quinta-feira, 30 de junho de 2011

O tamanho das porções

Ontem decretamos liberdade da comida daqui e comemos hot dogs à brasileira (sem bacon, sem cheddar ou molho barbecue. O bom e velho cachorro quente com mostarda e ponto). Para quem não leu os outros posts, estou gozando merecidas mas infelizmente curtas férias nas terras do tio Sam. Mais especificamente em Orlando, Florida. Ontem levamos uma pequena batida em nosso Lincoln, uma banheira que alugamos a bom preço. A menina que bateu descreveu terrível dor abdominal e pequeno desmaio que a fez acelerar em nossa traseira. Fiquei nervoso e falei para a mulher da locadora que tínhamos sido atingidos na bunda do carro. Ela entendeu a "metáfora", anyway. A menina descreveu dor abdominal em anel, vindo do flanco esquerdo para o direito, assim como um black out de alguns segundos que a fez bater em nossa bunda. Traseira, quero dizer. As dores não tinham base anatômica, um desmaio teria causado um trauma de crânio, pois ela teria batido a cabeça na direção. Dores abdominais, se não forem lancinantes, como de uma Úlcera Perfurada, dificilmente causam perdas de consciência. Ou seja, acho bom o seguro da menina cobrir o estrago, porque ela deu azar de bater no carro de um psiquiatra brasileiro. Anos de Pronto Socorro e descrições vagas de sintomas igualmente vagos deixam nossos olhos muito treinados. Felizmente a moça não levou muito adiante a sua pequena farsa, senão teria que ser levada para o hospital e a gente ía passar longas horas em Tampa esperando o BO. Mas não era disso que eu estava falando. O assunto era comida.
Engraçado as literaturas levantarem a lebre de que os franceses tem aqueles pães e doces maravilhosos que consomem regularmente, mas mesmo assim não tem índices de obesidade comparáveis com os americanos. Uma piada. A America é a terra da pulsão oral. Tudo te convida à voracidade e ao senso de urgência. Tudo te empurra ao consumo desenfreado, de comida, refrigerantes, eletrônicos, roupas. Tudo te convida a uma sensação de urgência e necessidade. A comida acompanha essa febre. Tudo é grande, o leite vem em galões, os guardapos em pacotes imensos, a batata que eu pedi no Busch Gardens veio repleta de queijo Cheddar e bacon. No Brasil, nossos gordinhos se sobrecarregam de fanináceos. Basta ficar em uma fila em supermercados mais populares para ver os carrinhos repletos de bolachas, rosquinhas e balas. Aqui, a liderança no ranking dos adipócitos (células de gordura) vem do tamanho das porções, os refrigerantes em copos gigantes de refil gratuito e as gorduras. Tudo tem gordura. Aqui no Staybridge, onde estamos, tentamos tomar o breakfast. O cheiro de gordura nos afastou do refeitório. Voltamos para a nossa média e o pão com manteiga em nossa suíte.
Os franceses podem comer brioches à vontade, desde o tempo de Maria Antonieta. O tamanho das porções garantem uma dieta mais equilibrada. Vamos ter que aprender com eles. Infelizmente, a nossa maior influência dietética vem daqui, USA, não da Europa. Mas as brasileiras ainda se destacam nesses parques temáticos por serem bonitas e magras. Como dizem meus filhos, se é gostosa, é brasileira.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O Invisível

Estou lendo um livro que comprei aqui, que traça um paralelo entre a Física Quântica e a organização da Vida. Até onde eu cheguei ele fala da impossibilidade estatística da Vida ter se formado em nosso planeta a partir da sopa primordial de carbono, água e nitrogênio que cobria o planeta. Nas palavras do Gênesis, havia a escuridão e o espírito de Deus pairava sobre as águas. A vida se desenvolveu de forma relativamente rápida, como se a matéria primordial "soubesse" como se organizar para fabricar as primeiras enzimas, que deram origem ao RNA e depois ao DNA, que foi o início da transmissão de informação genética de uma geração à outra. Portanto, onde se iniciou a vida e a forma de sua transmissão em todas as espécies animais e vegetais.
Por que você está lendo sobre isso num blog de um psiquiatra e psicoterapeuta é que são elas. Mas vou explicar.
O psiquiatra suiço Carl Jung criou uma teoria em que a psique humana tem um centro organizador: chamou esse centro de Self. Essa teoria rende ainda boas gargalhadas aos terapeutas de outras áreas e aos colegas materialistas. Para eles, O Self é um conceito metafísico, ou seja, não pode ser comprovado pelos métodos físicos. Suprema acusação, o Self é uma construção absurda, da cabeça de um velho místico suiço. Como a idéia de um Deus criador, que é onipresente e onisciente e ainda cultivado pela maior parte da população. Um delírio construído pelos homens das cavernas que tinham medo da fome e das tempestades, criando deuses para o sol, para a chuva, para a caça. As idéias religiosas seriam um consolo para um universo regido por leis físicas e de seleção natural, onde somos propagadores cegos do DNA que herdamos das bactérias e procariontes.
O que esse povo não consegue explicar é essa capacidade intrínseca e invisível da vida se organizar e se complexificar como se houvesse um atrator, uma batuta invisível mostrando o caminho. Podemos chamar isso de Self, de Deus ou de Variáveis Ocultas, mas o fato é que a vida se organiza como se houvesse uma ordem invisível organizando o processo. Desde que o mundo é mundo, ou desde os gregos, mais específicamente, que os pensadores se dividem entre os que exploram e acreditam nessa ordem invisível e os que acreditam no acaso cego, puro e simples.
Eu acredito em uma cadeia de quase causas que confluem na construção da vida. Na nossa vida. Acredito que as pequenas coincidências podem ser o disfarce de pequenos milagres, que passamos sem notar em nosso dia a dia. Lógico que sempre vai haver os dependentes de realidade que se recusam a acreditar no Invisível, ou Inefável. Mas o debate vai contiuar divertido.

domingo, 26 de junho de 2011

Golfinhos e Montanhas Russas

Uma vantagem óbvia de estar em viagem fora do país é estar bem longe quando o São Paulo leva um chocolate, logo do Corinthians. A impressão ao longe é quase um balanço taoísta do último jogo, quando Rogério Ceni teve um momento de glória para esse, quando tomou cinco gols, o último um frangaço. Acho que vou esticar as férias.
Nesses dois dias, estive em dois parques temáticos em Orlando, Flórida. O primeiro, Discovery Cove, foi realmente legal, sobretudo pela concepção nova de um parque nessa região: eu sei por um cliente da área que a venda de ingressos mantém o parque funcionando. O grosso do lucro de um parque vem da comida e bebida caras e ruins, na maioria dos casos. No Discovery Cove a comida está incluída no pacote, que não é barato. A atração principal é uma praia artificial que possibilita aos visitantes contato com um micro ecossistema marinho. Recebemos máscara e respirador, para mergulhar em meio a arraias, peixes de diversos tamanhos. As arraias são mansas e se deixam tocar, mesmo com os avisos dos monitores para não fazê-lo. Há um passeio em um rio artificial, de água aquecida, mesmo com todo o ambiente semi natural, funciona, é agradável. Mas a atração principal, que vale o ingresso, é a interação por quase uma hora com um golfinho, sob a supervisão de uma treinadora experiente. Não pude deixar de comparar a treinadora com uma boa terapeuta: imagine a capacidade de manter um ambiente facilitado e harmonioso entre um golfinho, um animal silvestre, extremamente doce mas capaz de se irritar e atacar outros peixes, tubarões inclusive. O que podem fazer com turistas fora de forma e branquelos, se perder o controle? Mas a maior habilidade da instrutora é com os humanos. Ela conseguiu criar um clima de confiança e emoção, ajudando na aproximação respeitosa do mamífero maravilhoso, que só vemos na televisão ou em shows cafonas. Foi uma experiência muito bonita, da qual saímos humanos.
Hoje fomos ao Island of Adventure onde estava a maior atração, o Harry Potter. Como os leitores dessa página já noteram, sou um admirador da saga de J. K. Rowling, da sua narrativa em espiral, das várias charadas e pegadinhas que vão confluindo para o final. Orlando está coalhada de cartazes de Harry Potter, dando a impressão de um parque espetacular. Engraçado ninguém ter comentado, ainda. O parque é uma bosta. Horas de fila para você ficar numa espécie de liquidificador humano, simulando um vôo numa vassoura voadora esquizofrênica. Havia também uma montanha russa meia boca e muitas, muitas lojas repletas de capas, varinhas e uniformes de Hogwarts. Saí de lá nauseado e decepcionado com o desperdício de imaginação humana daquele lugar. Tanta coisa para fazer daquela saga, da imaginação borbulhante da autora, para dar naquilo.
Acho que esses dois parques representam duas tendências de nosso mundo: ou vamos privilegiar a inteligência ou a burrice. No primeiro parque, aprendemos, tivemos uma experiência, saímos de lá enriquecidos. No segundo, fizeram um parque meia boca para chacoalhar pessoas (literalmente) e vender varinhas de plástico. A peso de ouro. É nossa tarefa, todo dia, escolhermos em qual mundo vamos ficar.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Muricy

Hoje vou viajar para dez dias de férias. Vou para a terra do tio Sam, então se os posts ficarem raros, é que estou enjoado em alguma montanha russa. Estarei de volta em Julho.
Despeço-me do Brasil falando de um assunto que eu adoro, que é futebol. Não vão embora, meninas. As metáforas futebolísticas servem para a nossa vida psíquica e profissional. Talvez valha a pena examinar esse mundo, de vez em quando.
Um cliente meu, gaúcho e colorado, confessou não entender a minha birra com Muricy. O cara foi tricampeão brasileiro com o São Paulo. Exatamente por isso, respondi, azedo. O São Paulo de Telê Santana sempre teve vocação internacional. Campeonato Brasileiro é para os pobres. Explico esse azedume: Muricy é obsessivo. Todas as suas qualidades e defeitos derivam desse diagnóstico inicial. O pior, é sãopaulino. Queria vencer uma Libertadores pelo São Paulo de qualquer jeito. No São Paulo, Muricy era mais obsessivo, teimoso, irritável. Sempre com a sombra edípica de Telê Santana sobre a sua cabeça. Ficava mais envolvido emocionalmente. O resultado? Perdeu todas as Libertadores que disputou pelo tricolor, sempre tomando coco de times brasileiros: Internacional, Grêmio, Fluminense e Cruzeiro. Saiu do São Paulo demitido como um cara tosco, teimoso, bom de campeonato de pontos corridos e um perdedor vocacional de copas. A minha birra foi recompensada duplamente quando Muricy afundou com o Palmeiras no ano seguinte. Dupla satisfação, Muricy e Palmeiras na mesma draga. Melhor que isso, só se fosse o Corinthians, que agora deve estar roendo as unhas por não tê-lo contratado na época.
Mas alguma coisa aconteceu com o cara. Quando chegou no Fluminense, arrumou o time em poucas rodadas. Foi campeão com a devida e irônica ajuda de seus times anteriores, São Paulo e Palmeiras, que entregaram os seus jogos para sacramentar o Sem-ter-nada do Corinthians no ano passado. No Santos, Muricy Ramalho foi ainda mais surpreendente: sereno, ponderado, arrumou a defesa, que era uma peneira antes de sua chegada. Mas isso não era novidade. Arrumar a defesa sempre foi a especialidade dele. Muricy montou um meio de campo marcador e criativo ao mesmo tempo, coisa que nunca tinha conseguido no São Paulo. Mas não me rendo completamente: Muricy continuou o mesmo obsessivo/teimoso mantendo o ridículo e esforçado Zé Love de centroavante. Tudo pela sua obsessão em não mexer na estrutura do time, mesmo mantendo o folclórico ruivo perdendo gols debaixo da trave, para desespero de meu filho, que é santista doente e chama o Muricy de gênio.
Nas semanas anteriores à final, Muricy deu uma entrevista dizendo que "não tinha loucura" em ganhar a Libertadores. Senti um arrepio na espinha. Ele tinha achado o ponto certo: o quero-ganhar-mas-posso-perder, tão difícil para encontrarmos na vida. Eu tenho uma história, tenho uma trajetória, a vitória não vai me iludir, a derrota não vai me destruir. Quando eu li aquilo, percebi que o Muricy, já na galeria dos grandes técnico da nossa história futebolística, estava pronto para ganhar a taça que perdeu quatro vezes no São Paulo. Uma mexida que ele deu na posição do Arouca, do primeiro para o segundo tempo, decidiu o jogo em um minuto. O meu filho continuou repetindo: Muricy é um gênio. Confesso que sorri com uma pequena lágrima no canto do olho.

domingo, 19 de junho de 2011

Marketing e Outras Drogas

Um filme recente, "Amor e Outras Drogas", aborda a relação de propagandistas da Indústria Farmacêutica com os prescritores, antigamente chamados de médicos. O médico tem o poder da caneta e do carimbo, empresta seus muitos anos de estudo e experiência, quem sabe a sua credibilidade, para determinados medicamentos. O filme mostra essa relação, nem sempre ética, com os vendedores e os médicos de maior ou menor destaque. Em paralelo, a trama mostra o personagem principal, que inicia a sua carreira como propagandista de um grande laboratório, com uma moça belíssima, mas marcada já aos vinte e pouco anos pela Doença de Parkinson. Como o seu namorado não é propriamente um leigo, sabe muito bem que ficar com ela significa cuidar de sua doença num futuro não tão distante. A partir daí que a história se desenrola.
Estou falando sobre esse filme porque estou nesse momento no Guarujá, patrocinado por um laboratório, que gentilmente nos trouxe aqui para assistir a aulas também bacanas sobre o mais novo antidepressivo, em nosso mercado há dois anos. A parte realmente agradável foi o palestrante mostrar os dados e adotar um tom de médico falando para médicos: vejam os dados, o remédio é bom para esse tipo de quadro, não funciona naqueles tipos, e, como a maioria dos medicamentos, às vezes faz exatamente o contrário do que visamos na hora de assinar a receita. Um tom franco que não subestimou a inteligência dos ouvintes.
O mundo do Marketing não é estranho para mim. Na década de 90 eu cheguei a trabalhar um par de anos como diretor de marketing de uma pequena editora, que vendia livros sobre assuntos médicos, para leigos, após uma palestra gratuita. Eu montava as palestras e ensinava aos palestrantes a importância do momento da virada, que é a hora em que, depois de uma boa e honesta apresentação, o vendedor vai pedir o dinheiro dos participantes. Um treinamento que hoje dão a muitos pastores de igrejas lucrativas. Eu sempre tive a impressão que o bom vendedor é aquele que estuda, entende e acredita no produto que está divulgando. Gostar de gente e não acreditar que a venda se faz com "uma boa lábia" também é um valor. O bom vendedor é aquele que consegue casar o seu produto com a necessidade e, mais profundamente, com o desejo do cliente. Um bom médico vende o seu conhecimento e experiência para trazer alívio ao sofrimento de seu paciente. O custo/benefício dos medicamentos sempre devem e serão colocados na balança. Esse novo medicamento trouxe novas questões no tratamento da depressão. O palestrante falou sobre essas novas questões com habilidade. Daqui da sacada, teclo esse blog vendo o mar. Mas a parte que realmente importa é que eu vou sair daqui sabendo para quem NÂO prescrever esse medicamento e quais são as drogas com ação diferente, mas que podem dar um conforto semelhante, com um custo mais acessível para os pacientes.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Alegria, Alegria

Há alguns anos atrás, um paciente me relatou um sonho desses que ficam guardados numa galeria terapêutica de sonhos inesquecíveis. Ele sonhou com o seu sogro, já falecido, um homem que sempre fora muito sério. Como toda pessoa séria demais, era muito triste. O seu sogro, visitando-o em sonho, não parecia mais tão triste. Aparentava mesmo uma paz muito grande, como acontece tão frequentemente quando sonhamos com pessoas já falecidas. Parece que, em algum momento do sonho, quando estavam para se despedir, o sogro, que quase nada ou nada falara, olhou para ele e disse: "Não se esqueça da alegria". Ele parou a terapia algum tempo depois e até onde eu sei, não deixou ele mesmo de ser um homem muito sério e um pouco triste. Acho que o sonho falou mais a mim do que a ele.
Somos seres desejantes. Máquinas desejantes, segundo um autor que admiro. Pulamos de um desejo a outro, de uma insatisfação a outra. A percepção do tempo, a capacidade de entender e planejar o futuro é uma capacidade ímpar que acompanhou a evolução do Homo sapiens. Não é à toa que o cérebro desse hominídeo é o maior da espécie, com um Lobo Frontal avantajado. Andar em dois pés e usar as mãos ajudaram esse Cérebro a se desenvolver. Entretanto, o fato de antever o futuro e manejar o próprio alimento, as estações do ano, os instrumentos manuais, não tornaram o Homem mais feliz. Antes, viramos uma espécie de prisioneiros do Futuro. Outro dia ouvi um comentário no rádio, onde um comentarista proferiu a supersimplificação de que a diferença entre Psicoterapia e Coaching é que a primeira promove uma viagem ao passado, enquanto o Coaching pensa e prepara mais o futuro. Talvez a melhor terapia seja aquela que ajude o Sujeito a ser dono de seu tempo Presente, sem olhar o Passado com amargura nem o Futuro com angústia. Em vez de questões do tipo: "Onde você se enxerga daqui a cinco anos?", talvez seja melhor levar o seu filho para o estádio que ele vai lembrar disso daqui a vinte anos.
De tanto preocupados com o futuro, com a carreira, com os sonhos de consumo, subtraímos de nossa vida a sensação da alegria, que aparecia no sonho de meu expaciente. Alegria das coisas realizadas, dos objetivos conquistados, do trabalho honesto que nem sempre rende tanto como outros trabalhos, não tão honestos, mas que tornam nosso travesseiro leve. Talvez fosse essa a alegria que o sogro tentava transmitir a seu genro, perdido nas angústias que diminuem nossos dias e nos afastam dessas microalegrias que acontecem toda hora.
A Psicoterapia não é uma escavação arqueológica, assim como o Coaching não é exercício de futurismo. Talvez sejam apenas formas de ajuda, de construção de pensamentos e estrutura para uma vida. Essa construção pode ser muito dura, e quase sempre é, porque somos Homos sapiens e ficamos caraminholando o que será do amanhã. Mas dá para, de vez em quando, só de vez em quando, olhar para todo o caminho percorrido e sorrir para ele. Com a mais profunda das alegrias.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Solidão

Peço desculpas aos poucos e fiéis leitores desse blog. Passei o fim de semana fazendo mudança de consultório, é impressionante a quantidade de tranqueira que conseguimos acumular em poucos anos. Não tive força física nem para teclar sobre as pessoas que odeiam o Dia do Namorados e como essas datas comerciais exacerbam nas pessoas o sentimento de solidão. Impressionante como a vida pós moderna reforça nas pessoas a sensação de acesso absoluto e isolamento ao mesmo tempo. No filme "Ele não está afim de você", a personagem observa que o seu desencontro amoroso estava rolando no celular, computador, telefone fixo, secretária eletrônica. Ela estava sendo rejeitada em sete diferentes tecnologias e isso é muito cansativo. Essa é uma cena para odiar os dias de Namorados.
No almoço de Domingo, entre um embarque de uma estante e o empacotamento de amostras de remédios, encontrei uma querida amiga e colega que mora lá perto. Ela foi minha supervisora na residência e ainda me chama de "menino", o que é muito confortável com esse bigode ficando branco. Ela é uma psiquiatra respeitada que é solicitada a dar entrevistas na mídia. Perguntou para mim se pode me passar algumas pautas mico, como "Solidão". O que tem um psiquiatra para falar de solidão? Vamos citar as estatísticas, que a prevalência de transtornos psiquiátricos é muito maior em pessoas solitárias? Que o isolamento social é frequentemente uma complicação e fator de agravamento de quadros psiquiátricos? É um jeito chato de abordar a questão, não acham? Nos despedimos para eu voltar à arrumação do novo consultório, ela prometeu me passar essas entrevistas (Uma vez dei uma entrevista no Jornal da Record, no dia seguinte a atendente do restaurante por quilo chamou todas as cozinheiras para ver o "médico que estava na televisão". Virei uma celebridade do quilão. Meus quinze minutos de fama).
Jung estudou os tipos psicológicos em uma fase de sua carreira. Dividiu, para começar, duas tendências principais: Introversão e Extroversão. Ao contrário do que pensa o senso comum, Introversão não significa timidez e Extroversão não significa uma pessoa comunicativa. O Introvertido é alguém que experimenta o mundo internamente. Ele vê, por exemplo, um Disco Voador e observa, estuda, compara com os filmes B que assistiu em sua infância, aí vai se aproximar. O Extrovertido vê a nave alienígena e corre para ir puxar papo, sendo prontamente pulverizado por canhões de raios gama. Essa é a diferença. O introvertido vive internamente e aí se move, o extrovertido se orienta pelo mundo exterior, vai ver o que é, provar, testar. É claro qe vivemos num mundo em que a atitude extrovertida é mais valorizada do que a introversão. Inclusive no jogo do amor. E na solidão. A pessoa introvertida, até por tolerar mais a própria companhia, acaba tendendo mais à solidão. Mas isso não é uma regra.
No dia a dia do consultório, peço muito para os pacientes com diferentes quadros clínicos para não fugir ao convívio humano.O nosso Cérebro é relacional, precisa de contao com as coisas e as pessoas. Se possível, um bom jeito de sair da solidão é cuidar de alguma coisa. Cuidar de um bicho, de uma samambaia ( o Dentinho do Corinthians que o diga), de um projeto. Uma das coisas que perpetua a solidão é o excessivo zelo por si, que torna a pessoa egocêntrica, outra fonte inesgotável de solidão. A vida precisa de cuidado, e isso afasta a solidão para introvertidos e extrovertidos. Os introvertidos cuidam melhor, por isso, por estranho que pareça, sentem-se menos solitários.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

AES Eletropaulo

Estava vendo um desses seriados de justiça, advogados, disputas, tem sempre uma meia dúzia desses fazendo sucesso na TV a cabo. O caso era de uma professora de Educação Infantil que processava um casal por Assédio Moral. Contava as barbaridades que ouvia diariamente dos pais de determinada aluna, tendo que atender o celular até a sala de parto onde teria o seu bebê, pois a mãe em questão queria tomar satisfações sobre determinado assunto. Ontem eu perguntei para uma cliente, professora aposentada, se não tinha vontade de voltar a dar aulas na Educação Infantil, ela falou que com o atual tratamento que as mães dão às professoras, prefere ficar em casa, tricotando um cachecol.
Com o tal do ciclone extratropical, já estamos sem luz em casa há 36 horas. Ligamos para a AES Eletropaulo e damos em Call Centers com mocinhas provavelmente procurando outras oportunidades no mercado, ouvindo desaforos e dando nada de informação. Estão lá para desinformar, coisa que a KGB fazia muito bem na Guerra Fria. Cite um monte de informações desencontradas e deixe as pessoas desesperadas, pois entre a mocinha do Call Center e o eletricista terceirizado, que nessa hora deve estar escondido debaixo da cama, temos os pagantes de impostos e tarifas sem banhos olhando a comida apodrecer na geladeira.
Os fenômenos parecem diferentes, mas não são. Nunca na história da humanidade tivemos tantos recursos de comunicação à distância em tempo real. Talvez nunca a comunicação foi tão desprovida de qualquer valor comunicativo. As pessoas se esquivam de dar esclarecimentos, berram, choram, fazem ameaças. O silêncio só faz aumentar, bem como a indiferença, uma indiferença carregada de cansaço, de enfado. Estamos na civilização da autoestima. A menina do Call Center mexe no cabelo e olha para o relógio, tampando o bocal do telefone para bocejar, enquanto a velhinha chora do outro da linha pois está sem água e sua cuidadora não veio trabalhar. Está em casa olhando os seus filhos, pois a escola está sem luz. Ela pensa em seu novo corte de cabelo e se o seu namorado realmente está atento às suas necessidades. É importante para a sua autoestima. A AES Eletropaulo deve ter programas de incentivo à autoestima dos funcionários e programas de energia sustentável. Bobagem perguntar se tem um plano de contingência quando bate um vento mais forte na rede elétrica. Imagine. Somos um país tropical abençoado por Deus. Os ciclones (que já estão virando um fenômeno sazonal) são só um fenômeno isolado. Já atendemos x por cento das ocorrências. A menina do Call Center avisa a velhinha: "Sinto muito, minha senhora, não temos previsão de religação na sua rua". A velhinha chora. A menina lê na revista uma dieta para melhorar a autoestima.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Segunda Feira

Um dos fenômenos universais para todos é a Depressão da Segunda Feira. Todos estamos nesse momento começando a esquentar os motores para começar a semana. Em São Paulo desses dias, o frio deixa o início da semana ainda mais penoso. É como se a alma demorasse algumas horas para estacionar e se encaixar. Ainda estamos no estado mental do final de semana, aquela atenção difusa e a preguiça cheia de edredons. Como evitar esse estado de luto, esse bode de recomeçar mesmo que gostemos de nosso trabalho, o que também não é muito comum?
Uma vez eu estava vendo a antrevista do Dalai Lama, quando ele veio ao Brasil há alguns anos, o repórter da Globo perguntou como ele aguentava uma rotina massacrante de dormir 2 a 3 horas, meditar 4 horas e passar o resto do dia sendo tocado, perguntado, solicitado e indicar o caminho para os seres comuns, como nós. Ele sorriu e respondeu em seu inglês carregado de sotaque tibetano: Propósito. Sua Santidade acredita que está a serviço de um propósito maior, que é ajudar os seres sencientes a encontrar alguma luz nesse mundo que duvida da luz.
As relações com o trabalho e com a vida provocaram a perda dessa sensação de propósito. Trabalhamos muito, toleramos a pressão e o medo, mas, para a maioria das pessoas, o trabalho perdeu o seu propósito. Trabalhamos para sobreviver, enquanto tentamos sobreviver no trabalho. Vivemos sob o risco do medo e da obsolescência (não é à toa que esse blog não tem muitos leitores, olha as palavras que eu escolho).
Se alguém num ato de clarividência me convidasse para dar uma palestra de como tornar a Segunda Feira menos desagradável, ou a semana toda menos desagradável, a minha primeira sugestão seria devolver algum propósito ao trabalho. Parece tão difícil, mas não é. Estamos tão ocupados com os objetivos, metas e cobranças, o que torna a nossa semana uma chatice, que esquecemos de nos sentir parte de alguma coisa, parte do mundo e das pessoas que conseguimos, ou não, ajudar. Eu diria para os senhores corporativos, do alto de suas gravatas importadas, para transmitir em suas falas a impressão de que todos fazem parte de um trabalho que tenta deixar o mundo melhor, ao final do dia, do que era, quando acordamos. Esse é um bom jeito de pular da cama na Segunda Feira.

domingo, 5 de junho de 2011

Mau Humor

O termo técnico Humor, do inglês Mood, não tem o mesmo significado do que chamamos de mau humor. Mau humor em psiquiatrês é outro sintoma, a irritabilidade, o que designa aqules estados do "bom dia por que?" que temos normalmente ao acordar.
Humor é o estado afetivo que dá a cor de tudo o que sentimos. Humor deprimido é o estado de energia baixo do sistema. Os PET Scans, aquelas imagens coloridas que medem o metabolismo cerebral, mostram uma baixa atividade metabólica em estados depressivos, bem como hiperativação de outras áreas em estados de expansão de Humor. Uma grande dificuldade em se lidar com os familiares de um paciente deprimido é aquela torcida envolta gritando: "Vamos lá! Reaja!" o que me dá a mesma impressão de gritar para uma pessoa com falta de ar e broncoespasmo:"Respira devagar! Relaxa!". O estado de humor deprimido não é voluntário, não é frescura nem falta de força de vontade. É uma doença mesmo e como tal deve ser tratada.
Para o mau humor permanente temos outro termo, que é o Humor Disfórico. As pessoas com o humor disfórico tem um quadro intermediário entre a depressão e a ansiedade generalizada. São pessoas facilmente irritáveis, que explodem com facilidade e são tidas como pessoas de "gênio difícil". Normalmente essa persona ameaçadora serve para encobrir uma personalidade frágil, uma falta de confiança básica no outro e na vida. Não é incomum um profundo senso de injustiça, a sensação de não reconhecimento e uma tristeza de fundo, atráz dos gritos e palavrões. Muitos pacientes podem passar anos explodindo, perdendo empregos e afastando as pessoas, sobretudo as mais próximas, antes de receber um diagnóstico e medicação adequados, tornando-se pessoas pelo menos de pavio curto, pois antes nem tinham pavio. O pior é que quando o seu humor finalmente melhora ou se torna menos explosivo, ainda restam várias pessoas do seu círculo relacional ainda traumatizadas pelo período de irritabilidade, prontas a denunciar que "o seu gênio continua horrível".
Jesus foi posto para correr em sua cidade natal, Nazaré. As pessoas que o viram crescer quase bateram nele, dizendo: "Mas quem que esse filho de carpinteiro pensa que é, tirando uma de profeta?". Jesus tinha mudado, a sua personalidade também, as pessoas mais próximas eram as menos qualificadas para compreendê-lo. Aliás, ele mesmo no Novo Testamento teve alguns episódios de irritabilidade, sobretudo com os fariseus, que eram mesmo um pé no saco.
As pessoas imaginam que um jeito de se lidar com o mau humor permanente seja entrar em cursos de relaxamento ou workshops de inteligência emocional. Isso pode ajudar, sem dúvida, mas o primeiro passo para lidar com as alterações de humor constante é olhar para si mesmo e para as causas dessa irritabilidade. Descanso, lazer, fazer as coisas como se estivesse em um jogo melhoram o humor. Como disse a Vovó, personagem de outros posts, os adultos ficam tristes porque desaprendem o brincar.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ameaça Invisível

Quem me conhece sabe muito bem que eu sou o último a defender a polimedicação e a polimedicalização de nossos dias (parece a mesma coisa, mas não é). Já dei aula e fiz propaganda dos livros de Daniel Servant-Schreiber, que justamente estudam formas de tratamentos alternativos para enfrentar o estresse e suas consequências: exercícios físicos, meditação, dietas, higiene do sono, psicoterapia, tudo é uma forma de se preservar ou incrementar o funcionamento cerebral, melhorando os sintomas de desgaste e mesmo esgotamento que chamamos de depressão. Essas técnicas, associadas a medicação bem indicada e acompanhada, permitem na minha experiência o uso de doses até dois terços menores do que a de colegas que só acreditam em genes defeituosos e doenças com base biológica, apenas. Psicoterapia, para muitos, é divertimento de senhoras com saias longas e vontade de jogar conversa fora com os pacientes até o remédio começar a fazer efeito. Pois as técnicas combinadas permitem a redução dos estressores, a sobrecarga diária que afeta uma enorme parcela da população e responde talvez pelo lucro de muitas empresas farmacêuticas, pois não há quase nenhuma doença que não tenha uma participação enorme do estresse e dos estressores que se perpetuam em nossa vida. Nessa semana mesmo, tive dois debates acalorados com pacientes jovens que se recusam a tomar medicação para quadros depressivos leves, aqueles que não deixam a pessoa de cama mas vão tirando gradativamente a cor e o gosto da vida. Sono pouco reparador, mesmo que a pessoa durma várias horas, cansaço diário e permanente, refletido em mau humor e irritação constantes, impaciência, dificuldades em se concentrar e se lembrar de coisas, diminuição do desejo sexual e de outros desejos, evitação social, tudo isso pode fazer parte do mesmo problema. Entendo a relutância que as pessoas tem de usar um medicamento com ação no Sistema Nervoso Central, entendo também que com uma "higiene cerebral" melhor, com os cuidados que já apontei acima e em outros posts, muitos desses sintomas podem ser melhorados ou mesmo superados. Mas, se a pessoa tem esses sintomas há semanas ou meses, tenta se cuidar de várias formas mas continua com altos e baixos a ponto de acreditar que esse estado de fadiga permanente é seu estado normal, saiba que o seu sofrimento é desnecessário e sua autosuficiência, burra. Há tratamentos acessíveis, relativamente simples e que usam, sim, medicamentos com ação no Sistema Nervoso que vão recuperar os seus neurônios desse estado de semifalência.
Eu não sou lá muito fã dos Doze Passos dos Alcoólicos Anônimos, com exceção do primeiro passo, que é reconhecer que, sozinhos, não vamos a lugar nenhum. E que às vezes precisamos muito de ajuda. Talvez esse passo seja o mais importante de todos.