segunda-feira, 28 de maio de 2012

Profissão de Fé

Vivemos em uma época de excessos. A Consciência Coletiva nos empurra para isso, para depois vender os antídotos. As pessoas são estimuladas à Atenção Difusa. Prestamos atenção à tudo e à nada, ao mesmo tempo. Não podemos abrir uma página de computador sem recebermos dezenas de mensagens publicitárias e de Pop Ups saltando na tela.
Uma queixa frequente no consultório é que os medicamentos interferem com a Memória, deixando as pessoas mais dispersas e esquecidas. Reclamam disso enquanto conseguem relatar, com precisão, tudo o que aconteceu no período que antecedeu à consulta. Não são lapsos de Memória, mas de Atenção. Os medicamentos, diminuindo a ansiedade, interferem também na capacidade de Concentração, tornando-a ainda mais difusa; a piora da memória e os pequenos esquecimentos são apenas uma derivação desse mecanismo. O sintoma pode melhorar se a pessoa treinar uma Atenção Profunda. Seria isso possível?
A Medicina Chinesa diria que vivemos uma época de excesso de Yang, excesso da energia masculina ou do modo masculino de vermos o mundo. Jesus foi ao deserto e jejuou por 40 dias para encontrar o Caminho. Foi tentado pelo Demônio de três maneiras: primeiro pela fome, sugerindo que transformasse as pedras em pães; Jesus afirmou que poderia se alimentar diretamente da Energia. O Demônio ofereceu para o nazareno o poder sobre o mundo da matéria, todo o seu reino terrestre; Jesus respondeu que aquilo não era poder de verdade. Finalmente, o Inimigo propôs que ele se atirasse do penhasco que os anjos o salvariam; Jesus respondeu que não se deve colocar o Princípio Divino sob teste, nem dar ordens a ele, pois não O comandamos.
Os excessos de masculino nos colocam dentro dessas três tentações, o tempo todo. O domínio sobre a fome, através da alimentação industrializada, produzida em alta escala; o domínio sobre o Outro, através da escravização do consumo;finalmente, queremos dominar o princípio da criação através da manipulação do DNA.
Corremos atrás de consumo e de fetiches. Somos envolvidos na correria. Os cansados e exauridos terminam nos consultórios. Uma Medicina burra busca apenas remendar os feridos e devolvê-los à corrida cega. Uma Medicina mais profunda aproveita o pit stop para devolver ao paciente a sua capacidade de reflexão e de busca de sentido. O medicamento bem utilizado não busca a supressão pura e simples dos sintomas, mas a escuta do seu significado simbólico, como se a doença fosse uma mensagem dos Deuses que denunciam os excessos de Yang e de superfície.
Uma Medicina verdadeira é uma Medicina da Profundidade.

domingo, 27 de maio de 2012

Deficit de Atenção, Mesmo

Vivemos numa época em que as prescrições de medicamentos para Deficit de Atenção e Hiperatividade batem recordes e mais recordes, todo ano. Nessa semana mesmo chegou um caso, que eu encaminhei para uma amiga Psiquiatra Infantil, de um menino de seis anos que já está incontrolável, chutando os pais e a professora. Deve começar a fazer algum tratamento para TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Tenho a impressão, assim meio de passagem, que é um Transtorno de Déficit de Atenção dos Pais e de Chinelo, um diagnóstico de ponta que eu vou propor no Congresso (atenção aos leitores com Déficit de Atenção: isso é uma brincadeira).
Uma amiga, psicoterapeuta infantil, me falou que o Déficit de Atenção começa com os pais cansados e sem energia para enfrentar o pequeno monstrinho dentro de casa. Na Civilização Autoestima todos querem terceirizar o serviço sujo. Uma parcela de pais querem terceirizar os cuidados e as funções parentais. Alguém tem de dizer não para os seus filhos, pois dizer não dá muito trabalho. Quando o moleque com seis anos já funciona como um pequeno tirano, que não aceita frustração e sai chutando todo mundo que tenta lhe dar limites, começa um jogo de empurra: a escola recomenda terapia, o terapeuta quer trazer a família para a sua função, a família quer que a escola abrace a causa, a escola já tem muitos problemas e pode perder "clientes" se o menino continuar "causando"; os pais das outras crianças pedem pela expulsão do menino que deixa as canelas de seus filhos roxas e por aí vai. No jogo de empurra, fica faltando alguém fazer contato com a criança, que normalmente está aterrorizada no meio da gritaria. Aterrorizada e solitária, muito solitária para uma criança de apenas seis anos.
Assisti em algumas ocasiões o programa "Encantador de Cães", na TV a Cabo. César é um tampinha que acalma os mais terríveis pitt bulls, os mais assustadores animais, poddles assassinos, malteses histéricos e outras feras. Todos esses bichos estressados tem uma característica em comum: donos e cuidadores absolutamente incompetentes em proporcionar um ambiente tranquilo, em que as regras são simples e sempre aplicadas a qualquer custo. É bastante angustiante identificar no comportamento desses donos de bichos com Déficit de Atenção e Hiperatividade o mesmo comportamento leniente, frouxo e desorganizado de muitos pais na educação de seus filhos. Os cachorros do César, as crianças da Supernanny e as crianças candidatas à Ritalina enfrentam a mesma dificuldade de receber um ambiente continente, com regras claras, com afeto e atenção plena, constante, sobretudo na hora de corrigir um comportamento inaceitável, em todos os casos.
César, o encantador de cães, procura, sempre, estabelecer contato afetivo com a criança, digo, o cão desgovernado. O contato é sempre cheio de uma autoridade serena, que transmite calma e respeito para o bicho, que normalmente está assustado e sem referência, como as crianças. A Psiquiatria insiste que o quadro de Déficit de Atenção e Hiperatividade tem um forte componente genético. Estamos então numa civilização que está selecionando esse traço genético? Nossa alimentação industrializada e pobre em nutrientes está selecionando crianças aceleradas e irritáveis, que vão precisar de medicamentos desde a mais tenra infância? Ou será que em época de hipermídia estamos todos sofrendo de Deficit de Atenção, bombardeados por mensagens conflitantes e conflitadas, mantendo os pais, educadores e terapeutas como baratas tontas, dando cabeçadas?
Ontem eu falei de Warren Buffet, o magnata das Finanças Americanas. Por estranho que pareça, esse post é uma continuação do outro. Precisamos aprender com Warren como estabelecer um método simples, que funcione, que possa ser repetido, de dar uma Atenção Serena para os problemas e enfrentá-los, em vez de cavar buracos de avestruz, cheios de medicamentos.

sábado, 26 de maio de 2012

Warren Buffet e a Atenção Plena

O que me chamou a atenção sobre o bilionário Warren Buffet foi o lançamento do livro "O TAO de Warren Buffet". Um pequeno livro sobre o método que transformou o homem em um dos homens mais ricos do mundo. Não li o livro, mas gostei do título, que sugere que o megainvestidor procura em seu dia a dia o ponto de equilíbrio, sempre, uma característica do Taoísmo. Assisti a umas micro biografias de Warren, dessas feitas para a TV e fico googando o seu nome para entender, não o caminho do sucesso em investimentos, mas a força da Atenção Simples em nossa vida. Warren Buffet acordava às 4 da manhã e saía vendendo jornais quando criança. Voltou a sua atenção e sua paixão a fazer bons investimentos e acumular dinheiro. Tem pouca ou nenhuma intimidade com seus filhos e foi abandonado por sua esposa, a mulher de sua vida. Não é um exemplo de alguém que enriqueceu amplamente a sua vida e a de quem estava à sua volta. Fala das coisas com uma simplicidade ingênua de quem passou 60 anos de sua vida estudando balancetes e comprando/vendendo ações. Não é um cara que eu levaria para uma ilha deserta. Mas há algo em seu sucesso que pode servir de exemplo para todos. Warren desenvolveu uma capacidade impressionante de Metaconsciência. Uma capacidade de olhar as coisas de fora, com uma Atenção serena, e aprender sobre elas. Antes de ser um megainvestidor, aprendeu, aprendeu muito sobre como funcionava o mundo dos investimentos. Como diferenciar uma boa empresa de uma barca furada. Como montar uma equipe que trabalha para ele em regime de semi escravidão buscando sempre aumentar os seus ganhos com um mínimo de gasto. Warren Buffet é a personificação pósmoderna do Tio Patinhas. Falando assim, parece que eu não gosto do homem. Nada mais falso. Ele é um livro vivo de Autoajuda. Há um único tema em todo consultório de Psiquiatria e Psicoterapia desse planeta. O tema é a Falta. Sidarta Gautama, o Buda, já dizia há 26 séculos que a grande origem do sofrimento humano é a Falta. As pessoas estão sempre procurando, procurando algo que preencha essa sensação inesgotável de vazio. Uns procuram por amor, por um Príncipe, por dinheiro, por Poder, por Influência e, mais do que tudo, as pessoas, como as crianças, buscam desesperadamente pela sensação de serem importantes e terem a Atenção do Outro. A busca é recortada de decepções, fracassos, desilusão. Refazemos os sonhos, buscamos novos caminhos, alguns até começam a perceber que olhando para o Vazio perdemos o medo dele, paramos de fugir do que não está nos perseguindo. Gosto do método Buffet de perseguir um sonho: crie um campo de desejo, aprenda sobre ele, aperfeiçoe a sua busca, não se deixe derrubar pelos erros. O campo do desejo vai crescer, sempre que for alimentado por sua Atenção Serena. Não precisa de nenhum gurú motivacional, só da capacidade de manter a atenção e o aprendizado. É um método que pode ser aplicado a toda área de atividade humana, inclusive à Psicoterapia.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Destruidor de Castelos

Um dos vários livros que estou lendo simultaneamente é sobre a biografia de um homem que trabalhou toda sua vida com cavalos e desenvolveu uma capacidade impressionante de se comunicar e adestrar os bichos. Desenvolveu até uma linguagem para isso, que chamou de Equus. Monty, o encantador de cavalos, recebeu em determinada época de sua vida uma proposta de um homem muito rico e influente, para administrar sua fazenda e cuidar de seus cavalos, que gostaria que participasse de competições de adestramento. Como esse cara já havia aprontado com Monty uma vez, sumindo depois de fazer uma proposta igualmente irrecusável, o cowboy pensou, ou intuiu, que era melhor recusar a proposta. O velho milionário confessou que era um portador da Doença Bipolar e autorizou-o a conversar com seu próprio psiquiatra, para esclarecer a situação. Ainda a contragosto, foi falar com o tal médico, que descreveu o seu paciente como um portador da "Síndrome do Destruidor de Castelos". Mas o que seria isso? Ele respondeu que o quadro é como o de uma criança que gosta de levantar um castelo na praia. Quando ele está alto e bonito, a criança pode ir fazer outra coisa e deixar a sua "obra" por lá, para a admiração das pessoas, até que as ondas o levem. Mas algumas crianças não conseguem resistir à tentação de derrubar o castelo com chutes e voadoras. Não conseguem conter esse impulso agressivo. Estava pensando nisso quando cheguei ao consultório e vi a ficha de uma pessoa que levou a família toda a psiquiatras. Os pais, o filho, ela própria. Nenhum tratamento vingou. Todos os trabalhos foram interrompidos diante das primeiras dificuldades. Bem, mas voltando a Monty, apesar do alerta do psiquiatra, que se contorceu nas fronteiras da Ética Médica para alertá-lo, não resistiu ao apelo da oportunidade e foi trabalhar com o Destruidor de Castelos. No início, teve sucesso, ganhou várias provas e adestrou vários cavalos, até que um dia parou de fazer contato com o seu patrão. Soube que o homem estava com um quadro depressivo importante, que teve como um dos desencadeantes a derrota em uma prova de seu cavalo favorito. A situação esquisita ficou aterradora quando recebeu a visita do advogado do homem, com a ordem de vender a maior parte dos cavalos e matar, isso mesmo, sacrificar um casal de procriadores e o tal cavalo que havia perdido a prova. Monty fingiu concordar, vendeu vários cavalos, doou outros, mas obviamente que não conseguiu matar nenhum dos bichos. Vendeu-os para si mesmo e mandou-os escondidos para outros criadores da região. Quando o capataz do homem perguntou se ele executara o serviço, disse que sim. Alguns meses depois foi preso, quando os asseclas do homem descobriram o que ele fizera. Foi preso acusado de ter roubado o cavalo que ele salvara. O homem era rico e com boa equipe de advogados. Monty precisou do apoio de seus amigos, de sua comunidade e da Imprensa local para inverter as acusações e reestabelecer a verdade. Ganhou a tal fazenda no processo, mas o preço foi alto. Sobretudo, o preço de não ter ouvido a sua própria intuição logo de início, dizendo não para a proposta aparentemente irrecusável.Já escrevi alguns posts tecendo críticas mais ou menos bem humoradas ao presidente do glorioso São Paulo Futebol Clube, Juvenal Juvêncio, ou seu Jujú. Juvenal está padecendo nos últimos anos dessa Síndrome do Destruidor de Castelos. Lembro muito bem de um Campeonato Brasileiro em que todos, eu inclusive, clamávamos pela demissão de Muricy Ramalho, o técnico hoje mais do que consagrado e às portas de assumir a seleção brasileira. Jujú bancou o Muricy diante de toda pressão, e estava certo; o resto, eu inclusive, estavam errados. De alguns anos para cá, entretanto, Juvenal tornou-se o destruidor de castelos: monta bons elencos, técnicos mais ou menos adequados e, quando os resultados não vem, demite o técnico, joga fora jogadores promissores, começa tudo de novo, para repetir o ciclo de novo. É como um cozinheiro que abre o forno antes do bolo estar pronto, por falta de feeling,de paciência, de entendimento do Tempo das Coisas. Como todo comandante autocrático e autoritário, termina seu mandato só e cercado de áulicos. Enquanto isso, o Corinthians manteve a sua Comissão Técnica e o respeito pelas pessoas. É só comparar os resultados.

domingo, 20 de maio de 2012

O Cisne e o Fluxo

Estava vendo a final da Champions League ontem na TV com meu filho. Bom programa para uma tarde fria de Outono, debaixo do edredon. Mais uma vez pude notar como faz falta uma boa Psicologia Esportiva no mundo. O Bayern de Munique estava com a faca e o queijo nas mãos: jogava em casa, diante de sua torcida, depois de ter eliminado na raça um time muito melhor, o Real Madrid, na semifinal. O seu adversário, o Chelsea, é um time envelhecido e perto do desmanche, que chegou na final meio por acaso. O Bayern teve o jogo na mão várias vezes. Marcou um gol no final do segundo tempo. A alegria dos jogadores demonstrava que eles sentiam naquele gol que eram campeões. Conseguiram tomar o empate cinco minutos depois. Foi para a prorrogação, teve um pênalti logo no início. Robben perdeu. Depois, na disputa de pênaltis, saíram na frente e perderam os últimos dois pênaltis, os decisivos. Outro fator estranho é a quantidade de pênaltis que os craques do time perderam nessa fase final: Messi, Cristiano Ronaldo, Robben, os craques, os caras idolatrados e de quem todos esperam, erraram cobranças decisivas. Já mencionei isso em outros posts: onde está a maior expectativa, lá estará a tremedeira. É uma coisa a se pensar a dois anos da Copa do Mundo, que será realizada no Brasil. Mas como enfrentar os estados de congelamento que acometem as pessoas na pior hora? O filme que deu o Oscar para Natalie Portman, Cisne Negro mostra esse processo massacrante de expectativas, levando a personagem principal a uma quebra psicótica. Tudo pressiona uma jovem bailarina que vai dançar os dois papéis principais do "Lago dos Cisnes": a mãe invasiva, que "abandonou tudo pela carreira de sua filha", o diretor do balé, que "apostou tudo na jovem e inexperiente bailarina", além de molestá-la sexualmente entre um e outro movimento. A ambiciosa colega, que a trata com amizade mas se prepara para substituí-la em caso de tremedeira. A dúvida e o medo vão dissolvendo a fronteira da realidade e da alucinação, a bailarina vai sendo torturada pelas expectativas e a ameaça de substituição até a hora da apresentação, quando ela assume a sua posição meio na marra. Após o início hesitante, com erros graves e uma queda, a personagem, quando faz a parte do Cisne Negro, entra num estado de quase possessão. Ela incorpora a personagem e atinge o estado de perfeição que, conscientemente ou não, sempre buscamos. É um estado que a Neurociência chama de "Estados de Fluxo", um momento em que o Cérebro atinge um estado de absoluta concentração, como se nada existisse à sua volta, apenas o objeto dessa concentração. A cena final do Cisne Negro mostra a jovem bailarina entrando em Fluxo com a dança e incorporando completamente a personagem, até o final trágico, meio forçado. Atenção, senhores psicólogos do esporte e psicoterapeutas em geral: o contrário do medo e do estresse não é o relaxamento, nem a supressão dos sintomas. Devemos pesquisar e ampliar nas tarefas que exigem bom desempenho e superar a dúvida e a sensação de desmerecimento com os estados de concentração intensa e compartilhada nas tarefas. Isso deve ajudar muito na hora de bater os pênaltis da vida. O contrário do Medo é a Concentração. Se possível, uma hiperconcentração, em Fluxo.

sábado, 19 de maio de 2012

Slow Food

No último Domingo eu mencionei o meu período de formação no Instituto de Psiquiatria, com um tom assim meio saudosista, pois naquela época os residentes eram expostos a um maior número de tribos dentro dessa vasta fauna e flora que trabalha com a doença mental. Ontem também teclei sobre a necessidade de se seguir em frente, de fase em fase da vida, sem ficar se amarrando em memórias. Há um grupo de queridos colegas do Ensino Médio do Dante Alighieri que se dedicaram longamente a debater uma festa bacana de debutantes de uma colega. Eu fico escondido do debate mas estou no mail list, então fico abrindo de vez em quando. Quase que não me aguentei e fiz uma intervenção: "Atenção, jovens senhores e senhoras, essa festa aconteceu há trinta e três anos!". Com certeza, tendemos a glamurizar as memórias. Bom, então vamos a esse post com esse equilíbrio entre a recuperação das experiências significativas e a necessidade de se abrir para o que vem por aí, o devir. Uma formação que tivemos na residência e que hoje os jovens psiquiatras nem passam perto é a Fenomenologia. Não se fala mais disso, agora os psiquiatras se expremem em escalinhas de avaliação e entrevistas padronizadas. Eu não vou me estender nessa parte saudosista do texto porque sei que pouco ou nada interessa aos leitores esse debate. Para encurtar a história, o método fenomenológico busca uma penetração profunda no fenômeno antes de se fazer inferências sobre ele. Por exemplo, uma pessoa aparentemente deprimida, como você penetra nesse afeto depressivo? Recentemente, fiz uma avaliação de uma paciente que descreveu, à perfeição, um período difícil de sua vida, com problemas familiares, perdas e crises profissionais. Agora estava tudo melhor, a situação era de franca recuperação. Ela veio para a consulta porque a amiga disse que o psiquiatra que vos tecla era muito legal, mas obviamente que ela não precisaria de nenhuma medicação, principalmente desses remédios psiquiátricos que deixam as pessoas "dependentes". A história fazia muito sentido, ela realmente estava em um viés de melhora e talvez aumentar a carga aeróbica dos exercícios e o tempo sanassem aquela fase difícil. Só uma peça não se encaixava: eu sentia na entrevista uma sensação quase palpável de dor. Quase dava para cortar a tristeza no ar, debaixo do discurso lógico, talvez demasiadamente lógico. O método fenomenológico permite ao entrevistador se aprofundar nessa situação. Esse afeto deprimido é dela ou meu? A história que ela está contando está tocando em algum nervo do entrevistador ou ele estava detectando uma tristeza que a paciente não conseguia sentir debaixo de seu discurso? Depois de alguns minutos foi ficando claro para mim o imenso cansaço que aquela moça trazia em si. Um dos aspectos da Depressão é esse, é o esgotamento depois de uma longa, longa luta. O Cérebro se cansa, bem como a Alma. Resolvi passar para ela essa impressão, que desencadeou uma crise de choro. Bingo. O entrevistador, no caso, eu, estava realmente captando algo que a paciente não estava percebendo. Ela aceitou tomar os meus remédios "terríveis" e depois de alguns dias parecia que estava respirando de novo, acordando com vontade de viver, depois de um longo tempo. Será que se ela tivesse preenchido uma escala de autoavaliação o diagnóstico teria sido feito? Pois eu aprendi no início dos anos 90 este método de examinar a fundo o ser que está na minha frente, antes de sair dando remédios ou distribuindo palpites. Na época tive grandes mestres, Mauro Aranha, Maurício Garrote, as apostilas do Eunofre. Vivemos hoje na época da velocidade, as sensações profundas estão fora de moda e parecem coisas do tempo em que os aparelhos de Ressonãncia Magnética não escaneavam tudo o que ocorre debaixo de nossas sinapses. O fato é que uma das coisas que nos destacam no Reino Animal é nossa capacidade de reflexão. Se pararmos com a correria, vamos conseguir ver e ouvir o Outro. Eu sei que todo mundo quer falar e ser ouvido. Mas podemos ouvir, em profundidade, o que o Outro está dizendo, às vezes sem saber.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Forrest Gump e os Ciclos da Vida

Atenção aos leitores dessas mal tecladas, sobretudo as pessoas que o enriquecem com seus comentários e torcida: eu sei que não respondo aos mesmos de uma forma sistematizada, mas postei resposta nos últimos três posts. Vou tentar manter a conduta, mas vai depender da semana de trabalho. Obrigado por eles.
Estava contando um "causo" numa sessão de hoje mesmo, de uma reportagem que vi na Folha de São Paulo há uns poucos anos. A reportagem retratava o fechamento de um tradicional restaurante chinês, nos Jardins, que ficava em frente ao Parque Trianon, perto da Alameda Santos. Era o segundo restaurante chinês fundado na cidade e estava sendo fechado por conta da especulação imobiliária, os altos preços dos aluguéis da região. Algum tempo depois, o Cine Belas Artes também foi vítima do mesmo processo de despejo, também com cobertura da mídia. A repórter, uma jovem e bem intencionada moça, chegou-se em tom de lamentação para a dona do restaurante, uma senhora já idosa e chinesa, que mal falava o Português e comentou que aquilo era uma grande pena, um país que se desfaz de sua memória, que deixa um restaurante daqueles se fechar, que absurdo, etc, etc, etc. A vovozinha chinesa olhou para ela com uma certa estranheza e falou, cheia de sotaque: "Minha filha, a vida é feita de ciclos, acabou esse, vamos para o próximo. Vamos abrir um restaurante lá na Liberdade, que o aluguel é mais barato...". Isso me lembra uma cena de "Forrest Gump" em que ele está treinando pin pong, pois ficou um craque no esporte depois de ser ferido no Vietnã, quando um mensageiro do Exército chega com uma carta avisando que ele estava sendo dispensado do Serviço Militar. Ele sai correndo imediatamente da sala de jogos. Forrest Gump não estava infeliz nem incomodado com a vida militar. Mas encerrou o seu ciclo correndo como um velocista até a próxima fase.
Há alguns anos eu escrevi um texto da Vovó sobre esse filme, "A Pena de Forrest Gump", que está no www.marcospinelli.com.br para quem quiser ler. Adoro esse filme, que é uma patriotada bobalhóide americana, mas também um filme quase taoísta sobre um olhar de simplicidade sobre a vida. A nossa capacidade de reflexão é uma benção evolutiva, mas também pode nos manter por anos em ciclos que não conseguimos encerrar, ou pior, não conseguimos, como Forrest Gump, sair voando até a próxima fase, o próximo ciclo. Quando a idade vai chegando, temos ainda a sensação de que não vai haver mais oportunidade. É muito angustiante ver as pessoas paradas, esperando que alguma coisa aconteça, ou que algum super herói entre voando pela janela para salvar o dia.
Gosto de pensar naquelas senhoras chinesas enrolando rolinhos primavera numa casa mais humilde mas com aquele cheiro gostoso da comida chinesa no ar, vivendo cada fase de suas vidas sem lamentação e sem livros de autoajuda.

domingo, 13 de maio de 2012

Psicoterapias, psicoterapias

A Folha de São Paulo de quase uma semana atrás trouxe uma entrevista com um psicólogo, terapeuta comportamental/cognitivo americano, Dr Jonathan Alpert, que publicou um artigo no New York Times desancando as psicoterapias de orientação analítica. Eu não li o artigo, mas li a entrevista e ensaiei discorrer sobre ele em alguns rascunhos desse blog, mas sempre parava na hora em que começava a usar adjetivos como “bobalhão”, “pretensioso” ou “purinho”. Ele mesmo comentou que recebera algumas mensagens com impropérios em sua Caixa de Entrada.
Já mencionei em outros posts que fiz a minha Residência em Psiquiatria em uma época muito bacana do Instituto de Psquiatria do H.C., com um vasto leque de profissionais e de linhas terapêuticas para a gente aprender. Era um verdadeiro menu de degustação. Receio que os jovens psiquiatras de hoje não tem tanta oportunidade de aprender com fenomenólogos, psicanalistas, junguianos, psicodramatistas, psicofarmacólogos e neuropsicólogos como tínhamos no início da década de 90. A gente podia encostar e aprender a montar a psiquiatria que quiséssemos. Foi naquela época que tomei contato com a Terapia Comportamental. Ela propunha uma abordagem mais direta dos sintomas, com resultados mais fáceis de serem medidos em pesquisas. Lembro de um caso que herdei de um grande terapeuta comportamental. Ele trabalhava com uma paciente a sua ansiedade fóbica quando exposta socialmente, a Fobia Social. Ele saía com ela vestido de forma ridícula, de forma a atrair o máximo de atenção para eles. É lógico que a moça se apaixonou por ele, e era uma mulher muito bonita. A terapia comportamental desandou e ela foi para um trabalho mais analítico. Um fenômeno conhecido há mais de século, a Transferência. Não posso dizer que a evolução da moça foi das melhores. Ela tinha uma lesão de alma muito profunda e um jovem terapeuta em formação também não deu conta. Alguns anos depois, no consultório, atendi a irmã da paciente, que tinha a mesma ansiedade e alterações de humor. Hoje em dia seria chamada de Bipolar, na época foi chamada de Esquizofrênica. Um trabalho compreensivo, aliando medicamentos e a elaboração de suas feridas, ajudou-a a encontrar um ponto de equilíbrio, com menos oscilações de humor. A Transferência foi melhor aproveitada então. Os resultados com um trabalho mais diretivo, trabalhando a sua irritação e explosões com o marido, teria sido mais bem sucedida? Não, não seria.
A nossa Psique se organiza em camadas, como as nossas memórias. A Psicologia teve o estranho fenômeno de ter sido descoberta inicialmente em suas camadas profundas e só depois foram descritas e trabalhadas as suas camadas superficiais. Engraçado como as pessoas e os pesquisadores tendem a se alfinetar e tirar a importância dos vizinhos em vez de se tentar uma abordagem mais integrada. Dr Jonathan Alpert observou que se a terapia está empacada, ou se você está há muito tempo em terapia e não vê resultados, pule fora. Eu concordo e discordo, absolutamente. Há momentos em que a psicoterapia, como qualquer tratamento, empaca, fica dando voltas no mesmo ponto, com erros e discursos repetidos. Esperar, ter paciência, procurar caminhos terapêuticos diferentes, pode mudar o rumo de uma vida. Vivemos no mundo do fast food, até o sexo virou fast food, uma psicoterapia profunda é um dos últimos redutos da escuta paciente, da slow food da transformação. Se for abortada quando está em dificuldades, pode abortar muita coisa naquele desenvolvimento. Dr Jonathan pode ter tocado nesse ponto. Da mesma forma, existe um tipo de psicoterapia que eu apelidei carinhosamente de “Terapia Penico”. A pessoa volta semanalmente e deposita as suas angústias no urinol analítico. Esse tipo de terapia serve para o paciente reforçar e referendar a sua neurose. A culpa é dos outros. A figura do terapeuta é de uma pessoa continente, compreensiva, que pode passar anos perguntando: “Como você se sentiu em relação a isso?”. Essas terapias não tem como foco o trabalho e o alívio dos sintomas. Isso melhoraria com o desenvolvimento da psique, como um todo. Senhores, não estamos mais na Viena do final do século XIX. Podemos voltar a nossa atenção à melhora dos sintomas.
Pelo visto vai demorar muito tempo, ainda, para criar abordagens integradas e integrativas em nossos clubinhos terapêuticos. Eu diria a Dr Jonathan que ele falou muita coisa certa em sua entrevista. Mas pode passar lá no consultório para conversarmos sobre o papai.

sábado, 12 de maio de 2012

Andar com Fé Eu Vou

Há uma pequena história, ou lenda sobre São Francisco de Assis, quando alguém lhe pediu para falar sobre Deus: Francesco, em pleno inverno, voltou-se a uma árvore e falou: "Irmão pessegueiro,fale-me sobre Deus". E o pessegueiro abriu-se em floração, em pleno inverno. Gosto muito dessa história, porque mostra muita coisa sobre o que chamamos de Deus. Deus é uma ordem e um efeito. Mas, antes de tudo, é um Princípio que origina e sustenta a vida.
Já falei sobre isso em outros posts, mas volto a dizer: podemos dividir o mundo em quem acredita que há essa Ordem Implícita e quem acredita só na probabilidade, ou na vida se fazendo e desfazendo às cegas e com leis probabilísticas.
No congresso que já mencionei nos posts anteriores, alguns palestrantes disseram que a própria concepção de Divindidade foi cunhada para dar a essa Desordem a idéia de um Deus protetor, que pune os maus e recompensa os bons. Para eles, a concepção de Deus seria uma Defesa obsessiva contra a Incerteza.
Jung escreveu um livro terrível sobre esse tema, o "Resposta a Jó". Jó, para quem não sabe, é um personagem bíblico que venera esse Deus Protetor, que é justo e fiel aos justos e aos bons. O Diabo se aproxima de Deus e faz uma espécie de aposta, de que o amor de Jó só existe porque ele é rico e vive uma vida confortável. Deus topa a aposta e o Maligno retira de Jó toda a sua fortuna e seus filhos. Jó continua fiel a Deus. O Diabo aumenta a sua aposta: deixa a pele de Jó cheia de feridas e escaras. Finalmente, Jó se emputece e amaldiçoa a sua própria vida e a absoluta falta de sentido, de compreensão humana sobre tudo aquilo. Eu não sei o motivo da expressão popular: "Paciência de Jó". Jó tem paciência apenas no início do seu livro. Depois, ele passa o tempo todo emputecido e confrontando os amigos que querem que ele se conforme. A resposta de Jung é terrível: o Deus de Jung não premia os bons e pune os maus; Ele não hesita em arrancar tudo de uma existência ou de uma vida para poder se manifestar. Quando eu vejo a atriz e apresentadora Cissa Guimarães fazendo um programa na GNT, acho que chama "Andar com Fé", eu me lembro da resposta de Jung a Jó. Ela passou pela pior perda que um ser humano pode passar, que é a morte de um filho. O programa é uma espécie de Resposta a Jó, na medida em que ela vai entrevistar várias pessoas e saber de sua experiência, de sua busca. A mais absoluta dor, como perder um filho, nos convida para uma encruzilhada com dois caminhos possíveis: ou desistir de tudo e morrer, ou transformar a dor em ação, em busca, em benefício. No Livro de Jó, a esposa do desafortunado homem chega a sugerir que ele se deixe morrer, rompendo com qualquer tipo de fé. Ele pergunta se ela está louca. Ele não tem nada para perder, agora ele quer ter a experiência direta da Divindade. Ao final do livro, Jó tem a percepção da Ordem Profunda da vida, que morre e renasce todo santo dia. Percebe que a sua dor é um pedaço ínfimo da maravilhosa orquestra da Vida. Tudo lhe é restituído depois disso.
Jung fala a Jó que o seu Deus não só não premia como arranca o couro de seu filhos mais amados. Que a Vida pode, sim, nos dar uma rasteira daquelas e vamos demorar muito para compreendê-la.
Os Carlinhos Cachoeira passeiam em seus jatinhos e os homens de Boa Vontade sofrem todo dia a construção do Bem. E, o mais difícil é enxergar o que é o Bem e o que é o Mal.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Dialética da Duração II

Uma pequena historinha budista, que tem várias versões, mas o final é sempre o mesmo. Ela constava inchusive de palestras motivacionais, com esses animadores de auditório que gritam "vamo'lá!" e ganham os tubos para perpetrar umas obviedades. Mas estou tergiversando, desculpem os leitores e leitoras. Vamos à historinha: " Um homem andava pelo campo, apreciando a beleza da paisagem, quando se viu espreitado por tigres que estavam precisando de um lanchinho. Ele sabiamente saiu correndo por sua vida, sendo seguido pelos bichos, até que chegou à beira de um precipício. Desesperado, acabou caindo pela encosta e escapou da morte se agarrando a um arbusto. Quando olhou para baixo, percebeu que, deixando-se cair no precipício, havia lá embaixo mais alguns tigres com cara de fome. Subindo, os tigres que provocaram a queda lambiam os beiços. E, como não era o seu dia de sorte, o arbusto também começou a ceder. Diante do inevitável, olhou para o arbusto e viu, em meio às folhas, um belo morango. O que ele fez? Comeu o morango". Quando eu conto essa historinha, em aula ou em sessão ou no meio de uma conversa, posso notar a expressão de quem está esperando o final da história. Uma cara de "E...?". E..., nada. Termina aí, mesmo. Como toda historieta zen, permite uma infinidade de interpretações e, o bom mesmo é não ter nenhuma interpretação. Imagino que o jeito zen de lê-la é fechar os olhos e saborear o morango por uma eternidade. Essa é a melhor interpretação: não pense, sinta. Não há passado, não há futuro, só há o morango. Mais decepção? Há uma cena belíssima da trilogia do "Senhor dos Anéis" em que Gandalf, o mago, conversa com o hobbit Frodo sobre a nossa curta passagem por esse mundo. Ele explca para o atento baixinho que temos um tempo nessa passagem, e que uma grande questão para todos é como vamos fazer valer esse tempo, o nosso. Como fazer valer o nosso tempo? Eu penso que essa pequena parábola fala das fases da existência. Passamos metade de nosso tempo finito temendo a vida, correndo de nossos tigres e de nossos sustos. De tanto fugir, acabamos caindo nos precipícios das doenças e do medo maior, que é o medo da morte. Olhando para baixo, sabemos que se escaparmos da queda, ainda assim vai nos esperar, fiel e implacável, a morte. Podemos passar o nosso tempo fugindo, de enfrentar uma ou outra, vida e morte. O que temos, para além da parte de baixo ou de cima do precipício, é a duração. A duração, para mim, é o morango.

domingo, 6 de maio de 2012

Religião , Ateísmo, Compaixâo

Eu gosto e compartilho o entusiasmo com a Neurociência Cognitiva. A parte mais engraçada é que quanto mais eles metem o pau no Freud, mais validam os seus insights. Mas isso é assunto para outro post. Como todo ramo novo da Ciência, a Neurociência está um pouco inflada, metendo o bedelho em tudo. Está se achando mesmo. Ontem, no Congresso que já mencionei no post anterior, eles foram cutucar na Religião. Felizmente não havia nenhum terrorista ou fundamentalista presente. Ou, melhor dizendo, havia alguns fundamentalistas, mas da nova religião, o Materialismo Científico.
Renato Flores, pesquisador gaúcho que adoro, antropólogo e neurobiólogo, foi cutucando os males causados pela Religião, um subproduto de nossa cultura e de outras. Com um certo sotaque freudiano (tio Sigmund vive mais no Inconsciente das pessoas do que elas gostam de reconhecer), levantou a hipótese que a crença em divindades começa com a percepção da morte. Já há indícios de cuidados com os mortos e os túmulos em fases muito primitivas do Homo sapiens e seus precursores. A angústia diante da vida e da morte que criou uma Mitologia sobre para onde iria o espírito que se desprendeu do corpo. Deuses com formato mais ou menos humanos seriam a manifestação das incertezas e da necessidade de proteção de todos nós. Foi ficando clara a posição algo irônica do Renato sobre as crenças religiosas. Mas vou abrir um parênteses a respeito disso.
No Congresso de dois anos atráz, Renato Flores contou sobre o seu trabalho junto à prefeitura de Porto Alegre, com crianças e famílias vítimas de violência doméstica, inclusive com arbitragem de perda da guarda parental e Conselho Tutelar. Deve ser um charme ter um Neuroantropólogo chefiando esse grupo. Nessa palestra, Renato contou a história de um grande terapeuta desse núcleo: o cachorrinho meio viralata, meio salsicha, chamado Alegria. O nome é por razões óbvias. Alegria tinha uma particular sensibilidade para se achegar a crianças encolhidas de medo e presidiários violentos que lá passavam por avaliação. Uma grande psiquiatra e terapeuta brasileira, Nise da Silveira, também trabalhou com uma equipe de cachorros terapeutas, com resultados incríveis. Alegria fez festa para assassinos, crianças e mulheres espancadas, sorriu para as dores e as almas despedaçadas. Uma semana antes da apresentação, Alegria foi morto à pauladas em um final de semana, provavelmente por uma retaliação ou ameaça de alguma família em risco de perda de guarda. Quando voltei do congresso e contei a história para meus filhos, foi com lágrimas de esguicho, pela morte desse meu queridíssimo "colega". Aliás, anualmente profissionais de saúde mental são agredidos e eventualmente mortos em sua luta anônima para diminuir o sofrimento humano. Nessa aula de dois anos depois, Renato contou que acrescentou ao seu trabalho um Grupo de acolhimento e proteção de cachorros abandonados. É, sem dúvida, a única forma de se lidar com a violência e a estupidez humana: transformar o ato violento em mais compaixão, em mais cuidado. Que outra homenagem Alegria iria querer?(no momento que escrevo isso, emocionado, minha cachorrinha bebê, Scarlett, começou a lamber a minha mão. Mistérios que a Neurociência não consegue explicar).
O cara deu a aula alfinetando o uso que os grupos fazem da Religião em uma ferramenta de guerra e de intolerância, criando dinâmicas de "Nós" contra "Os Outros". Ou, "O meu Deus é melhor do que o Teu". Ao mesmo tempo, trabalha com os massacrados, os abandonados, os feridos pela vida e pela violência humanas. Como Jesus faria.

O Amor em Tempos de Facebook II

Hoje terminou um Congresso que eu muito curto (verbo bom de se usar em textos sobre o Facebook), que é o Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções, na sua oitava edição, infelizmente a primeira realizada em Sampa. Antes era em Gramado, mas a gauchada resolveu invadir o nosso planalto com pesquisa de boa qualidade e convidados internacionais. O resultado foi legal, pois eles procuram um formato pluralista, com espaço para psiquiatras, neurocientistas, biólogos, educadores, neurologistas, neurocirurgiões, cada tribo em suas salas e eu, claro, pulando de galho em galho e indo espionar as aulas dos caras. Para quem está acostumado aos sonolentos e mauricinhos congressos tradicionais, esse vem em boa hora. O título desse post deve-se aos primeiros estudos que se estão fazendo sobre os efeitos das redes sociais na plasticidade cerebral. Já começam a haver casos descritos de dependências e uso compulsivo de redes sociais. Uma amiga dispensou o namorado postando o fora no Facebook, dizendo que era o único jeito de prender a sua atenção por alguns segundos. O pesquisador também colocou o vídeo de uma mulher que derrubou uma loja com seu carro depois que o marido, injuriado por uma briga, mudou o seu status para "solteiro" na Rede Social. Outro dados mostram que os adolescentes e adultos jovens estão deixando de utilizar o seu e-mail pessoal e resolvendo tudo nas redes sociais. A boa notícia é que as estruturas do Cérebro Social ficam mais ativadas e desenvolvidas nas pessoas que tem muitos amigos adicionados, como mostram os estudos de Neuroimagem Funcional. Os tweets também aumentam a atividade dessas regiões. Tweets de amor ativam as áreas do prazer. Mas é claro que há o outro lado da moeda. Há uma verdadeira epidemia de narcisismo, de troca das relações de carne e osso, hoje perto do desuso, em detrimento da vida e da imagem perfeita e narcísica que pode ser postada no mundo virtual. Outro dia atendi uma velha senhora que estava embananada com seu namorado virtual. O moço, apaixonadíssimo, queria marcar um encontro com a sua amada e não aguentava mais as suas evasivas. A senhora em questão tinha mais de setenta anos e postara as fotos de sua filha, na época em que a moça tinha trinta e poucos anos. o homem, apaixonado pelas imagens, implorava para deixar o relacionamento virtual para consumar a paixão real. A senhora não tinha coragem de mencionar a verdade, depois de tanto tempo de mentira. Colocou em dúvida se o amor do seu Romeu virtual seria correspondido aqui em São Paulo, o cara se encheu de brios. Brigaram, romperam o seu relacionamento inexistente. Ao psiquiatra restou a tarefa de limpar a sujeira e enxugar as lágrimas, Se já não bastasse todas as formas que uma pessoa tem para se sentir esnobada e excluída, agora vamos ter que lidar com foras e corações partidos na Web. E as pessoas ainda me perguntam por que tem tanta gente tomando medicamentos para a Depressão e a Ansiedade em nosso mundo atual.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Três Teorias e Uma Derrota

Bem sei que o page views desse blog são predominantemente do sexo feminino, mas de vez em quando, sobretudo quando o São Paulo sofre, mais uma vez, de sua síndrome de semifinal e apanha dentro de casa do Santos, com direito a olé no final, bem, não posso me calar. As meninas podem pular esse post, portanto. Mas vou abordar o tema sob vários aspectos, usando a Lógica, as Angústias Edípicas e a Teoria dos Campos Morfogenéticos de Sheldrake. Isso vocês não vão ler nas resenhas esportivas.
Inicialmente, o juiz Paulo César de Oliveira é detestado por muitos clubes. No ano passado expulsou Felipão, que sugeriu que o rapaz é um juiz de esquema, através de um característico movimento com a mão. O fato é que o rapaz parece sempre entrar com um determinado resultado na cabeça. O São Paulo tem um elenco melhor do que o Santos. O Santos tem um time e técnico melhores que os do São Paulo. A chance de ganhar era menor, mas passou a ser zero depois de se marcar um pênalti maroto logo no primeiro ataque do Santos. Esse é um jeito de se quebrar um time no meio. Depois é só deixar o Neymar mano a mano com Paulo Miranda no contrataque e a natureza vai seguir o seu curso. Eu já estava suspeitando do Paulo César antes do jogo, piorou durante e se confirmou no Segundo Tempo. Por que? Porque nosso amigo operou o Santos no Segundo Tempo. Uma completa inversão de tendência. Anulou um gol legítimo do Santos e validou um ilegítimo do São Paulo. Essa foi uma quebra importante da lógica interna do seu trabalho. Se estivesse convicto do seu Pênalti-Mandrake, continuaria apitando de forma normal. Não. Inverteu a tendência do Segundo Tempo, para a crônica chapa-branca, como o intolerável Milton Neves afirmar que ele beneficiou o São Paulo. Teoria da Conspiração? Sem dúvida, mas com lógica interna.Uma palavra sobre o terceiro gol do Santos e a angústia edípica. Vivemos uma época em que todos os grandes clubes tem em sua meta goleiros de medianos para fracos. Júlio César, Deola e Dênis pipocaram e falharam na hora da decisão, quando um time precisa de um goleiro. Dois já dançaram e foram para a merecida reserva. Dênis vai ganhar uma sobrevida, pois seus reservas são jovens e Leão não quer queimá-los. Dênis padece da Angústia de Influência, um termo cunhado por um crítico literário, Harold Bloom. Tudo o que ele fizer ou deixar de fazer vai sempre, sempre comparado a Rogério Ceni, o chato e arquetípico goleiro do Sâo Paulo há vinte anos. Ele mesmo já andou papando frango em final de Libertadores, mas ganhou um título mundial para o tricolor quase sozinho. Dênis, por enquanto, só papou um frango na sua primeira partida decisiva. Já foi apelidado na Folha, de Frango com Alface, uma alusão a sua Mão de Alface. Pronto. Rubinho Barrichello também sofreu desse mal, ao suceder o também arquetípico Ayrton Senna. Tudo o que ele fez foi acompanhado com a comparação, a sombra que ele nunca conseguiu ou conseguiria igualar. Dênis já está padecendo desse maldição. Não sei se vai ter força interna para vencê-la.
Finalmente, os Campos Morfogenéticos. Não sou exatamente um especialista, mas é uma Teoria que tenta explicar a tendência à repetição que vemos na natureza. Se você ensinar uma cobaia um novo truque na Austrália, outra cobaia vai replicá-lo na Califórnia. O campo morfogenético é um campo energético que produz uma comunicação universal. Explica como um cristal que necessita de milhões de repetições de padrão de precipitação fica sempre com a mesma forma. Ou como nosso corpo se forma da união de dois gametas após um número infindável de reações químicas. Uma enzima a menos pode comprometer todo o processo. Rupert Sheldrake formulou a Teoria de que deve haver uma espécie de campo energético que
cria um molde para a repetição. Gosto muito dele e de sua teoria, que tem uma fácil aplicação ao futebol. Os times tem ciclos de vitórias e de derrotas. É muito importante para um time chegar à vitória a convicção de que a mesma lhe pertence, como direito natural. O Santos entra em campo contra o São Paulo com essa convicção. O Campo Morfogenético tende a repetir os resultados pregressos. O São Paulo lembra, inconscientemente, dos chocolates que tem tomado, sistematicamente, quando cruza com o Santos em jogos decisivos (ganha quando não vale nada, como no primeiro turno). Quando toma um pênalti esquisito logo no começo, a bactéria multiresistente Afinococuss começa a dominar todo o time, começando pelo goleiro.
Resumidamente, estou à disposição, Juvenal! Fiz um post inteiro sem meter o pau em você!