invertido do Tiririca, "Melhor que está não fica"), quando a personagem de Helen Hunt está dando uns amassos num cara, de repente ouve o seu filho doente chamando, vai acudí-lo, ele está passando mal e vomita. Quando ela volta para o rapaz, para continuar o que tinham parado, ele se suja de vômito. Ela limpa a sua manga, sem graça, o clima se desfaz, a transa para, o rapaz vai embora dizendo: "Too much reality", ou "realidade demais para mim". Lembro dessa cena quando ouvi um amigo me contando de um encontro agendado pela internet, através desses sites de encontros. Depois de alguns minutos de conversa agradável, a moça revela que aquele encontro era o primeiro depois de um longo tempo, após um longo e doloroso tratamento de uma doença grave que lhe custou os cabelos. Acabou o relato mostrando a pele sob a peruca. Quando ele passou a evitá-la, percebeu frases e twittadas relatando a decepção que os homens sempre acabam sendo. Melhor continuar sozinha, ela concluía. Ele acabou de contar, constrangido mas não culpado, como era desconcertante receber uma carga daquelas no primeiro encontro, sem ter chegado ao terceiro chopp. Too much reality. Qual a moral da história? Os homens são seres fantasticamente egoístas, que não são capazes de aguentar meia hora de sereno, recuando diante de uma criança doente ou de uma mulher que sobreviveu corajosamente a uma doença grave? Ou será que existe nesse "causos" uma trapaça que acaba caracterizando as obsessões amorosas? Se os relacionamentos são como um processo orgânico, uma pequena planta a ser cultivada, nada melhor do que um pisão atabalhoado para destruí-la. Qual o pisão dado pelos obsessivos amorosos? Despejar logo no início da relação, logo no começo da dança sutil de interesses e sedução um caminhão, uma betoneira de expectativas. Olha só, estou saindo pela primeira vez após dois anos de sofrimento e solidão, estou dividindo o meu segredo com você, se você me abandonar será o mais cruel e covarde dos homens, não vai conseguir sequer olhar para o seus olhos culpados no espelho. Quando o cara vai embora, seja porque está assustado seja porque percebeu a pegadinha e não vai morder a isca, as mensagens reiteram o imprinting maldito: "Os homens me decepcionam". Um dos aforismas do Tao te King lembra que se você se decepcionou é porque havia um Ego orgulhoso que se decepcionasse. Eu sei que a pessoa assolada pela obsessão amorosa não consegue conter o coração queimando de ansiedade para finalmente poder entregar todo o amor, todo o desejo represado por meses, anos. Mas esse discurso: "Estou só a tantos anos e você pode me resgatar, Príncipe do Cavalo Branco" faz os machos da espécie voarem para a rua ultrapassando rapidamente na corrida o carro de Rubens Barrichelo. Há um aforisma da Psicologia da Gestalt: "Eu não vim ao mundo para corresponder às suas expectativas. Você não veio ao mundo para corresponder às minhas", que deveria ser a verdadeiras jura de casamento, antes do pedaço da alegria e tristeza, saúde e doença,até que a morte (ou as expectativas) os separem.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Transtorno Obsessivo Amoroso - O Imprinting

Foi com muito pouco alarde que a Neurociência desvendou o Inconsciente Freudiano. Há mais de um século o neurologista de Viena descreveu quadros onde conteúdos gravados no Inconsciente emergiam, com sofrimento, na forma de sintomas. Freud dedicou toda a sua vida, carreira e credibilidade àquela idéia original: fragmentos de memória emocional podem ficar offline em sua Consciência para emergir de forma geralmente inesperada ou gradativa, mas quase sempre, fazendo estrago.
Os mecanismos de Memória, notadamente a Memória Emocional, começaram a ser progressivamente esmiuçados desde a década de noventa, chamada pelo presidente Bush (o pai) de Década do Cérebro. Uma região do tamanho de uma ervilha, a Amígdala, situada na região de contato e relê de todos os nossos circuitos emocionais, foi a principal suspeita pela potencialização de nossa Memória do Medo. Foi descoberto um circuito nas profundezas de nosso Cérebro Emocional, onde a Memória é gravada sem a participação da consciência do proprietário. Bingo. Olha aí o Inconsciente descrito por Freud. Uma lembrança traumática de um cachorro avançando em sua infância podem virar um Imprinting em seus sistemas de Memória, gerando medos irracionais no adulto. Algumas frases, também.
Estou dando esse esboço teórico para que possamos entender a importância das frases e das imagens deflagradoras em nossa Memória Emocional. Como os circuitos são profundos, eles podem reverberar e determinar muitos comportamentos antes que a pessoa se dê conta. No caso desse quadro, que em tom de brincadeira (mas que não é tão brincadeira assim) chamamos de Transtorno Obsessivo Amoroso, isso também vai ocorrer, algumas vezes de forma traumática. Muito do comportamento obsessivo e até perseguidor de suas portadoras derivam de uma fantasia profunda, gravada nesses circuitos emocionais: a idéia que, se não for perfeita, o interesse do homem pode se desvanecer rapidamente. Procurando mais no fundo do Sistema de Crenças podemos encontrar um Imprinting, uma frase gravada profundamente nesse banco de memória, que diz assim: "Com esse seu gênio, nenhum homem vai querer ficar com você"; "Desse jeito, você vai acabar sozinha"; " Quando você casar, vai ver o que é bom para a tosse". Quando o menor sinal de desinteresse e abandono surge, todos os alarmes, todos os dez núcleos da Amígdala disparam simultaneamente: "Perigo! Estou sendo abandonada!", gerando um comportamento inicialmente furtivo para depois alcaçar graus cada vez maiores de desespero e de luta para evitar o abandono temido e claro, já antevisto pela frase deflagradora: "Eu não valho a pena" ou até pior "Os homens não valem nada". Tudo isso terminando em outra manifestação freudiana de neurose: a repetição. De um jeito ou de outro, se não trabalhado, esse curto circuito emocional vai se repetindo de tentativa em tentativa de relacionamento. E haja caixa de lenços de papel e de chocolates.
Os imprintings são profundos e sua transformação, lenta. Há muito as psicoterapias procuram por formas de acelerar a cicatrização dessas feridas emocionais e a construção de sistemas de crença menos carregados de dor. Vamos falar um pouco sobre isso nas próximas postagens.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O (Quase Amargo) Regresso

O assunto da semana no consultório foi o resgate dos trinta e três mineiros da mina de San Jose, no Chile. A vida virou um reality show, e o processo todo de descida ao ventre da terra para trazer os renascidos trabalhadores, o choro do filho e a patriotada brega de bandeiras e gritos futebolísticos de Chi-chi-chi/Le-le-le forneceu a todos uma imagem de esperança no ser humano e sua capacidade de reagir a situações extremas. Hoje já começam a circular os podres dos mineiros e o delicado tecido social que se formou sob a terra, onde, como sempre, o melhor e o pior da natureza humana se manifestam nessas situações.
Uma cliente ficou particularmente tocada pelo episódio, que só ao ser mencionado já mareja os seus olhos. Ela me trouxe um belo artigo publicado na Folha de ontem, de autoria da psicanalista Marion Minerbo, um primor de lucidez e pegada analítica. Entre outras coisas, Marion destacou o duro caminho de volta à vida comum que esses homens experimentarão quando o clima de Big Brother arrefecer e o episódio for caindo no esqueciemnto dos quinze finitos minutos de fama que terão direito.
A cliente em questão também passou nesse ano por um experiência extrema: o diagnóstico e tratamento de uma doença oncológica, um Câncer de Ovário, recidivado após quatro anos. Como os mineiros chilenos, ela ficou sequestrada de sua vida normal, com cirurgia extensa e quimioterapias em seguidos e dolorosos ciclos. Ela compreende muito bem como é difícil o caminho de volta, como é angustiante rever as pessoas que vão solicitá-la da mesma forma, pedir as mesmas coisas, reclamar das mesmas mesquinharias que compõe o nosso dia a dia. Ela não vai ter a imprensa à sua volta destacando o heroísmo das pessoas que passam por essa experiência, assim como a equipe de resgate, a incrível equipe de terapia oncológica, não vai entrar e sair de cápsulas subterrâneas sobre os aplausos e as orações de todos nós. Eles vão continuar lutando pela vida, que foi um dos pontos de emoção profunda no resgate da mina de San Jose. Ela vem voltando para o dia a dia e, como os mineiros, vai sentir falta dos dias de angústia onde lutava pela própria vida. Pois, como destacou o artigo de Marion, as experiências extremas nos colocam diante das coisas que valem (e não valem) a pena nessa vida.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Perder por medo de perder

Tem um livro de que gosto muito e às vezes tento imitar, que é o "Superfreaknomics'. No seu último capítulo os autores descrevem experimentos de microeconomia feitos com pequenos micos capuchinhos, onde um gaiato resolveu pesquisar o que aconteceria se introduzisse na comunidade dos macacos o uso de moedas. Os nossos pequenos primatas, portadores de cérebros pequenos e interesses restritos ao sexo e a comer (um bom modelo experimental para estudar o Cérebro dos Homens, então) recebem moedas que podem trocar por guloseimas. Uma parte do experimento serve para nossa discussão sobre Transtorno Obsesssivo Afetivo: a evitação da perda. Os micos tinham acesso aos balcões de dois pesquisadores. No primeiro, ganhavam uma uva. O pesquisador fazia um pequeno sorteio de cara ou coroa. Se desse cara, por exemplo, o mico recebia outra uva. É um modelo de ganho. Em outro balcão, outro pesquisador dava duas uvas e procedia ao mesmo sorteio. Em caso de coroa, o macaco perdia uma das uvas. É um modelo de perda. Qualquer macaco com noções básicas de estatística sabe que a tendência era de fornecer o mesmo número de uvas nos dois balcões, sem precisar pagar mico. Mas é óbvio que os pequenos primatas preferiram o modelo de ganho. A explicação vem de um traço profundo em nossa neurobiologia: a aversão pela perda.
As queridas portadoras do recém nomeado Transtorno Obsessivo Amoroso sofrem primordialmente dessa falha: a aversão pelo abandono. Quando o nosso candidato a Romeu começa a usar a tática do sumiço, prima irmã da tática do silêncio, todos os mecanismos de alarme são acionados para evitar a perda, normalmente com resultados opostos aos desejados. Pedir atenção, discutir a relação, surtar, questionar, tudo isso deriva do sistema de evitação de perda, o que vai deixando o macho da espécie progressivamente arredio. Nossos machos jogam com um modelo difícil de se lidar, que é o "posso ter, mas posso procurar em outra freguesia". Nossas candidatas precisam aprender a jogar o "vamos ver se você tem boas moedas, garotão".
Essa, meninas, é a lição 1: joguem como se o único perdedor possível fosse o pretendente. Não é fácil, mas está na hora de parar de chorar na frente de uma caixa de chocolates, esperando pelo telefonema que não vem.

sábado, 9 de outubro de 2010

Transtorno Obsessivo Amoroso

O roteiro é o mesmo, repetido em diferentes personagens. Menina encontra menino, o menino gosta da menina, eles se apaixonam, trocam juras, fazem planos. A menina entende que a longa jornada em busca do Mr Right (também conhecido como Príncipe Encantado e Encantador) finalmente chegou ao fim. O clima de idílio dura um tempo, o rapaz continua fazendo planos: casamento, filhos, companheirismo. De repente, diria o poeta- de repente não mais que de repente - alguma pequena rachadura aparece na moldura: uma briga, um desencontro, um malentendido. Uma técnica muito simples que os meninos utilizam: sumiços sem nenhum contato. Dois, três dias sem ligar. A menina fica em dúvida: devo ligar? Isso vai parecer uma cobrança? Desculpas não faltam: estou estressado, meu chefe está me matando, minha décima segunda ex esposa está tentando me prender. Silêncio. O que está acontecendo? Respostas evasivas. A menina se cerca de justificativas. Sente cheiro de fumaça, mas pode ser o vizinho queimando o churrasco outra vez. Ele está perdendo o interesse? Quanto tempo eu devo esperar? Mas não dá para esperar. A menina vai atrás, quer saber, quer ouvir: mas você me prometeu tanta coisa, mas você disse que me amava. O menino usa uma arma de destruição em massa de meninas: a dúvida. Estou em crise, minha ex me procurou (a décima terceira), está indo muito depressa, preciso de um tempo. A menina é tomada de fúria. Liga quinze vezes, aparece na casa, arremessa o celular na parede, tenta recuperar o contato a qualquer custo, tenta transar no elevador, aparece no trabalho. O menino, constrangido, já a classifica: ela é surtada. O que aconteceu? Eu não prometi nada. Lágrimas. Luto. Vergonha. E o que é pior, a menina fica pensando que a culpa é dela. Eu que surtei. Pus tudo a perder.
Vamos dedicar algumas postagens a esse quadro clínico que vem tomando proporções epidêmicas: os Transtornos Obsessivos Amoros, doença que afeta principalmente as meninas que se envolvem com meninos com Deficiência Congênita de Testosterona. Não percam.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Homem e sua alma

Na última postagem eu citei o rapper Mano Brown, que sugeriu à candidata Dilma, antes de iniciar a campanha, que ela "falasse com a alma". Os marqueteiros de campanha devem ter rido muito da sugestão. Tantos e tantos estudos de comunicação eficaz e persuasão e vem esses poetas com a tal "linguagem da alma". A alma cabe numa embalagem colorida de sabão em pó. Muita gente entretanto identificou na candidata Marina Silva uma fala proveniente da alma, daí a sua arrancada final, que se deu de forma quase inesperada. Agora estão os marqueteiros de Serra e Dilma num corre corre frenético, tentando mapear o eleitorado de Marina e como cativá-lo. Procurem pela alma, rapazes. Está bem aí, perto da embalagem de Omo. Procurem que vocês vão achar.
Quando eu era moleque, lia quase tudo o que me caía às mãos, de revistas femininas a livros do Sidney Sheldon que a minha mãe lia escondido. Trago essa mania de fuçador até hoje e fico fuçando em tudo, de Scientology até Terapia de Vidas Passadas. Leio até Psiquiatria de vez em quando, embora isso ainda me desperte umas sensações intestinais diante de alguns autores. Os livros de Auto Ajuda eu escondo na escrivaninha, que aí já é demais para um psiquiatra respeitável. Bom, estava eu lendo um livro sobre Terapia de Vidas Passadas, que usam técnicas de visualização que o psiquiatra suiço Carl Jung chamava de Imaginação Ativa (técnicas de relaxamento e a indução de imagens espontâneas da psique do paciente). O autor do livro descreveu uma Regressão onde o paciente transportou-se para vinte séculos atrás, no exato momento em que um rabino da Galiléia chamado Jesus estava sendo crucificado. O paciente notou horrorizado que naquela suposta vida passada ele era um dos centuriões romanos que disputavam nos dados quem iria ficar com as roupas e os poucos pertences daquele rabino metido a messias. Quando foi trazido de volta da vivência, o paciente, que era um bem sucedido médico, começou a chorar e a elaborar que estava realmente crucificando o Cristo em sua vida, na medida em que rendera a sua capacidade de curador a ter dinheiro e fama, apenas. Ele era o centurião comercializando a própria alma. Peço desculpas aos terapeutas de vidas passadas, sobretudo aos mais sérios que navegam no mundo interno das pessoas, mas essa vivência não foi de nenhuma vida anterior. A psique do paciente produziu uma imagem suficientemente forte para chamar a sua atenção. Ele sofria de insônias e dores inexplicáveis, já passara por vários profissionais e devia estar realmente muito desesperado para submeter-se a uma regressão. Ele buscava uma forma de se reconectar com o núcleo de seus sentimentos e de quebra com uma verdade essencial da Medicina, que são os pacientes. Parece estranho, mas o médico acaba coisificando a relação com o paciente para se proteger das cobranças e das expectativas supra humanas nele projetadas. Isso pode ir secando a sua alma e a sua prática até virar um processo lento e implacável de adoecimento.
É por isso que recomendo aos candidatos que tranquem os marqueteiros em alguma sala de reunião e busquem um discurso que venha mais de dentro da alma. Mesmo que alma seja uma palavra usada para vender iogurte, em nossos tempos apressados.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Personas Eleitorais

A palavra "Persona", assim como a sua derivada, personagem, derivam das máscaras usadas no teatro grego (o que deveria ser uma economia para os produtores, na hora de escalar o elenco). Como no filme "O Máscara", bastava vestir a nova máscara para incorporar um novo elemento cênico e personagem. Todos nós temos Personas. Elas nos garantem os papéis sociais e as funções que desempenhamos na vida. Lembro de um amigo, ótimo terapeuta mas que gostava de se vestir de um jeito assim meio bicho grilóide. Uma paciente que lhe foi encaminhada nunca mais voltou porque ele estava vestindo "um mocassim sem meias", ou seja, ela esperava uma Persona um pouco mais séria, um barbudinho com cavanhaque e terno. Acho que o encaminhamento não foi bem feito, ainda bem que não fui quem o fez. O fato é que compomos uma Persona que facilita nossas trocas com o mundo. Algumas vezes a identificação com a Persona é tão maciça que, ao vê-la removida,não resta nada em seu lugar. Por exemplo, um grande executivo que da noite para o dia perde o emprego e todo o seu aparato de poder e se entrega ao alcoolismo, como alguém que se desconectou da própria vida ao ver retirada a sua Persona.
A política, desde a Ágora dos gregos, é sem dúvida um jogo de Personas. Quando o Lula e Dona Marisa requebram no Arraiá da Granja do Torto, estão desempenhando seus papéis de casal "gente como a gente" que aproxima o Poder do cidadão comum.
Vou falar nessa postagem da Persona da Sra Dilma Roussef. Logo na Pré-Campanha, lembro de uma entrevista de um rapper, se não me engano Mano Brown dos Racionais MCs, que dizia que seu voto seria dela, mas que Dilma deveria "falar com a alma". Acho que ele mudou o seu voto. Dilma parecia aquelas alunas gordinhas declamando nervosamente um jogral no grupo escolar. Fala ensaiada e decorada, riso de plástico. As manchetes hoje dizem que ela saiu incólume do debate. Não saiu não. A sua estratégia de chamar Marina Silva para a conversa o tempo todo (já é uma aproximação pensada para um possível segundo turno?) colocou em evidência a diferença entre ambas de uma forma que meus filhos adolescentes puderam notar: uma com o discurso ensaiado, vazio, sem conteúdo emocional e a outra convicta, com a autoridade moral da sua pele lanhada no trabalho dos seringais. Eu voto na Marina? Não. Voto no Serra, mesmo com a sua Persona igualmente lamentável de mestre escola dando aula na primeira turma do Mobral: falinha doce, didática, infantilizadora do eleitorado.
Dilma deve melhorar com o tempo. Mas sempre que eu a vejo falando, ouço uma musiquinha da minha infância: sou a Mônica, sou a Mõnica, dentucinha e sabichona/ Sou a Mônica, sou a Mônica, tão teimosa e tão mandona...