Hoje tive um sonho melancólico me acordando. O São Paulo tomava um gol do Corinthians, o segundo, selando uma derrota. Acordei com a bola entrando milimetricamente no canto de Rogério Ceni, que se esticou inteiro, em vão. Uma interpretação seria que, em alguns momentos de nossa vida, apesar de todos os esforços para fazer a coisa certa, ainda assim as coisas podem dar errado. No meu caso, tomar um gol do Corinthians é o cúmulo da tristeza futebolística.
Recentemente o presidente do São Paulo, o burlesco Juvenal Juvêncio, cunhou uma frase que reverberou em todas as mídias sobre o presidente do Timão, Andrés Sanchez: “O problema dele é o Mobral inconcluso”. Há alguns dias Andrés foi convidado para ser diretor de seleções, uma manobra para levá-lo à Presidência da CBF sucedendo Ricardo Teixeira, após a Copa. A frase agressiva\preconceituosa\engraçada de Jujú visava já mandar um torpedo na direção dessa manobra. Andrés respondeu com uma meia dúzia de desaforos, nenhum com a força de chegar às manchetes como o punchline de seu desafeto.
O meu sonho desagradável também tem a ver com a iminente conquista do quinto título brasileiro pelo Corinthians. Aqui podemos extrair umas lições, aplicáveis a toda atividade humana. Uma das coisas mais difíceis de se fazer na Medicina é manter uma conduta que você entende correta, quando as coisas vão mal ou a resposta clínica é insatisfatória. Eu adoro as peripécias do Dr Gregory House, mas aquilo é ficção enlouquecida. Não há como trocar de conduta cinco vezes no mesmo dia. As pressões vem de todos os lados e eu simpatizo com os técnicos se defendendo de ataques de todo tipo de leigos, sobretudo da Imprensa, os piores, que não tem idéia da gestão de um processo grupal, como montar um time a partir de um grupo de jogadores. A conduta precisa ter um tempo para se mostrar certa ou errada, não adianta ficar trocando.
O São Paulo tem um elenco melhor do que o Corinthians nesse ano. Não é só melhor, é bem melhor. No próximo final de semana o Timão será campeão brasileiro e o São Paulo não vai conseguir nem estar entre os G5 da Libertadores. Qual será o mistério? O apito amigo beneficiou o time de Andrés? Muito menos que no ano passado. O segredo pode estar no bom aproveitamento que o presidente do Corinthians teve de seu Grupo Escolar inconcluso.
Tite, o técnico que montou um time sabedor de suas deficiências, com uma defesa sólida e vitórias de um a zero, uma fórmula que Muricy já aplicara no São Paulo em seu tricampeonato, balançou no cargo em três ocasiões: a primeira no maior vexame de todos os tempos para o seu clube, que foi a eliminação da Libertadores por um obscuro time de terceira linha da Colômbia, o Tolima. Logo depois, perdeu o Campeonato Paulista para o Santos de Neymar. Finalmente, jogou na retranca contra o São Paulo para interromper uma sequência de derrotas. Na época eu, bom são paulino, fiz um post nesse blog para tirar onda com Tite, que fala muito difícil num clube gerido por um presidente pouco letrado. Queimei a língua, e gosto de atestar que queimei.
Andrés Sanchez, chamado de analfabeto pelo presidente do São Paulo, agiu como um grande comandante nos momentos difíceis desse ano. Ele aprendeu que trocar de técnico no meio do campeonato é uma roubada e é procedimento de exceção. Bancou o seu treinador quando todo o mundo pedia a sua cabeça e agora colhe os louros. O São Paulo, do alto de sua vaidade, e a vaidade costuma ser péssima conselheira, trocou de técnico quatro vezes na temporada. Trocou mal, escolheu mal e trouxe Emerson Leão de seu merecido ostracismo, para dar muito errado. Dessa vez eu acertei, avisando que iria dar errado. Um time se faz com a unidade orgânica entre os seus jogadores, formando um todo psíquico. Juvenal, o letrado, junto com a sua diretoria, não conseguiu ninguém que desse unidade ao grupo. Deu no que deu.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
domingo, 27 de novembro de 2011
Dormir de dia, Acordar de noite
No filme “Tempos Modernos”, Charles Chaplin colocava a sua obra prima, o personagem Carlitos, dentro de uma fábrica, numa linha de produção, onde a sua principal função era apertar uma única porca. Ele precisaria fazê-lo com muita precisão, pois a sua função seria apertar centenas de porcas por minuto. Óbvio que Carlitos vai se embananar no serviço, perdendo algumas peças, indo para frente atrás delas, para depois voltar, até ser engolido pelo mecanismo, na cena clássica em que continua apertando as porcas enquanto é levado pelas engrenagens. Chaplin queria denunciar a escravidão do homem pela máquina e pela produção em série. Uma vez eu ouvi de um cliente engenheiro, que o pensador mais influente do século vinte não foi Charles Darwin, mas Henry Ford, criador da linha de montagem. Como no filme de Carlitos, tudo virou uma gigantesca linha de montagem, com uma elite mexendo nos botões e o resto da galera cumprindo as suas microfunções, sem ter a visão do todo.
De algumas décadas para cá, Carlitos não seria engolido pela máquina, mas pelo computador. Ficaria pedido em algum lugar na Nuvem, o gigantesco espaço virtual onde as informações da Rede são processadas. O homem vem tentando competir com a máquina e agora chegamos numa época em que todos seremos biônicos, com algum chip ou peça mecânica inserida em nosso corpo. Alguns pacientes com depressões intratáveis já tem implantado em seu nervo vago um marcapasso que estimula o seu Cérebro continuamente, para devolver a função a áreas praticamente mortas pelos estressores e as derrotas que sofremos na vida. Uma geração de jovens está seqüestrada na nuvem, vivendo cada vez mais no Virtual e perdendo a dimensão do Real. Na Coréia um casal deixou o seu bebê morrer de inanição porque ficava horas cuidando de seu bichinho virtual. A notícia parece fabricada, de tão surreal, mas está aí debaixo de nosso nariz. Já temos uma porcentagem de jovens que chegam à idade adulta com uma escolaridade lesada em suas origens, jogando jogos na rede durante a madrugada e dormindo durante o dia. Tomam energético à noite e calmantes de dia, para viverem só no mundo em que as coisas obedecem aos seus desejos.
A Psiquiatria dá a sua contribuição para a maluquice, diagnosticando à torto e à direito o Transtorno Bipolar. No ano passado eu trabalhava num caso de um garoto chegando à maioridade que apresentava esse quadro de sequestro virtual. À noite ele fumava maconha com os amigos, jogava vídeo games de última geração e comia porcarias até abrir um buraco em seu estômago. Durante o dia ele dormia e fugia dos berros desesperados de seus pais. Tentamos fazer contato com o seu “planeta”, estabelecer acordos e trazê-lo de volta ao mundo real. Óbvio que a família abortou o processo, levou-o à uma colega que diagnosticou que o menino era um Bipolar, entupindo-o de sedativos. A última notícia que eu tive é que ele agora dormia o dia inteiro e estava cada vez mais alheio e isolado do mundo real, agora com uma Maconha legalizada, que são os psicotrópicos.
Temos uma elite que acompanha o ritmo frenético dos processamentos de informação e vida online vinte e quatro horas por dia e uma camada crescente da população de excluídos não só do mundo digital, mas do Real, mesmo.
Educar os filhos hoje tem uma dupla função: ensinar a aprender as coisas no Real, que é bem mais chato do que abrir tudo com alguns cliques do mouse, e indicar o caminho de viver, onde os erros não são apagados com a tecla DEL.
De algumas décadas para cá, Carlitos não seria engolido pela máquina, mas pelo computador. Ficaria pedido em algum lugar na Nuvem, o gigantesco espaço virtual onde as informações da Rede são processadas. O homem vem tentando competir com a máquina e agora chegamos numa época em que todos seremos biônicos, com algum chip ou peça mecânica inserida em nosso corpo. Alguns pacientes com depressões intratáveis já tem implantado em seu nervo vago um marcapasso que estimula o seu Cérebro continuamente, para devolver a função a áreas praticamente mortas pelos estressores e as derrotas que sofremos na vida. Uma geração de jovens está seqüestrada na nuvem, vivendo cada vez mais no Virtual e perdendo a dimensão do Real. Na Coréia um casal deixou o seu bebê morrer de inanição porque ficava horas cuidando de seu bichinho virtual. A notícia parece fabricada, de tão surreal, mas está aí debaixo de nosso nariz. Já temos uma porcentagem de jovens que chegam à idade adulta com uma escolaridade lesada em suas origens, jogando jogos na rede durante a madrugada e dormindo durante o dia. Tomam energético à noite e calmantes de dia, para viverem só no mundo em que as coisas obedecem aos seus desejos.
A Psiquiatria dá a sua contribuição para a maluquice, diagnosticando à torto e à direito o Transtorno Bipolar. No ano passado eu trabalhava num caso de um garoto chegando à maioridade que apresentava esse quadro de sequestro virtual. À noite ele fumava maconha com os amigos, jogava vídeo games de última geração e comia porcarias até abrir um buraco em seu estômago. Durante o dia ele dormia e fugia dos berros desesperados de seus pais. Tentamos fazer contato com o seu “planeta”, estabelecer acordos e trazê-lo de volta ao mundo real. Óbvio que a família abortou o processo, levou-o à uma colega que diagnosticou que o menino era um Bipolar, entupindo-o de sedativos. A última notícia que eu tive é que ele agora dormia o dia inteiro e estava cada vez mais alheio e isolado do mundo real, agora com uma Maconha legalizada, que são os psicotrópicos.
Temos uma elite que acompanha o ritmo frenético dos processamentos de informação e vida online vinte e quatro horas por dia e uma camada crescente da população de excluídos não só do mundo digital, mas do Real, mesmo.
Educar os filhos hoje tem uma dupla função: ensinar a aprender as coisas no Real, que é bem mais chato do que abrir tudo com alguns cliques do mouse, e indicar o caminho de viver, onde os erros não são apagados com a tecla DEL.
sábado, 26 de novembro de 2011
Bunny
Lá em nossa clínica, o Espaço Quattro!, somos muito ligados em cachorros. Preciso confessar que, em nossos eventos, recolhemos quilos de ração para entidades de proteção e resgate de cachorros. Com o colapso das ideologias, imagino que os partidos políticos serão divididos em amantes de cachorros, de gatos, os indiferentes e os que odeiam ambos. Não acho possível alguém amar gatos e cachorros equanimemente. Temos que fazer uma opção. Sou, portanto, do partido dos cachorros. Recomendo aos casais como primeira experiência de paternidade a adoção de um bicho de estimação. Cachorro, de preferência. Quando compramos uma casa sem saber se daria a grana para as prestações, estávamos sem grana nenhuma. Os primeiros trezentos dólares que juntamos (em época de superinflação, os cálculos eram em dólares) eu queria investir em uma antena parabólica. A minha mulher queria uma filhotinha de boxer. Adivinha quem ganhou. Eu quis chamar a cachorrinha de Parabólica, mas fui novamente voto vencido. Como os boxers tem olhos baixos e um pouco tristes, sugeri Giulietta Masina. Nome um pouco pretensioso e intelectualóide, como eu. Dessa vez, colou. Giulietta Masina era uma atriz italiana, esposa do grande diretor Frederico Fellini, eu acabara de ver um filme em que ela, já velhinha, contracenava com Marcello Mastroianni em “Ginger e Fred”. Nunca pensei que ficaria tão apaixonado por um bicho como por Giú. Quando vieram os bebês, ela se tornou uma babá delicada e zelosa, sempre deixando os avós enlouquecidos com as suas lambidas nas crianças. Giú não tinha uma saúde de ferro, era vítima dos cruzamentos consangüíneos de criadores em busca de uma marca, um pedigree. Morreu antes de completar nove anos, de uma Torção de Estômago. Ficamos, todos, quase um ano em luto. Até o gato, um viralata desaforado chamado Tom ficava no telhado da frente de casa de plantão, esperando a volta de Giulietta. Como uma família em que os pais são terapeutas, esperamos o luto se amenizar e ser elaborado, não cometemos o absurdo de sair comprando outro bicho como se a Giú fosse um brinquedo quebrado. Uma amiga aqui da Granja Vianna, ela também completamente louca por cachorros, achou uma boxer de 2 anos no site, para doação. Ela veio até com uma casinha, onde estava escrito Fanny, seu nome. A minha professora da quarta série se chamava Fanny e não me deixou saudades. Para não jogar a plaquinha fora nem deixar a cachorra pirada com uma mudança de casa e de nome, passamos a chamá-la de Bunny. Felizmente ela não é fluente em inglês, portanto não se sente ridícula por ser um animal de mais de trinta quilos que tem o nome de coelho. Eu pensava na verdade na namorada de Pernalonga, Lola Bunny. Mas ficou Bunny, mesmo, ninguém chegou a usar o nome Lola.
Bunny ficava num quintal acorrentada. O pouco que soubemos, e deduzimos, era que o dono gostava dela e a sua esposa mocréia, não. Ela não podia ficar dentro de casa, a comida era regulada e pelo visto, às vezes esqueciam de dar, porque Bunny sempre come como uma versão cachorral de caminhoneiro. O que tiver no prato, ela limpa. Apesar de estar com a gente há sete anos, o tempo de uma vida para um cachorro, Bunny nunca perdeu as marcas dos maus tratos que sofreu. Temos outra boxer mais jovem e matusquela que lhe faz companhia, Chiara (voltamos aos nomes italianos). Eu brinco com elas gritando e balançando cabos de vassoura. Chiara nunca se assusta e consegue diferenciar quando realmente o grito significa que ela comeu de novo o chocolate da despensa ou que estou brincando. Bunny, não. Qualquer grito para ela provoca medo, mesmo o de brincadeira. Impressionante que um bicho que sofreu maus tratos ser capaz de tanta doçura, tanta paciência. Com o desmatamento aqui da região, outro dia veio para um porco espinho aqui no quintal. Bunny, que já está velhinha, encurralou o bicho num canto e tentou atacá-lo como pôde. Chiara ficou dando a maior força, olhando de lado, mas não se meteu a morder aqueles espinhos. Bunny ficou com espinhos enfiados no céu da boca, na testa, nas gengivas, dentro do nariz. Eu tive medo que ela reagisse ao estresse e a anestesia, pois para deixar remover aqueles espinhos iria precisar de sedação. Peguei um alicate de fazer bijouterias e arranquei, um a um, os quarenta e oito espinhos enfiados em regiões dolorosas da boca e rosto da cachorrinha. Ela reclamou, resistiu, chegou a ameaçar me morder, mas agüentou firme o pequeno procedimento, feito por um psiquiatra até às duas da manhã, sem anestesia, sem me dar um arranhão.
Os budistas chamam de bodhicchita a capacidade de amar infinitamente, independente se o amor é retribuído ou não. Bunny é um ser bodhicchita.
Bunny ficava num quintal acorrentada. O pouco que soubemos, e deduzimos, era que o dono gostava dela e a sua esposa mocréia, não. Ela não podia ficar dentro de casa, a comida era regulada e pelo visto, às vezes esqueciam de dar, porque Bunny sempre come como uma versão cachorral de caminhoneiro. O que tiver no prato, ela limpa. Apesar de estar com a gente há sete anos, o tempo de uma vida para um cachorro, Bunny nunca perdeu as marcas dos maus tratos que sofreu. Temos outra boxer mais jovem e matusquela que lhe faz companhia, Chiara (voltamos aos nomes italianos). Eu brinco com elas gritando e balançando cabos de vassoura. Chiara nunca se assusta e consegue diferenciar quando realmente o grito significa que ela comeu de novo o chocolate da despensa ou que estou brincando. Bunny, não. Qualquer grito para ela provoca medo, mesmo o de brincadeira. Impressionante que um bicho que sofreu maus tratos ser capaz de tanta doçura, tanta paciência. Com o desmatamento aqui da região, outro dia veio para um porco espinho aqui no quintal. Bunny, que já está velhinha, encurralou o bicho num canto e tentou atacá-lo como pôde. Chiara ficou dando a maior força, olhando de lado, mas não se meteu a morder aqueles espinhos. Bunny ficou com espinhos enfiados no céu da boca, na testa, nas gengivas, dentro do nariz. Eu tive medo que ela reagisse ao estresse e a anestesia, pois para deixar remover aqueles espinhos iria precisar de sedação. Peguei um alicate de fazer bijouterias e arranquei, um a um, os quarenta e oito espinhos enfiados em regiões dolorosas da boca e rosto da cachorrinha. Ela reclamou, resistiu, chegou a ameaçar me morder, mas agüentou firme o pequeno procedimento, feito por um psiquiatra até às duas da manhã, sem anestesia, sem me dar um arranhão.
Os budistas chamam de bodhicchita a capacidade de amar infinitamente, independente se o amor é retribuído ou não. Bunny é um ser bodhicchita.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
O Eu e a Ferida
Há um filme de Win Wenders de vinte anos atrás, chamado "Até o Fim do Mundo", um filme que deu origem a um período ruim de sua carreira, após a sua obra prima, "Asas do Desejo". A história era de um homem que criara uma interface entre uma microcâmera e a retina de pessoas deficientes visuais. O personagem principal, interpretado por William Hurt, atravessa o planeta para encontrar esse cientista, pois tem um filho deficiente visual. A máquina também possibilita às pessoas gravarem e reverem os próprios sonhos. O efeito colateral mostrado no filme é que todas as pessoas ficam viciadas nos próprios sonhos e passam o dia inteiro revendo-os e lembrando de sua infância e suas feridas. Choravam pelos abandonos, queriam voltar ao passado para recuperarem o que se perdeu no caminho. Todos viravam dependentes de suas memórias, sobretudo as traumáticas.
Pouco ou nada se fala sobre os efeitos colaterais do processo terapêutico, a psicoterapia de orientação analítica já é tão atacada e achincalhada que os seus praticantes não ficam acrescentando mais pedras ao linchamento. Mas uma das coisas que pode acontecer quando fazemos as nossas viagens no tempo, nas psicoterapias, é exatamente o que é retratado no filme de Win Wenders: uma fascinação e uma fixação às próprias feridas e às feridas do mundo.
Outro dia apontei para uma cliente querida esse efeito horrível, quando a Doença de Pânico virou para ela uma verdadeira obsessão, tudo gira em torno dos pensamentos e da antecipação da doença ou dos sintomas. Como no filme, ela passa muito tempo de seu dia atenta às sensações corporais que possam ensejar ou lembrar uma crise de Pânico. Tudo virou uma sombra de sua doença.
Os jornais de hoje trazem matérias sobre o aumento dos casos de afastamento e de licenças médicas por doenças psiquiátricas. Hoje estamos sempre ouvindo que fulana anda muito "estressada", sicrano está muito "deprimido" ou que a namorada "surtou" com o namorado por uma razão fútil. Os termos antes reservados às doenças psiquiátricas invadiram o senso comum. Irritação, cansaço, fadiga e, sobretudo, uma fascinação cada vez mais crescente com a própria ferida, ou com a delicada autoestima, são drogas pesadas, que as pessoas usam cada vez mais.
Revelar a própria ferida , compreendê-la e transformá-la, são os passos de qualquer psicoterapia bem sucedida. O passo mais importante, talvez, seja parar de procurar culpados e perseguidores, devedores e cobradores, para assumir a responsabilidade pela própria ferida. Como diz a Lei de Spinelli número catorze, ou você dá conta de sua ferida, ou a ferida dá conta de você. (Se parece uma frase de Monteiro Lobato, sobre Brasil e saúvas, não é mera coincidência).
Pouco ou nada se fala sobre os efeitos colaterais do processo terapêutico, a psicoterapia de orientação analítica já é tão atacada e achincalhada que os seus praticantes não ficam acrescentando mais pedras ao linchamento. Mas uma das coisas que pode acontecer quando fazemos as nossas viagens no tempo, nas psicoterapias, é exatamente o que é retratado no filme de Win Wenders: uma fascinação e uma fixação às próprias feridas e às feridas do mundo.
Outro dia apontei para uma cliente querida esse efeito horrível, quando a Doença de Pânico virou para ela uma verdadeira obsessão, tudo gira em torno dos pensamentos e da antecipação da doença ou dos sintomas. Como no filme, ela passa muito tempo de seu dia atenta às sensações corporais que possam ensejar ou lembrar uma crise de Pânico. Tudo virou uma sombra de sua doença.
Os jornais de hoje trazem matérias sobre o aumento dos casos de afastamento e de licenças médicas por doenças psiquiátricas. Hoje estamos sempre ouvindo que fulana anda muito "estressada", sicrano está muito "deprimido" ou que a namorada "surtou" com o namorado por uma razão fútil. Os termos antes reservados às doenças psiquiátricas invadiram o senso comum. Irritação, cansaço, fadiga e, sobretudo, uma fascinação cada vez mais crescente com a própria ferida, ou com a delicada autoestima, são drogas pesadas, que as pessoas usam cada vez mais.
Revelar a própria ferida , compreendê-la e transformá-la, são os passos de qualquer psicoterapia bem sucedida. O passo mais importante, talvez, seja parar de procurar culpados e perseguidores, devedores e cobradores, para assumir a responsabilidade pela própria ferida. Como diz a Lei de Spinelli número catorze, ou você dá conta de sua ferida, ou a ferida dá conta de você. (Se parece uma frase de Monteiro Lobato, sobre Brasil e saúvas, não é mera coincidência).
domingo, 20 de novembro de 2011
Insônia
Dei uma entrevista para uma jornalista amiga sobre o tema desse post. Queixava-se ela da visão seca dos neurologistas com seus laboratórios de sono, pediu ajuda de um psiquiatra, já que o sono de nossos pacientes é um assunto de grande interesse para a classe. Eu tinha um velho mestre que dizia que quando o paciente dorme é meio caminho andado. O psiquiatra pode e deve meter a sua colher nesse assunto.
Ela observou que segundo os dados dos institutos de sono, nunca se dormiu tão mal como nos últimos dez anos. O que está acontecendo? Boa pergunta. Mas uma pergunta não ocorreu em nossa conversa agradável: Para que dormimos?
A partir das aves e dos mamíferos que o dormir é uma constante em todas as espécies. Os mamíferos aquáticos, por exemplo, como golfinhos e baleias, repousam uma metade do Cérebro enquanto a outra continua operando o maquinário. Não sei por que alguém não teve ainda essa idéia. Poderíamos passar acordados todo o dia e noite. Usaríamos o Hemisfério Esquerdo durante o dia e o Direito à noite. Seríamos seres completamente diferentes em turnos de doze horas, o Médico até o fim do expediente, o Monstro quando o sol se põe. Mas não era disso que estávamos falando. Para que serve o sono?
Apesar do perigo, por exemplo, um antílope, dormindo, está muito mais sujeito a ser atacado por predadores do que acordado. Bom mesmo é ser um leão, no topo da cadeia alimentar, dorme vinte horas por dia sem medo de ser atacado. Ainda põe as leoas para trabalhar. Isso é que é vida. Apesar do perigo, o antílope e outros animais dormem.
Dormimos para equilibrar o metabolismo cerebral e corporal, para fixar memórias e aprimorar as nossas habilidades. Dormimos para viver e aprender. Existe uma doença transmitida por Príons, fragmentos primitivos de RNA que podem causar um grande estrago em nosso Cérebro. Uma dessas doenças eliminam a capacidade de dormir do acometido, que morre depois de alguns dias. Não podemos viver sem o sono. Precisamos de um sono que seja eficaz. Ele precisa ser regular, atingir níveis profundos de relaxamento, produzir bom sonhos e acordar gradativamente. Nem preciso dizer que não são muitas pessoas que conseguem ter um sono assim. Estamos talvez numa época histórica onde o sono seja mais agredido do que nunca. Horários irregulares para dormir e acordar; falta de um relaxamento progressivo até podermos entrar em estado de sono; excesso de atividades excitantes durante o dia e antes de dormir, tudo isso são fatores de desequilíbrio de nossos ciclos, o ciclo Vigília-Sono é apenas um dos ciclos afetados.
Dormir em horários regulares, não usar substâncias excitantes nem refeições pesadas antes de dormir, não ficar fritando na cama quando o sono não vem, não trabalhar encima da cama nem levar as preocupações para o travesseiro, são maneiras de preservar o nosso sono. Mas, sobretudo, devemos preservar e valorizar as horas de sono. Vivemos num tempo que as pessoas gostariam de dormir cada vez menos, arrumando atividades que adentram a madrugada.
Sabe o que é difícil nesse discurso? Vivemos hoje num mundo de mesmices. Esse discurso de preservação do sono é correto e uma boa higiene de sono pode mudar o rumo de uma doença, como a depressão, por exemplo. Mas o discurso médico lembra muito o de uma tia velha depositando as suas regras do bem viver. Com a ampliação da jornada de trabalho, pois as pessoas passam cada vez mais tempo trabalhando e demoram cada vez mais para atravessar o trânsito para chegar em casa, esse período do final da noite início da madrugada talvez seja a última fronteira da liberdade. O último período que as pessoas tenham para ficar em sua própria companhia, relaxando depois de mais um dia de tem-quês: tem-que levantar, tem-que bater meta no trabalho, tem-que colocar as crianças no banho quando chega em casa. A grande questão é que esse período precisa ser de preparação do sono, portanto, de relaxamento. Para muita gente, é a única hora do dia em que realmente estão despertas.
Não gosto de ficar ditando regras (poderia usar outro verbo), então o que posso sugerir é estar inteiro para dormir, e estar inteiro para acordar. Não durma querendo estar acordado nem acorde querendo estar dormindo. Esteja presente no seu dia e na sua noite. Durma bem.
Ela observou que segundo os dados dos institutos de sono, nunca se dormiu tão mal como nos últimos dez anos. O que está acontecendo? Boa pergunta. Mas uma pergunta não ocorreu em nossa conversa agradável: Para que dormimos?
A partir das aves e dos mamíferos que o dormir é uma constante em todas as espécies. Os mamíferos aquáticos, por exemplo, como golfinhos e baleias, repousam uma metade do Cérebro enquanto a outra continua operando o maquinário. Não sei por que alguém não teve ainda essa idéia. Poderíamos passar acordados todo o dia e noite. Usaríamos o Hemisfério Esquerdo durante o dia e o Direito à noite. Seríamos seres completamente diferentes em turnos de doze horas, o Médico até o fim do expediente, o Monstro quando o sol se põe. Mas não era disso que estávamos falando. Para que serve o sono?
Apesar do perigo, por exemplo, um antílope, dormindo, está muito mais sujeito a ser atacado por predadores do que acordado. Bom mesmo é ser um leão, no topo da cadeia alimentar, dorme vinte horas por dia sem medo de ser atacado. Ainda põe as leoas para trabalhar. Isso é que é vida. Apesar do perigo, o antílope e outros animais dormem.
Dormimos para equilibrar o metabolismo cerebral e corporal, para fixar memórias e aprimorar as nossas habilidades. Dormimos para viver e aprender. Existe uma doença transmitida por Príons, fragmentos primitivos de RNA que podem causar um grande estrago em nosso Cérebro. Uma dessas doenças eliminam a capacidade de dormir do acometido, que morre depois de alguns dias. Não podemos viver sem o sono. Precisamos de um sono que seja eficaz. Ele precisa ser regular, atingir níveis profundos de relaxamento, produzir bom sonhos e acordar gradativamente. Nem preciso dizer que não são muitas pessoas que conseguem ter um sono assim. Estamos talvez numa época histórica onde o sono seja mais agredido do que nunca. Horários irregulares para dormir e acordar; falta de um relaxamento progressivo até podermos entrar em estado de sono; excesso de atividades excitantes durante o dia e antes de dormir, tudo isso são fatores de desequilíbrio de nossos ciclos, o ciclo Vigília-Sono é apenas um dos ciclos afetados.
Dormir em horários regulares, não usar substâncias excitantes nem refeições pesadas antes de dormir, não ficar fritando na cama quando o sono não vem, não trabalhar encima da cama nem levar as preocupações para o travesseiro, são maneiras de preservar o nosso sono. Mas, sobretudo, devemos preservar e valorizar as horas de sono. Vivemos num tempo que as pessoas gostariam de dormir cada vez menos, arrumando atividades que adentram a madrugada.
Sabe o que é difícil nesse discurso? Vivemos hoje num mundo de mesmices. Esse discurso de preservação do sono é correto e uma boa higiene de sono pode mudar o rumo de uma doença, como a depressão, por exemplo. Mas o discurso médico lembra muito o de uma tia velha depositando as suas regras do bem viver. Com a ampliação da jornada de trabalho, pois as pessoas passam cada vez mais tempo trabalhando e demoram cada vez mais para atravessar o trânsito para chegar em casa, esse período do final da noite início da madrugada talvez seja a última fronteira da liberdade. O último período que as pessoas tenham para ficar em sua própria companhia, relaxando depois de mais um dia de tem-quês: tem-que levantar, tem-que bater meta no trabalho, tem-que colocar as crianças no banho quando chega em casa. A grande questão é que esse período precisa ser de preparação do sono, portanto, de relaxamento. Para muita gente, é a única hora do dia em que realmente estão despertas.
Não gosto de ficar ditando regras (poderia usar outro verbo), então o que posso sugerir é estar inteiro para dormir, e estar inteiro para acordar. Não durma querendo estar acordado nem acorde querendo estar dormindo. Esteja presente no seu dia e na sua noite. Durma bem.
sábado, 19 de novembro de 2011
Blogstórias 2 O Homem sem Rosto
Aquele já era o quarto ou quinto médico que consultara. Neurologistas, psiquiatras, oftalmos, nada. Os sintomas não batiam. Ele desenvolvera uma cegueira específica. A cegueira para o próprio rosto. Uma anosognosia específica, dizia o médico. Anosognosia é uma incapacidade de identificar rostos. Todos os rostos, não só o próprio. Olhando para a sua imagem refletida em um lago, perdeu a própria face. Como um Narciso às avessas. Ele não se apaixonara por sua imagem refletida, antes percebia, horrorizado, que a sua imagem não aparecia, não era refletida.
Os exames, os mais modernos, os profissionais renomados, nada trazia de volta o seu rosto. Parava nos parques para ver o rosto iluminado das crianças, suas gargalhadas. Podia diferenciá-las, podia enxergar mesmo os brilhos diferentes em cada olhar. Mas não reconhecia mais nos espelhos a sua própria imagem.
Nós passamos a vida em meio a tantos milagres, que para nós é apenas o usual, o comum. Ver a própria imagem, reconhecer-se nos espelhos enquanto o tempo vai nos transformando, dia após dia, mas ainda somos nós que estamos por lá. Estamos acostumados, mal podemos imaginar a incrível sensação de reconstruir, todo dia, nossa imagem. Onde estava o seu rosto, como rever os seus olhos mesmo que eles não lhe dissessem nada?
Como tudo nessa vida, ele tinha a opção de se adaptar, ou não. Ele optou por se adaptar. Era sempre essa a opção. Ele se adaptava, e seguia. Mas a tristeza nunca deixava de acompanhá-lo. A sensação de que algo se perdera.
Cansado de tantos especialistas que simplesmente não sabiam o que lhe dizer, ele finalmente foi procurar um velho com fama de bruxo, bem no meio de montanhas de Minas. O homem ouviu a sua história sem esboçar reação ou estranheza. Todos tinham uma história. Todos tinham um nó, um buraco que não se preenchia. Ele era o Narciso ao contrário. Depois de sua longa narrativa, o homem, finalmente olhou em seus olhos. Chegou a sentir um calor percorrendo o caminho daquele olhar. O seu maior medo, finalmente, apareceu. O medo de todos duvidarem. O bruxo adivinhou o seu pensamento. Perguntou quem realmente duvidava. Os seus olhos se encheram de lágrimas. Ele duvidava. Ele sempre duvidara. Aprendeu que duvidando não iria se decepcionar, não iria mais esperar, como não esperava que aquele homem necessitado de um ortodontista pudesse ajudá-lo. O homem esperou que as suas lágrimas secassem, mandou-o de volta para casa. Nada falou sobre o que fazer, ou como.
Ele voltou para a sua casa desarrumada. Pegou no telefone e ligou para seu filho, que já não ouvia a sua voz há muitos dias. Esperou que sua ex aparecesse para interceptar a ligação, mas por um quase milagre ela estava em outro lugar. Conversou com o menino e sentiu o mesmo calor do olhar do velho. Percorreu o quarto e viu, na foto do seu filho, os seus olhos refletidos.
Os exames, os mais modernos, os profissionais renomados, nada trazia de volta o seu rosto. Parava nos parques para ver o rosto iluminado das crianças, suas gargalhadas. Podia diferenciá-las, podia enxergar mesmo os brilhos diferentes em cada olhar. Mas não reconhecia mais nos espelhos a sua própria imagem.
Nós passamos a vida em meio a tantos milagres, que para nós é apenas o usual, o comum. Ver a própria imagem, reconhecer-se nos espelhos enquanto o tempo vai nos transformando, dia após dia, mas ainda somos nós que estamos por lá. Estamos acostumados, mal podemos imaginar a incrível sensação de reconstruir, todo dia, nossa imagem. Onde estava o seu rosto, como rever os seus olhos mesmo que eles não lhe dissessem nada?
Como tudo nessa vida, ele tinha a opção de se adaptar, ou não. Ele optou por se adaptar. Era sempre essa a opção. Ele se adaptava, e seguia. Mas a tristeza nunca deixava de acompanhá-lo. A sensação de que algo se perdera.
Cansado de tantos especialistas que simplesmente não sabiam o que lhe dizer, ele finalmente foi procurar um velho com fama de bruxo, bem no meio de montanhas de Minas. O homem ouviu a sua história sem esboçar reação ou estranheza. Todos tinham uma história. Todos tinham um nó, um buraco que não se preenchia. Ele era o Narciso ao contrário. Depois de sua longa narrativa, o homem, finalmente olhou em seus olhos. Chegou a sentir um calor percorrendo o caminho daquele olhar. O seu maior medo, finalmente, apareceu. O medo de todos duvidarem. O bruxo adivinhou o seu pensamento. Perguntou quem realmente duvidava. Os seus olhos se encheram de lágrimas. Ele duvidava. Ele sempre duvidara. Aprendeu que duvidando não iria se decepcionar, não iria mais esperar, como não esperava que aquele homem necessitado de um ortodontista pudesse ajudá-lo. O homem esperou que as suas lágrimas secassem, mandou-o de volta para casa. Nada falou sobre o que fazer, ou como.
Ele voltou para a sua casa desarrumada. Pegou no telefone e ligou para seu filho, que já não ouvia a sua voz há muitos dias. Esperou que sua ex aparecesse para interceptar a ligação, mas por um quase milagre ela estava em outro lugar. Conversou com o menino e sentiu o mesmo calor do olhar do velho. Percorreu o quarto e viu, na foto do seu filho, os seus olhos refletidos.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Blogstórias 1 As Asas de Ícaro
Crucial para a história de Ícaro é a figura de seu pai, Dédalo. Quando a rainha traiu o rei Minos com uma divindade do Olimpo, nasceu uma figura monstruosa, o Minotauro. Meio homem, meio touro, o Minotauro era um ser de força das bestas, impossível de ser enfrentado. Mas foi Dédalo, engenheiro e conselheiro do rei, que propôs tirar proveito da situação. Construindo um labirinto perfeito, Minos poderia ter em sua vergonha uma grande arma para oprimir o povo. Na realidade, a maior arma de um tirano, o medo. Todo ano os atenienses mandariam seus belos jovens para alimentar o apetite infinito do monstro, ou dos dois monstros, Minos e seu touro. Dédalo, tão sedento de poder quanto, usava de sua astúcia para agradar os poderosos na mesma medida em que, bajulando-os ou ocultando a sua monstruosidade, acabava por dominá-los. Diz um ditado mineiro que esperteza, quando é muita, acaba engolindo o seu dono, e foi o que aconteceu com Dédalo. O labirinto era tão perfeito que acabou prendendo em suas entranhas o perverso engenheiro e seu filho, Ícaro. Os dois acabariam por se tornar as primeiras ovelhas de sacrifício do Minotauro.
Dédalo, entretanto, continuava sendo astuto e engenhoso, conseguiu construir para si e para o seu filho asas de cera e penas dos pássaros que caíam no labirinto. As asas permitiriam voar por sobre a própria maldade e vencer o destino. O pai pediu a Ícaro que não voasse para perto do sol, pois as asas de cera poderiam derreter e o filho, preso dentro da prisão construída pela sede de poder de seu pai, prometeu ser cuidadoso. Mas quando conseguiu finalmente alçar o vôo, Ícaro ficou completamente embriagado pelo vôo. Nunca um homem gozara daquela sensação, a mesma dos pássaros. Ícaro voou cada vez mais alto, insensível ao desespero de seu pai, que implorava para que voltasse. Chegando perto do sol, percebeu que não era um pássaro, que as suas asas eram muito frágeis para sustentar o seu vôo. O sol derreteu a cera e Ícaro caiu, para nunca mais se levantar, nas profundezas do mar.
Nosso Ícaro moderno há muito não falava com seu pai. Dele se ressentia por sua ausência e, sobretudo, por seu desinteresse. O seu pai nunca teve nos filhos algo diferente de uma boa moldura para a foto de homem respeitável, homem público, chefe de família sedento de poder, mas aparentemente um homem amoroso e atencioso aos seus. Com os anos, a sua carreira não foi tão longe, a família se desmanchou e o jovem Ícaro foi morar com os avós, estudar e trabalhar, tentando construir uma vida de verdade, longe da loucura de seu pai. Da fortuna que o mesmo juntara, seja por quais meios, ele recebera apenas um carro importado, dos mais caros e possantes. Sensível à nossa época de aparências, Dédalo recebeu o carro como parte de uma de suas negociatas. Sabia que aquele carro impressionaria as meninas e os colegas de seu filho, além de ser um símbolo de seu poder. Pedia para o filho que o usasse com cuidado, era um carro muito caro e possante (ao contrário dele próprio).
Foi no meio de uma balada que Ícaro viu a luz do sol. Um sol enganador. Misturou álcool e balas que um amigo levou, umas balas que crianças não chupam. A mistura de álcool e drogas deixou-o exaltado, logo ele saiu, depois de levar um toco da menina desejada, que não se impressionava com suas asas de cera. Logo na primeira avenida, bateu em alta velocidade em três carros, tentando enfiar o carro num vão que só a sua imaginação exaltada viu. Fugiu em desespero, correndo à esmo pelas ruas da cidade. Ninguém poderia alcançá-lo com aquele carro. Depois de muitos e muitos quilômetros de ferocidade, fez mais um strike em um cruzamento, batendo em vários carros. O Ícaro moderno, ao contrário do mitológico, não morreu. Matou um senhor em sua van que saía para o trabalho de madrugada. Foi ele que morreu queimado. Ícaro teve a assistência de advogados caros e pagou uma fiança astronômica. Mas leva, para toda a sua vida, a imagem do homem gritando entre as ferragens e labaredas. Disso ele não vai conseguir fugir.
Dédalo, entretanto, continuava sendo astuto e engenhoso, conseguiu construir para si e para o seu filho asas de cera e penas dos pássaros que caíam no labirinto. As asas permitiriam voar por sobre a própria maldade e vencer o destino. O pai pediu a Ícaro que não voasse para perto do sol, pois as asas de cera poderiam derreter e o filho, preso dentro da prisão construída pela sede de poder de seu pai, prometeu ser cuidadoso. Mas quando conseguiu finalmente alçar o vôo, Ícaro ficou completamente embriagado pelo vôo. Nunca um homem gozara daquela sensação, a mesma dos pássaros. Ícaro voou cada vez mais alto, insensível ao desespero de seu pai, que implorava para que voltasse. Chegando perto do sol, percebeu que não era um pássaro, que as suas asas eram muito frágeis para sustentar o seu vôo. O sol derreteu a cera e Ícaro caiu, para nunca mais se levantar, nas profundezas do mar.
Nosso Ícaro moderno há muito não falava com seu pai. Dele se ressentia por sua ausência e, sobretudo, por seu desinteresse. O seu pai nunca teve nos filhos algo diferente de uma boa moldura para a foto de homem respeitável, homem público, chefe de família sedento de poder, mas aparentemente um homem amoroso e atencioso aos seus. Com os anos, a sua carreira não foi tão longe, a família se desmanchou e o jovem Ícaro foi morar com os avós, estudar e trabalhar, tentando construir uma vida de verdade, longe da loucura de seu pai. Da fortuna que o mesmo juntara, seja por quais meios, ele recebera apenas um carro importado, dos mais caros e possantes. Sensível à nossa época de aparências, Dédalo recebeu o carro como parte de uma de suas negociatas. Sabia que aquele carro impressionaria as meninas e os colegas de seu filho, além de ser um símbolo de seu poder. Pedia para o filho que o usasse com cuidado, era um carro muito caro e possante (ao contrário dele próprio).
Foi no meio de uma balada que Ícaro viu a luz do sol. Um sol enganador. Misturou álcool e balas que um amigo levou, umas balas que crianças não chupam. A mistura de álcool e drogas deixou-o exaltado, logo ele saiu, depois de levar um toco da menina desejada, que não se impressionava com suas asas de cera. Logo na primeira avenida, bateu em alta velocidade em três carros, tentando enfiar o carro num vão que só a sua imaginação exaltada viu. Fugiu em desespero, correndo à esmo pelas ruas da cidade. Ninguém poderia alcançá-lo com aquele carro. Depois de muitos e muitos quilômetros de ferocidade, fez mais um strike em um cruzamento, batendo em vários carros. O Ícaro moderno, ao contrário do mitológico, não morreu. Matou um senhor em sua van que saía para o trabalho de madrugada. Foi ele que morreu queimado. Ícaro teve a assistência de advogados caros e pagou uma fiança astronômica. Mas leva, para toda a sua vida, a imagem do homem gritando entre as ferragens e labaredas. Disso ele não vai conseguir fugir.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Quântico, Porém Honesto
Podemos dividir todas as visões científicas em duas grandes correntes, desde Platão e Aristóteles: os físicos e os metafísicos. Os primeiros acreditam na realidade que pode ser medida e testada, os metafísicos acreditam no invisível e no indizível. Para eles, a realidade é apenas uma casca fina de uma realidade muito maior. Jung dizia que o Ego, a camada psíquica que mais percebemos e que organiza a nossa experiência consciente, com relação ao Inconsciente, é como uma traça comendo um casaco da Austrália. O Ego é a traça e a Austrália é o Inconsciente. Você acha que a traça consegue imaginar, comendo um casaco da Austrália, o que é a Austrália?
Na Medicina, na Ciência, os materialistas ganharam e de goleada. Os metafísicos são classificados de pouco científicos, ou não científicos, o que é um xingamento definitivo. Quando escrevo isso, lembro de um congresso em que um colega, dos mais respeitados neurocientistas desse país, fazia uma aproximação entre a Neurociência e a Metateoria Freudiana. O seu debatedor quase deu um chilique, alinhando todas as barbaridades teóricas que já tinha ouvido dos freudianos. Como acontece muitas vezes em debates quase científicos, os dois discordavam falando a mesma coisa: é claro que dá para aproximar os constructos freudianos da Neurociência, mas sempre com a parcimônia de propor o que pode ser testado e refutado pela experiência.
Hoje em dia, os metafísicos, na sua desesperada tentativa de deixarem o limbo da não cientificidade, adotaram a Física Quântica como metáfora salvadora. Tudo o que não é local, não pode ser medido pela ciência materialista ou mesmo é proveniente do umbigo do autor, tudo isso fica debaixo do guardachuva do Quântico. Os curadores energéticos tem um “Toque Quântico”. Os fenômenos não mensuráveis, a Parapsicologia, o Tarô e a Astrologia, todo mundo é um pouco quântico em sua prática.
O Pouco que eu sei é que a Física Quântica fez uma das maiores descobertas da Ciência, em todos os tempos: que matéria é energia condensada, e que há um estado de transição em que o elétron pode se comportar como onda e como partícula, ao mesmo tempo. Grande triunfo dos metafísicos, depois de séculos de opressão. Tudo o que existe é energia, tudo vibra e pode passar de um estado a outro. Reza a lenda que o maior santo da Irlanda, Saint Patrick, atravessou uma fogueira sem ser queimado. A sua matéria corporal entrou em altíssima freqüência vibracional e ele se teletransportou no meio da fogueira, sem se queimar. Diriam os cientistas: uma lenda.
Uma cliente minha foi até Goiás, conhecer João de Deus, um médium, ou um curador quântico, e ouviu relatos de mudanças físicas impressionantes nas pessoas após as cirurgias espirituais. Histeria coletiva e autosugestão, dizem os cientistas.
Os físicos continuam encontrando hipóteses para explicar esses fenômenos e se escoram na maior das barricadas, que é a não replicabilidade dessas experiências. Não há um João de Deus em cada esquina, removendo tumores com uma faca de cozinha, sem esterilização ou anestesia. Tudo não passa de mecanismos inatos de cura de nosso organismo, ativados por uma forte sugestão emocional. Para os materialistas, tudo tem, ou terá, alguma explicação que vai contrariar os apressados e românticos metafísicos. Enquanto isso, os curadores quânticos salvam milhares de vidas escondidos dos holofotes da Ciência.
Na Medicina, na Ciência, os materialistas ganharam e de goleada. Os metafísicos são classificados de pouco científicos, ou não científicos, o que é um xingamento definitivo. Quando escrevo isso, lembro de um congresso em que um colega, dos mais respeitados neurocientistas desse país, fazia uma aproximação entre a Neurociência e a Metateoria Freudiana. O seu debatedor quase deu um chilique, alinhando todas as barbaridades teóricas que já tinha ouvido dos freudianos. Como acontece muitas vezes em debates quase científicos, os dois discordavam falando a mesma coisa: é claro que dá para aproximar os constructos freudianos da Neurociência, mas sempre com a parcimônia de propor o que pode ser testado e refutado pela experiência.
Hoje em dia, os metafísicos, na sua desesperada tentativa de deixarem o limbo da não cientificidade, adotaram a Física Quântica como metáfora salvadora. Tudo o que não é local, não pode ser medido pela ciência materialista ou mesmo é proveniente do umbigo do autor, tudo isso fica debaixo do guardachuva do Quântico. Os curadores energéticos tem um “Toque Quântico”. Os fenômenos não mensuráveis, a Parapsicologia, o Tarô e a Astrologia, todo mundo é um pouco quântico em sua prática.
O Pouco que eu sei é que a Física Quântica fez uma das maiores descobertas da Ciência, em todos os tempos: que matéria é energia condensada, e que há um estado de transição em que o elétron pode se comportar como onda e como partícula, ao mesmo tempo. Grande triunfo dos metafísicos, depois de séculos de opressão. Tudo o que existe é energia, tudo vibra e pode passar de um estado a outro. Reza a lenda que o maior santo da Irlanda, Saint Patrick, atravessou uma fogueira sem ser queimado. A sua matéria corporal entrou em altíssima freqüência vibracional e ele se teletransportou no meio da fogueira, sem se queimar. Diriam os cientistas: uma lenda.
Uma cliente minha foi até Goiás, conhecer João de Deus, um médium, ou um curador quântico, e ouviu relatos de mudanças físicas impressionantes nas pessoas após as cirurgias espirituais. Histeria coletiva e autosugestão, dizem os cientistas.
Os físicos continuam encontrando hipóteses para explicar esses fenômenos e se escoram na maior das barricadas, que é a não replicabilidade dessas experiências. Não há um João de Deus em cada esquina, removendo tumores com uma faca de cozinha, sem esterilização ou anestesia. Tudo não passa de mecanismos inatos de cura de nosso organismo, ativados por uma forte sugestão emocional. Para os materialistas, tudo tem, ou terá, alguma explicação que vai contrariar os apressados e românticos metafísicos. Enquanto isso, os curadores quânticos salvam milhares de vidas escondidos dos holofotes da Ciência.
domingo, 13 de novembro de 2011
A Mesma Praça
Foi uma semana cheia, bem cheia, no consultório. Fico um pouco aflito de ficar tanto tempo sem escrever o blog, mas o mesmo demanda um bom estado de espírito, um relaxamento para que o texto se desenvolva. Não dá para fazer isso entre uma consulta e outra, ou na correria, ou em meio a muito cansaço.
Agora estou em Lambari, Minas Gerais. Sul de Minas. As pessoas me perguntam se eu tenho família por aqui, de tão pouco usual que é vir para cá. Lambari é uma pequena cidade do Circuito da Águas, que tem São Lourenço, mais famosa por sua água, o que se tornou uma marca visível em grandes supermercados; mas tem também Caxambú e Cambuquira. Aqui é um reduto de cariocas, procurando por montanhas e água mineral na fonte. Venho aqui desde a minha infância, seguindo uma tradição familiar iniciada por meu pai. Já fazia um bom tempo que eu não vinha e ontem foi uma emoção reencontrar essa pequena cidade, onde o tempo parece não passar. A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim.
Para completar esse clima de filme italiano ontem fomos ver o show de Jerry Adriani nesse hotel. A maior parte dos leitores desse blog nem deve saber da existência de Jerry. Ontem ele passou pelas fases de sua carreira, cantor de músicas italianas, cover de Elvis Presley, de quem herdou a impostação característica, passando pela Jovem Guarda para terminar nos bailões da saudade e nas vovozinhas histéricas. Um Justin Bieber da terceira idade. Ontem no show eu fiquei sinceramente preocupado com uma pequena vovó (quem leu esse blog anteriormente sabe do meu apreço pelas vovós) que se esgoelava em todas as músicas do velho ídolo. Fiquei procurando pelo desfibrilador.
Músicas de tamanha ingenuidade. Pensei nos rappers americanos que podem dedicar uma discografia (?) ao próprio bilau, com letras em homenagens ao próprio umbigo, os roqueiros grisalhos tentando segurar a onda e lá estava Jerry Adriani entoando “Doce doce amor\Diga onde está\diga por favor\doce doce amor”. Pode parecer um tom assim meio melancólico, nostálgico, mas não é, não. É ternura, pura e simples. Eu, como Quentin Tarantino, tenho uma memória paradoxal para os anos 70, os cantores da “Buzina do Chacrinha”, as costeletas de Odair José e o rei Roberto Carlos. É uma brasa, mora. Diziam que a entonação de Renato Russo tinha sido decalcada da impostação de Jerry Adriani, que por sua vez derivara do vozeirão de Elvis Presley. Essa é a nossa cultura pósmoderna, nada se cria, tudo se transforma. O meu momento tiozinho não foi com as músicas da Jovem Guarda (estou muito mais para a Tropicália, se é para falar de anos sessenta), mas quando Jerry cantou “Monte Castelo”, da Legião Urbana . “Ainda, que eu falasse a língua dos homens\ E falasse a língua dos anjos\ Sem amor, eu nada seria”. Que banda hoje, faria uma música alternando uma Epístola de São Paulo com os versos de Camões?
Jerry Adriani gravou uma música nova, sobre o fim do mundo, em 2012. Deve estar acabando, mesmo, nosso mundo acelerado.
Agora estou em Lambari, Minas Gerais. Sul de Minas. As pessoas me perguntam se eu tenho família por aqui, de tão pouco usual que é vir para cá. Lambari é uma pequena cidade do Circuito da Águas, que tem São Lourenço, mais famosa por sua água, o que se tornou uma marca visível em grandes supermercados; mas tem também Caxambú e Cambuquira. Aqui é um reduto de cariocas, procurando por montanhas e água mineral na fonte. Venho aqui desde a minha infância, seguindo uma tradição familiar iniciada por meu pai. Já fazia um bom tempo que eu não vinha e ontem foi uma emoção reencontrar essa pequena cidade, onde o tempo parece não passar. A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim.
Para completar esse clima de filme italiano ontem fomos ver o show de Jerry Adriani nesse hotel. A maior parte dos leitores desse blog nem deve saber da existência de Jerry. Ontem ele passou pelas fases de sua carreira, cantor de músicas italianas, cover de Elvis Presley, de quem herdou a impostação característica, passando pela Jovem Guarda para terminar nos bailões da saudade e nas vovozinhas histéricas. Um Justin Bieber da terceira idade. Ontem no show eu fiquei sinceramente preocupado com uma pequena vovó (quem leu esse blog anteriormente sabe do meu apreço pelas vovós) que se esgoelava em todas as músicas do velho ídolo. Fiquei procurando pelo desfibrilador.
Músicas de tamanha ingenuidade. Pensei nos rappers americanos que podem dedicar uma discografia (?) ao próprio bilau, com letras em homenagens ao próprio umbigo, os roqueiros grisalhos tentando segurar a onda e lá estava Jerry Adriani entoando “Doce doce amor\Diga onde está\diga por favor\doce doce amor”. Pode parecer um tom assim meio melancólico, nostálgico, mas não é, não. É ternura, pura e simples. Eu, como Quentin Tarantino, tenho uma memória paradoxal para os anos 70, os cantores da “Buzina do Chacrinha”, as costeletas de Odair José e o rei Roberto Carlos. É uma brasa, mora. Diziam que a entonação de Renato Russo tinha sido decalcada da impostação de Jerry Adriani, que por sua vez derivara do vozeirão de Elvis Presley. Essa é a nossa cultura pósmoderna, nada se cria, tudo se transforma. O meu momento tiozinho não foi com as músicas da Jovem Guarda (estou muito mais para a Tropicália, se é para falar de anos sessenta), mas quando Jerry cantou “Monte Castelo”, da Legião Urbana . “Ainda, que eu falasse a língua dos homens\ E falasse a língua dos anjos\ Sem amor, eu nada seria”. Que banda hoje, faria uma música alternando uma Epístola de São Paulo com os versos de Camões?
Jerry Adriani gravou uma música nova, sobre o fim do mundo, em 2012. Deve estar acabando, mesmo, nosso mundo acelerado.
domingo, 6 de novembro de 2011
O Sonho do Arquétipo
Há um pequeno e maravilhoso texto de Jorge Luís Borges, escritor argentino, em que um homem, provável fora da lei, é sistematicamente esfaqueado pelos homens de seu bando, até que vê, em meio a seus agressores, a figura de seu filho de criação. Ele olha para o traidor e suspira: "Peró, hombre!". O narrador conclui que ele não sabia que aquilo estava acontecendo para que uma cena se repetisse. O texto, pequeno, gaúcho, mítico, faz uma alusão a uma cena de "Júlio César", de Shakespeare, onde o imperador de Roma é apunhalado por seus traidores no Senado, até entrever a figura de seu filho. "Até tú, Brutus?" foi a frase que atravessou os séculos e que Borges estava recriando numa cena de faca gaúcha.
Jung descobriu que, além das memórias e dos inonscientes pessoais, havia uma série de imagens, impressões e estruturas que todos compartilhamos, o Inconsciente Coletivo. Esse extrato do inconsciente tem uma espécie de DNA, os arquétipos. Mãe, Herói, Velho Sábio, são imagens e estruturas que se manifestam em todas as culturas, em todos os mitos, numa repetição infinita. Somos, na verdade, um sonho dos arquétipos. Repetimos histórias e mitologias, mesmo sem perceber. Os arquétipos são os moldes que se repetem em nossa vida como farsa ou como tragédia.
Uma coisa que é arquetípica é a nossa capacidade de contar histórias. Outro dia estava estudando com o meu filho para uma prova de História, matéria que era a minha preferida na escola. Que livro simplesmente horroroso. Um livro de História que não conta histórias. Alinha os fatos, estabelece relações, inclue documentos, tudo isso com um tom assim meio determinista\marxista, mostrando os determinismos econõmicos dos movimentos históricos. Mas a tal autora não contava, em lugar nenhum, a história. Nossos arquétipos históricos. Eu fiquei tagarelando a história que me lembrava, os 18 do Forte e a nossa atual revolta contra as oligarquias e a corrupção. Luís Carlos Prestes, o cavaleiro da Esperança e a entrega de sua esposa grávida, Olga Benário, ao holocausto nazista, uma das páginas mais vergonhosas de nossa história. Ele ouvia aquilo com algum interesse mas logo tínhamos que voltar aos fatos, como um livro descrito com a frieza analítica de um relato jornalístico.
Nas próximas semanas vou incluir nesse blog quase secreto algumas blogstórias, para demonstrar como acabamos repetindo essas cenas de forma inconsciente. Ao contrário do livro, vou contar as histórias. Vou dar um exemplo.
Há algumas semanas eu fiz um paralelo da vida e morte de Steve Jobs com o Mito de Édipo. Édipo quer dizer "Pés Inchados", ou "O Coxo". Vários séculos depois de ter sido escrito, ainda somos assombrados pelo sofrimento do Rei de Tebas. Èdipo representa a nossa condição humana, não porque somos afim de nossa mãe e queremos matar o pai, essa é outra conversa. Èdipo representa a nossa ferida humana fundamental: apesar de tanto domínio da técnica, da vida e da morte, internamente carregamos a Ferida Arquetípica, a sensação de estarmos separados do Todo e da nossa natureza original. Recentemente saiu uma fofoca que Steve Jobs recusou a cirurgia que poderia ter salvado a sua vida e quando correu atráz, era tarde demais. Disse o amigo que fez a fofoca que ele se considerava especial por ser um filho adotivo. Bobagem. Steve Jobs foi sob esse aspecto, um herói trágico, que vence mas acaba sucumbindo à própria ferida. Como Édipo.
Apesar de toda produção e ares de grandeza, temos os pés inchados e as dores da nossa natureza humana. E vivemos algumas coisas para que as cenas se repitam em nossa vida.
Para os poucos e fiéis leitores: essa seção de blog será indicado nas Blogstórias.
Jung descobriu que, além das memórias e dos inonscientes pessoais, havia uma série de imagens, impressões e estruturas que todos compartilhamos, o Inconsciente Coletivo. Esse extrato do inconsciente tem uma espécie de DNA, os arquétipos. Mãe, Herói, Velho Sábio, são imagens e estruturas que se manifestam em todas as culturas, em todos os mitos, numa repetição infinita. Somos, na verdade, um sonho dos arquétipos. Repetimos histórias e mitologias, mesmo sem perceber. Os arquétipos são os moldes que se repetem em nossa vida como farsa ou como tragédia.
Uma coisa que é arquetípica é a nossa capacidade de contar histórias. Outro dia estava estudando com o meu filho para uma prova de História, matéria que era a minha preferida na escola. Que livro simplesmente horroroso. Um livro de História que não conta histórias. Alinha os fatos, estabelece relações, inclue documentos, tudo isso com um tom assim meio determinista\marxista, mostrando os determinismos econõmicos dos movimentos históricos. Mas a tal autora não contava, em lugar nenhum, a história. Nossos arquétipos históricos. Eu fiquei tagarelando a história que me lembrava, os 18 do Forte e a nossa atual revolta contra as oligarquias e a corrupção. Luís Carlos Prestes, o cavaleiro da Esperança e a entrega de sua esposa grávida, Olga Benário, ao holocausto nazista, uma das páginas mais vergonhosas de nossa história. Ele ouvia aquilo com algum interesse mas logo tínhamos que voltar aos fatos, como um livro descrito com a frieza analítica de um relato jornalístico.
Nas próximas semanas vou incluir nesse blog quase secreto algumas blogstórias, para demonstrar como acabamos repetindo essas cenas de forma inconsciente. Ao contrário do livro, vou contar as histórias. Vou dar um exemplo.
Há algumas semanas eu fiz um paralelo da vida e morte de Steve Jobs com o Mito de Édipo. Édipo quer dizer "Pés Inchados", ou "O Coxo". Vários séculos depois de ter sido escrito, ainda somos assombrados pelo sofrimento do Rei de Tebas. Èdipo representa a nossa condição humana, não porque somos afim de nossa mãe e queremos matar o pai, essa é outra conversa. Èdipo representa a nossa ferida humana fundamental: apesar de tanto domínio da técnica, da vida e da morte, internamente carregamos a Ferida Arquetípica, a sensação de estarmos separados do Todo e da nossa natureza original. Recentemente saiu uma fofoca que Steve Jobs recusou a cirurgia que poderia ter salvado a sua vida e quando correu atráz, era tarde demais. Disse o amigo que fez a fofoca que ele se considerava especial por ser um filho adotivo. Bobagem. Steve Jobs foi sob esse aspecto, um herói trágico, que vence mas acaba sucumbindo à própria ferida. Como Édipo.
Apesar de toda produção e ares de grandeza, temos os pés inchados e as dores da nossa natureza humana. E vivemos algumas coisas para que as cenas se repitam em nossa vida.
Para os poucos e fiéis leitores: essa seção de blog será indicado nas Blogstórias.
sábado, 5 de novembro de 2011
Um pequeno conto psiquiátrico
Não se lembra mais de quando veio o vazio. Talvez desde a infância, quando de alguma forma já pressentia que estava a mais naquele dourado quadro de família Doriana. Quando a adolescência chegou e ele descobriu-se homossexual, a diferença ficou ainda mais evidente. Todos tinham planos, projetos, metas. Ele só conseguia se sentir como um alienígena naquele quadro de felicidades medianas, de conformidades e de sorrisos estudados. O seu terapeuta tentava dedilhar essas impressões: o que teria acontecido? Por que haveria entre esse rapaz e a sua mãe tamanha sombra? Teria ela desejado abortá-lo, teria sentido em sua gestação uma tarefa que não queria cumprir? O terapeuta sabia dessa transmissão, como um vírus, desse não pertencimento original. O bebê que não vê o seu rosto refletido nos olhos de sua mãe, passa a se acreditar uma parte da mobília, um portaretrato velho e empoeirado no canto da sala. Logo ele aprendeu que uma forma de justificar a sua presença no planeta foi fazer-se útil. Um bom menino, que não jogava bola, não tinha amigos senão os amigos nos livros. Mas ajudava a mãe, ficava como um bicho de estimação por perto ajudando as longas horas de ausência de seu pai. Mas ainda assim a sua imagem não era refletida. A sua mãe fora educada a acreditar que a homossexualidade era uma doença, ou um desvio de caráter. Ainda em dias mais recentes, quando conviviam com o seu quase namorado, tudo ainda parecia caber na moldura de família Doriana. Debaixo dos falsos e aristocráticos sorrisos, a sensação de que aquele rapaz estava só se aproveitando de seu abismal sentimento de solidão, que eles não faziam idéia de onde vinha. Assim como não conseguiram entender quando ele se enfiou num motel barato para se entupir de medicamentos.
Não é possível que em pleno século vinte e um não houvesse um exame que detectasse alguma falha grave, estrutural, no Cérebro desse menino. Uma família bem estruturada, irmãos adaptados e pais zelosos, como que, no meio de tanta perfeição, poderia haver um menino propenso a essas melancolias aterradoras, a esse impulso para sair desse mundo tão lógico?
O terapeuta foi retirado do caso. Não há como explicar a sensação de vazio, a falta de significado, o sentimento absoluto de falta de sentido. Vamos investigar esse Cérebro, esquadrinhar os seus genes, introduzir medicamentos de última geração. Com certeza, há um defeito nesse maquinário que pode ser corrigido, a alegria pode ser finalmente recuperada, os ódios e as mágoas varridas sob o tapete impoluto da sala.
O terapeuta olha para o horizonte. Não muito longe daqui, está se armando uma tempestade. E ninguém parece, ou quer, notar.
Não é possível que em pleno século vinte e um não houvesse um exame que detectasse alguma falha grave, estrutural, no Cérebro desse menino. Uma família bem estruturada, irmãos adaptados e pais zelosos, como que, no meio de tanta perfeição, poderia haver um menino propenso a essas melancolias aterradoras, a esse impulso para sair desse mundo tão lógico?
O terapeuta foi retirado do caso. Não há como explicar a sensação de vazio, a falta de significado, o sentimento absoluto de falta de sentido. Vamos investigar esse Cérebro, esquadrinhar os seus genes, introduzir medicamentos de última geração. Com certeza, há um defeito nesse maquinário que pode ser corrigido, a alegria pode ser finalmente recuperada, os ódios e as mágoas varridas sob o tapete impoluto da sala.
O terapeuta olha para o horizonte. Não muito longe daqui, está se armando uma tempestade. E ninguém parece, ou quer, notar.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Jujú e Lula
Às vezes, quando eu olho a tela branca desse blog eu me lembro das tirinhas do Angeli na Folha, "Angeli em Crise", sempre com nuvens negras e horrores cercando a falta de um tema. Sou altamente solidário. Como escapar da falta de um tema? Eu poderia facilmente aproveitar o ensejo para disparar mais um blog contra o Juvenal Juvêncio, mistura de Paulo Francis com Hugo Chavez (tem a impostação de voz, a teatralidade e a humildade de Paulo Francis, junto com a habilidade política e vocação democrática de Hugo Chavez), o atual presidente (?) do glorioso São Paulo Futebol Clube. Mas já mandei algumas sapatadas no Jujú e ele não parece balançar no cargo. Poderia falar da contratação de Leão, para teoricamente "botar ordem na casa" tricolor. Impressionante como as dificuldades com a própria virilidade que acomete a diretoria tricolor pode virar essa escolha compensatória, de um suposto xerife que veio falando grosso e colecionando resultados pífios (inclusive ser eliminado da SulAmericana pelo poderoso Libertad, do Paraguai. O salário do Rogério Ceni e do Luís Fabiano pagam todo o elenco do Libertad e ainda vem troco). Mas deixa para lá. Só fica um adendo Shakeaspeariano de que o poder, quando usurpado ou exercido de forma ilegítima, traz resultados trágicos mesmo, desde os tempos de Hamlet.
Podemos falar da relação entre Luto e Câncer, para mudar de tema. O expresidente Lula desenvolveu um tumor de agressividade moderada em sua Laringe apenas 10 meses depois de deixar o poder e, principalmente, o centro das atenções. Lula já vinha dando vários sinais de luto na época da campanha presidencial, dizendo que iria exterminar a oposição, caçando os desafetos que lhe tiraram a CPMF em seus estados em verdadeiras cruzadas revanchistas. Chegou a nos brindar com várias inadequações etílicas, mais do que a sua média, a ponto de ter sido retirado de circulação após o primeiro turno por alguns dias, até recuperar a sobriedade (em ambos os sentidos). Diriam os oncologistas que eu estou falando uma bobagem psicossomática, que o tumor já estava lá e deu sinal de vida apenas agora, após um crescimento gradativo. Stress, Álcool e Nicotina teriam causado o estrago. Beleza, posso aceitar o argumento. Mas é tão escandalosa a relação entre períodos prolongados de tristeza e luto e a eclosão ou recidiva de doenças oncológicas que é impossível para um psiquiatra ignorá-la. Lula foi um presidente ansioso/medroso no começo do mandato, mas depois passou bons anos em "furioso enamoramento de si mesmo" como diria Nelson Rodrigues. Nunca se viu um presidente com uma autoestima tão favorável, com uma capacidade tão imensa de atrair a atenção e o amor de todos. É lógico que tanta fúria narcísica tem lá o seu preço, pois como saciar um egocentrismo tão mastodôntico? Nenhum carinho, nenhuma atenção, nenhum reconhecimento são suficientes para aplacar essa fome. Lógico que perder isso da noite para o dia não é mole. Ainda mais com uma presidenta-poste que Lula elegeu mas que não consegue comandar. O pior, na hora que faz uma pequena limpeza, demonstra de forma consistente a putaria nababesca dos anos Lula. Os 85 bilhões jogados no ralo dos parasitas que há séculos consomem nosso sangue brasileiro.
Bom, Lula, te desejo sorte. Pode passar aqui no consultório que eu te dou uma guaribada nesse luto. Difícil é tratar o luto de 170 milhões de brasileiros.
Podemos falar da relação entre Luto e Câncer, para mudar de tema. O expresidente Lula desenvolveu um tumor de agressividade moderada em sua Laringe apenas 10 meses depois de deixar o poder e, principalmente, o centro das atenções. Lula já vinha dando vários sinais de luto na época da campanha presidencial, dizendo que iria exterminar a oposição, caçando os desafetos que lhe tiraram a CPMF em seus estados em verdadeiras cruzadas revanchistas. Chegou a nos brindar com várias inadequações etílicas, mais do que a sua média, a ponto de ter sido retirado de circulação após o primeiro turno por alguns dias, até recuperar a sobriedade (em ambos os sentidos). Diriam os oncologistas que eu estou falando uma bobagem psicossomática, que o tumor já estava lá e deu sinal de vida apenas agora, após um crescimento gradativo. Stress, Álcool e Nicotina teriam causado o estrago. Beleza, posso aceitar o argumento. Mas é tão escandalosa a relação entre períodos prolongados de tristeza e luto e a eclosão ou recidiva de doenças oncológicas que é impossível para um psiquiatra ignorá-la. Lula foi um presidente ansioso/medroso no começo do mandato, mas depois passou bons anos em "furioso enamoramento de si mesmo" como diria Nelson Rodrigues. Nunca se viu um presidente com uma autoestima tão favorável, com uma capacidade tão imensa de atrair a atenção e o amor de todos. É lógico que tanta fúria narcísica tem lá o seu preço, pois como saciar um egocentrismo tão mastodôntico? Nenhum carinho, nenhuma atenção, nenhum reconhecimento são suficientes para aplacar essa fome. Lógico que perder isso da noite para o dia não é mole. Ainda mais com uma presidenta-poste que Lula elegeu mas que não consegue comandar. O pior, na hora que faz uma pequena limpeza, demonstra de forma consistente a putaria nababesca dos anos Lula. Os 85 bilhões jogados no ralo dos parasitas que há séculos consomem nosso sangue brasileiro.
Bom, Lula, te desejo sorte. Pode passar aqui no consultório que eu te dou uma guaribada nesse luto. Difícil é tratar o luto de 170 milhões de brasileiros.
Assinar:
Postagens (Atom)