domingo, 29 de julho de 2012

Batman e Bin Laden

Disse em outro post que não iria ver o novo filme do Batman tão cedo. Metade da família estava viajando e acabei indo com meu filho ao Batman e ao Homem Aranha. Os heróis estão em clara crise de identidade, já que nos dois filmes nunca vi tanta gente conhecendo a verdadeira identidade do Herói. No Homem Aranha, até o sogro sabe a verdadeira identidade do Spider Man. Em nossa época de difusão de identidade, nem os super heróis se aguentam e fazem um perfil no Facebook.
Meti o pau no último Batman, "O Cavaleiro das Trevas", uma massaroca moralistóide e algo maluca, em que o Coringa, que sempre se caracterizou pelo bom humor, tinha virado um terrorista ultraviolento, disparando no vazio, como um rapaz em provável surto acabou fazendo em um cinema de uma cidade do Colorado. Coringa disparava a esmo, contra o "Sistema".
O novo filme da série, "O Cavaleiro das Trevas Ressurge", encontramos um Batman mais deprimido do que o habitual, isolado do mundo, amargurado com a morte da mulher amada, em explosão planejada pelo Coringa. Ele vai ser retirado de seu período sabático pela Mulher Gato, sem dúvida o melhor desse filme. Ann Hathaway, que está magrela, mas muito bonita e com umas falas bacanas no meio daqueles diálogos estereotipados, vai entrar na vida do bilionário atormentado Bruce Wayne e vai forçá-lo a abandonar o seu retiro.
Vamos então a o que me interessa nesta saga, mais fiel ao HQ original: o filme anterior para mim representava a loucura generalizada dos anos Bush, onde a fronteira do bem e do mal tinha se apagado na América: o mocinho virava vilão e ameaçava uma criança, o Batman quebrava a barreira da liberdade e da privacidade das pessoas, violando o sigilo dos celulares para encontrar o terrorista, no caso, o Coringa. Isso me sugeria uma justificativa à abolição dos direitos Civis que se seguiu ao Onze de Setembro. As pessoas podem ser investigadas, presas e torturadas em nome da Guerra ao Terror. O Batman justificava essa "nova desordem" mundial. Um dos procuradores que está relatando o processo do Mensalão comentou a forma absolutamente despudorada que o esquema de corrupção utilizou recursos para amaciar deputados. Isso ocorre desde que o mundo é mundo, mas agora é feito às claras, sem pudor. "O Cavaleiro das Trevas" justificava a violência dos anos Bush, feita também às claras e sem pudor.
O Batman dos anos Obama é mais light: evita matar as pessoas, faz pesquisa com energia limpa e sustentável e parece mais interessado em Ecologia do que no combate ao Terrorismo. Vai enfrentar o mais terrível dos vilões, um Darth Vader repaginado chamado Bane. Ele vive nos esgotos e vai tomar conta de Gothan City como qualquer terrorista sempre sonhou: prende a força policial, isola a cidade e a toma conta do Mercado Financeiro. Bane quer destruir Gothan City. Ele é o continuador de um mestre, da "Liga das Sombras", que treinou Bruce Wayne para destruir a Gothan-New York, a cidade do pecado e da corrupção. Parece má vontade, mas quem quer destruir a civilização ocidental, por ela representar a corrupção absoluta? O terrorista é alusão clara a Al Qaeda, os ataques se dão contra os símbolos da civilização decadente: as pontes, o jogo de futebol americano, o prefeito, a polícia. O terrorista volta para vingar o seu mestre morto. Seria uma alusão à morte de Bin Laden e a sua retaliação?
Batman, que era o vilão para a população, vai ter uma chance de deixar de ser um fora da lei procurado para defender os nossos pecados e nossa alucinação.

sábado, 28 de julho de 2012

Carga Alostática

Dei uma aula em um curso de Pós Graduação em Clínica Médica. Achei que era uma turma pequena, de até umas quinze pessoas e preparei uma aula visualizando esse grupo. Eu gosto mesmo é de dar aula rabiscando, fazendo o conhecimento se desenhar gradualmente enquanto as pessoas podem acompanhar o raciocínio. O Power Point tenta reproduzir esses desenhos, mas não é a mesma coisa. Acho que a transmissão do saber é antes de tudo um processo de sedução, de tornar fácil o que parece difícil, de encorajar o aluno a entrar dentro do aprendizado com confiança. Uma vez eu tive um bom arranca rabo com uma pedagoga por mencionar esse processo de sedução. Ela preferia uma formulação mais técnica do assunto. Mas essa é outra história. O fato é que eu cheguei lá com uma aula que delineava alguns conceitos de quadros depressivos e ansiosos, no sentido de convidar os colegas a saber identificá-los e tratá-los, pelo menos não cair no ancaminhamento tipo: "Você não tem nada, vá ao Psiquiatra", que dá ao paciente a impressão de ter um sintoma imaginário e de estar um tanto pirado. Cheguei um pouco atrasado e dei de cara com uma platéia cinco vezes maior do que esperava. Achei que a minha aula soaria meio boba em sua concepção e suspirei imaginando se eu iria ser acometido pelo Affinococus, agente infeccioso que tem acometido o time do São Paulo. O agente faz a gente gaguejar, tremer e concatenar mal as idéias. De fato, o começo da aula foi cheio de afinadas, gagueiras e procura de um caminho para chegar ao público que, felizmente, era receptivo e generoso. Comecei contando um "causo", sempre um jeito de captar a atenção, de um rapaz que eu atendera recentemente, com um quadro de ansiedade que foi cronificando. Ele chegou ao consultório no exato momento em que o quadro ansioso começava a ficar depressivo. Contei o caso achando que não estava sendo muito interessante, mas não deixei o Superego tomar conta. Sabia que uma hora eu e o público iríamos nos aquecer, não fiquei alimentando o medo, não. Para alguma coisa servem os cabelos brancos que estão crescendo nas laterais. O que fez a aula engrenar foi uma pergunta quase imediata, quando falei em Carga Alostática. Um dos alunos, um senhor simpático, me perguntou o que era Carga Alostática. Naquele momento, a aula encaixou. Senti afinidade pelo colega e pela pergunta. Alostase é um conceito relativamente novo, que amplia o conceito de Homeostase. A Homeostase é a tendência do nosso organismo manter um funcionamento estável, com o meio interno e externo sempre em equilíbrio. Acontece que o equilíbrio perfeito é a Morte. Nada muda, nada se perturba, tudo está me perfeito equilíbrio no sistema. Alostase é um conceito mais dinâmico, de equilíbrio no desequilíbrio. Nossos sistemas corporais são atacados por estressores o tempo todo, que produzem alteração genética, imune, inflamatória e hormonal. As nossas células funcionam num conserto aparentemente caótico, mas olhando de forma mais ampla é uma inacreditável estrutura em rede, como se todas as células trabalhando em harmonia estivessem conectadas. A doença se instala quando essa estrutura em rede é abalada por uma agressão, como uma virose, um acidente ou uma crise de Pânico. A Carga Alostática é a carga de estressores ou de agressões que o organismo tem que equilibrar. Outro dia assisti a um filme sobre uma família que passa pela experiência devastadora da morte de um filho adolescente em um acidente automobilístico. O irmão mais velho, John, era uma espécie de ídolo do garoto, titular do time de sua universidade e pensa seriamente em abandonar o esporte, pois o jogo perde o sentido para ele. O filme, "O Número Cinco", é na verdade um ensaio sobre elaboração do luto, de uma carga de estresse que talvez seja a pior de todas: perder um filho. John volta a jogar com o apoio do time e vira uma espécie de líder espiritual dos seus colegas. Mas os seus pais começam a desmoronar. Depois de um tempo lutando contra a dor, a mãe começa a ter crises de Pânico e o pai não tem mais força para lutar contra a tristeza. Todos vão ter que encontrar um jeito de se refazer como pessoas e família. O filme mostra exatamente a reação de um grupo, uma família e as pessoas individualmente diante de uma imensa carga alostática, que é a elaboração da morte de um adolescente. Na aula, não lembrei de dar esse exemplo, mas acho que me saí bem na explicação e aí a aula engrenou, as pessoas ouviam sem sair da sala e até umas piadinhas deram certo. O palestrante também suportou a carga alostática da responsabilidade. A parte realmente legal é chegar à conclusão, que a Medicina Chinesa conhece há milênios, de que todos os sistemas de nosso corpo, todas as nossas células funcionam em rede, e que a boa absorção dos estressores deve fazer parte de toda orientação que um médico tem a oferecer a seus pacientes.

domingo, 22 de julho de 2012

Espaço C

Pois hoje vou citar uma cena de filme bastante inesperada. No Kung Fú Panda 2, o mestre está ensinando o engraçado Panda as artes milenares do Kung Fú. Nas primeiras cenas, a lição do dia não é um novo golpe ou técnica de luta. O mestre lhe passa um conceito e uma tarefa: encontrar a “Inner Peace”, que podemos traduzir, como o tradutor das legendas, em Paz Interior. Eu prefiro um outro termo, Paz Interna. Qual a diferença? Pouca, talvez nenhuma. Uma Paz Interna é algo que vai se construindo desde o mundo interno. Vivemos numa época de quase abolição do mundo interno, tudo precisa ser exteriorizado. Procurar e construir uma paz que seja interna não é assunto de manchetes.
O Panda rechonchudo tenta durante todo o filme entrar em comunhão com a gota de orvalho que passeava pelas mãos de seu mestre, uma forma de manifestar a paz. Acaba sendo molhado e se dando mal, até a cena decisiva, quando encontra a Paz Interna no campo de batalha, devolvendo ao inimigo os seus tiros de canhão, apenas com o uso das mãos. Fiquei com as duas cenas, do mestre guaxinim brincando com a gota de orvalho e com Poh encontrando a paz no meio da batalha contra o inimigo invencível. São cenas bonitas, mesmo num desenho feito para agradar adultos e crianças.
Há mais de uma década eu publiquei um livro sobre o Stress. Como era um livro voltado para leigos e os editores me deram uma certa carta branca editorial, resolvi folgar no barraco e colocar uns conceitos meio pessoais. Um deles era o Espaço C. Emprestei o termo de um livro de Semiótica de Umberto Eco. Durante um congresso de Imunologia, alguém perguntou a ele se os Linfócitos, células brancas envolvidas em nossa resposta imune, eram células inteligentes. Humberto Eco respondeu que, se as células tem, por exemplo, diante de um ataque, a capacidade de escolher entre três ou mais tipos de resposta e escolhe a mais adequada, então são células inteligentes. Se as células tem “Espaço C”, isso é, a capacidade de olhar a situação de fora e decidir, então, havia uma inteligência celular. Não sei dizer, até hoje, se a resposta imune tem um Espaço C. Sei que a resposta das células podem reproduzir analogicamente alguns estados mentais. Uma pessoa que tem um medo muito profundo de ser agredida pelo tratamento tende a responder muito pior ou ter muito mais efeitos colaterais do que outra, que confia ou tem um bom contato afetivo com o médico. Por isso que a tal relação médico/paciente é meio caminho andado no tratamento. As células, os sistemas, respondem de forma diferente a situações diferentes, mas não sei se tem autonomia de decidir. Mas nós, humanos, temos. Nossa Mente, no mais das vezes, tem um Espaço C . Na prática clínica, usamos o Espaço C diariamente, sobretudo em situações de risco ou de incerteza, quando uma decisão pode fazer diferença, até entre vida e morte. Como o Kung Fú Panda, temos que abstrair as balas de canhão das expectativas, das frustrações e mesmo das ameaças de pacientes e familiares para entrar no Espaço C, olhar a situação de fora e tomar a melhor decisão. Ou, às vezes, a decisão menos ruim.
Na época do livro (que está esgotado, felizmente, porque está desatualizado), o Espaço C me parecia um lugar de proteção de nossa lucidez, um lugar de serenidade. Um cantinho de nosso Córtex Pré Frontal. Hoje acho que ele pode ser mais amplo e empregar as áreas afetivas. Por isso que gosto tanto da cena do desenho. O mestre disse ao Panda gorducho que cada um deve encontrar, por seu próprio esforço, o Caminho para a sua Paz Interna. Só não disse que esse caminho costuma ser longo, bem longo.

sábado, 21 de julho de 2012

O Dia do Coringa

Não assisti ao novo filme do Batman e acho que vou demorar a fazê-lo. Na sua estréia em uma cidade do Colorado, Aurora, houve um novo massacre de um atirador, em roupas militares semelhantes a videogames tipo “Call of Duty”, que jogou bombas de efeito moral e abriu fogo contra seres humanos anônimos, que ele não conhecia, matando, até agora, 12 pessoas.
Nas horas que se seguem a um evento como esse, vemos um desfile de especulações e informações imprecisas, sobretudo nessa hora em que fofocas e boatos se espalham de forma viral na web. Uma informação curiosa, que eu não sei precisar se foi uma dessas fofocas que são reproduzidas por sites e blogs, é que o atirador tinha o cabelo pintado de vermelho e se dizia “O Coringa”.O último filme da franquia Batman, “O Cavaleiro das Trevas”, eu, na verdade, detestei. Saí do cinema com dor de cabeça de tanta burrice, veleidades e bobagens moralistóides. Vou fazer um sumário para não parecer uma tia rabugenta: o mocinho incorruptível, que iria livrar Gothan City da corrupção, enlouquece quando a sua amada morre em atentado terrorista; de paladino da justiça, ele vira o Duas Caras e ameaça uma criança; Batman viola o sigilo de todos os celulares para localizar o Coringa, como o governo de Bush invadindo o sigilo e a privacidade em nome da "Guerra ao Terror" . O comissário Gordon concorda em transformar o Batman em vilão perante a Opinião Pública, por motivos inespecíficos. Vai daí para pior.Aquilo me pareceu uma analogia da perfeita esquizofrenia paranóide que acometeu os americanos após o Onze de Setembro; acabou a privacidade, a linha de nitidez entre Certo e Errado e todos parecem atirar a esmo, em inimigos reais e imaginários. De bom no filme, havia o Coringa, papel que deu o Oscar póstumo a Heath Ledger. Debochado, caótico, violentíssimo, o Coringa era o único personagem com alguma densidade naquela massaroca.
Ouvi no rádio uma comentarista da CBN questionando no que o atirador de Aurora estava mirando: na Sociedade? No Outro? No Batman? Se ele se identifica mesmo com o Coringa, estava mirando no Sistema?O rapaz que matou doze pessoas no cinema não tinha antecedentes criminais. Consta de sua ficha uma multa de trânsito. No Brasil, houve um antecessor desse rapaz, Mateus Meira, que abriu fogo contra uma platéia num shopping de São Paulo, matando três pessoas. O psiquiatra que atendia o rapaz, cara absolutamente sério e dedicado, até hoje é apontado nos cochichos como o “psiquiatra do atirador do shopping”. A defesa de Mateus tentou de toda forma vincular o atentado ao seu vício em jogos de tiro. Como esse rapaz do Colorado, Mateus vivia uma vida solitária, enfiado na internet, com um isolamento social progressivo que pode multiplicar os demônios em nossa psique. Incomunicável e paranóico, um rapaz sem antecedentes criminais pode transformar a vida real em videogames violentos, achando que os mortos podem levantar e um reset pode consertar todo o estrago.
A minha resposta para a pergunta emocionada da comentarista é: esse rapaz estava atirando no Silêncio. Um Silêncio insuportável.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

OK

Há alguns meses passei muito tempo preparando uma aula nesse blog, que teve como base o filme “A Origem”; essa aula foi apresentada em um curso de Terapia de Jogo de Areia, ou de Sand Play. Não gostei muito de minha apresentação mas já purguei essa sensação resumindo a aula aqui mesmo nesse blog, então não vou ficar voltando ao tema. Houve no curso uma aula muito bacana, também sobre um filme, dada por Áurea Caetano. Ela falou sobre o filme “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Eu vi esse filme, que é lento, uma noite em casa e não notei como era bonito até rever algumas cenas na aula.
A história é de um cara, interpretado por Jim Carrey em papel dramático (aliás, impressionante como os comediantes conseguem transmitir uma tristeza profunda quando fazem personagens tristes. Esse personagem de Jim Carrey ou Robin Williams fazendo papel de deprimido, dá para cortar a melancolia e a tristeza com uma faca, de tão densa). Esse cara vai procurar uma empresa que realiza o apagamento de alguma memória que o freguês queira eliminar. Ele quer eliminar a memória de sua namorada, Clementina, interpretada por Kate Winslet. O filme é então sobre Memórias Afetivas e como elas se encadeiam em nossa alma. Eu lembro do nome dela porque ela pede, de cara, para ele não fazer piada com o Dom Quixote, personagem de cartoon de nossa infância que passeava cantando: “Oh, querida, oh querida, oh queriiida Clementina”. Não há ninguém que eu mencione essa música (e que tenha mais de trinta anos, no mínimo) que não esboce um sorriso gostoso, lembrando de um desenho que não passa há décadas. Ela pede para não fazer a piada, o que praticamente induz o outro a lembrar da musiquinha sem cessar. Essas memórias com Clementina vão passando no filme na medida em que vão sendo apagadas. Só que durante o processo, em que o cliente está sedado e não pode pedir para aquilo parar, o casal começa a se esconder nos cantos do Inconsciente de Jim para fugir ao apagamento. As memórias são muito bonitas para serem deletadas como um programa defeituoso. Começa uma brincadeira de esconde esconde entre os funcionários da empresa e os amantes que moram nas memórias e não querem abrir mão do que foi vivido.
A cena que eu gosto de descrever é quando Jim e Clementina recebem as fitas, pois ambos procuraram a empresa para deletar o outro de suas lembranças. Uma funcionária revoltada devolve as entrevistas aos clientes. Clementina ouve a fita do seu namorado falando cobras e lagartos dela e explicando por que iria deletá-la. Confusa, ela sai de seu apartamento, terminando de vez o relacionamento. Ele pede para ela ficar no corredor, para que ele possa pensar no que dizer. Ela vira para ele e fala que aquilo não vai dar certo: ela é chata, irrascível, mau humorada. Vai acabar se enchendo dele como se enche de todos os caras. Vai acabar machucando-o como já machucara todos que se aproximavam dela. Ele olha com muita ternura e responde: “OK”. Ela olha, incrédula. Como? Ele repete: “OK”, como se dissesse: “Você é chata, irrascível, uma hora vai se encher de mim, mas OK”. Ela fica desconcertada e vamos para um happy ending meio torto, porque não vai haver um “felizes para sempre” das comédias adocicadas.
O filme descreve os mecanismos que nós, pósmodernos, temos de tentar evitar, a todo custo, o sofrimento, a frustração a rejeição real ou imaginada. O “OK” do amante é uam profunda e bela aceitação de tudo o que vem no pacote dos amores: frustração, medo, raiva, alegria, abandono e um banco de lembranças que é melhor não tentar apagar. Nessa época de pessoas muito zelosas de sua autoestima e imagem, viver o amor é tão cheio de senões e de medos.
Aquele “OK” representa a aceitação do devir, seja ele qual for. Não é para qualquer um.

sábado, 14 de julho de 2012

A Balada de Bruno

Acabei de voltar da missa de 7º dia de Leonor, mãe de Bruno, amigo de meu filho e daqui da casa. Esse texto é dedicado a ele.
Quando eu conheci o Bruno, ele tinha uns 11 anos e veio puxar papo comigo depois de uma festa de aniversário do André, meu filho mais velho e na época seu colega de escola. O menino falava sobre Classic Rock e passeamos por Beatles e Deep Purple. Eu olhei para aquele moleque e pensei que a cegonha tinha errado de endereço. Um moleque pré adolescente, precocemente intelectualizado e lendo mais do que devia, me lembrou bem um outro moleque parecido, que acabou virando psiquiatra junguiano.
Encontrei com o Bruno algumas vezes, joguei bola com ele e acompanhei o seu crescimento meio de longe. Deixei-o embaraçado numa apresentação na escola, quando havia alguns Hai Kais que ele compôs e que a professora pendurou no caminho de quem entrava. Disse para ele que havia captado como ninguém o espírito dessa poesia oriental curta e contemplativa. Fiz essa observação a seu pai, que não sabia o que é Hai Kai. Vou levar o moleque lá para casa, dá licença. Mas o pai transbordava de orgulho ao falar daquele filho misterioso, eu decidi não “confiscá-lo”. Há dois anos que o bom e bonachão Cruz, pai do Bruno, teve uma infecção intestinal, que evoluiu de forma esquisitíssima em Septicemia e morreu. Porrada. Ficamos do lado do moleque como deu, ele absorveu o golpe, teve um profundo apoio do pessoal do Colégio Sidarta, de onde meus filhos já tinham saído. A vida continuou. Há uma semana, voltando do feriado, Leonor teve um mal súbito, o carro capotou numa ribanceira. Bruno saiu do carro intacto e órfão de pai e mãe aos 17 anos. O pastor no velório e o padre hoje gaguejaram um pouco diante da tragédia. Reafirmaram a crença no Mistério e na Ressurreição, embora engasgando no que sempre engasgamos, que é no Absurdo. Pais amorosos e que casaram e tiveram esse menino em idade um pouco mais adiantada que a média. Um menino precioso e precocemente centrado. Dois incidentes fortuitos, gratuitos, inexplicáveis. Como falar em Sentido?
O meu filho que anda meio rebelde com a idéia de Deus, está agora francamente emputecido com Ele, o que pode ser até um bom despertar para a idéia e o assunto. A idéia de alguma ordem no meio do Absurdo e do gratuito da morte, bem, isso não é fácil de digerir.Lembrei de um livro de Jung durante a missa. O livro é “Resposta a Jó”. Jung ficou doente, teve uma febre de origem desconhecida e, de repente, teve medo de morrer. Sentou-se e começou a escrever esse livro e só levantou quando o tinha terminado. A febre passou no ponto final. Nesse livro Jung dialoga com o personagem bíblico, atropelado por tragédias e perdas inexplicáveis. Jó também fica emputecido com o Altíssimo e busca, no meio do Absurdo, o Sentido de todo o seu sofrimento. O que aquilo significava? Por que os bons morrem, os maus são recompensados, as famílias são desfeitas, os tijolos de nossa vida demolidos com uma marretada do destino? A esposa de Jó sugere que ele blasfeme e morra. Uma sugestão meio clara de um suicídio, que é uma questão quando estamos perdidos no Absurdo. Jó perguntou se ela estava louca. Morrer não era a questão, mas ultrapassar a Morte, buscar o Sentido profundo da perda, da doença, da dor. No final do livro, Jó consegue contemplar o Ser Divino e provavelmente percebeu como as nossas lágrimas são pequenas diante do oceano da vida e do Ser. A vida tem uma harmonia muito profunda em seus micro movimentos e deve ter sido isso que Jó contemplou. Mas Jung não tinha uma visão assim tão otimista do assunto. O que ele respondeu a Jó é que não é nem um pouco fácil ser um filho bem amado de Deus. Se a vida quer tirar tudo, tira de forma seca, impessoal, implacável. Jung acrescentou ao Deus de suprema bondade esse aspecto devastador da vida que eu vi na face desse menino com as espinhas de sua adolescência. A perda geralmente dá lugar a saltos de consciência e aumenta a nossa resiliência diante das pancadas de nosso Caminho. Mas Jung sugere a Jó que não é nenhuma benção ser o Escolhido. E que a vida quer que a Consciência se expanda, com ou sem lágrimas.
Acredito, como o filósofo contemporâneo Adoniran Barbosa, que Deus dá o frio conforme o cobertor. Espero fazer parte do cobertor humano que se formou em torno de Bruno.

O Sonho e Sofia

Vou fazer um post rápido, sobre um sonho de um cliente que aqui reproduzo mediante autorização prévia, mudando o nome dos personagens. Esse sonho levantou questões interessantes sobre relacionamentos, pelo ângulo dos homens e pode dar um bom caldo. Lá vai:

"O sonho começa com um clarão de luz, que vem por detrás de um rosto, que não se lembra dos traços mas tem certeza que é o rosto de Sofia. Percebe que ela é uma espécie de Oráculo e que a sua presença lhe transmite uma sensação de paz muito profunda".


Ele vem de um rompimento amoroso muito duro, há cerca de um ano. A moça aqui chamada de Sofia é a sua atual "ficante". As suas associações mostram que a principal característica dessa relação é o espanto de encontrar uma mulher que é naturalmente generosa e atenta com ele. O encontro amoroso está num crescendo e vai nesse crescendo de uma forma orgânica, o que é mais um fator de espanto. Eles se falam, se procuram e desfrutam um do outro sem a necessidade de monitoramento online do que o Outro está vivendo, pensando ou se devem ir "Mais Devagar" ou mais depressa. Simplesmente, vão.A estranheza do moço é a falta de costume em viver uma relação com uma menina sem ser torturado por disputas e Drs (Discussão de Relacionamentos) diárias.No sonho, a imagem de Sofia mostra a ativação amorosa de um arquétipo, o da Anima. Anima é o aspecto feminino da Psique Masculina. Ela aparece ao homem como amiga, conselheira e guia nos momentos de transformação. Sofia não é a Anima do rapaz, mas está ativando a imagem por suas qualidades, principalmente por sua feminilidade franca e gostosa.Muito se fala sobre o Narcisismo e a ausência dos homens de sua própria masculinidade. As mulheres acusam os homens de se recusarem a crescer e a criar vínculos. Pois saibam, meninas, que as mulheres padecem das mesmas ciladas narcísicas: eles não querem se amarrar, elas querem amarrá-los na base da cobrança infinita.O sonho e as associações que se seguiram foram muito bonitos, pois mostram um cara abrindo a sua Alma para uma moça que o surprendeu profundamente por duas características muito "incomuns": ela é generosa e profundamente feminina.

Quem tiver ouvidos, que ouça.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Felipão, de novo.

“As ameaças e as guerras/ Havemos de atravessá-las/ Cortando-as ao meio/ Como a quilha corta ao meio, as ondas” (João Bosco)


Lembrei desse trecho que antecede a gravação de uma música antiga de João Bosco quando vi o Palmeiras, com um elenco bastante limitado e sem as suas poucas estrelas, vencer a Copa do Brasil com um gol de um certo Betinho, há alguns meses reserva do São Caetano.
Nós sãopaulinos estamos realmente numa época difícil: o Santos, o Corinthians e agora o Palmeiras povoaram os céus paulistanos com seus fogos e rojões, que deixam as minhas cachorras encolhidas de medo. O São Paulo continua correndo em círculos. Lembrei de uma filme brasileiro, “Se Eu Fosse Você”, onde marido e mulher trocam de personalidades e de corpos, o que deu margem para divertidas gags de Toni Ramos e Glória Pires. Acho que aconteceu um processo semelhante entre a diretoria do São Paulo e a do Timão. Quando eu ouvi o presidente corintiano, César Gobbi, dizer que iria comemorar o título da Libertadores afogado no champanhe, pude constatar que houve essa troca de personalidades e gestão entre os clubes. Mas o São Paulo não é o tema desse post. Felipão é.
Há pouco mais de um ano levei gozação porque escrevi um post declinando a minha admiração pelo técnico Luís Felipe Scolari, conhecido treteiro/encrenqueiro e recentemente carimbado com um “Fala Muito”, berrado a plenos pulmões por Tite em um jogo que se enfrentaram, com vitória de Tite, diga-se de passagem.
Felipão ganhou um campeonato de um time que eliminou o São Paulo, que tem o elenco mais caro dos finalistas. O presidente deu uns sopapos num conselheiro na semana da final, a estrela do time sofreu um sequestro relâmpago e declarou à TV chilena que no Brasil se mata por 50 reais, o principal atacante teve uma Apendicite no dia da final, a sua dupla de atacantes na final vieram, respectivamente, do Ituano e do São Caetano e estavam há poucas semanas no clube, sem contar que todos os técnicos Top contratados pelo Palestra nos últimos anos fracassaram. Um cenário ideal e estimulante para Felipão, que tem como característica crescer e se inflamar diante da adversidade, além de transmitir isso aos seus comandados. Como nos versos de João Bosco, ele atravessou as ameaças e as incertezas como uma quilha de navio rasgando as ondas. Aos sãopaulinos, que poderiam ter levado o timoneiro ao Morumbi mas afinaram, restam os aplausos.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

As Seitas e as Igreginhas

Há poucos anos atrás as nossas livrarias receberam uma carga de livros de L. Ron Hubbard, criador e guru de uma religião americana chamada Cientologia. Eu que sou fuçador fui lá comprar uns livros para tentar entender porque gente inteligente e famosa se submetia a esse culto mal afamado entre os não praticantes. Um amigo meu, também psiquiatra, veio almoçar um dia desses aqui em casa e viu um livro da Scientology na minha bicicleta ergométrica e deve ter ficado apreensivo, mas é discreto demais para perguntar quem estava lendo aquela coisa e por que. Será que seu amigo, no caso, eu, havia abandonado o rigor científico e se convertido a uma seita bizarra? Eu notei a dúvida, mas não fiz questão de esclarecê-la. Vou falar sobre isso agora, vamos ver se ele frequenta esse blog.
Na semana passada, o bonitão Tom Cruise levou um pé na bunda de sua segunda esposa, Katie Holmes. Os tabloides e canais de fofocas disseram que a gota d´água deu-se quando a filha do casal, Suri, foi entrevistada por membros da Cientologia à sua revelia. Tom Cruise é um famoso adepto dessa religião. Katie Holmes, pelo jeito, nem quer ouvir falar nela.
Anteontem a Folha de São Paulo publicou um artigo de Hélio Schwartzman comentando a fofoca, e fazendo alguns comentários desairosos sobre a Cientologia, que segundo ele acredita que somos descendentes de uma divindade extraterrestre e por aí vai, com um tom meio debochado. Sorte dele que não está nos Estados Unidos. Uma parte da Teoria de L. Ron Hubbard deriva da Teoria dos Jogos, portanto esmagar o adversário pode ser um objetivo de seus seguidores. Isso garante aos detratores da seita perseguições e intimidações dignas da SS de Hitler. Te cuida, Hélio. Para os leitores desse blog, percebam que não vou colocar o termo Scientology nos links, para evitar perseguições e matérias pagas para me aniquilar.
Os poucos livros que eu li mostram que L. Ron Hubbard foi um grande compilador de estudos e correntes filosóficas e tecnologias nascentes de exploração da mente. O braço terapêutico do babado, a Dianética, procura recuperar arquivos e sistemas de crenças disfuncionais que interferem no processamento de informações do Tetan, que é o paciente. Tetan é uma unidade espiritual que vive dentro de nosso arcabouço de proteínas, gorduras e água que é o nosso corpo. A moderna psicoterapia não chama o paciente de Tetan, mas recupera essas memórias disfuncionais em diversas formas de ajuda. Ao processá-las, alivia o sofrimento do paciente.
É uma pena para Tom Cruise que a Cientologia tenha se tornado uma seita facistóide, muito em função do próprio Hubbard, que terminou seus dias exilado dentro de sua própria paranóia; ele escreveu em seus preceitos que seus membros são proibidos de criticar publicamente a sua religião. Como ele pode dar um nome que deriva da Ciência e proibir a Crítica? Se você proíbe a Crítica, proíbe também a Reflexão. As construções teóricas precisam ser testadas, replicadas, discutidas. Mas não são poucos os círculos herméticos, as sociedades secretas que repetem os mesmos cânones sem permitir a Crítica e a Reflexão.
A Scientology não é tão francamente delirante como foi colocado no artigo da Folha. É um método de entendimento das bases e das matrizes do jogo que chamamos vida. Eu joguei fora a maioria dos livros que eu comprei, mas guardo um até hoje sobre as dinâmicas desses jogos e as causas de alguns sofrimentos humanos. Aposto que as pessoas continuam sendo dessa religião porque se beneficiam desses preceitos e jogam melhor os jogos de nossa sobrevivência. Mas meu amigo pode ficar tranquilo, que eu não pretendo nem remotamente ser um adepto. Já tenho em meu ofício uma quantidade suficiente de seitas e igreginhas teóricas para lidar.

sábado, 7 de julho de 2012

Aprendizado, Genialidade, Desenvolvimento

Outro dia estava assistindo na TV a cabo um documentário sobre crianças com habilidades especiais, antigamente chamadas de superdotadas. O episódio em questão abordava crianças com habilidades musicais excepcionais. Um menino, filho de mãe solteira, chinesa que imigrou para a América para fugir da opressão do sistema patriarcal chinês, passou a gravidez colocando Mozart e Beethoven para o seu bebê ouvir. O seu filho deu o seu primeiro recital ao piano aos três anos de idade. Ele nasceu com essa capacidade ou o desejo de sua mãe lhe foi tão profundamente incutido desde o berço que o baixinho não teve opção?
Um dado importante na genialidade é o que hoje é descrito como a Lei das Dez Mil Horas. Esse é o período de prática necessária para o domínio completo de alguma habilidade. Os portadores de habilidades especiais são uma espécie de Obsessivos do bem, pois voltam a atenção plena e obsessiva ao domínio de uma técnica ou de um trabalho. O tempo da prática não é um suplício, mas um grande divertimento, o que vai transformando, por exemplo no caso do garoto, que, na época do filme, tinha por volta dos seis anos de idade: cada pequeno avanço, cada nova técnica ou peça musical conquistada vira uma plataforma para se alcançar novos níveis de excelência.
Dentre todos os suplícios para um sãopaulino em ver o Corinthians ser campeão da Libertadores, um dos piores foi ouvir o Tite, que fez um trabalho excepcional mas é um pouco chato e “caga regras”, discorrendo didaticamente sobre o título conquistado com trabalho, coesão, repetição, merecimento... O sofrimento deriva do fato que: 1 Ele está absolutamente certo; 2 Ele descobriu esse método que está debaixo do nariz de todos, mas muito poucos conseguem replicá-lo. Isso pode garantir novos títulos para o Corinthians e nossos ouvidos torturados pelos gritos e rojões do “Bando de Loucos”. Mas esse é um outro assunto.
O assunto desse post é um interessante conceito nesse estudo dos portadores de habilidades especiais: além da repetição obsessiva, da excitação diante da dificuldade e da dedicação quase exclusiva ao desenvolvimento de determinado tipo de habilidade ou de inteligência, há também a “fúria do aprendizado”, uma espécie de gana quase compulsiva de se aprender e desenvolver mais e mais. O irônico é que esses mecanismos podem ser os mesmos que fazem um garoto ficar dependente de vídeo games e outro de cocaína, no caso dos gênios viram uma compulsão pelo domínio, cada vez maior de uma habilidade. Glenn Gould, um dos maiores pianistas da história, teve uma morte prematura e foi se tornando um ser cada vez mais obsessivo e excêntrico na dedicação cada vez mais obsessiva e compulsiva à sua genialidade. Essa é uma característica das crianças geniais; todo o mundo da infância lhe parece bobo, chato, sem interesse. Os mais dotados são muitas vezes classificados como imaturos afetivamente, desajustados profissionalmente, por acharem colegas e chefes meio burros, o que não gera um bom networking.
Esse assunto me interessa particularmente porque todo processo de terapia se baseia na desconstrução de modelos cognitivos e afetivos disfuncionais e na reconstrução, mediante aprendizagem, da visão de mundo e de vida das pessoas. Esse é um trabalho para ser realizado em diferentes estratos e profundidades. Com muita paciência. Como fez o Corinthians.

domingo, 1 de julho de 2012

Hormese ou Normose?

Estou lendo mais um trabalho em que aprendemos com os ratinhos a cuidar de humanos. O estudo demonstra que populações de ratos mais idosos começam a ter um degeneração cerebral semelhante à Doença de Alzheimer quando passam por um estresse infeccioso, como uma diarreia por E. Coli. Uma das características do ratinho mais idoso em relação ao jovem é que ele vai se movimentar menos nos labirintos e correr naquelas rodinhas (sempre penso que os camundongos correndo naquelas rodinhas uma metáfora inquietante de nossa vida capitalista). Os ratos, como os humanos, que interagem e se exercitam menos, degeneram mais rápido. Quando esses espécimes mais velhos foram estimulados a correr mais tempo, esse processo tipo Alzheimer foi interrompido, mesmo após a infecção bacterIana.
Foucalt, um filósofo francês que eu gostaria de ter mais tempo para ler, escreveu na “História da Sexualidade” que a suprema moralidade de nosso tempo é moralidade do corpo e de suas demandas. Nessa nova moralidade, o supremo pecado é adoecer, envelhecer, morrer. Dentro dessa moralidade, somos prisioneiros de uma nova e coletiva doença, a Normose. Quando alguém morre, todos se apressam em procurar quais “pecados” do morto o levaram ao desfecho fatal: era porque ele fumava, ou se estressava demais, ou comia muita porcaria, ou tinha uma circunferência abdominal inadequada. Medimos os índices de Massa Corpórea, as modelos citam o seu teor de massa magra e assim frequentamos os templos dessa nova religião. Toda gordura será castigada. Cometer excessos hoje é atividade de rebeldes, fumar é coisa de marginais, um ato de desobediência civil. Ou, pior, coisa de largados, os párias que não se submetem à Normose.
As pessoas tem o direito universal à preguiça e a rebeldia. Não é incomum ver a expressão de sutil desespero quando peço para os pacientes se exercitarem. Exercícios e restrição dietética são exatamente o antípoda da Revolução Industrial, que nos proveu de meios de deslocamento e de vida sedentária. Podemos passar décadas na frente das TVs devorando pacotes de salgadinhos e sorvetes deliciosos. Temos um suprimento de energia como nunca antes na História humana e vem esses chatos dizerem que temos que comer e nos exercitar como um Homem de Neandhertal. Vamos devorar os churrascos e tomar as estatinas para reduzir o Colesterol e pronto.
O desafio para fugir tanto da Normose como da Civilização Inflamatória é criar um campo de prazer em torno das atividades anti estresse. Prazer em comer mais vegetais e menos farinhas, prazer em manter o contato com a vida, que é o que está em jogo na maior parte dos casos, através de exercícios para o corpo e a mente. Temos a chance de vivermos mais e melhor do que qualquer geração do Homo sapiens. Mas isso tem que ser um desejo, não uma Moral.