quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Fantasma na Máquina

Ontem a Folha Equilíbrio trouxe uma matéria sobre a Psicanálise, com metade do caderno composta por psicanalistas defendendo o método e a outra metade dizendo que a Psicanálise já era, é uma religião, a Neurociência que é legal, etc, etc, etc. Um artigo de Suzana Herculano Houzel, uma autora que eu costumo curtir e uma pesquisadora bacana, descartou completamente a tal da Neuropsicanálise. Disse que a Psicanálise não precisa da Neurociência e vice versa. Pior ainda, colocou de novo a psicoterapia como instrumento para o autoconhecimento, sem finalidade ou vínculo terapêutico. Para completar a ironia, ao seu lado na mesma página, há o relato de uma jovem advogada, que após um processo de quatro anos de análise, melhorou de vários problemas clinicos, como Endometriose e Tumores de Fígado (!). Os cientistas diriam que a moça melhorou porque seguiu o seu tratamento médico e atribuiu a melhora ao terapeuta, como um índio atribuiria uma melhora espontânea às artes de um pagé. Já os psicanalistas alfinetam a Psiquiatria comparando os colegas a fascistas da medicação, tacando remédios em sentimentos normais, como a tristeza, que é diferente da Depressão. Não briguem, crianças, não briguem.
Eu, que como um mutante, faço as duas coisas, fico um pouco desalentado com essas alfinetadas. É como levar porrada de dois briguentos quando tentamos separar a briga.
A moça, jovem advogada, faz um relato de sua dificuldade em engravidar, por conta da Endometriose. Suprema heresia, afirma que a sua doença tinha uma origem psicossomática. Traduzindo em bom Português, como se houvesse um fantasma na máquina de seu corpo, produzindo uma doença orgânica. Uma frase bonita de seu relato: "A análise desautorizou o meu sofrimento e me fez responsável pela minha vida, minha dor. Tirei a muleta". Não é engraçado que os detratores sempre afirmem que a análise é exatamente uma muleta para os inseguros diante da solidão da vida? A moça tirou a muleta de atribuir ao Outro a responsabilidade por sua dor. Passou a andar com as suas pernas, passo a passo. O fantasma do medo saiu de dentro da máquina, ou virou o Gasparzinho, o fantasma camarada.
O processo analítico traz à tona o relacionamento de um sujeito com seus estressores, reais e sobretudo imaginados. Dá a pessoa uma capacidade de olhar em perspectiva para velhas e novas feridas e, acima de tudo, como a jovem paciente descreveu lindamente, tira das feridas o estatuto de prisão, de mordaça. O efeito é uma diminuição progressiva das angústias e uma resiliência maior aos estressores diários de nossa vida. Diminuindo o Estresse e os estressores, as doenças que dependem dos mesmos (quase todas) também evoluem melhor. Por isso que a análise ajudou no controle da Endometriose e na diminuição dos tumores de Fígado. A Medicina tradicional também contribiui para a melhora? É óbvio que sim.
Imagino que vai demorar algumas décadas para que os analistas e os neurocientistas trabalhem conjuntamente, aproximando os constructos, alinhando hipóteses, compartilhando os saberes. Dr Freud e Dr Jung, hoje em dia, prescreveriam os medicamentos disponíveis com muita alegria.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Sonho e a Cura

Desde os tempos bíblicos que os sonhos são vistos como um portal de consciência e de previsão de futuro. Há uma história bíblica belíssima sobre essa capacidade: os filhos de Isaque, enciumados, venderam o seu irmão caçula, José, como escravo no Egito. Ele era o preferido de seu velho pai. José acabou preso por outros problemas e na prisão, interpretou o sonho de um preso, revelando o seu futuro. Quando esse preso foi reabilitado, contou para o Faraó das capacidades de José. Ele previu que o Egito teria sete anos de abundância, seguido de outros sete anos de secas. O Egito se preparou durante os anos de fartura e atravessou assim os anos de seca. Pensando bem, nos dias de hoje José iria fazer muito sucesso trabalhando nas bolsas ou no FMI, só analisando os sonhos da galera.
Na era moderna, os sonhos, como instrumento de acesso à psique, foi novamente revelado por Freud, que o chamou da via régia para o acesso ao Inconsciente. Os seus achados com relação aos sonhos até hoje não foram aceitos pela Ciência, bem como grande parte de sua teoria. Dane-se a Ciência. Os sonhos se comprovam em nossa prática como uma via maravilhosa de acesso ao Inconsciente e à cura. As psicoterapias comprovam isso no dia a dia, o que não pode ser detectado por nenhum exame de Neuroimagem.
As pessoas normalmente acham os sonhos pouco importantes, fragmentos de assuntos que apareceram durante o dia. Sonham com o trabalho, sonham com as preocupações e os medos do dia a dia. Freud mesmo resumia que o sonho manifesta um desejo ou um medo, e isso se confirma em uma série de sonhos.
Jung, que veio um pouco depois de Freud e descobriu o Inconsciente Coletivo, julgava os sonhos uma via de acesso ao Inconsciente e à própria vida. Não vou me estender nesse post, mas Jung imaginava que os sonhos fosse uma manifestação de outras esferas da psique, como a própria Supraconsciência, que ele chamou de Self. Para esse post não ficar muito chato, vou dar o exemplo de um sonho recente colhido na prática do consultório. O paciente sonhou com uma Arara Azul, belíssima, pousada em seu braço. Ele olhava a ave admirado, quando percebeu que a arara estava chorando. O pensamento que lhe veio foi que não sabia que os bichos tinham esses sentimentos. Acolheu a arara com um longo e amoroso abraço, ela se aninhou em seus braços. Parecia um sonho comum e sem sentido, não é? A tal da arara poderia ser uma alusão à arara da última animação de Carlos Saldanha, "Rio", onde a personagem principal é uma arara azul, Blue. O significado da arara e do que ela representa no sonho que é pessoal e intransferível. A interpretação do sonho, realizada a partir das associações do paciente foi que a Arara Azul representa a profunda solidão do paciente em sua vida pessoal e profissional. Nesse mundo utilitarista de cada um por si, ele se sente cada vez mais um animal em extinção. Uma ave rara, tentando fazer as coisas certo. Olhar para o bichinho e perceber a sua dor é como olhar para si mesmo e toda a sensação de solidão e injustiça que lhe causam mágoa. Quando ele acolhe a ave num abraço, está realizando uma cura de sua própria ferida e solidão. Em vez de esperar reconhecimento e acolhimento do Outro, como a sociedade, os pares, os amigos ou quem quer que seja, ele toma a iniciativa de acolher o bichinho em sua dor. Esse é um sonho de cura, um sonho em que a percepção que o paciente tem da vida é profundamente transformada por esse conteúdo que vem no sonho. O paciente pode ver em 3D o que lhe machuca e cuidar da própria ferida. Essa é uma das vivências e compreensões mais profundas que podemos ter em um processo de psicoterapia.
Somos todos araras azuis procurando o nosso caminho. Encontramos com diversos tipos de pessoas e de amores, mas no final das contas, é nossa tarefa compreender o que nos machuca e cuidar disso. Veja quanta coisa num fragmento meio besta de sonho.
Os neurocientistas continuam procurando pela alma dentro do aparelhos. Não vão encontrar.

sábado, 24 de setembro de 2011

São Caetano, Setembro 2011

Hoje os jornais estampam as fotos do enterro do menino D, de dez anos, que atirou em sua professora de Português, foi até a escada perto da sala de aula e deu um tiro na própria cabeça. Essa é uma cena de filme ou de adolescentes americanos com vocação para serial killers? Não. Aconteceu numa escola modelo, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Tentativa de homicídio seguida de suicídio, em uma criança, ou um préadolescente, um evento raríssimo e quase inédito em nosso meio. Nessas ocasiões a mídia corre atrás dos psiquiatras, psicólogos, pedagogos, procurando pelas explicações de praxe. Um colega de classe do menino resumiu como essas quase causas já forma assimiladas pelo senso comum: "Como isso pôde acontecer, se ele não sofria bullying, tinha uma família estruturada e religiosa e era um bom aluno?"
Já estamos nos acostumando a associar esse tipo de violência a essas causas. No caso do menino de São Caetano, não encontrou-se nada. Todos estupefactos. Nada. Os especialistas pelo menos ficaram comedidos e silenciaram antes da saraivada de palpites que todos disparam nessas ocasiões. O coordenador de Saúde Mental da Infância e Adolescência da cidade colocou a falta de dados de uma forma muito clara: "Qualquer hipótese para explicar o ocorrido é um exercício de imaginação". Bravo, colega. Vamos colher mais dados antes de formular hipóteses, para evitar que feridas ainda mais dolorosas sejam abertas. Mas a falta de qualquer explicação é ainda mais angustiante para todos. Significa que isso pode ocorrer para qualquer um, em qualquer lugar? Estamos vivendo em um mundo que crianças de dez anos vão ter que passar por detectores de metais para assistir as aulas ou pegar a merenda?
Os acidentes com arma e crianças acontecem nas casas onde uma arma está, de um jeito ou de outro, ao alcance das crianças. Há pouco tempo uma criança na mesma faixa etária de D, filho de um cliente, começou a fazer desenhos onde explodia a escola, destruía os colegas que o maltratavam com granadas e cenários de video games. Os pais foram chamados, uma terapeuta convocada, ele elaborou a sua agressividade e mudou de escola, onde está mais adaptado. A fabulosa tensão que estava acumulada e se manifestando pelas fantasias de violência terrorista foi dissipada e elaborada, o moleque já pode voltar a ser criança. Se esse menino tivesse acesso a uma arma de fogo, haveria risco de a violência ser concretizada? Sim. Se a tensão crescente não tivesse sido identificada, os sintomas do garoto teriam piorado? Teriam.
O menino D deixou um desenho em sua mochila, intitulado "Eu aos 16 anos", onde tinha um revolver em cada mão. Perto dele, um professor. Roseli Sayão disse na Folha que desenhos com armas são muito comuns nessa idade, não indicam uma índole violenta, necessariamente. Ela tem razão. Mas a banalização da imagem das armas, o imaginário coletivo estimulado por filmes e séries, a tragédia de Realengo, tudo isso pode crescer dentro da cabeça de um moleque dessa idade e virar uma mistura explosiva. A facilidade de acesso a uma arma pode criar uma situação propícia de passagem ao ato, quando uma idéia que todos podemos ter, pode vira uma tragédia.
Nós estamos hoje num mundo de excessos. As pessoas tem cada vez mais uma dificuldade de internalizar e elaborar as suas tensões. Infelizmente, muitas famílias não tem condições de acessar profissionais, aconselhadores e terapeutas como o meu cliente teve com seu filho. Aos pais restam como arma a Atenção Plena, a insistência em dialogar e acessar o que acontece no mundo insondável e interno de nossas crianças. O problema é que casos como esse deixam os pais mais assustados e intimidados em tentar esse diálogo. Procuram logo pelos especialistas, antes de procurar pelo bom senso.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Semi Dizer

Eu prometi que não ía mais mencionar o filme "A Origem". Prometi, mas não vou cumprir. Agora esse filme está passando na HBO, na TV a cabo, permitindo que eu reveja alguns pedaços antes de enjoar e zapear para outros canais, de preferência uns dois ou três programas ao mesmo tempo. A passagem que eu vi ontem é de Cobb, o personagem de Leo di Caprio conversando com Eames, um astuto engenheiro do ramo da invasão dos sonhos alheios. Cobb fala da Incepção, uma operação psíquica de inserir uma idéia dentro do Inconsciente do sonhador para que ela vá ganhando vida e se multiplicando, até passar a definir todo o sistema de crenças do sujeito.
O meu filho estava vendo um DVD do Dom Casmurro, baseado numa primorosa série da Globo, mostrando que há vida inteligente na TV aberta. Bentinho é interpretado por um ator que lhe dá um tom farsesco e tragicômico, em algumas cenas ela tira a maquiagem como se fosse um palhaço. Palhaço da própria miséria, da vida esmagada pela dúvida e pela mágoa da mulher que o traíra em seus pensamentos, Capitú. Para quem não lembra, Dom Casmurro é um dos maiores clássicos da literatura brasileita, do inacreditável Machado de Assis. Antes de Freud, antes de Jung, Machado descreveu a trajetória de uma paranóia amorosa, um homem que é possuído pela idéia que a sua esposa, a misteriosa Capitú, tinha lhe sido infiel com um amigo, Escobar. Nunca saberemos se Capitú realmente traiu Bentinho, nem isso é importante. O romance descreve como a idéia da traição vai crescendo e envenenando a vida de Bentinho, afastando-o de sua mulher de seu filho e da sua vida. Dom Casmurro é o apelido que recebe, Camurro é um termo antigo para uma pessoa amarga, macambúzia, isolada de todos pela amargura. Bentinho termina os seus dias só e miserável pela idéia que o possuiu como um encosto. Ele próprio fez essa inserção, e a idéia foi crescendo, crescendo, até destruí-lo. E olha que Machado de Assis nem foi ao cinema.
Na cena de "A Origem", Eames não duvida que a Incepção é possível, mas ensina para Cobb que é uma arte muito sutil. Se tentar enfiar goela abaixo do Inconsciente, ele vai rejeitá-la. A idéia pode apenas ser delineada, sugerida em cada nível de sonho que entrarem, para ir ganhando vida dentro de Robert Fischer.
Lacan dizia que o analista não deve invadir a sessão do paciente com a sua fala, dizendo coisas que impeçam o paciente de tirar as próprias conclusões. Pode no máximo semi dizer, para levantar a bola que o Inconsciente analisado vai, ou não, cortar. Essa é a arte que Eames vai ensinar a Cobb: como sugerir gradativamente a idéia que vai ser implantada e se reproduzir naquela psique como um vírus. Assustador, não? Será que esse roteiro foi escrito por um psicanalista ou um publicitário?

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tite e a Maré

Estava secando o Corinthians confortavelmente, já que o São Paulo havia ganho na véspera do Ceará. O gol de Liédson logo de saída não foi muito animador, o Santos estava desarrumado e parecia que o caldo iria entornar no clássico. O que dava para notar é que bola alta na área do timão era um Deus nos acuda, parecia que não haviam treinado nada na semana de folga que tiveram. Após mais uma bola alta espirrada, Henrique empatou. Muricy, que não gosta de mexer no time, arrumou as peças no intervalo e o Corinthians desmoronou no segundo tempo. Parecia um time feito de paçoca, desmanchou num jogo que mandava no meio de campo e jogava em casa.
Não há nenhum braço da atividade humana em que não aconteça o que está acontecendo entre o técnico Tite e o seu time. Eles simplesmente não respondem mais ao comando. Não acho que seja de propósito (em alguns casos, é), mas quanto mais ele tenta retomar o desempenho do começo do campeonato, mais o time mantém a média de um candidato ao rebaixamento.
Em Psiquiatria, o horror é dos quadros refratários ao tratamento, quando você troca de medicamentos, de estratégia e de abordagens e o quadro continua sem responder a nada, como se aquela pessoa tivesse desistido da continuar na luta do dia a dia. Pode parecer estranho, mas algumas vezes pode acontecer exatamente o que está acontecendo com a relação entre técnico e time do Corinthians: quando você dá o remédio para a pessoa reagir, é como acelerar um carro sem gasolina. Falta alma, convicção e unidade psíquica, a primeira bola que entra e o grupo de bons e experientes jogadores viram um amontoado de peladeiros. Há fases em nossa vida em que ficamos desse jeito: cada susto, cada adversidade aumenta a sensação de insegurança e medo.
A medicação psiquiátrica é cercada de medo, preconceito e desinformação. Num "paciente" como o time do Corinthians seria preciso recuperar a sua base de confiança, para o time não entrar em pânico diante de qualquer adversidade. Seria necessária uma interiorização, com recuperação das bases de identidade do grupo. Sobretudo, o "médico" precisa recuperar a confiança do paciente, para voltar a ser ouvido. Alguém precisa reaproximar o técnico do grupo, para voltar a haver uma sinergia. Pelo menos até Quarta Feira, quando eles vão enfrentar o tricolor. Depois, podem trocar de técnico à vontade.

domingo, 18 de setembro de 2011

Game Changer

Hoje, em linguagem corporativa, temos vários termos derivados dos jogos. Todos em bom Português. Os negociadores são os Players. As mudanças de rumo de uma negociação ou de um mercado são os "Game Changers". Eu particularmente gosto dessas metáforas de jogo. Prefiro muito às metáforas bélicas,como Marketing de Guerrilha ou Guerra às Drogas.
No processo de transformação, é muito importante os Game Changers. Não é muito incomum as pessoas falarem em uma sessão: "Coitado de você, ouvindo essa ladainha mais uma vez. Ouvindo o problema das pessoas". Uma das grandes descobertas de Freud foi a descoberta da Lei de Repetição. Tendemos à repetição de hábitos, rituais, interpretações da realidade, até que alguma coisa provoca uma mudança. O terapeuta fica à espreita, em cada repetição, esperando pelo momento de mudar o jogo.
Estava vendo um vídeo que um cara contava a sua história, estava enfiado em drogas, a sua carreira artística indo de mal a pior, drogado e sentado numa lixeira, ele falou em voz alta: "Cara, daqui você sobe ou você desce de vez". No dia seguinte, entrou em um grupo de reabilitação, onde conheceu pessoas e a sua vida começou a se abrir. Todo mundo, se procurar, vai ter uma história de Transformação que começa em um insight, um choque, uma situação em que toda a sua vida ficou de pernas para o ar. Normalmente um evento desagradável: um diagnóstico, uma violência, uma separação, uma demissão. Após o impacto, o luto, a dor, os eventos transformadores nos obrigam a uma coisa muito fora de moda hoje em dia, que é a interiorização. Até escrever essa palavra já é difícil. Somos convidados pela vida pósmoderna a viver sempre para fora, sempre para os objetivos macro, a busca do macrosucesso ou da macrofelicidade. Quando tomamos as cacetadas do game changers, vamos buscar em nosso mundo interno a elaboração e os recursos para lidar com o problema. Depois percebemos que estamos mudados, com menos pressa, com menos impaciência, dando aos problemas a sua verdadeira dimensão.
Não sei se acredito na Indústria da Felicidade e diariamente acompanho pessoas infelizes imaginando que deveriam estar sendo mais felizes do que são. Acredito em jornada, acredito em realização, acredito em descoberta de potenciais verdaeiros debaixo de nossas máscaras de patinho feio.
O ideograma chinês para Crise é o mesmo que o da Oportunidade. Esse é o verdadeiro significado dos Game Changers.

sábado, 17 de setembro de 2011

Tempo, tempo, tempo, tempo

"És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho/ Tempo, tempo, tempo, tempo/ Ouça bem o que te digo/Tempo, tempo, tempo, tempo/ Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos/ Tempo, tempo, tempo, tempo..." (Caetano Veloso, "Oração ao Tempo")


Outro dia, finalmente, recebi uma vaia de uma leitora desse blog, que preferiu fazê-lo pessoalmente, não nos comentários. O post sobre Penélope não a ajudou em nada. Pelo contrário, deixou-a mais irritada. Para quem não leu, o post é de Agosto desse ano e nele eu falo sobre a esposa de Ulisses, ou Odisseu, que vaga pelos mares por muitos anos para encontrar o seu caminho de volta à sua terra natal e à sua amada esposa, Penélope, que o espera por vinte anos. Enquanto espera a volta de Ulisses é constantemente pressionada pelos pretendentes para escolher um novo marido. Ela promete fazer a escolha quando acabar de tecer uma imensa tapeçaria. Só que ela tece durante o dia e desmancha o que teceu durante a noite. Penélope não faz por menos: custe o que custar, dure o que durar, vai esperar pelo seu amado. Mesmo que isso lhe custe toda a vida. Tudo isso foi relatado na "Odisséia", clássico grego de Homero.
Entendo o porque da vaia ao meu post. Ela já está cansada de esperar, tecendo a espera em seu dia a dia e vendo as frustrações com os homens se sobrepondo, uma depois da outra. Muitos pretendentes se parecem com o homem desejado, mas não aguentam dez minutos no sereno. Em que mares que andam perdidos os homens e as relações amorosas? Como encurtar a sua longa e sofrida espera, assim como de tanta gente que eu conheço?
Para essa leitora, a idéia de ter que esperar tanto tempo é insuportável. E ela não é uma exceção. Não há fonte maior de angústia do que a espera. A passagem infrutífera do tempo, nas situações em que nada resta senão sentar e esperar. Em nossa época, onde todos são tangidos a serem próativos, vendedores pitbull ou buscadores vorazes, a idéia de tecer o seu dia a dia, um dia de cada vez, parece insuportável. Onde estão os caras, que não aparecem?
Entendo que o Tear de Penélope é uma metáfora para a passagem do tempo. É também uma metáfora dos micropontos que tecemos o nosso destino, um dia depois do outro. Somos criados dentro de uma mente profundamente intencional, não damos ponto sem nó. Penélope tece a tapeçaria durante o dia e o desfaz à noite, esperando por algo que não consegue acreditar que virá. É quase incompreensível para nós, pós modernos. Como passar anos sem tomar nehuma atitude que não esperar?
Eu acho que ela, Penélope, é uma metáfora do Desejo Inquebrantável. Eu quero e acabou, se a realidade me contraria, pior para a realidade. O que garante a ela que seu amado não morreu em sua viagem que foi uma verdadeira Odisséia? Nada. Ela só conta com a intuição de que aquela é a coisa certa de se fazer.
No tempo que leva para alcançar nossos sonhos, ou não alcançá-los, passamos um longo tempo tecendo nosso caminho. Algumas vezes nem lembramos mais o que estávamos procurando, mas continuamos esperando encontrar com a certeza e o realizado. Entendo que a espera é longa e muitas vezes cruel, mas continuo aconselhando a minha leitora a não desistir de sua busca nem se desesperar com a espera. Mire-se no exemplo daquela mulher de Ítaca. Não desista enquanto não receber o que está esperando.

domingo, 11 de setembro de 2011

O Segredo (Não é Segredo)

Eu nunca li "O Segredo", nem o novo blockbuster de Rondha Byrne (acho que é assim que se escreve) "O Poder". Assisti, sim, o DVD, cheio de pataquadas, sobre o tal Segredo. E não assisti só uma vez, não. Vejo vários filmes fazendo a minha bike ergométrica, esse é um deles. Pode parecer uma contradição para quem vive ironizando o "Faça assim, faça assado" dos livros de autoajuda, que estão substituindo nas prateleiras os livros de Psicologia. "O Segredo" tem vários daqueles gurús berrando que tudo na verdade é muito fácil e está debaixo do nosso nariz. Basta Pedir-Esperar-Receber com fé e alegria, eles dizem. No meio desses gurús e animadores de auditório tem gente séria e sincera que conseguiu realmente transformar a própria vida a partir de uma Reprogramação Profunda de seus velhos esquemas de sofrimento.
Estou lendo um dos dez livros que leio simultaneamente, sobre Alquimia Chinesa, o autor não fala isso claramente, mas é esse o assunto. Ele descreve os ciclos de eterno Retorno em nossa vida, esquemas que repetimos infinitamente em nossa vida que mantém o nosso neuroticismo e apego. Acho que esse modelo que ele descreve é melhor e mais completo para descrever o processo ensaiado pelo "Segredo". É o modelo Observar-Sentir-Pensar-Agir-Aprender. Vou tentar descrevê-lo.
Primeiro, a Observação. É muito fácil que isso nos fascine nos bebês, como eles são atentos e observam tudo com aqueles olhos vivos de novidades.É a primeira fase, observar o que queremos. Depois da Observação, vem o Sentimento. Sempre temos um sentimento evocado pelas imagens, sons, cheiros e gostos que passam ou não pela nossa consciência. Depois do Sentimento, vem o Pensamento, que organiza o que obervamos, junta com o que sentimos para processar toda a experiência e transformá-la em entendimento. O Pensamento produz a ação, ou, pelo menos, é bom que assim seja. Baseado na experiência e no sentimento, vamos para a Ação. O resultado final disso é o Aprendizado, que nos traz a Compreensão de todo o processo, para começarmos a examinar de novo nossas observações, sentimentos e assim por diante. O ciclo se repete indefinidamente, aumentando o nosso aprendizado, ou não.Para muita gente, muita mesmo, o processo pode ficar enroscado em uma de suas fases: O Observador que vira um vouyer; o Sentimental que passa a vida choramingando, ou explodindo antes da hora; O Pensador que tudo sabe a respeito de tudo mas não consegue tomar nenhuma iniciativa; O Fazedor que é pau para toda obra mas não consegue nunca ter uma visão ou um Pensamento claro sobre as coisas que acabou de fazer. Resumidamente, quem é bom em uma dessas fases mas não consegue integrar e principalmente Compreender os processos, acaba ficando preso em algumas fase ou em todas.
Esse modelo é mais completo do que o do "Segredo". Podemos observar a vida e o que desejamos. É perigoso ficar fixado na Forma. Falamos ontem sobre o Nó e a fixação no mesmo. Podemos passar muitos anos dando cabeçadas no Nó dizendo: "Ele não muda, ele não muda!". Pois bem, observando e conhecendo o Nó, ou o que não conseguimos resolver, é um começo. Os Sentimentos envolvidos são importantes. Temos uma tendência inata e profunda em tentar evitar as decepções. Quanto maior o quantum de decepção e dor que cerca uma questão, maior a dificuldade de enfrentá-la. Veja quantas mulheres interessantes cometem todos os erros possíveis quando um candidato a Príncipe aparece. É um trabalho muito grande enxugar esses sentimentos e essa carga de dor envolta do Nó. Os Pensamentos derivam dessas duas fases iniciais. Não dá para operar nos Pensamentos sem limpar os sentimentos. Uma das coisas legais de "O Segredo" é justamente ensinar a produzir "PenSentimentos" melhores (o termo é meu, viu gente. Ainda vou virar um gurú de autoajuda). Vibrar em imagens melhores, para ter Ações também mais corretas e objetivas. Aceitar convites, arriscar pedidos, chutar a bola que está pingando, mesmo que o chute vá para a Geral. Em suma, tolerar as decepções e os erros, senão é melhor nem sair de casa. Finalmente, compreender todo o processo e reiniciá-lo. É mais humano e prático do que Peça-Espere-Receba. Mais alquímico, como a Luciana colocou em seu comentário ao último post.
Um lugar bom para aplicar esses princípios é dentro do processo de psicoterapia. O terapeuta acompanha a sua aplicação e aprendizado. É mais fácil achar que algum workshop de fim de semana vai poder mudar tudo. E de fato, podem mudar algumas coisas, senão não teriam tanto sucesso. Mas para completar o processo, é preciso tempo e a colher pacienciosa do terapeuta mexendo o tacho. Em cada fase do processo.

sábado, 10 de setembro de 2011

O Nó

Tem um livro adorável de uma velha sábia chamada Alice Howell. Ele se chama "O Simbolismo Junguiano na Astrologia". Uma amiga, astróloga amadora, me deu de presente há muito tempo. Vivem me puxando para a Astrologia e o Tarô, mas eu não vou, não por não gostar, mas juntar Jung, Psicanálise, Neurociência e Psiquiatria já é trampo suficiente. Não vou colocar mais coisa nessa saladeira. Mas o livro de Alice, mesmo que eu não entenda muito de Astrologia, é uma delícia.Os capítulos são em forma de cartas que a velha senhora escreve para uma amiga querida, terapeuta junguiana. Em uma dessas cartas, Alice descreve uma brincadeira de infância, dessas de Natal ou de Páscoa, onde as crianças recebiam um longo fio, cheio de nós, amarrados em árvores, pedras e arames. A tarefa de cada criança era a de ir desatando esses nós, um por um, até chegar ao fim da trilha desse fio de Ariadne (tema recorrente desse blog nesses últimos tempos). No final desse fio, havia um presente. A autora fez uma alusão à essa brincadeira como uma metáfora da própria vida: vamos seguindo o caminho, geralmente escrito em linhas tortas e nem sempre certo, temos que desatar milhares de nós em todo o percurso. Diz o Dalai Lama que a vida é uma sequência de ciclos de problemas, acabou um, lá vamos para o próximo e quem sou eu para discordar. Procuramos desatar nó por nó, alguns melhor, outros ficam pelo caminho. O presente final, qual será? A sabedoria, alguma paz de espírito, a morte? Na dúvida, vamos desatando, um nó após o outro. Mas tem sempre um que é o mais difícil, o mais duro, o mais teimoso dos nós. É o grande Nó. Todos temos um. Uma pedra no sapato, uma questão que não conseguimos resolver, um sonho que teima em não se realizar, uma dor que fica escondida em nossa alma que não dá para sanar. Por exemplo, um nó muito abordado nesse blog, que é o nó do encontro amoroso. Mulheres bonitas, inteligentes, cheirosas, que passam anos procurando um encontro verdadeiro, que desate o nó da solidão. É uma longa e muitas vezes infrutífera jornada, cheia de caixas de chocolate e lenços de papel usados em sua passagem. A busca do encontro, da sorte, dos nós que finalmente sejam desatados.
Não é incomum ter apenas o silêncio para oferecer quando, de tanto arrochar os nós, eles se tornam mais e mais apertados. Quanto maior o desespero, o esforço cego, a tristeza em torno do tema, mais forte e impenetrável fica o nó. Quanto maior a expectativa de um encontro de verdade, mais os candidatos a Mr Right batem em retirada, deixando a candidata aos papéis de Jennifer Aniston nas comédias românticas em frangalhos, com mais caixas de bombom e de lenços de papel consumidas e jogadas envolta da cama.
Não tenho uma fórmula que se aplique a todos os casos, mas algumas sugestões dá para fazer:
1 - O Nó é fascinante. Apegar-se a ele é muito fácil. Fixar-se em um amor impossível, ficar amarga e cuspindo ódio são atitudes que pioram o nó, muito. A vida e a energia precisam de movimento. A energia fixada precisa ser convertida em afeto. Coloque amor em tudo, até na espera. Fácil de fazer? Não. Nelson Rodrigues criou uma categoria humana, a dos Idiotas da Objetividade. Há as Idiotas Realistas, cheias de estatísticas para provarem que os homens legais estão casados e os avulsos não valem a pena. A chance ponderal de se encontrar uma pessoa legal é baixa e por aí vai. O Outro é fonte de sofrimento e desencanto, então o Nó é apertado pelo medo. Então lá vai uma observação infrutífera: não se fixe. Não passe o tempo todo falando nisso, não solte piadas de autocrueldade e autocomiseração em torno do tema. Mantenha em estado de abertura, estado de aprendizagem, respirando forte na fenda entre o desejo e o tempo que ele leva para se manifestar. Não lamente, não implore e sobretudo, não fique reclamando. Que todo dia seja um dia de abertura, de afrouxamento desses nós, atés eles se desatem por si mesmos. Parece impossível, dane-se o impossível (quase usei outro verbo).
Vou falar um pouco mais disso no próximo post. Não percam.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mudança IV

Há poucos anos fomos ao sítio de um querido amigo, que é um médico excepcional, um desses poucos que não é apenas um simulacro de técnico, como hoje está na moda, mas um verdadeiro curador. Depois do churrasco e de alguns goles de cachaça de alambique da região, quando a conversa vai ficando cada vez mais estranha e, no nosso caso, cada vez mais metafísica, ele me vira e me pergunta se eu acreditava que as pessoas poderiam REALMENTE mudar (o grifo é meu). Apesar do adiantado estado etílico, eu me lembro da resposta, sim. Acho que as pessoas são formadas dentro de uma estrutura. Um hardware. Essa estrutura é formada desde a concepção, pela carga genética e é realmente modelada pela interação com o meio ambiente, inicialmente pela família e depois pelo meio social. Essa estrutura se mantém e é muito difícil e até perigoso mudá-la. Mas, como já teclei bastante nos outros posts, o nossos softwares, como Sistema de Cranças, Medos, Preconceitos podem e devem ser mudados, todo dia, mediante psicoterapia ou não.
Já mencionei em outro post um colega que também há um par de anos falou à Veja, nas páginas amarelas, que psicoterapia não tem efeito curativo, só de autoconhecimento. Podemos discutir se o autoconhecimento em si já não é uma forma de cura, mas deixa para lá. Certas crenças impossibilitam mesmo o início do debate. A psicoterapia permite a modificação profunda de coisas como Sistema de Crenças, Feridas e Traumas antigos e Defesas que asfixiam nosso desenvolvimento. Existem casos que respondem muito mal à psicoterapia? Sem dúvida, existem vários casos onde há mesmo uma contraindicação de psicoterapia. Mas tenho a experiência da eficácia, então não vai ser qualquer blábláblá que vai modificar essa convicção. Houve uma entrevista que Jung deu, se não me engano à BBC, em que o repórter perguntou se ele acreditava em Deus. Ele respondeu: "Eu não acredito, I Know". Esse "I Know" foi traduzido ao Português como "Eu sei". Não concordo com essa tradução. O "I Know" de Jung queria dizer "Eu experimentei. Eu vivi Deus". Não é uma crença, é uma experiência. As pessoas falam dentro da sala do consultório: "Preciso aumentar a minha fé". Como se a fé fosse uma aplicação. Deposite tanto em Renda Fixa e o resto você aplica na Fé. Fé é uma experiência. Você tem a experiência e passa a acreditar nela. Minha fé (e a de Jung) na psicoterapia é baseada na experiência. Quem quiser descrever a sua experiência nos comentários do blog, considere-se convidado, ou convidada. Pode falar sobre a experiência da psicoterapia ou da experiência da fé, já que ambas estão mencionadas aqui.
Para mudar, é preciso experimentar.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Mudança III

Estava lendo um livro sobre Psicologia e Taoísmo, que eu ainda não consegui definir se gosto ou detesto, quando me deparei com uma metáfora interessante. Dizia o autor que você pode pegar uma formiga em sua labuta diária, personagem famosa pela disciplina em contos de fadas envolvendo cigarras, e levá-la diretamente para perto do formigueiro, aproveitando nosso olhar mamífero panorãmico. Essa aparente bondade na verdade é uma catástrofe para a formiguinha, que perde completamente todo o seu sistema de orientação, ficando perdida dentro do formigueiro, sem conseguir juntar os pedaços do caminho que foram pulados. Não é à toa que esse exemplo está em um livro sobre o Taoísmo. Para quem não conhece, essa doutrina milenar é a que talvez mais se aproxime da Natureza e do cultivo diário de uma atitude ampla, orgânica, múltipla, da vida. Talves estejamos chegando perto do Taoísmo, com algum atraso (uns trinta séculos, mais ou menos) de algumas décadas para cá. Na Ciência oficial o conhecimento ainda está muito fragmentado, mas os modelos mais completos, transdisciplinares, parecem se espalhar pelo conhecimento científico. Não dá para viver só no seu quadrado de conhecimento.
O exemplo da formiga vale para todos os processos de nossa vida. Não se muda um padrão de consciência abruptamente. Saulo de Tarso, um caçador de cristãos sionista, teve uma mudança abrupta de consciência no caminho de Damasco. Encontrou Jesus Cristo em sua forma gloriosa/cósmica que lhe perguntou: "Por que me persegues?". Saulo de Tarso teve uma mudança abrupta de campo de consciência, tornando-se um ser completamente diferente, transbordante de amor. Daquele dia em diante, passou de perseguidor a perseguido, difundindo a Palavra de Cristo. Tornou-se muito impopular entre os antigos amigos, que o julgaram um louco e um traidor. Em suas cartas, escreveu "Não sou mais eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim". Hoje em dia seria diagnosticado como um Bipolar com idéias místicas de grandeza. Saulo de Tarso, hoje conhecido como São Paulo, demorou muitos anos para entender e processar o clarão de consciência que lhe invadiu naquela estrada distante. Nunca mais foi o mesmo.
Nossa consciência não tem esses clarões. Poderia até dizer, felizmente. Como a formiguinha, podemos ter a nossa vida psíquica despedaçada por um salto muito abrupto de nossos esquemas habituais para visões mais amplas e cósmicas. Por isso que todo sistema de iniciação, e a psicoterapia é um deles, promove gradualmente as mudanças de visão e de contato com o que chamamos de Inconsciente. É sobre isso que fui teclando nos últimos posts. A gente muda de pouco em pouco, com micro insights ou micro iluminações diárias. Havia um velho técnico de futebol que dizia que quem não se desmarca não recebe, quem pede tem preferência. Se não me engano, Gentil Cardoso. No caminho de nosso desenvolvimento, quem não se desmarca de seus velhos esquemas, não recebe. E quem olha para a vida e para o Todo, com atenção, tem preferência.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mudança II

Obrigado, Sônia, pelo retorno nos comentários. Foram valiosos. A leitora assídua dessas mal traçadas fez comentário sobre a necessidade de um mergulho profundo para mudarmos velhos esquemas cognitivos, que formam nossos sistemas de crenças. Não foi com essas palavras, mas foi isso.
O psiquiatra suiço Carl Jung dizia que não chegamos ao Paraíso sem passar pelo Inferno, antes. O que ele provavelmente quiz dizer é que a ampliação da Consciência, objetivo da maioria das psicoterapias, é possível depois que descemos às profundezas e fazemos uma limpeza em nossos porões. É lá que se escondem alguns monstros, mas é lá também que ficam guardados alguns tesouros. Uma coisa engraçada a respeito das psicologias, pois caso os leitores não saibam, há tantas psicologias quantos autores e grupos querendo criar a sua própria igrejinha, mas retomando, uma coisa engraçada das psicologias é que as primeiras a serem descobertas foram as profundas e as analíticas, como as escolas Freudianas e Junguianas, por exemplo. Depois foram descobertas as psicologias que abordam zonas mais superficiais da psique, como as Psicologias Behavoristas ou as Comportamentais. Se a psique fosse camadas de uma cebola, foi como descobrir o miolo para depois chegar até a casca. Mais recentemente, temos os fenômenos do Coaching e da literatura (?) de Autoajuda, que trabalham em esquemas mais simples de trabalho e abordagem. Todas as mais novas prometem sepultar as psicologias profundas como um erro do passado.
O fato é que a Autoajuda só se refere aos autores dos livros. Eles se autoajudam escrevendo coisas bonitas, adocicadas e esperançosas, cheias de lugares comuns que alimentam as esperanças das leitoras, mas com resultados que não ultrapassam os próximos títulos da moda. É claro que todo mundo gostaria de se amar, ter uma alimentação perfeita, um corpo maravilhoso e fazer parte de nossa sociedade de espetáculo. Seria bom que isso fosse atingido com algumas peças de autosugestão. Mas não é asim que funciona.
Agora há pouco conversei com uma pessoa, clinicamente deprimida depois de uma decepção amorosa virtual. Não foram poucas as revistas femininas que ela leu para encontrar um corpo mais magro, uma autoestima mais burilada e uma disposição para tentar encontrar alguém. Aliás, diga-se de passagem, não há nicho cultural mais contaminado com a ideologia da autoajuda do que as revistas femininas. Cuidado, meninas. A realidade está um pouco longe das fórmulas de "Programe-se e seja feliz". Essa moça tem em seus porões velhas e dolorosas cenas de um casamento infeliz de seus pais, cenas de violência incluídas. Essa imagem masculina danificada gera a expectativa de um Príncipe Encantado mais que perfeito, que virá com a força da paixão redimir todos os medos, as mágoas e as dúvidas sobre a possibilidade de ser feliz à dois. Não demora para o candidato a Príncipe fugir em seu cavalo de ferro, deixando um monte de sonhos despedaçados e a necessidade de alguns medicamentos para juntar os cacos. Ela vai precisar olhar melhor para as feridas, ter expectativas mais realistas, tentar outras vezes. Isso não está nas revistas.
Mudar é um assunto muito sério. Leva tempo e cansaço, demanda paciência. Não adianta comprar um bolo de microondas. As mudanças são gestadas longamente, como uma massa que a gente tem que bater com muita paciência. E profundidade.