sábado, 31 de março de 2012

Mais uma Palavra sobre o Big Brother

Quando finalmente, depois de mais um texto pseudocabeça, Pedro Bial anunciou a vitória mais do que esperada de Fael no Big Brother, o rapaz ficou gritando e gesticulando com a sua natural falta de graça, beijou o chão da casa, abraçou a família e deu a sua primeira declaração como novo milionário: “Amo muito tudo isso”. O slogan do Mac Donalds. A primeira coisa que me ocorreu foi: “Será que esse rapaz já está assinado com o Mac Donalds?”. Seria aquela uma frase já combinada? Nos próximos dias veremos o cowboy devorando Quarteirões na TV? Ou será que a frase foi tudo o que o rapaz conseguiu conceber na emoção da vitória? A minha dúvida reflete a indigência intelectual, dos participantes do programa e do reality show em si. Mas não vou me somar ao coro de rabugentos falando mal do Big Brother e do Fael, picolé de chuchu que ganhou a maratona de fofocas e barracos. Como foi o meu primeiro BBB, confesso que curti o processo, gostei de ver os participantes já com suas Personas transformadas, no palco para receber os finalistas. Era como rever velhos amigos, depois de um longo tempo. Essa deve ser a experiência paradoxal que eles tem quando saem do confinamento: são recebidos como velhos amigos, que há muito frequentam a sala de estar da casa das pessoas.
Quando eu assisti o programa pela primeira vez, simpatizei com a Fabiana, a Mama. Achei que ela tinha arrumado para si uma boa Persona, de mulher um pouco mais velha, casada e com um filho, que tentava falar com o coração. Ela “cuidava” das participantes mais jovens, parecia que seria um ponto de equilíbrio na casa. A minha impressão foi falsa. Fabiana era a mais “TVgênica” do grupo. O sorriso dela era de plástico e em todas as atividades ela pulava na frente como voluntária, como aquela menina chata da escola que sempre queria estar bem com o professor (inclusive caprichando no decote). Não foi eliminada antes porque ganhou todas as últimas provas do líder, inclusive uma em que desestabilizou seus dois amigos com um jogo psicológico de provocação e culpa. Inteligente que é, soube muito bem que naquela prova ela tinha dançado. Ficou deprimida até o final, sabendo que a opinião pública iria toda para o lado de Fael. E foi.
Para quem não assistiu e pouco ou nada se importa com o BBB, uma má notícia: esse programa reflete para onde está indo a Rede Globo, que decididamente virou uma emissora das classes C, D e E. Atendendo a essas camadas da população, normalmente mais moralista e conservadora, montaram um grupo medíocre, não no sentido de pobreza mas de mediana mesmo, um grupo sem grandes polêmicas, sem transexuais ou figuras caricatas, com a molecada bonita e sarada de sempre, as meninas exibindo bundas e peitos como sempre e o Cinderelo do Brasil profundo, nascido e criado nos rincões, que sobreviveu no meio das cobras criadas (até porque era dos poucos do grupo com curso superior completo, o que permitiu a ele entender e traduzir aos amigos o que estava acontecendo dentro e fora da casa) ganhando no happy ending esperado. O Brasil está mais pobre culturalmente e, decididamente, mais sertanejo. E o BBB está dando os seus últimos suspiros na classe média mais abastada.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Blogstórias: O Espelho Quebrado

Muito cedo ela descobriu que tudo dependia de seu esforço. O fato de ser uma boa aluna tornava a ausência de seus pais ainda mais profunda. Ela é ótima, não dá trabalho nenhum, falavam nas festas de família. Quando a adolescência se fez, ainda teve a agradável surpresa de ver-se desejada, idealizada pelos caras. Logo virou a gostosa da escola. Descobriu que poderia virar o que quisesse antes de voltar para casa e encontrar a sua mãe rindo para a TV e seu pai perguntando sempre as mesmas coisas, algo sobre as suas notas, e só.
No passar dos anos, aprendeu a refletir, exatamente, o que o outro queria ver. Ótima aluna, boa profissional e cada vez mais linda. A sua carreira cresceu junto com os seus cuidados com a aparência. Um ritual de mais de uma hora preparava o seu dia, sempre bela, sempre desejada. Mas uma pequena fresta, uma pequena fenda, sempre ficava debaixo da maquiagem. Uma sensação incômoda e a princípio suave de vazio. Como uma coceira, o vazio estava lá. Procurava no glamour, na popularidade renovada entre os caras e nas amizades vazias com as meninas a sensação de alguma proteção. Mas nada parecia conter aquela coceira, aquela pequena fresta onde se inseria a dúvida. Noites de chocolates e álcool ameaçavam aquela imagem perfeita. Quando o sono ficou finalmente caótico e seus dedos tremiam nos teclados dos smartphones, ela resolveu procurar ajuda. O consultório não tinha tanto glamour, a medicação trazia estranhos efeitos colaterais, mas uma coisa era mais aterrorizante do que todas as outras: os olhos da pessoa que se colocava na sua frente não pareciam se deter em sua beleza, nem em suas tiradas elegantes. O sujeito que estava na sua frente estava interessado na sua coceira, na fenda que parecia parir um ser monstruoso. Pela primeira vez, ela não era a gostosa do escritório, mas uma mulher só, fragilizada e incrivelmente necessitada do olhar do qual ela tentava fugir. Mas não seria pega sem luta. Faltou às consultas, zombou das interpretações, parou com os remédios. Aquele sujeito olhava para isso com uma ironia paciente, insuportavelmente paciente.
Um dia, ela sonhou que o vazio que tanto odiava estava quase palpável ao seu lado. Pela primeira vez, não quis fugir desse vazio, nem entupi-lo de junk food. Pela primeira vez, ela percebeu que, se parasse de fugir, ela não seria engolida, nem pela angústia, nem pela dor. Naquela tarde, sentiu-se quase tocada pelo olhar do terapeuta. Por um momento, sentiu-se mais do que a mulher maravilhosa.

domingo, 25 de março de 2012

Oração Intercessora

Ontem passei o dia em um Simpósio de Neurociência. As primeiras apresentações foram bem legais e interessantes, mas durante grande parte do dia não houve muita novidade. Como muita coisa nessa vida, a Ciência também se baseia na repetição de conceitos e dados. A Ciência, religião fundamentalista à qual sou filiado, se pretende regida pela Objetividade e Imparcialidade absolutas. É lógico que nem uma nem outra existem. A Ciência é sempre um mix de fatos, crenças e modas, muito mais do que os cientistas gostariam de admitir.
Nesse post eu estou dando sequência a uma discussão do último: os fenômenos não locais, como, por exemplo, os efeitos da Oração Intercessora. Não são poucos os estudos, com metodologia idêntica à dos estudos com medicamento de nosso Simpósio, que demonstram a ação da oração à distância. Eu li um estudo em que um grupo de pessoas se reunia para orar por mulheres submetidas a um tratamento para infertilidade. Esse era um ótimo parâmetro: um tratamento para infertilidade pode ter dois resultados: sucesso ou fracasso. As mulheres foram separadas em dois grupos, um dos grupos recebeu a Oração Intercessora do grupo separado por milhares de quilômetros da Clínica de Fertilização. A porcentagem de sucesso foi significativamente maior no grupo de pacientes que receberam a Oração Intercessora. Há centenas, talvez milhares de estudos quantificando esses efeitos, pois, para a nossa Ciência, se não puder ser medido, não existe. O que as pessoas não sabem é que há outra quantidade robusta de estudos que demonstram exatamente o contrário, isso é, as pessoas orarem à distância não provoca nenhuma mudança significativa de parâmetros clínicos. A oração na chega e volta ao Remetente, pode-se assim dizer.
Há um físico do século passado, laureado com o prêmio Nobel, Heisenberg, que descreveu o Princípio de Indeterminação com o seu nome. Esse Princípio determina que não há nenhum fenômeno observado que não sofra a influência do Observador. Isso quer dizer que, se você faz um experimento visando provar a eficácia da Oração à Distância, há uma chance maior de ter dados dando suporte à sua hipótese e o mesmo vale para os descrentes. Apesar do desânimo que isso possa gerar e do diálogo de surdos entre cientistas materialistas e os que medem os efeitos não locais, ou seja, os que acreditam em efeitos da Psique sobre a Matéria, os resultados demonstram a força das crenças para gerar resultados. Esse não é justamente um dos efeitos da Fé? Eu, de minha parte, sempre achei que a Fé seja uma prática, não um a priori. Se o leitor ou a leitora praticar a Oração Intercessora, vai ver alguns resultados cada vez mais estranhos. Mas nossa consciência, dominada pela Ciência dos fenômenos locais, tem muito medo de cair no ridículo. Enquanto isso, eu sempre peço para a dona Neide, paciente das mais antigas e boa de Terço para não esquecer de mim em suas orações.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O Cérebro Não Local

No post passado sobre Conecção Corpo-Mente, recebi uma pergunta de uma seguidora Anônima, sobre Orações e Mecanismos de Cura. Posso acabar com a pouca credibilidade que me resta respondendo isso, mas vamos lá.
Não sabemos ainda definir a natureza da mente. A Ciência Mecanicista acredita que a Mente é uma produção de seu Cérebro e suas sinapses. Outros, muitas vezes "xingados" como Místicos, entendem há uma Mente que é produto de nossos processos cognitivos, ou seja, existe uma Mente que deriva de nossa Consciência Reflexiva, nossa capacidade de olhar nosso ser de fora e interferir sobre nossos atos com nosso Pensamento, grande descoberta de nossa raça de primatas avançados, junto com a Linguagem. Mas existe outros tipos de Mente, além dessa. Uma Mente que se projeta e funciona fora de nosso Cérebro. Jung chamou-o de Inconsciente Coletivo, a Física Qùântica chama de Mente Não Local. As Mentes podem estar conectadas fora de qualquer campo de influência local. Por exemplo, durante uma consulta, uma paciente sente uma súbita e incontrolável dor de cabeça. Nunca teve enxaqueca, a consulta estava tranquila, mas a mesma precisa ser interrompida para encontrarmos um analgésico. Depois de alguns minutos a paciente me liga para contar que sua mãe tinha acabado de morrer, exatamente na hora em que foi acometida pela dor de cabeça. Ou seja, sem nenhum contato, nenhum aviso, ela sentiu à distância a aflição de sua mãe tendo um enfarte e morrendo. Uma conecção não local. Os leitores dessas mal tecladas podem citar mais uma dezena de experiências onde mentes se comunicaram à distância, sem modem ou celular 3 G.
O princípio das curas à distância ou da oração intercessora é exatamente esse: uma mente que influencia outra mente, ou outro organismo, sem nenhum contato mediado por nosso mundo físico. Como estou postando isso depois de um dia bombado no consultório, vou completar esse raciocínio amanhã. Mas os meus quase leitores devem convir que o tema promete.

domingo, 18 de março de 2012

Um Método (Muito) Perigoso

Esse vai ser um final de semana cinematográfico nesse blog. Depois volto para a Psiquiatria Compreensiva e a Neurociência. Está chegando o novo filme de David Cronenberg, “Um Método Muito Perigoso”, que relata o início, os primeiros anos da aplicação do método psicanalítico, a “Cura pela Fala”(Talking Cure), a amizade e posterior rompimento entre Freud e Jung. Óbvio que o foco vai ser os segredos de alcova e não a contribuição gigantesca desses dois médicos e pensadores para a nossa Cultura e Saber Humano. Há alguns anos já havia sido feito um filme com o mesmo tema, “Jornada da Alma”. De novo há uma ênfase no envolvimento amoroso e sexual do psiquiatra Carl Jung com a primeira paciente em quem aplicou o nascente tratamento psicanalítico: Sabine Spielrein. Há tantas e profusas imprecisões que eu, que não sou historiador, posso detectar que nem vale a pena me estender nesse ponto. Em determinado momento, Jung discorre sobre um conceito freudiano, de Transferência e Contratransferência, nos idos de 1906-7, algumas décadas antes dos mesmos terem sido estabelecidos teoricamente. Em um determinado momento, Sabine descreve o desenvolvimento psíquico como a resultante do choque violento de tendências opostas que se atritam e se fundem em nosso mundo interno. Esse é o núcleo de um conceito central do pensamento junguiano, o da Função Trancendente, que ele estabeleceria duas décadas depois. Pelo menos o filme não estabelece Sabine como uma heroína feminista no meio de dois porcos chauvinistas, Freud e Jung. Ela participa, opina, seduz e coloca os dois otários um contra o outro. Foi ela que causou o rompimento dos dois gigantes? Claro que não. Apesar de toda fofoca edípica envolvendo a relação de Freud e Jung, era bastante óbvio que eles teriam que, necessariamente, separar os seus caminhos. Cada um descreveu uma parte importante da Psique humana. Não dava para, naquele momento histórico, eles perceberem isso.
Mostrar Sigmund Freud como um líder neurótico, autoritário e impermeável a críticas, assim como mostrar Jung como um amante sadomasoquista de sua paciente, bem, não contribui muito para o entendimento da obra colossal de ambos. Não é incomum que pessoas com esse nível de criatividade sejam assolados por vários e profundos demônios em sua busca. O filme fala de alguns desses demônios. Quando o terapeuta se abre à escuta de uma ferida psíquica, recebe a carga de dor, esperança e desejo que todo ser humano traz em seu mundo interno. Com o decorrer das décadas e o aprimoramento do método “perigoso”, foram sendo desenvolvidos mecanismos de proteção de terapeuta e paciente nessa empreitada, muitas vezes heróica, que é uma psicoterapia profunda.
Talvez a maior falha desse filme seja essa excessiva ênfase no aspecto humano, demasiado humano de Freud e Jung, em vez de aprofundar em como uma moça promissora, diagnosticada como esquizofrênica e destinada, na época, a viver e a morrer num hospital psiquiátrico, conseguiu se organizar, compreender a própria dor e recuperar a sua capacidade de gerir a própria vida, graças a um jovem psiquiatra que arriscou a própria carreira para aplicar um método experimental, depois conhecido como Psicanálise, para ajudá-la. Esse processo, que transformou Sabine Spielrein de candidata a doente mental crônica em médica, psicanalista e mulher extraordinária que foi, até ser fuzilada por nazistas na Segunda Guerra. Se eu virasse um cineasta, seria essa a história para se contar.

sábado, 17 de março de 2012

O Concerto

Estava vendo um DVD desses filmes que ficam perdidos nas prateleiras das locadoras e não passam pelo circuito comercial. Chama-se "O Concerto", uma produção russa-francesa bem bacaninha, uma fábula sobre o tempo das coisas e as segundas chances que procuramos pela vida. O filme, apesar desses temas, ou da minha leitura, é uma comédia sobre um esquecido maestro russo que caiu em desgraça com o regime comunista nos anos 80 e vive no ostracismo, como faxineiro do teatro onde toca a orquestra do Bolshoi, famosíssima Companhia de Balé russa. Ele pega, por acaso, um fax vindo da França, pedindo uma apresentação na Chatelet, em Paris. Ele rouba o fax e monta uma orquestra "fake", a partir dos seus antigos colegas, que viraram trabalhadores braçais, como ele. O filme me lembra "O Exército de Brancaleone", um filme italiano dos anos 70 sobre um grupo quixotesco, sobrevivendo na Itália medieval apesar de todo tipo de precariedade. O maetro vai reunir uma orquestra improvável e exigir que a violonista seja a jovem e famosa Anne Marie Jacquet . Andrei Filipov, o maestro, vai enfrentando todo tipo de dificuldade e de situações cômicas para reunir e montar a sua orquestra. No decorrer do filme, vamos descobrindo por que o maestro é obcecado pelo "Concerto para Violino e Orquestra" de Tchaikovsky e pela presença de Anne Marie. Filipov fez de sua vida na música a busca da Harmonia Absoluta. Durante a execução desse concerto, nos anos 80, emissários da KGB interromperam o concerto e fecharam a sua orquestra, caindo todos, ele e seus músicos, na desgraça e no esquecimento. Durante trinta anos o maestro regeu essa sinfonia dentro de sua cabeça, até ter a chance de, finalmente, terminá-la.
Gostei particularmente desse filme pelo profundo amor pela música que está em todas as suas cenas. Vou estragar um pouco o final de quem quiser assistí-lo, mas acho que vai valer a pena. Na hora em que a orquestra finalmente se posiciona e começa a tocar a Sinfonia, é lógico que os primeiros acordes são ruins e desencontrados. Quando entra o violino de Anne Marie Jacquet, uma espantosa transformação ocorre: ela incorpora a sua parte com uma emoção tão profunda que contagia a orquestra de Brancaleone, que vai se encontrando a partir de seus acordes. Mesmo quem não gosta ou, mais provavelmente, não conhece a música clássica vai se emocionar com a força da obra de Tchaikovsky e como ela vai se impondo nas cenas finais.
O filme fala de coisas muito caras aos terapeutas e às terapias: a Verdade que, mesmo soterrada por trinta anos, sempre dá um jeito de vir à tona; a busca permanente que temos pelas oportunidades perdidas e pela reparação das injustiças; finalmente, olhamos no olho dos nossos medos, até que eles se mudem de endereço. É uma fábula improvável e inpiradora sobre as nossas jornadas temerárias e como, realmente, o caminho se faz ao caminhar. Ou seja, o dia a dia de qualquer curador ou terapeuta, caminhando por caminhos tortuosos e por fracassos, diários, mas não definitivos.
O fracasso só é definitivo quando nos rendemos a ele.

terça-feira, 13 de março de 2012

Conexão Mente Alma

Outro dia ouvi na rádio CBN, fiel companheira nesses tempos de Raposo Tavares intransponível, um estudo relatado por Gilberto Dilmerstein (espero que a grafia esteja correta) sobre um estudo em que eram relatadas uma eficácia espantosa do tratamento de Alccolismo com o uso de uma droga alucinógena, o LSD. Os resultados eram estranhos aos próprios pesquisadores. O fato é que muita gente conseguia abandonar definitivamente uma droga devastadora, o Álcool, fazendo uso de outra droga devastadora, o LSD. Isso significa que os pacientes trocaram uma droga pela outra? Claro que não, embora essa seja ás vezes uma estratégia de tratamento como outra qualquer. O fato é que o articulista deu o dado bruto e ninguém para tentar entender o que acontecia. Uma coisa nada incomum em pesquisas clínicas.
Até um pouco depois dos meados dos anos 60 houve uma vigorosa pesquisa de modificações na Consciência e nas terapias com o uso de drogas lisérgicas. Os pesquisadores entraram em desgraça, alguns foram presos, pela interpretação das autoridades satanizando os pesquisadores e sua pesquisa. Botaram uma tranca nos laboratórios e a pesquisa foi abandonada. Fico feliz em saber que as mesmas estão sendo retomadas mediante rigorosos controles e protocolos. Mas por que essa droga, associada a graves casos de dependência, mortes acidentais e quadros alucinatórios pode transformar um ser humano?
Estamos mergulhados em uma rede de programações. Não sabemos disso, mas o nosso Sistema de Crenças ajuda todos os dias a coproduzir a nossa realidade. Eu costumava dizer em aula que cada paciente vem ao consultório com um crachá: um é o “Bacana”, outra é a “Coitada”, um terceiro é o “Injustiçado”. Esses crachás psíquicos tem a ver com o nosso Sistema de Crenças, que se nos é imposto pela nossa família e nosso grupo social. Somos parte da engrenagem de crenças e nela desempenhamos nossos papéis. Para quem não consegue definir, nunca, para o que serve uma Psicoterapia, aí vai um “uso” inequívoco: uma psicoterapia serve para você se livrar de um crachá, seja ele positivo (raramente) ou negativo. Olhar, refletir, compreender as projeções e as imposições de Crenças, criar o seu próprio sistema e comandar a própria vida são alguns dos objetivos de qualquer processo terapêutico (espero).
Em nossa prática clínica, talvez os piores crachás fiquem para os Dependentes de Substância, seja ela o Álcool ou outras substâncias químicas. “Traste!”, “Ébrio”, “Farrapo Humano”, tudo isso vem escrito com letras invisíveis em seus crachás existenciais. Mais difícil do que largar a substância é largar essa falsa identidade, transmitida no decorrer dos anos na psique familiar e coletiva. Quanto mais profunda a ferida, mais igualmente profunda é essa identificação. É por isso que são os casos mais difíceis de se tratar, com um índice de cura de menos de 30%.
O trabalhos da Psicoterapia e do LSD talvez não sejam tão diferentes: cavar até as regiões mais profundas, causar um salto de consciência em que o paciente finalmente se liberte das falsas identificações. Pode demorar mais ou menos, e normalmente demora, mas se o terapeuta souber o que está fazendo (nem sempre sabe), o salto de consciência pode ocorrer e com ele, a cura. Podemos fazer isso no dia a dia da clínica. Sem a necessidade de nenhuma droga adicional.

domingo, 11 de março de 2012

Conexão Mente Corpo

Fui visitar no último final de semana uma pessoa querida que está com uma doença oncológica agressiva. Pelas estatísticas, uma doença letal. Ela tem enfrentado a doença com coragem e serenidade, embora obviamente com episódios de raiva e de mágoas vomitadas. Ela apontou como fator desencadeante da doença uma grande decepção, quando mudou para uma cidade onde não conseguiu se adaptar. Tinha a esperança de morar perto de seu filho, reconstruir o núcleo familiar e nada foi como planejara. A literatura médica não consegue negar, e olha que ela tenta muito fazê-lo, que há uma correlação evidente entre choques emocionais e várias doenças. Câncer inclusive. Ou sobretudo.
Apesar dos discursos humanistas, o foco é na técnica, a Medicina não se ocupa muito das correlações entre estresse e doença. Os médicos que assistem essa pessoa querida, muito bem, diga-se de passagem, colocam à disposição dela e da família uma equipe de psicoterapeutas para lidar com os estressores e o processo da própria doença. Ninguém imagina usar técnicas de visualização ou uso de alimentação antioxidante para interromper a evolução da doença. As estratégias se concentram nas quimioterapias que controlem o crescimento dos tumores.
Recebi um link bacana de uma leitora desse blog, Luciana, sobre um médico alemão, Dr Heimer, que pesquisa há muitas décadas a relação entre os tipos de estresse e os tipos de doença oncológica. Haveriam conecções claras entre as áreas do Cérebro afetadas pelos estressores e os orgâos afetados pelo Câncer. O Dr Heimer fundou a Nova Medicina Alemã baseado nesses princípios. Foi perseguido, ridicularizado e ignorado, como é de praxe quando alguém vem te dizer que tudo em que você acredita está errado.
Lembro de um Congresso Brasileiro de Psiquiatria que eu fui em Belô que o Centro de convenções recebeu a "visita" de um caminhão de som do pessoal da luta antimanicomial. Os caras passavam um bom tempo gritando palavras de ordem e xingando a máfia dos laboratórios e dos tratamentos químicos, ou seja, nós, participantes do Congresso. Como eu tenho mesmo o vício da curiosidade, parei para ouvir algum discurso antes da minha aula. Havia um rapaz comentando que fora rotulado e envenenado pela química ao receber o diagnóstico da Doença Bipolar, mas só se curou e se salvou quando foi atendido em um Hospital Dia, onde a sua dor foi finalmente acolhida e compreendida. Agora ele estava bem e sem nenhuma medicação. O psiquiatra que vive dentro do autor dessas mal tecladas linhas pensou: "É porque você não é nem nunca foi Bipolar, meu amigo. O diagnóstico estava errado". Segui em frente e corri para a minha aula, já atrasado. Mas penso hoje que foi um ótimo testemunho, infelizmente ignorado pelos congressistas. Uma abordagem compreensiva economiza muita medicação, ajuda o paciente a lidar com seus estressores e se equilibrar naturalmente. Eu dedico a minha vida a isso, a minha prática clínica se baseia nisso.
Existe uma evidente relação entre os estressores que temos todo dia e as doenças. Estressores são todos os fatores que produzem desequilíbrios à sua homeostase. Homeostase é um conceito maravilhoso, que representa o estado sempre relativo de equilíbrio que nosso organismo procura manter, todo dia. Sem a Homeostase, ou quando ela está prejudicada, adoecemos e morremos. Alimentos industrializados, substãncias químicas, irradiação, poluição e mágoas, decepções, preocupações, tudo isso bombardeia o nosso corpo todo dia. Ele milagrosamente aguenta esse tranco e nós nem sempre colaboramos com ele.
A elaboração e a compreensão da conexão Mente/Corpo é, na minha opinião, a mais promissora e verdadeira das Medicinas.

sábado, 10 de março de 2012

O Impera-Dor

Na sua obsessão edípica pelo São Paulo e por Juvenal Juvêncio, Andrés Sanchez, então presidente do Corinthians, contratou Adriano, O Imperador, para vestir a camisa 10 do Timão, há um ano. ( Calma, meninas, embora o texto vá falar de alguns personagens do futebol, o assunto será outro. Vamos falar do assunto de sempre, a construção de uma Psiquiatria Compreensiva).
Tentando causar o impacto publicitário que o São Paulo obtivera com o Luís Fabiano (outro furo n´água, diga-se de passagem), Andrés Sanchez riu-se com a atenção e o espaço na mídia gerado pela contratação de um exjogador em atividade, como é o caso de Adriano. Deu no que deu. O roliço tirou um ano sabático no Corinthians, curou os seus tendões, enganou em alguns treinos e repetiu o que vem fazendo nos últimos anos, com a rotina de bebedeiras, faltas e mentiras que escondem algo pior e mais grave, clinicamente falando. Ontem, finalmente, Tite jogou a toalha e sentenciou que o jogador volta para o seu Spa, onde ele vai fingir que quer treinar, emagrecer e voltar a ser um atleta de alto desempenho que foi pela última vez há uns cinco ou seis anos. O desânimo em seus olhos sugere que ele, simplesmente, desistiu de Adriano. Como Dunga e vários outros já fizeram antes.
Normalmente volto mais tarde para a casa, depois de um longo dia de trabalho e adoro ouvir os programas de esporte que tem no rádio. Há alguns meses eu ouvia um debate em que os analistas esportivos, nome bonito para a saraivada de palpites que damos em qualquer conversa de boteco, se perguntavam por que um cara que tem tudo, dinheiro, sucesso, talento, afeto das pessoas, consegue destruir tudo o que construiu diariamente, mantendo, apesar dos milhões de reais que correm em suas contas, o mesmo comportamento autodestrutivo. Um deles tentava explicar que a Depressão é uma doença como outra qualquer, independe da conta bancária do doente. Mas tem mais caroço nesse angú.
Adriano sempre foi um bad boy, mas tenho a impressão que degringolou de vez após a morte de seu pai. Não é incomum que um jogador de futebol passe a ser um embusteiro depois de ganhar dinheiro para as próximas cinco gerações de sua família. Há uma infinidade de exemplos, Ronaldinho Gaúcho, por exemplo. O cara aprende que não precisa mais se esforçar, basta fazer uma jogadinhas que lembrem os anos de ouro e beleza, a mídia bate palminhas, Galvão Bueno baba de esperança, “Ele está de volta”. O jogador vive da memória do atleta que um dia foi, da emoção que causou em todos. Essa é a sua ilusão e desgraça. Tenho a impressão, à distância, que Adriano entrou para esse mundo da “embromation” futebolística após a morte repentina de seu pai.
Quando Adriano ficou “internado” na concentração por uma semana, emagreceu e encheu a todos de esperança (de novo). Alguém da Comissão Técnica pronunciou as palavras fatais: “Mais algumas semanas e vamos ver o Adriano que todos conhecem, ele vai voltar a ser O Cara”. Pronto, o homem afundou de novo, voltou a engordar, voltou a aprontar. A mensagem é clara: “Não queiram nada de mim, não esperem nada de mim”. Esse é o outro lado de quem vive da própria memória: ele sabe que nunca mais vai voltar a ser o que as pessoas esperam.
Nos últimos posts eu falei do Vazio criativo, o vazio que dá origem à nossas idéias e ao nosso Ser profundo. O vazio de Adriano não é esse. É bem diferente, na verdade. É o vazio de quem perdeu o senso de sentido, o que ele vai procurar nos excessos e nas baladas, nos sumiços dentro das ruas da favela onde cresceu, onde a luta pela sobrevivência tinha sentido. Adriano procura pelo menino que um dia foi, as emoções que sentiu até chegar ao sucesso.
Não sei se Adriano, o homem, é abordável para um tratamento. Sei que muita gente já tentou fazê-lo. Mas, como psiquiatra, me dá uma coceira danada vendo um rapaz de menos de trinta anos caminhando a passos largos para o precipício. Numa sessão imaginária, eu gostaria de perguntar sobre o seu pai, o que ele não consegue esquecer nem perdoar na relação com o velho? Por que esse luto não se resolve? Bom, cara, o telefone do consultório está aí do lado na coluna. Liga lá para a Yrá e vamos colocar ordem nessa zona.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Estado de Sítio

Hoje estava ouvindo uma história de um condomínio onde as pessoas estavam andando na garagem com uma velocidade inadequada. Feita a reclamação, da parte das pessoas com filhos pequenos, o síndico colocou tartarugas nas passagens, tentando conter os apressadinhos. Ledo engano. Os pilotos de garagem passaram a correr pelos boxes desocupados. Uma moradora abriu a porta para a filha descer e foi chamar o elevador. Por uma fração de segundo a menina não foi atropelada por uma moça cortando entre os espaços vazios. Uma fração de segundo.
Nesses dias que a cidade de São Paulo está sitiada pelo novo ataque do PCC, digo, dos motoristas de caminhão autônomos, observamos a nossa humanidade se esvaindo. A queda de braço entre o prefeito Kassab e os caminhoneiros esconde a face perversa da civilização autoestima, onde voltamos a usar nossos Cérebros Neandertais para acelerar, cortar, xingar nas ruas de São Paulo transformada pela barbárie.
As verbas do Metrô repousam intactas em alguma brecha de orçamento, provavelmente rendendo juros para eleições que se aproximam, enquanto que os caminhoneiros recusam a penalização da prefeitura em favor do transporte individual, dos carros que hoje são piores do que a indústria do tabaco em termos de violência, morte e invalidez parcial e permanente. A queda de braço colocou a cidade em Estado de Sítio.
Vamos sendo brutalizados pelos espaços exíguos, pela falta de planejamento ou de norte para tentar lidar com a situação. Pelo contrário, as montadoras continuam vindo para o Brasil, milhares de carros novos são postos em circulação todo dia e o povo, com uma psique bovina, vai se apertando mais e mais. Cada dia mais.
O estresse rouba das pessoas a sua natureza humana. Não duvido que a senhora que quase atropelou uma menina de dois anos, ou o garoto que matou uma menina de três anos com seu jet ski, não duvido que sejam pessoas de bem, que amem as suas famílias e não queriam, em hipótese nenhuma, transformar seu veículo em arma letal. Mas a sensação de aperto, de pressa, de frustração pode transformarnos, todo o dia, em bestas e feras. Como o trânsito de São Paulo e a ameaça de falta de gasolina podem também provocar. Precisamos do estabelecimento de zonas de reflexão e de diálogo. Urgentíssimamente.

domingo, 4 de março de 2012

Algumas Bolhas de Vazio

Não sei se as pessoas perceberam, mas estou respondendo alguns comentários do blog. Alguns comentários são uma contribuição ou uma expansão do que foi escrito. A esses não respondo porque eles não estão perguntando.
No post em que foi abordado o tema dos vários caminhos de uma Psicologia, por exemplo. Um leitor Anônimo perguntou sobre o Riso que tem depois do vazio. Isso não é um tema de Psiquiatria, por isso delicado de responder.
Passamos tanto tempo de nossa vida fugindo do vazio, ou tentando preenchê-lo, que esse tema do Riso ou do Amor no coração do Vazio é tema mais dos místicos e dos meditadores do que da Psicologia. A Física Quântica também gosta do vazio, ou do Vácuo Quântico, de onde tudo se origina.
Para a Neurociência, o Vazio também não é tão estranho. Talvez toda nova idéia, todo insight, toda criatividade dependa de um pequeno salto, em que um determinado estado de informação passa a outro patamar. É o estado de "Eureka!". Podemos usar os mesmos caminhos, as mesmas redes neurais para as mesmas funções por anos. Um belo dia, em um determinado estado de relaxamento, uma nova idéia pode mudar tudo.Tem um livro que adoro, sobre Alquimia e Homeopatia, que a autora, uma médica homeopata chamada Myria, citou um paciente querido; durante anos a fio, ele sempre foi buscar o pão e o leite pelo mesmo caminho, atravessando algumas quadras para cumprir a tarefa. Depois de muitos anos, resolveu andar mais uma quadra, encontrando o mar. Esse senhor morava há décadas e fazia esse caminho nessas décadas e, num belo dia, resolveu andar mais uma quadra e voltar para a casa pela orla marítima, ouvindo a arrebentação. Ele viu e ouviu o mar como nunca, assim como o caminho de volta da padaria virou algo completamente novo.
Acho que por isso um terapeuta é sempre inimigo do dogma. Nunca existe uma resposta só, muito menos uma verdade imutável. Nesses tempos em que um Criacionista assumiu uma cadeira no ministério da presidente Dilma, é bom saber que a nossa visão das coisas pode saltar e adquirir outros caminhos, sobretudo os caminhos que estão debaixo de nosso nariz.
Uma coisa que já foi abordada nessas mal tecladas é a dificuldade que as pessoas portadoras do que eu apelidei de Transtorno Obsessivo Amoroso tem em respeitar a fenda, a hiância que separa o Eu do Outro. As pessoas que tem essa dificuldade não toleram nenhum tipo de Vazio, nenhuma ameaça de abandono. Já invadem o vazio do Outro com cobranças, mensagens eletrônicas e de celular, posts no Facebook e no Twitter para evitar, a qualquer custo, o Vazio. Quando o candidato a amante reclama que seu Vazio está sendo massacrado pela ansiedade obsessiva do Outro, ou da Outra, pronto, lá vem as ameaças e os dramas que vão acabar de destruir a relação que nem tinha começado. O Vazio é também desesperadoramente necessário para as relações humanas.
Nas minhas poucas aulas eu costumo intimidar as pessoas pelo excesso de fala, portanto também padeço de falta de vazio. Mas vejam como uma simples pergunta pode gerar um post novo nesse blog. Parece que não, mas as perguntas sempre ajudam a esse e a outros autores.

sábado, 3 de março de 2012

A Era do Puer

Conta a Mitologia que havia um filho mortal querido do rei Sol, o deus grego Hélio. Se não me engano, o menino chamava Belerofonte e não me pergunte sobre o gosto dos gregos em escolher nome de crianças. Belerofonte não dá nem para escolher apelido. Podemos chamar de Bel, e imaginar que com esse nome só um apelido um pouco feminino para tentarmos encurtá-lo. Pois o jovem fez algo que caiu nas graças do deus Sol, que encantado prometeu ao moleque que ele poderia pedir qualquer coisa para o papai. Bel pediu para pilotar as carruagens de Hélio, a mesma que fazia, com seus cavalos descomunais, o trajeto do Sol do nascente ao poente todo dia.Hélio logo percebeu a besteira que fizera. Aliás, isso é tema recorrente na Mitologia: quando um mortal aspira um poder reservado aos deuses, geralmente está traçada a rota da tragédia. Depois de tentar demover o moleque de todas as formas, Hélio teve que ceder ao garoto, pois uma promessa de um deus do Olimpo não podia ser quebrada. O garoto até que começou bem, segurando as rédeas dos cavalos gigantescos com confiança. Mas óbvio que o sol, ao se elevar no horizonte, exigiu do pobre uma força que um mortal não poderia ter, os cavalos entraram em disparada e Belerofonte acabou virando cinza.
Estava ouvindo um rapaz dando entrevista sobre a Adolescência numa rádio de notícias conceituada. Sempre gosto de colegas que vão levar conhecimento ao público, mas confesso que fiquei um pouco irritado com o desfile de obviedades que saiu da conversa: os pais não dão limites, o sentido de família se perdeu, os adolescentes estão obesos e viciados no mundo virtual, os pais não estão nem aí, etc, etc, etc. A morbidade psiquiátrica em adolescentes é bem menor do que propõe a mídia, no mais das vezes, em quase dois terços dos casos, a adolescência é um período de muita mudança e transformação orgânica, que a grande maioria atravessa sem maiores problemas. O estereótipo do adolescente desajustado e dos pais abandonadores e sem limites é fixado pela mídia e pelos terapeutas que julgam a sociedade por sua sala de espera do consultório.
O que realmente acontece é que estamos numa época regida pelo arquétipo do Puer. O Puer representa a instância do jovem, do novo, da renovação mas também da infantilidade. Esse foi um pedaço legal dessa entrevista: o difícil não é só fazer os adolescentes deixarem a adolescência; difícil mesmo é fazer com que os pais parem de invadir e disputar a Adolescência de seus filhos. Belerofonte representa os perigos dessa fase, quando os pais ficam embevecidos com seus filhos e colocam em suas mãos os instrumentos de sua própria destruição, em nome desse encantamento.