sábado, 29 de janeiro de 2011

Parecia que não ía acontecer com a gente

Estava atendendo outro dia uma sequência de pacientes que reclamava do esfriamento do casamento, da ausência de romantismo, da rotina seca do dia a dia de uma família. Nelson Rodrigues tinha uma dessas frases definitivas para o assunto, dizendo que construir o amor nada tem a ver com Felicidade. Aliás, não tem nada que encha mais o consultório dos terapeutas do que a idéia da Felicidade, ou, melhor dizendo, a Idealização do que deveria ser a tal da Felicidade. O fato é que construir o Amor é tarefa das mais árduas e isso vai roubando energia do casal, esmagado entre os filhos e as respectivas carreiras.
Temos uma mitologia cinematográfica que mostra todas as idas e vindas dos encontros amorosos. Carrie, do Sex and the City, demorou umas oito temporadas para finalmente casar com seu eterno quase namorado, por ela apelidado de Mr Big. O casamento em si, o amor conjugal, isso já deixa o espaço dos romances açucarados e vai sempre para o campo das comédias, sempre explorando as frustrações e os desencontros dos casais. Não há em nossa cultura um espaço para o cultivo da vida a dois. Lembro de uma matéria horrível na Revista da Folha sobre casais que conseguiam priorizar a relação a dois, às custas da exclusão dos filhos. Na capa havia um casal sorridente e a filha, em segundo plano, olhando com cara de choro. Trbalhamos com sistemas de exclusão: ou o casal, ou os filhos. Sempre os sistemas binários. Uma música dos Titãs dizia "A gente quer inteiro, não pela metade". A gente quer inteiro, quer felicidade profissional, pessoal,sexual, conjugal e familiar. Pode-se acrescentar à lista o que o leitor(a) preferir. Fácil? Não. Mas não temos a cultura de cultivar o inteiro, não a metade. Como esses clientes, vamos acomodando situações mais e mais frustrantes, distâncias ressentidas e silêncios perigosos. Homens que não aguentam mais "Discutir a Relação". Mulheres que não aguentam mais tentar conversar com uma porta disfarçada de marido. Ou talvez o pior, a idéia de que "é assim mesmo". Vamos aprofundar esse tema nos próximos posts.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Biocampo e Autorganização

Fui convidado recentemente a escrever um capítulo em um livro de Psiconcologia, por um bom amigo que é o editor. Ele quer uma abordagem simbólica do processo, do diagnóstico à cura, ou à uma meta antiga da Oncologia, transformar a doença oncológica em doença crônica. O Vice de Lula, José Alencar, é um exemplo vivo desse processo de luta e de equilíbrio entre o doente e a doença. Confesso que ainda estou pensando nessa empreitada. Quando eu fazia parte de um grupo de trabalho no Instituto de Psiquiatria do HC muito me impressionava o desenho do logo desse grupo, que era um homem todo fragmentado em vários pedaços. A intenção do logo era mostrar que tentávamos juntar aqueles pedaços todos, mas a impressão que passava era oposta a isso. Parece que iríamos dividir o homem em pedaços cada vez menores, até não termos mais como juntar os pedacinhos nem sabermos de que parte estávamos tratando. A visão mecanicista é uma realidade. Segundo ela, o corpo é uma máquina multicelular e multissistêmica, quando uma parte funciona mal, devemos consertá-la. As visões alternativas são até toleradas, mas não são levadas a sério. Só como exemplo, a cura pode ser extirpar o mal, suprimir os sintomas, caçar as células inimigas onde estiverem escondidas. Outras visões de Medicina pensam em harmonizar os multissistemas, reforças as defesas naturais de nosso organismo, devolver a esses sistemas o funcionamento harmônico. Isso é pensar em um biocampo autorganizador, e em como podemos fazer para ativá-lo ou trazê-lo de volta ao equilíbrio. Implica em pensar em um Corpo Simbólico, que atua em paralelo ou em constante interpenetração com nosso corpo físico e mental.
Os budistas insistem muito que uma das nossas piores ilusões, geradora de sofrimento, é a ilusão da separatividade. Desde o Gênesis que fazemos parte de uma civilização que se sente apartada da criação e da natureza. É por isso que a metáfora da guerra não é a melhor para se tratar uma doença, qualquer que seja. Pensar, à moda da Medicina Oriental, em temos de Organização/Desorganização, Desequilíbrio/Reequilíbrio pode nos dar uma perpectiva melhor do Biocampo e da capacidade de autocura e autorganização de nosso corpo e psique. Colocar essas idéias no livro de uma forma acessível e baseada em evidências, aí é que são elas.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Crises e Jornadas

Um ofício que realmente me dá inveja é o de vidente, cartomante ou diversos tipos de aconselhamento que graçam pelo mercado. Lembro aos leitores que sou junguiano, então está muito longe de mim esse nariz torto de cientista fazendo pouco caso dos fenômenos psíquicos paranormais, vidência incluída. Não estou falando de gente séria e com capacidades notáveis de percepção, que já vi mudarem muitas vidas. Estou falando de uma indútria de palpiteiras que se utilizam de cartas, búzios e bolas de cristal para fazer previsões e sugestões que realmente podem causar estrago. O último filme de Woody Allen, que eu não recomendo, "Você vai conhecer o homem da sua vida" tem uma personagem central, uma senhorinha cuja vida é literalmente dirigida por uma dessas palpiteiras intuitivas que sempre vão dizer para a consulente do homem maravilhoso que vai entrar na sua vida.A simpática e roliça senhora acaba conhecendo um homem e mudando a sua vida, numa dessas ironias Allenianas, não antes de deixar completamente louca a sua filha e genro.O roteiro é conhecido: no futuro todas as mazelas e desencontros serão redimidos e as peças, finalmente vão todas se encaixar: dinheiro, sucesso, felicidade, tudo isso a cinquenta reais a hora.
Para determinados tipos de consulta, o roteiro se estende e se aprofunda: quando uma querida e desesperada obsessiva amorosa vai pedir ajuda para conseguir finalmente uma relação estável com o homem amado, sempre vai haver uma ex namorada ou um ex namorado que fez um trabalho, impedindo que os pombinhos encontrem seu happy ending. Lógico que o trabalho pode ser desfeito, por uns dois mil reais e algumas oferendas às divindades iradas. Longe de mim o desrespeito à essas crenças, mas não é bom espetáculo ver a pessoa que sempre professou outra religião cuspindo farofa sem entender o ritual.
Há alguns anos eu publiquei um e-book no site de um amigo, que falava na crise como jornada de transformação. Havia uma personagem, a Vovó, que contava para a neta algumas historinhas com uma visão arquetípica, de Forrest Gump a Branca de Neve. Se o leitor tiver curiosidade, pode entrar no site que eu não atualizo há noventa anos, o www.marcospinelli.com.br para ver alguns textos da Vovó. Tem dias que eu tenho vontade de tirar a velhinha do baú e fazê-la conversar com as netinhas sobre seus problemas amorosos.Nos textos antigos, a Vovó falava de um momento que sempre inicia uma jornada de transformação: o momento do Erro Fundamental, termo que eu pequei emprestado de uma grande autora, Jean Houston. Vou falar sobre isso nos próximos posts, mas o erro fundamental é o evento, catastrófico ou não, que faz a nossa vida mudar para sempre. É como o caçador apontando a faca para Branca de Neve, obrigando-a a entrar na floresta escura e começar a sua própria jornada. Acho que as videntes de fundo de quintal tem uma particular capacidade de pegar esse momento do erro fundamental e mostrar que, a partir de daquele ponto, tudo mudou para pior. Um namorado magoado, a perda de um emprego, uma doença. Responsabilizar a bruxa, ou o bruxo malvado pelo ocorrido é fácil. Difícil é o ofício do terapeuta, que vai apontar a ferida e comunicar ao cliente que a ferida é de sua inteira responsabilidade. Ficar procurando ou elegendo culpados só vai aumentar o sofrimento de todos. Mas é sempre mais fácil imaginar que as coisas não dão certo por conta de um trabalho de uma ex enlouquecida. Difícil é tentar entender as linhas tortas onde a vida tenta escrever certo. E refazer o caminho quando pegamos mais um atalho errado.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Amores Voláteis

Uma das formas de tortura de mulheres que procuram por um relacionamento é a quantidade de subclassificações existentes hoje. Particularmente complexa é a classificação para "Ficar". Tem a "ficância" predatória, com uma busca estatística de quantas pessoas o ficante em questão consegue beijar durante uma balada. Uma Ficância Listerine, pode-se assim dizer. Temos os ficantes eventuais, os ficantes múltiplos e os ficantes fixos. Tudo para evitar a pronúncia da palavra proibida, "Namoro". As candidatas se espremem em diversos e pouco explícitos graus de ficância, entram nos e-mails, perscrutam os carros e a agenda do ficante para saber quantas outras candidatas lutam pela vaga. Como esta seleção Darwiniana não fosse suficiente, temos a parte mais difícil, a da consolidação da "ficância". A nossa candidata vigia cada passo, estuda as entonações, evita qualquer erro que possa por a perder o quase relacionamento recém iniciado. Óbvio que em algum momento, acabam surtando, tendo uma explosão verbal e de ciúmes, mágoa, cansaço de todo esse jogo de xadrez relacional. Conheci um rapaz que tem crises de Pãnico toda vez que vai reconhecer que está namorando. Um quadro típico de Transtorno Fóbico do Amor. Mas qual o ponto de vista dos rapazes, nessa selva de Luluzinhas ansiosas? Os rapazes aproveitam do seu desespero, é claro. Mas será que não há mais solteiros na Terra querendo relacionamentos? Os homens desenvolveram uma fobia relacional caracterizada por promessas não cumpridas e fuga desesperada diante de qualquer alteração de humor das meninas? Acho que não. Os homens também suspiram nos divãs por um relacionamento significativo. Também se sentem emparedados por mulheres que planejam o futuro ou tem uma Bíblia de reivindicações depois do primeiro beijo. Anos e anos de espera pelo Príncipe Encantado e já vão tirando as medidas do noivo para o Meio Fraque após a primeira transa.
Um relacionamento humano depende de muitas variáveis: achar a distância correta, deixar a intimidade ir se fazendo, aprender a ouvir e ser ouvido, aprender e criar sistemas de aprendizagem, amorosa, inclusive. Parece muito difícil, mas é quase impossível quando os candidatos e candidatas ficam com o nariz preso no próprio umbigo.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A Chuva e o Silêncio

Vou me manter um pouco nesse assunto. A TV só mostra as imagens da tragédia carioca, ficamos presos e presas da impotência. Não estamos acostumados às tragédias naturais, e essa época do ano está começando a nos treinar no assunto. É o terceiro ano que as chuvas produzem essas cenas de devastação, a segunda vez no Rio de Janeiro. Na Medicina Chinesa, o elemento água pode ser contido pela terra e vem apagar o fogo. Vivemos uma época de muito fogo, muita aceleração, gerando grandes desequilíbrios, inclusive globalmente. Queimamos muito, corremos mais ainda, geramos calor na atmosfera e no planeta. Muito do que está postado nesse blog fala sobre isso. Podemos ver, quando ocorre a tragédia, a mídia procurando culpados, e sempre vai encontrar alertas ignorados, ações adiadas e ministros desviando verbas a seu estado de origem. Mas fica um gosto amargo que todos temos participação nesse tipo de evento. Por que será?
O psiquiatra suiço Carl Jung descobriu, ou redescobriu, o Inconsciente Coletivo. Uma paciente minha teve há alguns anos um forte pesadelo, acordou gritando em uma língua estranha, o marido afirmou que parecia russo. No dia seguinte houve a invasão de uma escola e crianças foram massacradas na Chechênia, com imagens aterrorizantes atravessando o mundo. Crianças russas. O Inconsciente Coletivo é um substrato psíquico que nos une a todos, em todo o mundo. Podemos nos emocionar com os mineiros de Chile e com as histórias de heroísmo e resistência na tragédia de Terezópolis, porque estamos conectados no Inconsciente Coletivo. É por esse motivo que nos sentimos parte do que está acontecendo. Mas como ajudar? Como diminuir a marcha da loucura coletiva?
Podemos nos conectar gentilmente com Gaia, a psique do planeta, e pedir que as forças da natureza se harmonizem. Os budistas fazem isso o tempo todo sem pensarem que isso é tolo ou pouco científico. Podemos orar, em silêncio. Parece pouco, mas não é.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Futebol e Tragédia

Acho que a presidenta do Flamengo, a ex nadadora Patrícia Amorim é um pouco pé frio. Ao assumir o Flamengo no ano passado logo se deparou com a história escabrosa do goleiro Bruno, que tirou o seu clube da página de esportes para deixá-lo como presença cativa nas páginas policiais. Ontem, depois de uma novela e de um espetáculo de malcaratismo nunca dantes visto, finalmente Ronaldinho Gaúcho acertou com o Flamengo e discursou na arquibancada repleta de rubros negros desocupados: "Agora eu sou Mengão!" disse o quase ex jogador Ronaldinho com a voz empostada de rapper carioca. Já dava para tomar litros de Plasil só com essa declaração de amor regado a milhões de reais dos patrocinadores. Patrícia Amorim se esgoelava: "Ronaldinho é nosso!". Wagner Love pulava para as câmeras (Wagner Love? O que fazia lá o Wagner Love?). Na sociedade do espetáculo, qualquer ocasião para se pendurar em frente ao olhar fatigado do público de consumidores deve ser aproveitado. Nas manchetes de hoje, o jornal desloca a festa boboca do Flamengo para um canto de página. Em destaque, a tragédia pavorosa da região serrana do Rio de Janeiro, o número recorde de mortos, as autoridades (?) atarantadas tentando organizar o socorro, as pessoas correndo das águas e da morte em meio aos corpos boiando. Tudo isso aconteceu algumas poucas horas depois da festa.
Longe de mim o moralismo da classe média diante das cifras para se ter o Ronaldinho em seu time. Como o seu xará do Corinthians, Ronaldinho vive da reprise de suas jogadas na época em que ele jogava bola, até 2005. Depois ele virou um espectro, uma sombra de um dos maiores malabaristas que já jogaram no Barcelona. Ronaldinho vende camisas e esperança para torcedores que esperam um lampejo do gênio que já foi. O seu irmão, Assis, ele mesmo craque de bola em seus tempos, mas ainda mais craque para espremer a laranja de seu irmão em níveis nunca dantes vistos, sorria de satisfação diante de páginas e páginas do Twitter onde ele é comparado a Judas, para citar a comparação mais branda.
Ficamos envregonhados diante das encostas desabadas, a sensação de impotência em ajudar nossos irmãos que sofrem pela fúria da natureza. Ronaldinho não teve nada a ver com essa tragédia, é claro. Mas a sua apresentação farsesca vai ficar associada a essas imagens. É o custo de se viver dessas imagens que povoam nosso imaginário empobrecido. Cinquenta milhões de reais para ter Ronaldinho penteando a bola na intermediária, sem explosão muscular para chegar na área. E nem um centavo do Governo Federal para a prevenção de desastres naturais. Tudo com um gosto amargo de reprise.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Steve Jobs e a Individuação: A Morte

Ontem, sincronicamente, com essa série de posts (agora o terceiro e último) sobre o discurso de Steve Jobs na formatura de uma turma de estudantes de Stanford, fui pela primeira vez a uma cerimônia de Cremação, no Cemitério de Vila Alpina. O falecido, um tio avô querido. Nada mais pós Moderno. Tudo resolvido em dez minutos de músicas bregas, uma oração emocionada dos presentes e lá se vai o caixão. Asséptico, rápido, sem velórios, conversas de parentes que só se encontram nessas ocasiões, ou ritos longos de passagem. Não há nem uma capelinha por lá para podermos conversar com o ente querido e os anjos intercessores. Pá pum, que logo depois vinha uma galera dessas de gangues de motocicleta, com coletes e capacetes característicos, honrar um membro do grupo que deve ter caído da moto. Acendi um incenso e deixei um cantinho lá em casa para poder fazer um ritual para o tio. Essa pobreza ritual incomoda demais, sobretudo a um junguiano. Jung não cansou de falar de como a ausência de rituais de passagem empobreciam a vida psíquica e espiritual do homem ocidental.
Mas por que eu considero isso um evento sincrônico com a série de posts? O discurso de Steve Jobs tinha três pequenas histórias pessoais: o início da carreira, tateando a sua vocação até cair de cabeça nela, a primeira e definitiva tijolada que a vida dá no jovem milionário e finalmente, o primeiro encontro com a morte.
O palestrante contou de forma rápida e desapaixonada o diagnóstico que recebera recentemente (na época do discurso) de Câncer de Pâncreas, a cirurgia para diagnóstivo de seu tipo de Câncer, a perspectiva de ter a sua vida pessoal e familiar abreviadas, até que finalmente o diagnóstico de um tipo raro de doença, felizmente tratável e de bom prognóstico. Ele não se estendeu no tema nem fez digressões sobre o nosso curto tempo nesse planeta estranho. Apenas lembrou que o encontro com a possibilidade da morte destacou mais uma vez para ele a importância do tempo e de se viver a vida em estado de abertura. Citou uma enciclopédia jovem dos anos setenta, uma espécie de Google da época que encerrou as suas atividades com uma bela foto de uma estrada aberta pela frente, com um lembrete: "Stay hungry, Stay foolish", ou, numa tradução livre: "Continue com fome, continue boboca". O que isso quer dizer? Imagino que seja viver para essa estrada em aberto, que é a nossa vida, com a mesma curiosidade e deslumbramento de nossa infância.
Steve Jobs, percebendo ou não, faz uma aproximação de opostos, em junguianês, uma Coniunctio, uma união entre o arquétipo da Morte e o da Criança: como olhar e eventualmente viver a morte é uma parte inevitável de nosso caminho, então a única alternativa é fazer o caminho sempre com fome de aprender, sempre deslumbrados com a nossa própria ignorância e com os pequenos milagres que ignoramos, todo dia.
Tem um livro que eu gosto muito, cujo título é "Mente Zen, Mente de Pricipiante". Não é fácil, mas o contato com a morte pode expandir a nossa mente de principiante. Aliás, se eu fosse resumir em algumas palavras esse discurso, diria Mente de Pricipiante: siga a sua intuição, não perca a fé nos momentos difíceis e viva o caminho sempre em aberto. Sobretudo, não tente controlar as ondas. Em suas três pequenas histórias, ele separou os três grandes estágios arquetípicos de nossa vida: A Infância e os Ciclos Parentais, da Grande Mãe e do Grande Pai, a fase Heróica, do início ao fim da idade adulta, onde levamos umas tijoladas e a fase do arquétipo da Velhice e da reflexão sobre o significado da própria vida. Tudo isso em menos de quinze minutos de discurso. Ainda bem que inveja não mata.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A Tijolada

Antes de começar, já aviso aos navegantes que o link do discurso de Steve Jobs que eu tinha não funciona mais, infelizmente foi tirado do You Tube. A dica é Steve Jobs/Stanford. Boa sorte. Para quem não leu o último post, o assunto foi um discurso que o CEO da Apple, Steve Jobs, apresentou quando foi patrono de uma formatura em Stanford. Havia um link com legendas do mesmo no You Tube, mas foi retirado. Mas vou falar sobre os melhores momentos.
Como ele costuma fazer, dividiu a sua apresentação em três partes (dificilmente ele tenta passar mais do que três ou quatro idéias principais em suas apresentações). No último post, falei da primeira parte desse discurso, que ele chamou de Juntando os Pontos. A segunda short story foi sobre a sua demissão da empresa que ele próprio havia fundado, a Apple. Sem entrar em detalhes, Steve mencionou fortes divergências com o CEO da época, que venceu a queda de braço com ele, os acionistas optaram por mandá-lo para casa. Um desemprego com alguns milhões de dólares de multa rescisória. Mas para ele, aquilo não era consolo. A humilhação pública, o ridículo de ser demitido da empresa que ele criara em sua garagem, as habituais hienas rindo de sua desgraça, tudo isso jogou-o num estado de torpor e confusão, como um piloto de avião que perde a linha do horizonte e não consegue se orientar. Nesse momento o que ele tinha? Um fabuloso Know How e, melhor, a sensação de ainda ser apaixonado pelo o que fazia. Junto com outros amigos, fundou a PIXAR, que nos deu algumas das animações mais importantes e definitivas dos últimos anos, como Toy Story, ou Procurando Nemo. Steve Jobs continuou a nadar, como recomendava a hilária Dory, personagem do "Nemo". Alguns anos depois, ele foi recontratado, exatamente para ocupar o cargo de seu desafeto e o resto é história. Steve Jobs reinventou a Apple e lançamentos como o I Pod e o I Phone já fazem parte da história de nosso tempo. Em seu discurso, ele fez uma dura lembrança aos formandos: em alguma fase de seu caminho, você vai acabar tomando uma tijolada na cabeça. A vida vai te dar essa tijolada. Não perca a fé. Continue seguindo o caminho de sua paixão, não perca a bússola de seu talento.
Como ele pôde ser tão categórico em afirmá-lo? Viver é, necessariamente algo que vai nos levar ao encontro de uma tijolada? Lamento dizer, mas a resposta é sim. Fazemos planos, tomamos decisões, procuramos caminhos que muitas vezes vão parar num beco sem saída. Os contos de fada nos preparam para uma ou outra bruxa ou um vilão trapalhão, como o Capitão Gancho. Não somos preparados para uma tijolada na cabeça, nem muito menos no processo gradativo de recuperação que é necessário empreender. Queremos pular imediatamente para o final feliz. Se na primeira parte do discurso, A bruxa malvada é brincadeira, perto dessas experiências. Steve Jobs falou sobre o princípio junguiano da Sincronicidade (mesmo sem provavelmente nunca ter ouvido falar na mesma), nessa fase ele fala sobre o desenvolvimento de nossa vida como uma jornada acidentada, cheia de tropeços e erros de navegação. Uma jornada de tentativas e erros. Tentar e aprender, errar e recomeçar, isso não é para qualquer um. Continue a nadar.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Juntando os Pontos

O outro título deste post seria: "A Individuação segundo Steve Jobs". Vou explicar por que.
Acho abominável essa proliferação de mensagens edificantes que recebemos em nossas Caixas de Entrada de emails. Chegam mesmo a serem piores que as piadas e as correntes de denúncia e de alarmes falsos. Um colega me enviou um e-mail histérico dizendo que as vacinas contra a Gripe A tinham toxinas terríveis e tal e coisa. Receber aquilo de um paranóico de carteirinha, tudo bem. Tem um tiozinho no supermercado da minha esquina que está sempre cheio de teorias de conspiração: o que o governo faz com os dados da Nota Fiscal Paulista, os roubos da Mega Sena e os venenos que colocam nos remédios e na TV. OK. Eu sempre dou corda para ouvir as suas teorias. Mas um médico repassar um alerta desses, pelo amor de Deus, nem sendo ortopedista. Pois há uns dois anos recebi um link de um vídeo, com um discurso de Steve Jobs numa formatura de Stanford, onde ele foi patrono, mesmo sem ter concluído nenhum curso superior em sua vida. Acho que eu o assisti ums cinco vezes e pior, o repassei para um monte de gente que não tomou conhecimento da indicação. Finalmente, entrei no grupo dos repassadores de mensagens edificantes de "Lições de Vida".
Como costuma acontecer com as apresentações de Steve Jobs, ele limitou-se a contar três pequenas histórias a respeito de sua vida. Nessas pequenas historietas ele enunciou coisas muito caras ao pensamento Junguiano, por isso o subtítulo:"Steve Jobs e a Individuação". Mas não vou falar de individuação nesse post, só do princípio da Sincronicidade, que está na primeira historinha do Sr Jobs: tudo começa em seu nascimento, quando a sua mãe biológica resolve dar aquele bebê para adoção, já que precisava terminar a sua Pós Graduação. Como estudar era uma coisa muito importante para ela (espero que ainda seja, porque ela deu para adoção o que viria a ser um dos homens mais ricos e bem sucedidos do planeta), a moça exigiu que o bebê fosse adotado por um casal de escolaridade Superior. Por um capricho da vida, o bebê caiu nas mãos de um casal humilde de trabalhadores sem Nível Superior de escolaridade, que entretanto prometeram que fariam de tudo para pagar a faculdade daquele menino. Juntaram dinheiro a vida toda e com sacrifício mandaram o adolescente Steve para uma faculdade cara. Ele detestou a faculdade (uma vingança contra a sua mãe biológica?), acabando por abandonar os seus estudos. Ficou à toa no campus por alguns meses, dormindo no chão do alojamento e aproveitando o dinheiro já gasto para fazer os cursos que lhe desse na telha. Matriculou-se num curso de Caligrafia. Ora vejam. Jogando o dinheiro suado de seus pais para fazer cursos bizarros. Ele adorou o curso. Era histórico, artístico, estimulante. Alguns anos depois, quando começou a projetar o computador pessoal da Apple, o Mac Intosh, adivinha quem projetou todos os caracteres, todas as letras e tipos do Mac? Como a Microsoft copiou esses caracteres, então os tipos que eu estou digitando e você leitor está lendo saíram de algumas forma do curso de Caligrafia do jovem Steve Jobs. Ele conclui essa primeira short story dizendo que esse tipo de coisa a gente não percebe quando está acontecendo, só depois de alguns anos. Só a passagem do tempo pode nos dar a capacidade de "juntar os pontos" e ver a mão de tecedeira da vida construindo nosso caminhos e descaminhos.
Steve Jobs recomenda que sejamos intuitivos, que estejamos abertos às infinitas possibilidades de cada situação e que juntemos os pontos depois, para percebermos essa mão invisível ajudando a escrever nossa história, mesmo que certo, mas com linhas muito tortas. Isso parece muito simples de formular, mas se pensarmos com calma, acreditar nisso é acreditar numa Inteligência intrínseca à vida, criando coincidências que nos apontam um caminho. Tem gente que chama isso de Deus. Os junguianos, como esse que vos tecla, chamam de SELF. Um bom ano a todos. Cheio de coincidências.