segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Felizes os felizes.

Bem, conforme o prometido ontem, vou aproveitar o último post do ano para publicar um texto do meu amigo imaginário Jorge Luis Borges. Para quem não conhece, Borges foi um espetacular escritor argentino, nascido nos subúrbios de Buenos Aires, em 1899 e falecido em 1986. Borges procurou em toda a sua vida por sua própria voz como criador e encontrou uma Literatura profundamente gaúcha e universal, ao mesmo tempo. Nesse texto, ele vai fazer uma releitura do Sermão da Montanha e de outras falas de Jesus, quase criando um Evangelho pessoal, que ele chamou de Apócrifo. Eu já havia colocado esse texto no último post de 2011 e acho que vou colocá-lo em 2013, também. Felizes os felizes, em 2013. Amen.

FRAGMENTOS DE UM EVANGELHO APÓCRIFO
(Jorge Luis Borges, do livro “Elogio da Sombra”)

3. Desventurado o pobre em espírito, porque debaixo da terra será o que hoje é na terra.
4. Desventurado o que chora, porque já tem o hábito miserável do pranto.
5. Ditosos os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.
6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.
7. Feliz o que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.
8. Feliz o que perdoa aos outros e o que perdoa a si mesmo.
9. Bem aventurados os mansos, porque não condescendem com a discórdia.
10. Bem aventurados os que não tem fome de justiça,porque sabem que a nossa sorte, adversa ou piedosa, é obra do acaso, que é inescrutável.
11. Bem aventurados os misericordiosos, porque sua felicidade está no exercício da misericórdia e não da esperança de um prêmio.
12. Bem aventurados os de limpo coração, porque vêem a Deus.
13. Bem aventurados os que padecem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça do que seu destino humano.
14. Ninguém é o sal da terra; ninguém, em algum momento de sua vida, não o é.
15. Que a luz de uma lâmpada se acenda, embora nenhum homem a veja. Deus a verá.
16. Não há mandamento que não possa ser infringido, e também os que eu digo e os que os profetas disseram.
17. O que mata pela causa da justiça, ou pela causa que crê justa, não tem culpa.
18. Os atos dos homens não merecem nem o fogo nem os céus.
19. Não odeies a teu inimigo, porque se o fazes, és de algum modo seu escravo. Teu ódio nunca será melhor que a tua paz.
20. Se te ofender tua mão direita, perdoa-a; és teu corpo e és tua alma e é árduo, ou impossível, fixar a fronteira que os divide...
24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que ao fim de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes.
25. Não jures, porque todo juramento é uma ênfase.
26. Resiste ao mal, mas sem espanto e sem ira. A quem te ferir na face direita, podes oferecer-lhe a outra, sempre que não te mova o temor.
27. Eu não falo de vinganças nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
28. Fazer o bem a teu inimigo pode ser obra da justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
29. Fazer o bem a teu inimigo é o melhor modo de comprazer tua vaidade.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é o pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.
31. Pensa que os outros são justos ou o serão, e se não é assim, não é teu erro.
32. Deus é mais generoso que os homens e os medira com outra medida.
33. Dá o santo aos cães, deita tuas pérolas aos porcos;o que importa é dar.
34. Busca pelo agrado de buscar, não pelo de encontrar...
39. A porta é que escolhe, não o homem.
40. Não julgues a árvore por seus frutos nem ao homem por suas obras; podem ser piores ou melhores.
41. Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fora pedra a areia...
47. Feliz o pobre sem amargura e o rico sem soberba.
48. Felizes os valentes, os que aceitam com ânimo semelhante a derrota ou as palmas.
49. Felizes os que guardam na memória as palavras de Virgílio ou de Cristo, porque estas darão luz a seus dias.
50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
51. Felizes os felizes.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Borges, Amigo Imaginário

Amanhã vou escrever o último post do ano, repetindo o último de 2011. Vou colocar o texto de um velho mestre e amigo imaginário, Jorge Luís Borges. O meus filhos quando ganharam algum senso crítico perceberam a índole solitária e introvertida de seu pai e criaram para mim um amigo imaginário, chamado Bob. Quando sentávamos na padoca, depois de atravessarmos a intransponível Raposo Tavares, eles puxavam uma cadeira para o Bob e ofereciam um pedaço de pão na chapa. Se eu fosse consultado, chamaria meu amigo imaginário de Borges, ou de Campbell, ou de Nelson Rodrigues. Meus “amigos” tem algo em comum: passaram a sua infância e adolescência mais ou menos na mesma época, tinham, sobretudo Borges e Nelson, uma imensa fragilidade física e uma timidez insuportável que os obrigava a uma vida solitária e no meio dos livros. Eu não era tão fisicamente frágil, mas era um moleque míope e quase sempre enfiado nos livros. Todos eles construíram obras gigantescas em relação a seu meio cultural pouco privilegiado: Campbell no estudo da Mitologia e Religiões comparadas; Borges na Literatura e Nelson no teatro.
Borges construiu e eu diria que inventou a literatura argentina. Hoje assistimos a filmes argentinos produzidos com baixo orçamento que são mais reflexivos e literários que os brasileiros. Acho que é uma herança evidente de Borges, mas sou suspeito para falar. O texto que vou republicar amanhã, "Fragmentos de Um Evangelho Apócrifo", é uma reflexão devastadora sobre o que seria hoje uma leitura moderna do Sermão da Montanha, do Novo Testamento. Só para dar água na boca, vou fazer um paralelo. Onde está no Novo Testamento a frase: “Bem aventurados os que choram, pois serão consolados”, Borges escreve no aforisma 4: “Desventurado o que chora, porque já tem o hábito miserável do pranto”. Chorar é uma coisa séria, não deve ser uma defesa e muito menos um ato de autopiedade, a droga mais usada no planeta. E por aí vai o texto, amanhã publico na íntegra.
Depois desses posts vou dar umas férias para esse blog e seus bravos 9 seguidores. Não vou parar de escrever em Janeiro, mas não vai ser nessa forma de ensaio/crônica que ele tem apresentado. Vou escrever aqueles diálogos, ou metadiálogos, que são bom método para se produzir conhecimento e reflexão desde os tempos Socráticos. O tema, que pode ser mudado a qualquer momento, será a princípio um “Jung para Crianças”, o que não será puro Jung nem será para crianças, mas os meus leitores já estão se acostumando com essas esquisitices.
De qualquer forma, agradeço muito os page views, os comentários, o incentivo e as questões que eu procurei responder de forma não direta no decorrer dos posts. Esse é o post de número 335 ou 336, e esse blog continua sem temática específica e sem a definição de um público específico, o que, nesses tempos de hipersegmentação, é uma tragédia de marketing e uma delícia de se escrever. Obrigado a quem teve paciência de saborear essa salada.

sábado, 29 de dezembro de 2012

A Jornada de Pi

Ontem fui ver “As Aventuras de Pi”, aproveitando a cidade vazia nessa época. É uma experiência sensorial, um parque temático em forma de cinema. Nem sou tão fã de filmes 3D, mas não consigo imaginar esse filme sem a projeção em tela gigante e 3D.
Nessa época do ano, é muito comum pensarmos o que queremos para nosso próximo ano, o que vai continuar, do que vamos desistir, o que vale a pena insistir ou deixar no caminho. A narrativa do filme é toda em flash back, então sabemos que Piscine, autoalcunhado de Pi, sobreviveu à jornada que se inicia num naufrágio. Durante semanas, ele vai vagar no Oceano Pacífico dividindo um bote com um tigre de Bengala chamado Richard Parker. Pi vai passar por todo tipo de dificuldade e tem todas as oportunidades de se deixar morrer, ou de se entregar para o tigre ou o mar. O filme, que é baseado em um livro que eu espero que lancem por aqui lembra em muito o bíblico Livro de Jó. Pi é um Jó moderno, que não se queixa nem amaldiçoa a própria vida ou o seu destino. Pacientemente, ele tenta extrair de tudo aprendizado para manter-se vivo, manter-se são na sua jornada à deriva.
Pi é cristão, muçulmano, hinduísta. O diálogo que ele tem no mar é com a experiência de Deus e o valor intrínseco da vida. Não é uma coisa que se prove cientificamente. Pi não vai sobreviver para salvar seu patrimônio genético e passá-lo a seus filhos. Nem é o seu instinto de sobrevivência que vai prevalecer. Pi vai enfrentar a mais profunda solidão simplesmente porque é isso que a sua alma demanda, é isso que que o mantém inteiro nessa jornada.
Eu tenho um ofício em que o valor da vida, ou da jornada, é questionada todo dia. Para que estamos nesse planeta estranho? Para que aguentar os rigores da caminhada? Qual o significado de tanta luta? Como na peça de Shakespeare, é uma sinfonia de som e fúria, que não significa nada?
A vida de um médico permite que ele testemunhe o que há de melhor (e pior) na natureza humana. Histórias de resiliência incrível, paciência e aprendizado. A jornada de Pi é uma metáfora da vida humana, em que sobrevive e cresce quem é capaz de aprender e valorizar o aprendizado. Mas o difícil mesmo é encontrar o valor intrínseco da vida e agradecer por ele. É isso que Pi vai encontrar debaixo de um céu muito estrelado.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Silêncio Antes do Grito

Costumo dizer que o Natal dos psiquiatras é dia 4 de Janeiro. Podemos colocá-lo no dia 6, para coincidir com o Dia de Reis. Quando todos retiram as luzes, os enfeites e as árvores de Natal que os psiquiatras podem cantar as músicas e chamar as charangas melancólicas, tocando aquelas músicas que as vovós entoavam no Natal. Essa é a época de maior risco para suicídios, homicídios, overdoses e acidentes. Esse clima de uhúú!! Deixa todo mundo meio desparafusado. Houve um Natal nos idos de 2004 que eu passei o tempo todo grudado no meu Pager. Um muy amigo me encaminhara um rapaz em surto psicótico. Pedi para levá-lo a uma clínica que eu gosto para ele ser avaliado e eu iria vê-lo depois de comer o peru. O mal humorado e mal remunerado plantonista achou que o garoto estava ok e mandou-o para casa, com um medicamento com efeito próximo ao chá de camomila. O moleque nem chegou em casa e já saiu vazado, sumindo pela Paulicéia desvairada e solitária nesses feriados de final de ano. A mãe me bipava de meia em meia hora para perguntar o que fazer para localizá-lo, já que as delegacias não o consideravam desaparecido. Eu orientei, pensei junto, mandei avisar todos os amigos e familiares, ele acabou aparecendo na casa de um parente no meio da madrugada, toca o bip, eu mando para outra clínica, falo com o plantonista, o menino acaba internado e recebe o tratamento. A mãe, que me acionara umas doze vezes, liga no dia seguinte dizendo que o plantonista era um amor e iria ficar com o caso. Nem obrigado ela falou. Acho que esse não seria o único surto que o rapaz teria em sua vida. A moça nunca mais me bipou, até porque cancelei o bip.
De um jeito ou de outro, esses casos costumam pipocar no final de ano, quando o deus Dioniso vem cobrar um ano de trabalho intenso e de privação. E quando Dioniso ataca, suas sacerdotisas podem estraçalhar os homens que não conseguem se entregar a elas. Ou os que se entregam demais.
Não é incomum então que ocorram intercorrências de final de ano. Teve uma vez que uma repórter da Folha me ligou: em um dia de Janeiro, houve registro na cidade de São Paulo de 4 crimes passionais, do namorado atirando na namorada depois de tomar um fora. O que está acontecendo, doutor? É a época do ano, moça. Paulo Maluf diria: Estupra, mas não mata. Não, os caras estão querendo encontrar a amada em outro mundo, já que nesse, ela não o deseja mais. Não vai ser minha, não vai ser de ninguém.
Nessa época barulhenta, as pessoas ficam cada vez mais refratárias ao silêncio. É uma pena, porque é um período de delicioso silêncio. Silenciam-se as buzinas, as compras, as ânsias. Fica, apenas, a sensação de cansaço que se estende até o último grito de final de ano ou de festa cheia de pessoas vestindo branco. O dia 31 de Dezembro é diferente do Primeiro de Janeiro. O que é uma pena. Eu gosto desse silêncio que antecede o Reveillon.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Amen

Ontem estava no velório de um tio querido, pensando em coisas esquisitas.( As pessoas que me encontram na rua pensam sempre que eu sou metido, muito provavelmente porque esteja pensando em coisas esquisitas e não olhe muito para os lados). Entre uma receita de picanha na panela de pressão e algumas histórias engraçadas e ternas que lembrávamos daquele ente querido, muito querido, que agora era um invólucro de proteínas, minerais e água sem o sopro misterioso da vida no meio da sala, eu ainda pensava em coisas estranhas, como cura à distância e Medicina Chinesa. Coisas que é bom que não se espalhem além do grupo que passa os olhos por esse blog. Eu não acredito no mundo causal de que falava o pastor antes de fecharmos o caixão. Não acredito que o clamor da oração estendeu a vida de meu tio. Eu mesmo vibrei muito, mentalizei muito e o que pude ver foi uma pilha se apagando, apesar do interesse e esforço da equipe que o atendia. A Medicina Chinesa acredita que temos um quantum de energia vital. Algumas pessoas gastam mais, outra menos, essa energia. Quando ela acaba, a vida acaba. A moderna Medicina fala do encurtamento dos Telômeros, o que é um conceito muito parecido, estranhamente parecido, com a intuição dos chineses. Enquanto nosso DNA tem essas pontas, os Telômeros, bons e funcionantes, somos mais saudáveis e longevos. Nosso tempo fica nesse tiquetaque da duração das pontas de DNA. A vida perde a capacidade de se proteger e multiplicar e acaba, simplesmente. Não acho que o clamor das orações tenha interferido, quando a Velha Senhora, a Morte, agarrou meu tio e não quis mais largá-lo. O amor, o investimento, o cuidado prolongou a sua luta, mas foi como se a pilha estivesse acabando, coisa que eu senti desde o início de sua doença.
Mas se eu não acredito no num mundo causalista, no que acredito? Acredito, como o filósofo francês Deleuze, em mundo de quase - causas. Acredito na Oração Intercessora e na intervenção médica bem planejada e embasada. Acredito que o Mistério não responde à nossa vontade, mas pode ser movimentado por ela, pois a nossa Consciência é Co-criadora do mundo. Podemos participar dessas quase- causas, mas não podemos interromper a gigantesca roda dos acontecimentos.
O Natal é uma época que celebra a renovação da vida, na forma de uma Criança Divina que nasce de uma Concepção Imaculada. É a vida em sua forma mais pura, se refazendo em meio à sinfonia de som e fúria que é o mundo. Esse arquétipo da Vida anda muito próximo da Morte, talvez por isso a gente ouça tanto falar da Velha Senhora nessa época. Depois do enterro, fui comprar presentes de Natal, pois a Vida e a Morte são irmãs e andam sempre de mãos dadas.

sábado, 22 de dezembro de 2012

O Tempo dos Maias

O mito do Apocalipse aparece em todas as culturas, desde que o mundo é mundo. Nesta semana estamos com eles bem atualizados, com a tal Profecia Maia, em que o mundo supostamente terminaria ontem. Meu filho deu um churrasco para os amigos para comemorar o fim dos tempos, e o único cenário apocalíptico de hoje é o estado da minha churrasqueira.
Recebi alguns e-mails, anunciando grandes mudanças e aberturas de portais. Não notei grandes mudanças energéticas. O sinal mais consistente do fim do mundo foi o título mundial do Corinthians. Um sinal claro de inversão de valores e mudança da ordem natural.
O calendário Maia é um calendário lunar, com ciclos de 28 dias. O nosso calendário, Gregoriano, não é simétrico. Como nossa psique ocidental, é um calendário solar, medindo o ano a partir do ciclo da Terra em torno do Sol. A nossa sociedade solar valoriza o mundo do masculino, a Razão em detrimento das características lunares, que são a intuição, o Pensamento não linear e simbólico. A moderna neurociência identificou a Consciência Solar com o Hemisfério Esquerdo, que é sequencial, lógico, organizador de nossa experiência racional e material. O Hemisfério Direito é responsável pela Consciência Lunar, sendo não linear, intuitivo, sincrético, percebendo o mundo de forma mais afetiva e presciente.
O Calendário Maia é o espelho de um mundo que foi esmagado pela nossa subjetividade solar. Um mundo em que a ritmicidade lunar deixa o tempo mais simétrico, cíclico, como é o Feminino. Os ciclos lunares tem a mesma duração dos ciclos menstruais. Nosso mundo solar cria uma Tecnosfera que desrespeita e aniquila os ciclos. Não há mais dia e noite, desafiamos e queremos extinguir a velhice, abusamos do corpo da Mãe Terra como se ela fosse capaz de recursos infinitos.
Nunca houve uma profecia Maia apocalíptica. O que pode estar acontecendo é um ponto de inflexão em que a ampliação da Consciência vai se tornar cada vez mais urgente. A consciência lunar é mais inclusiva, traz as simetrias e os descansos, a dependência que todos tem de todos. Procuramos por essa Consciência harmônica no meio do caos, da violência e do medo em nosso tempo. Talvez os Maias não tenham continuado a esculpir o tempo porque os colonizadores destruíram as suas pedras e sua percepção, em nome do ouro e do poder.

domingo, 16 de dezembro de 2012

A Mente Vencedora

Dizem que o que faltou ao Chelsea para vencer o Corinthians na final de hoje em Yokohama foi contratar o time B do São Paulo, que deu um chocolate no mesmo time que pulava abraçado aos gritos de “É campeão!”. Outra providência seria destacar os seguranças do tricolor para uma boa massagem no intervalo, no adversário, é claro. Dizem que o time fica tão relaxado que alguns nem querem voltar para o Segundo Tempo.
O pior não foi ver o Timão ganhar os títulos que outrora o São Paulo ganhava. O pior foi ver o Bando de Loucos ganhar com absoluta justiça a Libertadores e o Mundial, na manhã de hoje. Mas já tomei minhas providências: vou remarcar todos os clientes corintianos para Fevereiro de 2013. A minha cachorrinha Boxer, Scarlett, vai ser devolvida ao canil. Desde que ela chegou, no início desse ano, o Corinthians ganhou tudo que nunca antes sonhara. Alguém tem que pagar por isso e a pequena Scarlett ou é corintiana ou é uma tremenda pé frio.
Vou fugir das resenhas, dos programas esportivos, dos jornais e das carreatas. Mesmo assim, quando estava no supermercado, acabando de comprar o almoço, percebi, aterrorizado, que havia cometido um ato falho no vestuário: estava com uma bermuda cinza e uma camiseta preta, da Nike, a mesma cor e a mesma marca dos uniformes do Corinthians. Os carros dos malucos passavam a caminho do churrasco, com buzinaço e os corintianos cantavam olhando para mim como quem identifica um irmão, mais um do Bando de Loucos. Quase eu gritei: “Timão, eh ôô...Timão, eh ô”.
Não foi bom o Santos levar um vareio de bola na final do ano passado, para o Barcelona de Messi. Foi bom o Corinthians ter colocado o Chelsea no bolso no jogo de hoje. Eles jogaram com a costumeira empáfia, achando que matariam o jogo naturalmente. Depois do gol de Guerrero, os Blues foram colocados no bolso pela marcação implacável armada por Tite. Finalmente um time brasileiro ganhou de um time com seis vezes o seu orçamento com autoridade e confiança. Isso depois de um trabalho longo de construção de um time com mentalidade vencedora e foco impressionante.
Mas não diga aos corintianos que eu escrevi isso.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Os Comerciais de Panettone

Em Julho deste ano esse blog fez um relato de uma tragédia próxima, quando a mãe de um colega de meus filhos apagou na direção e faleceu, após o carro cair de uma ribanceira. Uma amiga e colega diria no enterro que não acreditava que a falecida amiga poderia colocar em risco a própria segurança e a de seu filho, dirigindo com sono. Eu lembrei a ela que esse tipo de sono não se anuncia, a pessoa entra automaticamente em sono REM, o sono que temos quando são produzidos os sonhos. A irrupção do sonho REM é uma espécie de desmaio dentro do sono, que pega uma pessoa no volante completamente desarmada.
Ontem um rapaz, saído de uma festa de final de ano da firma, dormiu ao volante e subiu na calçada, matando a mãe e ferindo a filha no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O seu exame mostrava um nível alcoólico ilegal, mas abaixo dos níveis de embriaguez. O álcool é um fator de irrupção de sono REM e aumenta os seus riscos. Um rapaz de 23 anos virou um assassino e uma família do interior que iria curtir o calor de Floripa tiveram as suas vidas indelevelmente marcadas na manhã de ontem. Podemos declarar oficialmente aberta a temporada de eventos de final de ano. Já falei disso em outros posts, mas basta começar a infestação de papais noéis na TV que todo mundo começa a ficar louco. Os psiquiatras deveriam ser proibidos de tirar férias nessa época. Deveríamos todos ficarmos de prontidão, colados no celular e com caneta e carimbo a postos.
Para quem estiver com sono e dirigindo, um lembrete: na primeira “pescada”, pare o carro. Se der para parar de dirigir e dormir, melhor. Senão, qualquer estratégia criativa para despejar um pouco de Noradrenalina nas sinapses pode valer: tomar café, dançar uma salsa, gritar “Vai Al Ahly!” no meio da torcida do Corinthians, qualquer coisa que permita sair desse estado de pré sono. Depois do primeiro aviso, na próxima o sono vai irromper, direto, sem aviso.
Quanto ao enlouquecimento geral de Dezembro: ninguém sabe se o rabino de Nazaré, filho do carpinteiro que tinha algumas dúvidas sobre a sua paternidade, numa época em que não havia exame de DNA, chamado Jesus, nasceu mesmo em Dezembro. Muito provavelmente essa data foi escolhida pelo seu valor simbólico e de simbologia agrícola, de nascimento da Criança Divina que vai redimir nossas faltas e abrir uma nova época. As pessoas estão sempre apressadas em Dezembro, já que é um mês de três semanas. As festas de empresa são cheias de álcool e de ressacas morais, com aquele clima de euforia e comportamentos sexuais inapropiados. Neste ano ainda temos o final do calendário Maia para ultrapassar, causando nas pessoas uma sensação ainda mais profunda de urgência e de medo. Medo da vida estar passando e de não ter aproveitado tão bem as festas, nem de ter cantado a estagiária vinte anos mais jovem. Devemos passar por tudo isso elaborando bem os lutos do ano que se vai, para termos ainda muitos Natais pela frente.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Cinquenta Tons de Alguma Coisa

Eu sei que pode parecer um exagero dedicar dois posts deste prestigioso blog para o fenômeno editorial “Cinquenta Tons de Cinza”. Eu poderia me dedicar a analisar as consequências do DSM V (Manual Estatístico e Diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana – 5ª Edição) ter eliminado o diagnóstico multiaxial nessa edição. Depois de vinte anos usando e uma dissertação de Mestrado dedicadas ao diagnóstico multiaxial, esses expoentes máximos da burrice nosológica eliminaram uma das poucas coisas boas que havia nos manuais, que é a possibilidade de diagnosticar um ser humano que sofre em suas várias dimensões, como o diagnóstico psiquiátrico, a personalidade, a condição médica geral, os estressores envolvidos e o funcionamento social. Era como olhar para alguém por cinco ângulos diferentes, não só como uma coleção de genes disfuncionais ou neurotransmissão danificada. Pois vieram esses expoentes da Psiquiatria mauricinha e burra que nossos queridos ianques praticam e, de uma penada, eliminaram o Diagnóstico Multiaxial. Eu vou continuar usando, ok, Uncle Sam? Viram? Acho melhor falar dos “Cinquenta Tons de Alguma Coisa”. É bem menos irritante.
Quando eu ouvi falar desse livro pela primeira vez, gostei muito da idéia original e achei que a coisa iria rolar de outro jeito. Vou usar um conto de fadas, que está descrito em um livro de Jung para exemplificar o que eu imaginava: Era uma vez uma princesa, que casou com com um belo príncipe. Por muito tempo ela sonhou com seu casamento e noite de núpcias. Finalmente ela estaria com seu amado na alcova. Qual não foi a sua surpresa quando o Príncipe não tocou em um fio de seu cabelo na noite de núpcias. E assim o seu conto de fadas foi para o vinagre. Noite após noite, o homem não mostrava nenhum interesse. O pior, sumia durante a noite e a deixava só em seu leito nupcial. Ela, ao contrário que uma princesa moderna faria, não procurou terapia de casal nem discutiu a relação. Ela preferiu, intuitivamente, esperar em silêncio. Uma noite, ela decidiu seguir o príncipe em sua escapada noturna. Não, ele não estava com um cortesão sarado. É um conto de fadas, não um roteiro pornô gay. O príncipe estava em conluio carnal (esse post está demais, heim?)com a sua própria irmã. A noite toda. A princesa, ao contrário do que se pode imaginar, aguentou firme aquela situação, noite após noite, apenas porque o seu coração mandava. Depois de um bom tempo, o príncipe finalmente veio falar com ela. A sua irmã era uma poderosa bruxa que o havia enfeitiçado a praticar o incesto. Só uma esposa muito, muuiito paciente que aguentasse aquela situação poderia libertá-lo do sortilégio. E foram felizes para sempre. Mas o que isso tem a ver com os “Cinquenta Tons de Cinza”?
O conto tem a ver com a cura de uma ferida. Uma espera pacienciosa e o acolhimento do que temos de pior. É uma ótima alegoria do que é um processo de psicoterapia. A princesa consegue libertar, ou curar a ferida de seu homem através da espera paciente e da tolerância do intolerável. É o que muita gente espera de quem dorme a seu lado na cama: espera, tolerância, continência. Pois eu pensei que a essência desse livro fosse uma mulher que resolve acolher um homem com uma ferida enorme e curá-lo, mesmo sem saber como. Como a princesa do conto. Para isso ela iria tolerar o intolerável por um bom tempo, para curá-lo e, quem sabe, libertá-lo do feitiço da bruxa. O que todo homem espera, meninas, mas não sabe que espera.
A trilogia de E.L. James está bem longe disso. Tudo tem a profundidade dos romances de banca de jornal, tipo “Júlia” ou os livros de Bárbara Cartland, que eu nunca li, mas imagino que seja assim. O trauma de Christian Grey é abordado de uma forma idealizada e sem pegada. Mas por que as meninas não largam esses livros até a última página? Porque o Príncipe Sadomasoca dedica à sua amada, entre uma chicotada e outra, uma atenção plena, incondicional. A princesa, Anastasia (não por acaso, nome de princesa, não é?), aceita e gosta do jogo, mas quer transformar o príncipe num homem capaz de assumir compromisso. Esse é o amor em tempos de cólera (feminina): aguentar firme até o príncipe colocar uma aliança. E leva três livros para isso. Que saudade de “Nove e meia semanas de amor”.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Vivências de Pico

Um leitor desse blog e amigo, Fábio, me perguntou por e-mail o que eu achava das EQMs, as Experiências de Quase Morte, um campo de controvérsia entre os Céticos e os Metafísicos de praxe. Eu pedi para tomar uma Kaiser antes. Vou acabar com a pouca credibilidade que me resta. Mas vamos lá.
O psiquiatra suíço Carl Jung, já idoso e sempre metido a atleta, teve, já idoso, um acidente na neve, o que causou-lhe uma fratura. Na época, ele ficou completamente imobilizado no leito, o que, sabemos hoje, é praticamente uma sentença de morte do idoso se não forem tomadas algumas medidas de prevenção, que não eram disponíveis nos anos cinquenta do século passado. Jung acabou tendo um Tromboembolismo Pulmonar, evento ainda hoje de extrema gravidade quando ocorre. Durante esse evento, ele teve uma experiência psíquica bastante descrita por pessoas que passaram pela Experiência de Quase Morte: Jung viu seu corpo de fora e de cima. Gradativamente foi se afastando, afastando até subir nas nuvens e sair na estratosfera, vendo a Terra de longe. Lá ele encontrou com Emma Jung, sua esposa recentemente falecida. Finalmente, ele se viu perto de entrar numa espécie de templo, onde ele finalmente saberia quem ele era, qual a sua substância espiritual. Antes de entrar, entretanto, encontrou com seu médico, que estava vestido como um sacerdote de Cós, terra do pai da Medicina, Hipócrates. O seu médico deu-lhe a má notícia que sua hora não havia chegado e que ele teria que voltar para casa. Jung descreveu em seu livro - ”Memórias, Sonhos, Reflexões” este episódio. Voltar para dentro de seu corpo foi como voltar para uma caixinha de fósforos, relatou. Quando acordou, soube que havia passado por uma Parada Cardio Respiratória e tinha sido reanimado. Ele surpreendeu a todos quando pediu para falar com seu médico, imediatamente. O fato de tê-lo visto naquela outra dimensão significava algo. O médico não lhe deu ouvidos e teve um infarto pouco tempo depois, morrendo instantaneamente.
Os cientistas reduzem esses episódios e vivências como sonhos vívidos, sonhos que acontecem quando estamos em estado intermediário entre o sono e a vigília. O bem estar e os sentimentos de beatitude e iluminação são atribuídos a uma bomba de Endorfinas despejadas no Cérebro quando estamos perto da morte ou em risco de vida. Tudo não passaria de alucinações ou ilusões provocadas pelo estado de sofrimento das células, como um último alento antes de sucumbir. Um evento biológico, portanto.
Muitas pessoas descrevem com precisão os eventos e o que se conversa no momento da reanimação como se estivessem descrevendo os mesmos em terceira pessoa. O próprio Jung descreveu exatamente a posição de seu corpo e os esforços das pessoas em reanimá-lo. A experiência lembra também algumas algumas vivências de Pico, estados de iluminação e beatitude que místicos, meditadores e pessoas comuns descrevem como experiências espirituais de ampliação de consciência e intensa beleza, quando o Ego perde seus limites e se funde com o mundo. Ou com Deus. Não há mais limites, nem medos, nem preocupações, só a sensação de expansão e gozo. Os céticos diriam que uma boa viagem de ácido ou um gole de Ayhuasca, num ritual do Santo Daime, podem provocar todas essas sensações.
E o que o autor dessas mal tecladas acha do assunto? Recentemente escrevi sobre o Quinto Cérebro, que na verdade não é o Cérebro, mas a Mente Não Local. Sonhos premonitórios, sensações compartilhadas por pessoas separadas por quilômetros, como uma Mente que não respeita a localidade e viaja com uma velocidade maior do que a luz. Experiências fora do corpo e várias experiências não locais pertencem a essa dimensão psíquica.
Muitas pessoas que passam pelas EQMs voltam da vivência diferentes, com uma visão mais serena e mais espiritualizada da vida. Sentem que não precisam mais temer a morte, nem a vida. É uma experiência que demonstra o quanto o ponto de vista do Ego, com seu medos e mesquinharias, é extremamente limitado. Eu acredito nisso. Pouco me importa se isso for uma overdose de Endorfinas.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Depressão e Renascimento

Outro dia recebi um torpedo sobre perda de receita e necessidade de deixar uma nova na portaria do prédio para a paciente pegar. Aproveitei para perguntar se ela estava melhor e a resposta foi desalentada e desalentadora: “Só nascendo de novo”. Tudo bem, o pessimismo é uma das características que impedem a sua melhora, mas a mensagem foi dura.
Não li a matéria da VEJA sobre Depressão, mas já ouvi que há uma ênfase na pesquisa sobre a Ketamina, um potente anestésico que vem produzindo estranhas melhoras de alguns casos de Depressão. Como no caso descrito acima, a Depressão se aprofunda e se mantém com os pensamentos ruminativos do paciente. O que são esses pensamentos circulares? São uma espécie de software mensal que parte da sensação de “coitadinho de mim”até a sensação pior de todas, que é a sensação de que “tudo é ruim” ou “nada faz sentido”, o que pode acarretar pensamentos e comportamentos suicidas. Há uma sofrida simbiose entre esses pensamentos circulares e a disfunção de neurotransmissão de nosso Cérebro Emocional para criar esses círculo de tristeza e desespero. A Ketamina, quando aplicada em anestesias ou em sessões terapêuticas, como que apaga esses circuitos de sofrimento. É como se fizesse um “reset” desses circuitos e a pessoa ficasse zerada desses pensamentos por alguns dias. É uma boa oportunidade para introduzir outros medicamentos e novos pensamentos, antes que os antigos sejam reativados. É claro que essa é uma visão pessoal, que pode se revelar errada, mas ela está baseada na mudança que ocorre sempre que alguma técnica, medicamentosa ou não, penetra nesses softwares profundos e tentam modificá-los. A PNL, Programação Neurolinguística se baseia nesse princípio, mas peca pela velha fantasia que a nossa Razão consegue domesticar o nosso Cérebro Emocional. O caminho para transformar e reprogramar essas estruturas e circuitos neurais é longo e delicado, muitas vezes longo. Mas não deixa de ser tentador pesquisar mais a fundo técnicas para produzirmos um “esquecimento de si” e um reinício. Como um renascimento.
Há um psiquiatra que eu prezo e já citei nesse blog que afirma, corajosamente, que o que machuca não é a Ferida que a vida nos provoca, mas, antes disso, a Defesa é que machuca.
A verdadeira coragem talvez seja a coragem de deixar as defesas morrerem e renascer. Diz um outro sábio, Fritz Pearls: “Consentir com a própria morte e renascer, não é fácil”. Ele disse isso nos anos setenta, e parece que foi ontem.