domingo, 29 de janeiro de 2012

Pensamento Positivo

Li uma entrevista nas páginas amarelas da Veja, há alguns anos, em alguma recepção de dentista. Uma psicóloga que passara por um dificílimo tratamento para o Câncer, com direito a Quimioterapia, e ficava sendo bombardeada por “estímulos” para manter uma “atitude positiva” diante da adversidade. Não podia ficar triste, nem desanimar em hipótese nenhuma. Já não bastava a dureza do diagnóstico e do tratamento em si, a moça sentiu na pressão pelo pensamento positivo uma espécie de preconceito oculto. Seria o doente oncológico uma vítima de seus maus pensamentos, ou de uma atitude depressiva, suposta causa oculta de sua doença? Não basta todo o sofrimento, ainda precisa aguentar os apelos para sorrir e cultivar bons pensamentos e sentimentos?
Acho que o mesmo sentimento acomete as pessoas que consomem livros de autoajuda ou de dietas milagrosas. Tudo sempre recheado de sorrisos e de bom senso. Tudo sempre muito fácil e acessível, bastando, apenas, transformar esses maus hábitos mentais em bons hábitos. As pessoas que tem acesso a esses textos tem uma adesão entusiasmada a princípio, para depois exagerar na comida no churrasco de fim de semana, ou continuar maldizendo a própria vida e sorte, muito longe de cultivar uma atitude “mais positiva”, ou “mais equilibrada”, como o guru de autoajuda preconiza. A estante ganha novos livros que vão juntar poeira e a pessoa ganha novos motivos para duvidar de si mesma.
Engraçado que muitos comentários sobre esse blog eu recebo por e-mail ou pessoalmente, de pessoas que se sentem inibidas de fazer comentários públicos. Outro dia recebi um apelo desesperado, justamente pela dificuldade que temos de modificar esses padrões negativos, tão incrustrados em nossas redes neurais. Ela descreveu, sem querer, uma grande questão: Como modificar esses padrões? Sem saber, ela tocou em uma questão muito antiga, a batalha entre nosso Cérebro Emocional, onde estão os imprintings profundos, gravados em nossas redes de memória desde a vida uterina, e o pobre Cérebro Racional, milhões e milhões de anos mais novo. Somos mais guiados e controlados por esses imprintings do que gostaríamos de acreditar. Mas isso quer dizer que é uma batalha perdida? Somos prisioneiros de nossos hábitos alimentares e emocionais, e nada podemos fazer quanto a isso, além de começarmos dietas que não vamos manter ou tentar largar de algo que não gostamos, mas não conseguimos nos afastar?
Um velho mestre falou em uma aula, antes de começarmos a atender em psicoterapia alguns dos pacientes mais graves que viríamos a atender, sem nenhum treinamento anterior. Era a nossa primeira semana de Residência e estávamos obviamente apavorados. O mestre nos deu uma ótima lição de que um processo de psicoterapia consiste em revelar para transformar. Ouvir um outro ser humano, que talvez nunca teve a oportunidade de ser ouvido com esse tempo e atenção, já é uma revelação. O simples fato de se ouvir a própria voz, olhar panoramicamente o próprio percurso, para, se tudo der certo, poder ouvir de si mesmo a própria história, já produz algumas microtransformações que podem virar uma bela transformação depois de um tempo. Parece estranho, mas funciona. Ele recomendou, então, que apurássemos os ouvidos e o olhar. Isso já era um começo de psicoterapia. O resto a gente iria aprendendo nas aulas e nas supervisões. Aquilo foi uma bela lição. As revelações que transformam aparecem em sentimentos profundos que surgem no processo terapêutico. Profundos como os falsos softwares que comandam a nossa vida.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A face verdadeira

Hoje recebi mais um spam de livrarias Psi (que já me localizaram), com o seu novo lançamento: "Por que sofremos tanto?". O Budismo repsonde essa questão há dois mil e seiscentos anos, mas continuamos reescrevendo as respostas. A Bíblia também fala bastante sobre o assunto. Somos seres expulsos do Paraíso, maculados pelo Pecado Original, o que ainda é ensinado em algumas escolas americanas como conhecimento estabelecido e verdade. Somos filhos de um erro de uma dupla de seres, Adão e Eva, que caíram na conversa da Serpente.
Não há pecado em nascer. Mas há a dor de nascer. Consciência, do latim Cum Ciencia (desculpem se a grafia estiver errada) descreve a capacidade de experimentar culpa pelos nossos atos e, portanto, assumir a responsabilidade sobre eles. Se a hipótese que estão levantando para a tragédia do Rio de Janeiro, de que os prédios vieram abaixo, matando estimadas trinta pessoas, por reformas que comprometeram a estrutura de sustentação, reformas feitas de forma irresponsável e sem a supervisão de um engenheiro, se provar correta, será que alguém vai bater no peito e falar, fui eu, eu sou o assassino? O capitão do navio italiano, que mudou a rota, bateu nos recifes, afundou o navio e se empirulitou deixando velhos e deficientes se afogando nos escombros, será que ele vai declarar, em tempo real- Sim, fui eu? Eu errei, eu matei aquela gente, eu sou o responsável?
Uma das coisas que o estudo da mente humana pode desencadear, nesse século e meio de estudo sistemático, é que somos todos inimputáveis. Todos queriam um pônei, ou uma Caloi Dez, mas o papai não deu. Todos sofremos abusos, verbais ou físicos, em nossa trajetória. Uma mocinha que foi condenada depois de enforcar o amante com a própria cinta no Motel, ficava dando um dedo para a imprensa (numa medida pouco estudada, recomenda-se uma melhor "media training"no próximo julgamento), foi defendida com a alegação de abuso sexual por parte de seu pai. Quando o amante mais velho e trintão ameaçou abandoná-la, ela se lembrou do pai abusador e enforcou o amante, abalando as estruturas de nossos casamentos burgueses. Coitadinha, sofreu abusos, por isso fez o que fez. Quer dizer que nossa feridas nos absolvem de tudo? Mas estou me desviando da Consciência.
Adão e Eva já haviam descoberto, ter Consciência dói. A separação do estado de pureza original é definitiva, e dolorosa. A infância vai perdendo o seu olhar de ingenuidade e crença para entrarmos progressivamente no jogo selvagem da sobrevivência. A Metapsicologia Freudiana já afirmava, há mais de um século: a perda dessa unidade original é dolorosa. É uma expulsão do Paraíso. Quanto mais brusca, menos cuidada, mais violenta essa separação, maior a dor que essa consciência em formação vai experimentar. Por isso que Sidarta Gautama, o Buda, descobriu debaixo da árvore Bodhi que a natureza essencial da vida é o sofrimento.
A nossa tarefa na vida, é a transformação dessa dor original. O caminho régio, de todas as psicologias que se prezam, é fazer o sujeito identificar, reconhecer e enfrentar a própria dor, para depois compreendê-la e transformá-la. Muita gente desiste muito antes de chegar na própria ferida. outros procuram saltar por cima da ferida com algum livro de autoajuda ou alguma droga anestésica. Mas, dizia Nelson Rodriguea, o homem só se salva se encarar a própria hediondez.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O Vampiro

Estava vendo ontem um telefilme sobre a vida de Jo Rowling, autora da saga de Harry Potter. Eu li três dos sete livros da saga, infelizmente, pois já expressei em outros posts meu apreço pela mesma. Fico muito impressionado com a descrição dos sentimentos de Harry quando atacado pelos Dementadores, monstros que tiram da pessoa a vontade de viver. Só alguém que passou por um quadro depressivo maior pode descrever aquelas sensações. O telefilme deu uma amaciada nessa passagem, não mostrando claramente o período em que a futura autora de Harry Potter ficou em um pequeno apartamento com a filha bebê, vivendo de cheques da Previdência local.
O que o filme mostrou, ou delineou, foi o relacionamento que acabou levando à fuga e ao isolamento depressivo de Jo. Ela se apaixonou por um jornalista português e, apesar de todos os sinais e alertas de suas amigas e atitudes do sujeito, foi entrando numa espiral de abusos até ter que fugir de sua casa no meio da noite depois de ter sido espancada pelo homem que parecia ser o príncipe encantado.
Já mencionei em vários posts a influência maléfica dos filmes da Disney e das comédias românticas na vida das mocinhas. A fantasia da saga e do sofrimento que vai ser coroado com o grande encontro da grande felicidade consome muitas caixas de chocolate e de Prozac aqui, na vida real. Na mesma vida real, a busca do homem encantador leva as luluzinhas para a porta do castelo do Vampiro, onde o fascínio e o encanto vai terminar no inferno da ambiguidade, a grande arma do falso príncipe. Afetivo, caliente, apaixonado, o discurso do vampiro é sempre o mesmo, de inteira paixão pela mocinha, mas algo está sempre obstruindo o amor. Até o nosso vampiro mais recente, o magrelo e pálido Edward, da saga "Crepúsculo" é inteiramente delicado e apaixonado por Bella, mas está sempre indeciso na hora de bater o penalti, se é que me entendem. O Vampiro é uma promessa que não se cumpre, mas está sempre perto de se cumprir. O contraste das horas de completa paixão e entrega, seguida de sumiços, de perdidos e de ausências injustificadas é o inferno que tortura as nossa Bellas (namorada de Edward) na vida real.
Jo Rowling foi descobrindo que aquele homem apaixonado e apaixonante era na verdade um fraco, dado a bebedeiras e sem a estrutura mínima para construir um casamento e criar uma filha. Com a ajuda de amigas, fugiu do ciclo em que era espancada e abusada pelo mesmo homem que a amava e jurava que iria se corrigir, que o seu amor era infinito e que nunca mais cometeria aqueles abusos. Romper com aquilo custou anos de solidão e depressão, que felizmente viraram os livros de Harry Potter, ele mesmo vítima de muitos abusos e abandonos com a morte de seus pais (Jo Rowling foi profundamente abalada pela morte de sua mãe, figura central de sua vida). Melhor do que ninguém, ela pôde descrever a saga de um herói que supera intuitivamente esses abandonos e abusos para construir uma vida íntegra, inteira. Talvez esteja na hora dela escrever um romance sobre uma mulher que está presa na gangorra emocional do relacionamento com um Vampiro, e de como é difícil romper com isso.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Desorganização Interna

Nesta semana deixei o meu netbook na praia, para dois filhos aborrecentes usarem. Obviamente que a máquina voltou com um pau na tela, que eu vou levar para consertar. Isso atrapalha a vida desse blog, pois é uma delícia escrever os posts deitado na cama ou imediatamente após ler um livro ou um artigo bacana. Vou usar, lógico, o computador dos caras, que vão ficar me olhando teclar.
Um tema que eu gostaria de desenvolver mas acabo falando de outros assuntos é s Organização Interna. Estamos numa época em que tudo te convida para a exteriorização, inclusive com blogs, twitters, facebooks, tudo é buscado em um espaço psíquico fora de seu nundo interno. Um sintoma que foi aparecendo cada vez mais nessas últimas décadas de Psiquiatria é essa sensação básica de aceleração e correria, com uma dificuldade cada vez maior das pessoas estabelecerem prioridades e planos. Uma música antiga dos Titãs, dessas anteriores à recente fase brega e de autoajuda, dizia assim " Uma coisa de cada vez/ Tudo ao mesmo tempo agora/ Uma coisa de cada vez/ Tudo ao mesmo tempo agora" e assim prosseguia, sempre tendendo ao "Tudo ao mesmo tempo agora", que aliás, batizava o CD. A música descrevia muito bem esse estado em que vivemos, atendendo ao celular, com o Messenger aberto, o Facebook apitando e o Skype chamando, tudo ao mesmo tempo agora. Tudo concorrendo para piorar a comuniação das pessoas.
Isso aparece nos sonhos e nos quadros clínicos das pessoas. Mudanças abruptas de assunto, perseguições, ameaças invisíveis, explosões e a sensação do Ego Onírico, aquela representação de nós mesmos que aparece no sonho, sempre correndo, sempre oprimido, sempre tentando resolver tudo ao mesmo tempo e pulando de assunto em assunto sem concluir nada.
A Psiquiatria segue esses tempos acelerados com doses cada vez mais elevadas de medicação. Ontem saiu uma matéria dando conta das vendas recordes de medicamentos tranquilizantes da classe dos benzodiazepíncos, os famosos tarja preta. Rivotril, Frontal, Lexotan, todos tiveram as suas vendas nas alturas nesse últimos anos, tanto que alguns desaparecem das prateleiras em alguns períodos, provavelmente pelo fim de seus estoques. O tudo ao mesmo tempo agora tem as suas consequências.
Uma das coisas que gera a desorganização interna é o Conflito, tema que eu abordei no último post. A dúvida, o medo, a tentativa de resolver muitos assuntos ao mesmo tempo. O conflito amoroso, por exemplo. Amanhã vou falar do Vampiro, figura arquetípica que tem tirado o sonho de muitas pacientes. O Vampiro é um relacionamento perfeito para bagunçar completamente a vida de uma mulher, com a sua ambiguidade de morto vivo. Mas isso é assunto para amanhã.
O que posso concluir no post de hoje é que a alternativa para o mundo exterior cada vez mais caótico e escravizante é a defesa intransigente de nosso mundo interno. Com os anos fui trabalhando uma estratégia de distanciamento e de olho do furacão para as situações clínicas mais difíceis. Uma filha de uma paciente idosa liga aflitíssima, pois a sua mãe apresentava um quadro de confusão mental e desorganização da fala que bem poderia ser um Acidente Vascular Cerebral ou um quadro ansioso grave. A decisão sobre o que fazer pode fazer diferença entre a vida e a morte, contando apenas com as descrição de uma filha apavorada de ver a mãe naquele estado. Nessa hora é que o médico, ou qualquer tomador de decisão, precisa recuar até um ponto distante da situação, onde as coisas ficam até mais lentas e tranquilas, para olhar com muita calma todos os achados. Cada pergunta tem que estar encaixada nessa montagem lúcida do quadro, mesmo no telefone, para tomada da melhor decisão. O final foi feliz, a paciente melhorou. As pessoas imaginam que migrar para esse ponto de serenidade e de organização de pensamento seja coisa de pessoas iluminadas e especiais, mas não. É só treino. O mundo nos treina para a bagunça, você pode se treinar para a serenidade e para a Organização.
Organização Interna é um nome muito legal, pois já aponta onde é o lugar que realmente conta, na hora de encontrar o ponto de equilíbrio. O seu abandonado, mas importantíssimo, Mundo Interno.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O Inferno do Eu

Foi nas primeiras décadas do século passado que um neurologista austríaco de nome Sigmund Freud descobriu um tesouro na cura das moléstias ditas “nervosas”: a cura pela fala, que depois foi chamada de Psico-análise. Esse aventureiro psíquico percebeu que alguns sintomas histéricos, como paralisias imaginárias, tinham como fator gerador alguma experiência traumática passada, esse trauma se alojava em uma camada Inconsciente de nossas redes neurais e lá passava a exercer o seu efeito destrutivo, drenando energia de nossa consciência. Alguns anos depois, Freud abandonou a teoria do Trauma e passou a observar que na base de muitos sintomas havia o Conflito, duas vontades, a Consciente e a Inconsciente, brigando em nossa alma gerando bloqueios, medos, disfunções. Veio aí a sua Teoria da Sexualidade. A humanidade fora fundada em torno da repressão às suas pulsões básicas. A sexualidade seria das pulsões mais reprimidas e introjetadas, retornando depois como sintoma. Apesar de dado como cientificamente morto pela moderna neurociência, o que eu pessoalmente acho uma grande bobagem e uma vendetta de décadas, Freud continua exercendo influência com suas idéias a tudo que se pensa sobre a economia psíquica de cada um. É certo que a repressão às pulsões sexuais diminuíram muito no decorrer do século, e o ser humano não tornou-se muito melhor com essa libertação. Pelo contrário, somos hojes prisioneiros de um mundo em que a perversão não é mais reprimir as pulsões, mas ser escravo delas. A pulsão oral virou-se em compulsões alimentares, comer de tudo, o tempo todo, tronou-se uma epidemia ocidental, o que já abordamos em outros posts. A pulsão anal, sobretudo a necessidade de reter, dominar, torturar quem não tem, é moeda de troca de todo sistema capitalista, baseado nas pulsões tornadas perversas. A pulsão genital, por seu lado não anda lá muito bem das pernas, dominada pelas outras pulsões. Sexo hoje é um bem de consumo, regido pela compulsão e necessidades de poder. Está longe do Gozo que o Freudismo e sobretudo o Lacanismo prometiam. O Gozo é solitário, virtual, masturbatório.
Essa é uma característica de nossa geração Autoestima: eu quero, eu mereço, você tem que me dar. Uma solidão coletiva dispersa nas mídias sociais. Essa é a prisão do Ego e da Falta: eles são intermináveis. A Falta se alimenta de mais Falta, que gera mais Falta.
Para não ficar só na impressão de crítica rabugenta, foi recontar uma parábola que está em um livro de Nilton Bonder, outro que, como Freud, recupera as tradições judaicas para nossa pós modernidade. A história é de um rabino, um guia espiritual que depois de uma vida de entrega e devoção ao Outro e à espiritualidade, teve a oportunidade de ver com seus próprios olhos o Purgatório e o Paraíso. Quando foi ao Purgatório, surpreendeu-se com uma mesa farta de banquete, com iguarias e gozo infinito. Nada de demônios ou fogueiras eternas. As pessoas se sentavam à mesa, diante da absoluta abundância, mas choravam e se lamentavam por toda eternidade. O homem santo foi se chegando mais perto, procurando entender a razão de tanta dor. Chegando mais perto, percebeu que as almas tinham as mãos invertidas, voltadas para frente. Estavam diante de toda fartura e toda abundância, mas não conseguiam trazê-las para a própria boca. Quando foi para o Paraíso, teve nova surpresa: havia a mesma mesa, com as mesmas delícias e possibilidades. As pessoas, ao contrário das anteriores, não choravam, pelo contrário, gargalhavam em uma felicidade radiante. Chegando mais perto, teve nova surpresa, de notar as almas com as mãos viradas, exatamente como no Purgatório. Elas não podiam trazer o alimento para a própria boca. A diferença entre o Purgatório e o Paraíso é que, no Paraíso, as mãos eram usadas para alimentar o Outro. Um dava comida na boca do próximo, de modo que ninguém sentia fome, além da alegria adicional de cuidar de alguém.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Bunny

Uma das coisas que me embrulham no pouco que sei das redes sociais são o compartilhar público de vivências privadas. Casamentos, noivados, namoros, lutos, alegrias, tudo disponibilizado para você dar nota, curtir ou descurtir. Quando morre um gatinho de uma celebridade é uma enxurrada de mensagens e de pieguice, uma espécie de rede de apoio de afeto de rápido consumo.
Agora estava revendo o meu post sobre a minha cachorrinha, Bunny, que foi colocado no blog em Novembro de 2011. Na época ela estava com um tumor crescendo atrás de seu olho, a gente tentava contê-lo com medicação, com medo de colocar na mesa uma cachorra grande, boxer, já entrada em anos. Ontem Bunny morreu nos meus braços, provavelmente pela complicação do tratamento que tentávamos dar para protegê-la. Ela não estava bem desde a Terça feira e foi sendo levada para a clínica veterinária. Ontem era um dia que tirei para viajar, Bunny como que esperou esse dia para se despedir, dando-me a honra de estar presente, podendo agradecer por tudo que ela deu para mim e para minha família.
Tem uma passagem que eu gosto muito de um filme: "Patch Adams". Para quem não sabe, o filme é sobre a história, verídica, de um homem que descobriu dentro de uma internação psiquiátrica a sua verdadeira vocação, a de mexer com as pessoas, a despertar nas mesmas uma fagulha de alegria, uma explosão de felicidade. os Doutores da Alegria são seguidores desse homem, brincando e fazendo palhaçadas nos frios corredores dos hospitais. Patch Adams idealizou uma clínica onde todos fossem curadores, mesmo os doentes, ajudando com a alimentação, os curativos e a atenção que doentes, por vezes terminais, precisam. Ele quase foi impedido de se formar como médico por conta de sua irreverência e indisciplina, mas também pela ousadia de fundar essa clínica. Interrogado, alguém observou: "Mas as pessoas podem morrer nessa clínica", ao que ele respondeu: "Mas qual o problema da pessoas morrerem na clínica? Morrer não tem nada demais. Difícil é morrer sem nenhum cuidado humano".
Vivemos numa época que tem horror e culpabiliza a morte. Foi o cigarro, ele não seguiu a dieta, não fez exercícios, faltou na aula de Pilates. O morto é sempre o culpado de ter morrido. Ou a culpa foi do médico, da equipe, do Sistema de Saúde. Não há dúvida que muitas vezes ocorrem falhas, descuidos, com resultados trágicos. Mas eu concordo com Patch Adams: morrer não tem nada de estranho, é um evento que ocorre em todas as formas de vida.
Não foram poucas as vezes que atendi pessoas com depressão desencadeada pela perda de um bicho de estimação. Felizmente, encontraram um médico pronto a entender a profundidade desse amor. Sou muito grato à minha mulher que me ensinou, como ninguém, a amar profundamente os bichos que temos aqui em casa. Não houve nenhum dia, nesses quase oito anos que tivemos a Bunny, que eu não tenha começado o dia fazendo cafuné e ouvindo o ronco de prazer que ela emitia com os carinhos. Eu abria a porta da casa pela manhã, para ela começar o seu dia de "trabalho", fiscalizando o território e a colocava para dentro á noite, para roncar no corredor.
No outro post, citei um conceito budista, do Boddichitta, amor universal por todos os seres sencientes. Bunny era o coração do Boddichitta. E vai continuar sendo.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sobre Príncipes e Prozac

Hoje em dia não há mais as mitologias transmitidas envolta das fogueiras. Não há mais os anciãos contando as epopéias. A nossa vida continua carente de mitologias, que nos são impostas pela mídia e pelo cinema. Ainda me lembro de meu filho com uma pá de brinquedo, ou uma espada nas costas cantando “Eu vou, eu vou, para casa agora eu vou...” dos sete anões, imitando a fita VHS de clássicos Disney, com dublagem bem anos quarenta. Era emocionante porque a Branca de Neve da Disney atravessou as gerações, da avó até os netos, o vestidinho retrô da Branca de Neve é um ícone cultural que todos conseguem identificar, setenta anos depois. O problema é que a idéia do Príncipe que coroa, literalmente, toda a jornada da heroína vira um imprinting poderosos nas redes neurais das meninas. Isso geralmente vai terminar nos divãs ou nos prozacs, pois há uma escassez de príncipes no mercado. Não há nem muitos anões acolhedores quando a floresta fica muito escura.
Somos de uma época de literalidades. As músicas agora são repetidas nas rádios por décadas, pois lançar um novo álbum virou uma raridade para todos os artistas. Ouço há quase uma década o Akon cantando (?) : “I wanna fuck you...”. As meninas continuam esperando pelo romance, os meninos cantam romanticamente, eu quero te f... Haja terapia.
O pior dessa mitologia imposta pelas comédias românticas é a sensação de isolamento e exclusão de quem não encontra o príncipe nem o plebeu no final da jornada. Engraçado como temos tantas mídias sociais para impor às pessoas a sensação profunda de solidão. Talvez exista um sentimento ainda pior que o da solidão, que é o da exclusão. Parece para os rapazes, que há um festim de liberdade sexual e de mulheres prontas a servirem os homens, que aparecem nos vídeos pornôs, todos com a mesma sequência de atividades que eu não vou citar aqui, mas que mostram mulheres proporcionando prazer sem nenhuma reciprocidade de seus parceiros. Para as moças, há uma profusão de homens atenciosos, fortes e companheiros que abandonam a sua vida sem sentido para serem “felizes para sempre” com a sua amada.
Não há sentimento mais profundo, numa depressão, do que a sensação de estar fora da experiência humana. A sensação de desconexão com a vida. Vivendo no mundo do Certo e do Errado, necessariamente temos um sistema de exclusão dos “inaptos”, que já começa no quarto ano primário. O trabalho com a depressão é de trazer os excluídos para dentro de novo da experiência humana. Os medicamentos são uma parte desse processo, mas na verdade apenas um instrumento de reconstrução do Sentido para quem a busca perdeu o sentido.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ano Novo, Vida Velha

Retomamos o blog, depois de uns dias de folga, praias lotadas, preços abusivos e filas na serra. A impressão é que há gente demais e infraestrutura de menos, uma coisa muito opressiva nesse país após os anos Lula. Eu pessoalmente fiquei pensando no que fazer com esse blog e decidi continuar escrevendo. Continue a nadar, continue a nadar...Uma das coisas frustrantes no começo de um novo ano é que as nossas fantasias de mudança desabam nas contas de IPVA e IPTU, na noção de continuidade que é tão importante em nossa vida mental, mas que pode transmitir a noção de mesmice e pior, de fracasso.
Para um psiquiatra é uma época atribulada e de urgências, quem procura não está nada bem. Quem pode adiar a primeira consulta para depois das férias normalmente o faz, esperando que seus sintomas desapareçam após um breve descanso. Terminam as férias mas não os sintomas, aí sim é que as consultas são agendadas, entre Fevereiro e Março, com um novo pit stop no Carnaval.
O difícil é falar para as pessoas que não há nada de errado com essa continuidade. Procuramos por viradas espetaculares, com prêmios de loteria ou com oportunidades inesperadas. Caímos de cara com a nossa boa e velha realidade e com a sua sobrinha, a frustração. Tem um livro do Milan Kundera que eu amo o título: "A Vida está em Outro Lugar". Ao contrário do que se pensa, não é o reforço de nossas fantasias de mudança a qualquer custo. Ele (o título) me dá a sensação quase budista do mérito do pequeno, de nossa luta para aparar as arestas da vida nos pequenos atos, nas pequenas coisas que fazemos direito todo dia. Cuidamos da fragilidade invisível da vida, nossa e das pessoas queridas. acordamos e dormimos com as mesmas tarefas e as mesmas rotinas. Estranhamente, é isso que pode tornar o nosso ano, Novo.