segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O Tempo das Coisas

Hoje logo cedo já recebi um e-mail algo malcriado e respondi com outro mais malcriado ainda. Vinha de um executivo, desses já acostumados a pressões inviáveis, prazos impossíveis e chefes sádicos; dirigiu-se a mim no mesmo tom que acostumou-se a receber. A sua esposa está com uma quadro depressivo, ele pergunta quando vai responder ao tratamento e fica exigindo telefonemas, prazos, reuniões. Estou sem voz há uma semana e já avisei que não haverá telefonemas, nem reuniões. Apesar de ver nessas últimas décadas a melhora dos pacientes se dar de uma forma cada vez mais rápida, às vezes de forma dramática, no mais das vezes o processo de adoecimento leva um tempo para se instalar, um tempo para piorar e um tempo para melhora e volta ao equilíbrio, isso se o diagnóstico é correto e a medicação bem aplicada. No começo do tratamento isso é particularmente estressante, porque o paciente sente os efeitos colaterais , mas não os efeitos terapêuticos dos medicamentos, gerando adjetivos pouco elogiosos aos psiquiatras e suas respectivas mães.
Tem uma música que eu adoro, do Renato Teixeira, "Tocando em Frente", que já foi gravada com vários intérpretes de peso. Uma das estrofes é particularmente bonita: "Penso que viver a vida seja simplesmente descobrir o ritmo e ir tocando em frente/Como um velho boiadeiro levando a boiada eu vou levando a vida pela mesma estrada, eu vou". Já citei essa passagem em outro post e não vou cansar de fazê-lo. É um trecho que fala profundamente dos processos da vida e como lidar com eles.
Kant, no pouco que consigo entender de sua obra filosófica, dizia que toda a nossa experiência consciente e de conhecimento parte de dois pressupostos fundamentais, que nos organizam: o Tempo e o Espaço. Descobrir o ritmo e ir tocando em frente é uma tarefa de todos, então. Compreender as limitações de nosso tempo e espaço tridimensionais é outra tarefa imensa. A natureza é composta de ritmos, o corpo humano é composto de ritmos, o planeta dança em seus ritmos. Toda vez que tentamos atropelá-los, o resultado é mais atraso, é mais desequilíbrio. E desequilíbrio, temos de sobra.
A minha voz vai demorar um tempo para voltar. A paciente vai levar um tempo para melhorar. O bom curador procura sintonizar com esses ritmos e conduzir o tratamento de forma segura. Como um velho boiadeiro levando a boiada.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A relação Iô Iô

Há alguns anos atrás, melhor nem fazer a conta, dei uma entrevista para uma jovem jornalista que estava concluindo o seu treinamento na Folha Trainee. Não sei por que cargas d´água falávamos de relacionamentos a dois, eu topei falar, já que esse assunto é dos mais presentes em um consultório de psiquiatra e psicoterapeuta (ontem mesmo recomendei a internação de um paciente que vinha bem mas teve a sua psique completamente desestruturada por uma separação). Lá pelas tantas fiz um comentário das relações que ficam quase eternamente nesse vai e volta, termina e volta, acabei chamando esse tipo de relacionamento de Relação IÔIÔ, em alusão ao antiquíssimo brinquedo (que recentemente virou um brinquedo radical e com manobras). O movimento de afastamento e reaproximação do iôiô foi uma imagem forte para esses movimentos de vai e volta das relações. Há dois dias dei a minha terceira entrevista sobre o tema, dessa vez para a revista Gloss para uma compenetrada jornalista, Sílvia Araújo. Não vejo problema em falar sobre o assunto, mas confesso que fico um pouco apavorado de entrar para a história Psi como o descobridor da Relação Iôiô.
Tem um trecho de L. Ron Hubbard, criador da Cientologia, em que ele afirma a incrível capacidade dos seres humanos de localizarem sarnas e mais sarnas para se coçarem. As pessoas precisam de problemas e são viciadas neles, como naqueles cubos mágicos que ficávamos horas tentando decifrar. Os problemas prendem a nossa atenção.
Um bom lugar para arrumarmos problemas insolúveis é a relação a dois. Deixar a tábua do sanitário abaixada ou levantada, notar o novo corte de cabelo ou discutir a relação às duas horas da madrugada são algumas das torturas que podemos construir a dois. Disputa de poder, necessidade de desmistura, busca de oxigênio ou de distância, chantagem pura e simples, todas motivações para os casais que não conseguem ficar juntos nem separados (quando digito isso me ocorre Bono cantando com o U2 - With ou without you/ I can´t live, with ou without you... esticando o yooouuu do final - em tradução livre, eu não vivo com e sem você). Procurar problemas é como uma coceira irresistível, que vai crescendo, crescendo até virar uma briga, uma mágoa, uma acusação boba e infundada. Queremos aceitação. A relação a dois permite ao Outro ver o que temos de melhor e sobretudo, o que temos de pior. Queremos a aceitação de nosso pior sem poder oferecer o mesmo ao parceiro(a). Talvez nas últimas décadas as relações tenham ficado mais guerreiras e os relacionamentos jogos de xadrez verborrágicos e cheios de lenços de papel assoados. Vou terminar o post respondendo com Gilberto Gil para Bono: "O amor da gente é como um grão/ Uma semente de ilusão/ tem que morrer pra germinar". O desencontro pode germinar o encontro (em tradução livre).

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sibutramina

Lá vou eu meter a minha colher no assunto Obesidade de novo. O leitor e leitora devem ter passado os olhos nas notícias que a ANVISA quer proibir no Brasil as drogas receitadas em receituário especial B2, como a Sibutramina, O Fenproporex e a Anfepramona. São medicamentos utilizados para redução de apetite e por terem efeitos colaterais importantes e até possibilidade de indução de Dependência, tem a sua prescrição restrita e controlada. Recentemente ela proibiu uma substância que estava fazendo furor nas farmácias de manipulação, a Caralluma Fimbriata, apenas porque estava vendendo muito e não é substância estudada o suficiente. Talvez exista um plano inconsciente de tornar o Fome Zero em Fome Permanente, já que todos esses medicamentos tem em comum o efeito de Inibição do Apetite. Vamos diminuir os efeitos cardiovasculares da Sibutramina e vamos multiplicar os efeitos cardiovasculares do Colesterol, do Diabetes e da Obesidade, doença hoje mais difícil de curar do que o Câncer. O que o grande público não sabe é que essa cruzada contra os inibidores do apetite vai deixar os clínicos praticamente sem opções terapêuticas, causando uma explosão de procedimentos cirúrgicos, hoje os mais eficazes em reduzir o peso e combater a Síndrome Metabólica descrita no último post. Será que a ANVISA está dominada por um lobby de cirurgiões bariátricos? Provavelmente não. Será que a agência está tentando coibir o uso indiscriminado dessas substâncias, já que o Brasil é um dos campeões mundiais de seu consumo? Bem, o Brasil também é campeão mundial de Cesarianas, será que a ANVISA vai proibí-las também? Será permitido o parto de Fórceps, o parto de Cócoras e o parto feito por uma índia do Xingú, mas as Cesarianas, de jeito nenhum.
Esse debate é interessante mas me dá um arrepio de infantilizar e cercear mais ainda a capacidade de um médico exercer a sua clínica. Vem uma senhora que leu uns trabalhos sobre o assunto e de uma penada, pronto, milhares de pacientes que tiveram um bom resultado com esses medicamentos vão enfrentar efeitos de sua retirada, ganho de peso rebote ou, pior, vão abrir a internet e vão importar esses medicamentos sem nenhum controle. A ANVISA proíbe porque não tem estrutura nem pessoal para fiscalizar os maus profissionais. Punir os bons pelo mau comportamento dos incompetentes é um caminho seguro para a Medicina Medieval.
De minha parte, posso dizer que o rsultado dos medicamentos anorexígenos, sobretudo a Sibutramina, são bem modestos em relação aos seus efeitos colaterais. O custo/benefício é desfavorável, sobretudo para pacientes com a Síndrome Metabólica já instalada. Mas eu posso decidir quando e como prescrevê-la. Estudei muitos anos para isso.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Síndrome Metabólica

Antes de começar este post, uma resposta: Vanessa, deixe o seu e-mail que eu não uso o MSN. Ou deixe recado na Secretária Eletrônica que retornamos. Obrigado.
Os poucos e fiéis leitores e leitoras dessa página devem estranhar o título, num blog de um psiquiatra. Ontem eu mencionei que evidentemente havia algo de muito estranho com o metabolismo do Ronaldo, além de outras esquisitices. Não é normal um rapaz de 34 anos, atleta de altíssimo nível, engordar do jeito que ele engorda. Algumas horas depois do post, em sua chorosa despedida, Ronaldo revelou que a causa de sua Obesidade galopante é uma doença hormonal, com repercussão metabólica, o Hipotireoidismo. Ele não poderia se tratar por medo do exame antidoping. Não tardou a ser desmentido pelo médico do Corinthians (que arriscou claramente o seu pescocinho, pois atrapalhou a história dramática e de sacrifício pelo Timão): Ronaldo tem uma disfunção tireoidiana mas ela está sendo tratada e não iria aparecer no Exame Antidoping. Não é substância proibida. Tirou um pouco a carga dramática, mas os jornais todos estampam em suas manchetes a versão, não o desmentido. Reza um velho dito de um político mineiro que o que vale não é a História, mas a Versão. Pode ser que a versão prevaleça, tudo bem, não vai ser a primeira nem a última. Mas que aí tem fumaça e fogo, tem.
Não é incomum que atletas de alto desempenho engordem muito na aposentadoria. A atividade física diminue drasticamente, o apetite e os hábitos alimentares, não. Sem mencionar o luto, citado por Ronaldo, de se afastar da ribalta e da lona do circo. Maradona, entre outros transtornos de comportamento, precisou de uma Cirurgia Bariátrica para conter o ganho exponencial de peso, após meses de um Comer Compulsivo (não era a sua única compulsão, diga-se de passagem).
A Síndrome Metabólica, que dá título a esse post, é um quadro de alteração da capacidade do organismo de procesar e armazenar açúcares e gordura. As células ficam resistentes à Insulina, causando alterações dramáticas no peso e no apetite. Como a Insulina está sempre alta, a fome e a vontade de consumir porcarias também está elevadíssima. Quanto mais a pessoa come, mais rápido vem a sensação de fome. A Saciedade também fica prejudicada. Começa aí um processo infernal de luta com a balança e aumento de glicose e colesteróis, com efeitos sanfonas dramáticos. Está tocando o sininho na sua cabeça, leitor e leitora? Ronaldo demora muito a emagrecer e precisa de um fim de semana sem jogo para engordar 5 quilos. As suas dores derivam, claro, da combinação de contusões antigas com sobrepeso, que ele não consegue vencer. Por isso ele diz que foi derrotado pelo seu corpo.
Portanto, às pessoas que ficaram assustadas e acharam que, por conta do Hipotireoidismo vão engordar e sofrer como o Ronaldo, fiquem tranquilas. A alteração tireoidiana é provavelmente a pontinha de um iceberg do que realmente está acontecendo. Espero que o homem que está sofrendo possa agora, finalmente, dedicar um bom tempo à sua recuperação.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ronaldo

Hoje o Gordo vai anunciar o final de sua carreira. As torcidas adversárias lamentam a perda da piada. Eu, como fã de futebol, suspiro de alívio. Sai o atleta, fica o mito, é mais fácil alimentar o mito do que equilibrar aquele corpanzil de pelada de casados e solteiros, levando botinadas da defesa do Tolima. É bem mais fácil alimentar o Imaginário do que lidar com a tensão do Real, diriam os analistas.
No Sportv News fizeram uma matéria em que diziam que o apelido de Fenômeno vem dos tempos de Barcelona. Bobagem. O apelido vem do final dos anos 90, quando ele saiu brigado de Barcelona e foi para a Inter de Milão. Era uma referência a um filme com John Travolta, "O Fenômeno", onde um morador de uma pacata cidade de interior americana começa a exibir poderes mentais sobrehumanos, atraindo a atenção, inclusive, do FBI. Adoro esse filme, aliás. Ronaldo deixou de ser um Fenômeno no final dessa década, de 90, quando estourou os dois joelhos. Passou a viver (como o seu xará, Ronaldinho Gaúcho) da memória de quatro ou cinco temporadas em que jogou um futebol primoroso, de gênio. Esses mitos trabalham com um dos sentimentos mais profundo da alma humana, a Nostalgia. Todos esperam um lampejo, uma fração de segundo que traga de volta o passado. Os Ronaldos passaram os últimos anos vivendo disso.
É coisa de muito poucos chegar ao auge da capacidade atlética, inclusive de entendimento do jogo, por volta dos 21, 22 anos. Ele é um desses jogadores fora de série que já parecem nascer prontos, como Pelé, Maradona, Messi. Teve também a característica de vários artistas, da bola ou não, de destruir completamente o próprio sucesso para depois recuperá-lo, calando os críticos. Daria um bom material de terapia descobrir de onde vem essa tendência à autodestrição, ou autoboicote. É como se a pessoa por tráz do mito implorasse pela sua humanização. É uma tensão imensa carregar a expectativa e a idealização de um mito, sobretudo de um mito acalentado para vender cerveja ou medicamentos genéricos. O impressionante, no seu caso, é o que vem acontecendo no seu corpo, de 2006 para cá. Ronaldo passou a fazer uso em público de Álcool e Nicotina de forma compulsiva. A velocidade com que ganha peso também sugere um Transtorno Alimentar. O ídolo não consegue mais sustentar as expectativas projetadas, o seu corpo se recusa a fabricar novas jogadas, a ansiedade fica muito clara atráz dos discursos planejados, ensaiados, como será a sua coletiva de despedida, daqui a algumas horas. Espero que, com a despedida do atleta e o estabelecimento do mito, o homem possa cuidar de sua própria saúde, pois ele não tem idade para seu organismo se comportar tão mal, metabolicamente falando. Ou, como Maradona, ele caminhará para novas compulsões, necessitando de intervenções mais fortes no futuro. Espero que não. Espero que ele vire um Fenômeno na vida real, que é o que interessa.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Redenção Temporária

Tite não comemorou o gol do Corinthians. Quando venceu o clássico, saiu correndo sem dar entrevista. Esse foi a sua resposta contra o linchamento moral, agressões e apedrejamentos que sofrera durante a semana. Procura aparentar serenidade, mas está claramente magoado. Já está nesse meio há bastante tempo, mas os espetáculos de histeria coletiva ainda o atingem, sobretudo as traições cumulativas. Ronaldo, há vários anos um ex jogador de futebol em atividade, bem que tentou mandar tudo às favas e ir embora. Não precisa manchar ainda mais a sua acidentada mas brilhante carreira. Poderia deixar a imagem do Fenômeno, vai deixar a imagem do Gornaldo. Não pediu o boné, por força das multas rescisórias. Uma pena.
O jogo de ontem confirma a hipótese do Colapso, aventada no post de Sábado, "Tite e o Colapso". O time continuou desarrumado, encolhido, como um velho boxeador enfiado nas cordas, rezando para o gongo soar, mas o esquema foi simples, Tite montou um 4-5-1 e tentou arrancar um empate ou achar um golzinho salvador no contra ataque, que foi o que acabou acontecendo. A mídia, histérica, afirma que o time finalmente teve raça. Está errada, como é de praxe. Dessa vez, quem tinha o peso da obrigação e sentiu as pernas pesadas foi o Palmeiras. O Corinthians estava mais leve e lúcido, sem ter que carregar Ronaldo nas costas.
Já o São Paulo começa a padecer nas mãos de seu técnico, Carpegiani, que resolveu ressucitar o seu lado Professor Pardal. Inventa quatro esquemas no mesmo jogo, e todos tem uma coisa em comum: não funcionam.
Um dos nomes para a minha clínica que eu mais gosto é Simplexidade. Como é difícil aliar a Complexidade do raciocínio com a Simplicidade na ação. Os técnicos precisam de um bom terapeuta, antes e depois dos jogos. É só chamar. O lugar de quem decide é muito frio e solitário.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Blogstory 1

Perecebeu uma lágrima escondida, dessas de canto de olho.
- Está tudo bem?
Assentiu com acabeça, mas a mordida no lábio a contrariava.
- Pode falar. Eu sei que você está triste.
Baixou os olhos, como querendo ser descoberta em sua dor.
- A minha mãe sempre me diz que se eu pedir alguma coisa com muita força, Deus pode me ouvir.
Continuou ouvindo, delicadamente.
- Eu peço, peço, peço e nada acontece, tia...
As lágrimas começaram a correr mais, um choro doído de se ver.
Deixou o desabafo e o silêncio, como se visse o tempo passando no quarto.
- Vou te contar uma história sobre uma menina que eu conheci, tá bom?
Concordou com os olhos.
- Essa menina tinha um porquinho da índia, um ratinho gordinho de estimação. Ela adorava ir para a casa da sua avó, pois a casa dela era muito grande, com quintal e tudo. O bichinho também gostava de correr no gramado, ela adorava vê-lo cheirando a grama, comendo flor. Só que um dia aconteceu uma coisa muito chata.
Levantou os olhos, interessada.
- O porquinho da índia da menina entrou num buraco, um cano, uma passagem que tinha no quintal. Entrou e não saiu mais. Ela ficou muito tempo chorando e chamando pelo bichinho. Uma idéia horrível passou por sua cabeça: e se o ratinho se perdeu? Ela nunca mais iria vê-lo, ou iria brincar com ele? A menina ajoelhou no gramado e rezou de todo coração. Se o ratinho voltasse, ela nunca mais comia sobremesa, nunca mais deixaria de fazer uma lição de casa, nunca mais iria colocar o dedo no nariz... Por favor, por favor, meu Deus...
- E aí, o porquinho da índia voltou?
- Não, meu bem. O bichinho nunca voltou.
- E o que ela fez?
- Não fez nada. Chorou. Ficou com febre três dias. Nunca mais aceitou um bicho igual. Continuou esperando um tempo, até que esqueceu. Mas depois daquele dia, não acreditou mais que havia um Deus que ouvia os seus pedidos. Nunca mais pediu nada.
- Que história triste.
Sorriu.
- Calma que não acabou.
Olhou, vivamente.
- Um dia, a menina cresceu e entrou na faculdade. Tinha uma aula que ela gostava, com um professor velhinho e bonzinho, mas ela sempre se atrasava na aula dele.
- Por que?
- Porque esse professor sempre começava as aulas com uma oração. Pedia para que as pessoas entendessem a matéria, que todos chegassem bem em casa, que as coisas dessem certo. Ela não gostava nada daquilo.
- Por que?
- Porque achava aquilo tudo uma bobagem. A sala de aula não era lugar para fazer aquilo. Pensou até em reclamar no setor de alunos, mas acabou deixando para lá... Um dia, uma colega sua contou que a sua mãe iria passar por uma cirurgia perigosa, ela estava com muito medo e começou a chorar. O professor deu a mão para ela e pediu para todos rezarem, agradecendo pela cura da mãe de sua aluna. A menina, que agora era uma moça, ficou muito emocionada e pediu, de novo, de coração, para tudo dar certo, para a colega ter a mãe curada...
A menina olhou para ela, com cara de " E aí?".
- Alguns dias depois, na mesma aula, a moça agradeceu a Deus e às pessoas que oraram. A sua mãe estava bem, tinha voltado para casa, estava tudo bem. Todos suspiraram, aliviados, inclusive a menina que tinha virado moça.
- Acabou?
- Acabou o que?
- Acabou a história?
- Não sei se acabou.
- A menina que virou moça voltou a rezar?
- Não.
- Por que?
- Por medo de não ser atendida.
A menina baixou novamente os olhos, num suave entendimento.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Tite e o Colapso.

Quando moleque, meu pai me levava passar as férias em Lambari, uma pequena e simpática cidade no Sul de Minas, no Circuito das Águas. Era dessas cidades que todos se conhecem, que tinha um time de futebol valente e com nome pomposo, o Águas Virtuosas. Um belo dia eu fui treinar com a molecada do Águas. Eu era um gordinho bom de bola, sabia armar bem o jogo, dava lá as minhas trivelas. Lá pelas tantas, um penalti para o meu time. Ouve-se um clamor: bate o Paulista. Vai, Paulista. Eu ajeito a bola e o gol foi ficando cada vez menor. Bati com o lado de dentro do pé, a bola pegou efeito para fora do gol, foi longe. Risadas e sadismo dos moleques com o mauricinho de Kichute novo e meias da mesma cor. O paulista não joga nada. Acabou o treino para mim, assim como a minha carreira. Hoje o psiquiatra entende melhor aquele momento e isso tem a ver com a eliminação do Corinthians na Libertadores, diante de um time pior do que a maioria dos times do Campeonato Paulista. Um time pior que o Mirassol, com todo respeito ao Mirassol. O que aconteceu?
Temos em nosso Cérebro uma região do Sistema Límbico que faz a mediação do medo. O medo é muito importante para a sobrevivência. Num aquário, os peixinhos valentes são os primeiros a virar lanche se houver um peixe carnívoro. O medo nos deixa mais cuidadosos. No caso do penalti perdido, as minhas pernas ficaram pesadas, a respiração curta, a decisão de como bater na bola foi desastrada. Parecia o time do Corinthians: as pernas pesadas, os passes errados, o Gordo parecendo mais gordo. Uma delícia. As outras torcidas receberam o jogo como um presente de começo de ano.
Tite, o técnico do Timão, teve o seu carro depredado e seu nome citado em pichações, com adjetivos não muito elogiosos. A culpa é do Gordo e do técnico, essa é a lógica da torcida. No caso do técnico, posso dar o meu pitaco. Tite é um bom treinador, sério e honesto. Mas é daqueles técnicos que deviam treinar um time alemão. Tite tem sempre teorias para tudo, é pior que os psiquiatras. Já imagino o seu grupo, dormindo nas preleções. Tite fala difícil. Não sei como o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, o contratou. Não deve entender nada do que ele fala. Bem, deve ter feito a contratação por isso. Se fala difícil é porque é inteligente.
Vou dar um conselho, tranquilo, pois tenho certeza que não vai chegar ao seu destino: quando o time está fragilizado, com as pernas travadas, congelado e no começo da temporada, procure pela simplicidade. Nada de exaltação gaúcha à macheza ou a responsabilidade. Faça muitos rachões, muitas peladas, recupere a alegria pueril de se jogar bola. Arrume a defesa, dê leveza aos ao jogo, deixe as pessoas próximas dentro e fora do campo. O Cérebro que brinca é o contrário do Cérebro do Medo.