domingo, 28 de abril de 2013

O Homem mais Feliz do Mundo

Quando o Dalai Lama interessou-se pela Neurociência, particularmente pela ação da Meditação no Cérebro Humano, ele foi buscar nos monges tibetanos uma cobaia perfeita. Matthiew Ricard era um francês que após concluir seu doutorado no Instituto Pasteur, resolveu largar tudo e se dedicar a ser um monge tibetano. Depois de décadas de prática meditativa, ele seria o cara para o estudo, uma vez que entendia tanto o mecanismo da Meditação como o Método Científico, uma espécie de religião materialista do Ocidente.
Descobriu-se que esse homem tinha uma ativação impressionante das Áreas Pré Frontais esquerdas, quando o assunto era felicidade, prazer, compaixão. Era uma ativação até oito vezes mais intensa do que os controles que entraram no estudo. Logo o monge francês ganhou o apelido, dado pela imprensa, de “O Homem mais Feliz do Mundo”. Para um homem que praticou a renúncia em toda a sua vida, foi um apelido e uma publicidade meio incômodos, mas tudo bem. Estava documentado que o trabalho que fizera em todas as horas solitárias de meditação realmente modificava as redes neurais e a função dos neurônios. O que hoje parece óbvio demorou muito tempo para ser referendado pelo Método Científico: a nossa Mente interfere e modifica o Cérebro. Escrevi sobre isso no post do último Domingo. Podemos alimentar o Bom ou o Mau Cão que habita o nosso Cérebro. A Mente é treinada evolutivamente para a hostilidade, o pessimismo, o medo, a pressa. Qualquer editor de tablóide sabe que um crime bizarro vende muito mais jornal do que uma cura de uma pessoa que abandonou os seus pensamentos de ódio. O treinamento meditativo diminui a violência e transforma a vida de presos perigosos e violentos, outro fato documentado em estudos.
Impressionante o depoimento da mãe da dentista queimada viva em seu consultório porque não tinha dinheiro na conta para dar a seus sequestradores. Ela disse que esses quase meninos que perpetraram essa barbárie, se presos, só vão aprimorar a sua capacidade de praticar atos criminosos. O nosso sistema prisional não consegue, na maior parte dos casos, recuperar ninguém, mas antes consolidar essas pessoas como seres isolados e apartados da sociedade e contra ela eles vão se voltar, como anticorpos que se voltam contra as suas próprias células.
Somos uma nação eminentemente cristã, mas é mentira que não podemos ter familiaridade com alguma prática meditativa. Há alguns anos eu fazia umas sessões de meditação, feitas por um monge argentino (pode-se dizer que eu já gostava de um argentino antes da eleição do Papa Francisco), e ele pedia para a gente vislumbrar o Buda da Compaixão. Para mim, o Buda da Compaixão é o Sagrado Coração de Maria, ou é Jesus pendendo na cruz, pedindo perdão pelos que “não sabem o que fazem”. Não preciso buscar nenhuma outra imagem. Rezar um terço é praticar a Mente Presente. A meditação é o trabalho de se voltar para o Aqui/Agora da mudança de nossas redes neurais de medo, de hostilidade, de autodecepção. Não é preciso ser budista, nem mesmo ter qualquer crença religiosa para fazê-lo. Aliás, quem não tem nenhuma crença metafísica, isso é, da existência de qualquer coisa fora do seu reino material, pode acreditar no Método onipresente, o Método Científico, que comprova a boa ação dessa quietude em nossas redes neurais.
A felicidade não é um objetivo, mas antes, um efeito colateral. Nossa mente objetiva e finalista se perde na busca da tal da Felicidade, que se afasta sempre que tentamos agarrá-la. Essa é uma causa da distância entre os meditadores e a Civilização Ocidental: tudo aqui tem que ter um uso, uma utilidade. O nome dessa filosofia é Utilitarismo. Por essa forma de ver o mundo, rezar um terço pode ter o efeito de ativar essas áreas Pré Frontais de Alegria, ou apaziguar as Áreas Subcorticais do Medo. Isso normalmente deixa desconfortáveis os praticantes.
A Felicidade é um subproduto da prática amorosa, não um objetivo a ser alcançado. Como eu citei no texto de Jorge Luis Borges (vide o último post de 2012 ou o primeiro de 2013), “Felizes os felizes”.

sábado, 27 de abril de 2013

Bipolaridade e Base Egóica

Hoje temos a Doença Bipolar no poder. É um diagnóstico que, como o Universo, está em expansão. Lembro de um caso de uma paciente antiga, senhora muito elegante e contida, que sempre me segredou um certo desconforto com a vida de Revista Caras que vivia, com uma depressão bem controlada pelos medicamentos. Quando algo quebra essa camada de civilização, como um estressor a mais, um esquecimento do remédio no final de semana em algum resort da moda, ela se transformava numa louca descabelada, furiosa com as dívidas, vociferando contra aquela vida fútil, logo ganhou o diagnóstico de Bipolar e foi entupida de medicamentos sedativos que lhe custaram meses de apatia e dezenas de quilos na balança. Chegou no consultório enlouquecida com a médica e com histórico muito pobre de variações de humor para justificar o diagnóstico. Há algumas formas de Doença Bipolar que se manifestam tardiamente mas não parecia ser o caso. Começamos a retirada da medicação de forma gradativa e o que restou foi uma senhora deprimida e bastante infeliz com a vida que escolheu. Dedicou-se a desenvolver seus talentos artísticos, sob o olhar algo torto de maridão aristocrata. Não teve mais nenhum episódio de bancar a louca no meio de um jantar a rigor. A propósito, ela nunca foi Bipolar.
Descrita pelos franceses em meados do século XIX e chamada pelo alemão Emil Kraepelin no final do mesmo século de Psicose Maníaco Depressiva, o hoje chamado de Transtorno de Humor Bipolar de caracteriza por episódios de sintomas depressivos ou de quadros claros de Depressão que se intercalam com episódios de agitação e euforia que foram chamadas pelos clássicos de Mania. Há um dito popular que uma pessoa é muito “Oito ou oitenta”, o Transtorno Bipolar é a manifestação clínica do oito ou oitenta; há pacientes que no mesmo dia podem alternar períodos da mais aguda e dramática euforia com depressões terríveis, com risco suicida. É como se o termostato de nosso Cérebro Emocional nunca se ajustasse, tendendo para o calor e para o frio sem nunca encontrar seu ponto de equilíbrio.
A Doença Bipolar é crônica e seus episódios recorrentes mais ou menos de acordo com a carga genética e capacidade do paciente lidar com as suas variações de humor. Essa capacidade é estranhamente ignorada pela Psiquiatria, que está fascinada com populações de genes e seus sistemas de ativação e desativação. Comecei esse post falando que a doença Bipolar está no poder porque, como no caso de minha paciente antiga, o diagnóstico desse transtorno está sendo cada vez mais frequente

domingo, 21 de abril de 2013

Aleluia, Hare Rhama

Na Quarta Feira os sãopaulinos tiveram o seu dia de Palmeiras. O tricolor venceu o Atlético Mineiro, façanha vital para continuar na Libertadores. Ganhou no peito, na raça e no tranco, de um time melhor, mais técnico, mais eficiente. Não foram poucos os tricolores à beira de um ataque de nervos naquele jogo tenso. Confesso que estou um pouco preocupado com o estado mental do Rogério Ceni. Liga lá no consultório, Rogério. Você anda papando uns frangos e suas declarações estão dramáticas e um tanto histéricas. Eu dou uma regulada nesse seu estado de luto pelo fim da sua gloriosa carreira. Mas esse não é o assunto desse post.
Confesso que não assisti um bom pedaço do jogo, que estava mais para Rugby do que Futebol. Fiquei zapeando um documentário que passou na TV a cabo, sobre a vida do guitarrista dos Beatles, George Harrisson. O filme tem quatro horas de duração, divididas em duas partes. A segunda parte, que eu assisti durante o jogo, é bem mais interessante. George foi muito mais interessante como ex Beatle, embora tenha feito algumas das mais belas canções da história do Pop como Beatle. Por exemplo, “Something” e “Here Comes the Sun”. Como os outros ex Beatles, depois do fim da banda, nunca mais encaixou uma música como no tempo dos quatros rapazes de Liverpool. Mas há um depoimento particularmente impressionante, de um amigo e músico que gravou com George. Uma infinidade de bons músicos o fizeram, sobretudo nos anos setenta. O cara relatou que estava muito bravo, muito magoado com algum assunto que nem se lembra. George estava ao seu lado. De repente, ele sentiu que sua alma estava sendo tocada pela alma de George, como se ele estivesse entrado dentro do amigo para descobrir o que estava magoando-o tão profundamente. Quase esqueci de vez do jogo.
George teve uma profunda e longa busca espiritual, desde o tempo dos Beatles. Não foi o iluminado que o documentário quis vender, mas sem dúvida encontrou uma paz interna bem incomum para uma celebridade e um pop star. A compaixão, a amizade, o campo psíquico favorável à criação, eram algumas das qualidades. Não tenho a menor dúvida que a sensação do amigo era real. George tentou “entrar dentro” dele e curar a sua ferida. No momento de maior quietude.
Nosso mundo é completamente voltado para o espaço exterior, a conquista desse espaço. A imagem, o consumo, o domínio da matéria. Fui a um simpósio ontem em que assisti a algumas aulas lamentáveis, que partem sempre da premissa do quantificável. Fiquei com vontade de pegar o microfone e falar que a boa cura tem que partir dessa capacidade de George, de entrar profundamente dentro do Outro para sentir, em profundidade, onde está a ferida. E onde está o vazamento. Era um simpósio sobre Psicogeriatria e falou-se muito mais sobre o medo do idoso de levar um tombo do que na presença inquebrantável da Morte, uma grande e omitida questão em toda consulta com um idoso. Na minha cabeça tocava uma música de George no período pós Beatle, “My Sweet Lord”, em que ele canta que queria conhecer de verdade essa presença divina doce. O coro nessa música de sua voz mistura Aleluia, com Hare Rhama, um cântico Hare Khrishna. Amen e Aleluia com Khishna Krishna. E o gaiato lá na frente fazendo discurso para medicar adequadamente a angústia das pessoas, sem entrar dentro delas. Eu pegaria no microfone e diria: não há cura sem Quietude. Não há diagnóstico sem entrar dentro do outro, guardem as suas entrevistas padronizadas. Seria divertido, embora levaria à minha internação.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Isolamento

Vou fazer algumas considerações sobre as informações desencontradas e manipuladas do atentado terrorista em Boston, ocorrido há poucos dias ao final da Maratona que celebrava uma data comemorativa da cidade. Vou me arriscar a interpretações apressadas e, tanto o psiquiatra quanto o psicoterapeuta que escrevem esse blog e no caso são a mesma pessoa, não costumam fazer: tecer juízos apressados sem ter o maior número possível de elementos para a interpretação.
Quando ocorreu o Onze de Setembro eu coloquei um texto na internet, usando a personagem da Vovó conversando com a netinha, chamado “Um Minuto de Silêncio”. No texto, a Vovó olhava estarrecida na TV o desmoronamento das Torres Gêmeas, a morte de inocentes no maior ato terrorista que o Ocidente conhecera até então. Ela pedia para a netinha fazer um pequeno silêncio em respeito às milhares de pessoas mortas e os milhões afetados por aquela tragédia. Esse texto provocou uma reação de um leitor, que respondeu-o com outro texto, chamado “Outro Minuto de Silêncio”, em que destacava as pessoas mortas e mutiladas pela ação imperialista dos americanos, que impõe sua vontade e sua subjetividade consumista a todo o resto do mundo, muitas vezes de forma bélica e destrutiva. Vazou depois um vídeo em que Osama Bin Laden comemorava as mortes dizendo aos seus colegas, num alegre convescote da Al Qaeda: “Agora eles vão sentir na pele o que passamos todo dia”. Eu consigo entender a raiva da pessoa que rebateu o meu texto e consigo entender quem acha que os americanos sofrem desse ódio e dos ataques terroristas porque provocam esse ódio e essa resistência desesperada à sua fome sem fim. Não respondi ao texto nem entrei na polêmica. A violência que se multiplica e se autoperpetua é uma forma tribal e primitiva da estupidez humana, seja de que lado partir.
O que tem me assustado no atentado de Boston foi exatamente a sua característica caseira e tosca: duas panelas de pressão, com pregos e metais explodindo no meio de uma festa local. Ninguém reclamou a sua autoria, morreram três pessoas que absolutamente nada tinham a ver com qualquer ato de vingança, muitas outras fivcaram mutiladas e todas com certeza ficarão marcadas por essa violência pelo resto de suas vidas. De ontem para hoje as imagens dos suspeitos foram divulgadas, um deles foi morto, ou se matou com explosivos após tiroteio. O outro é seu irmão, e está foragido até esse momento em que estou escrevendo esse post. Os dois tem descendência Chechena (espero que seja essa a grafia), um pequeno estado separatista ao sul da Rússia que tem grupos terroristas organizados e capazes de várias atrocidades como atentados contra escolas e teatros para pressionar por sua independência. O estarrecedor e que esses dois jovens não tinham aparentemente intenção política com esse atentado. O mais velho, morto nessa madrugada, postou em uma rede social que estava na América há alguns anos e não tinha feito nenhum amigo americano. Não conseguia entendê-los. Pode ser que esse atentado seja mais um daqueles de moleques isolados social e afetivamente de seu meio, que resolvem explodir a sua frustração e seu isolamento através de fuzis e bombas caseiras. Os fatos nas próximas horas podem desmentir essa interpretação, mas pode ser que os jovens estivessem explodindo a sua solidão e seu isolamento com essas bombas deixadas na multidão.

domingo, 14 de abril de 2013

Os Cães

Durante a minha fase de formação e alguns anos depois, costumava ouvir de um cara que frequenta a mídia como luminar da Psiquiatria, que, Psicoterapia, sobretudo nas suas vertentes analíticas, tem uma função importante de autoconhecimento mas não tem efeitos de cura, ou melhora dos sintomas. Do outro lado do muro, bons psicanalistas defendem que a análise serve para desenvolver a consciência do freguês como um todo, o sintoma vai no embrulho. Parece estranho, mas nesse ponto parecem que as visões são tão opostas que acabam se tocando: as Psicoterapias Profundas não tem como objetivo melhorar sintomas. Antes disso, devemos desenvolver a Psique como um todo. Bobagem de um lado. Bobagem do outro.
As descobertas da Neurociência, que tiveram um grande impulso na década de 90, demonstraram que a Mente atua decisivamente no funcionamento Cerebral. Pensamentos de alegria ou de felicidade ativam áreas cerebrais e são processados de forma diferente de pensamentos de tristeza ou angústia. Isso me lembra uma parábola de um monge ou um guia espiritual que dizia que dentro dele havia dois cães: um do Amor, outro do Ódio. Os alunos perguntaram para ele qual dos cães seria o mais forte. Ele respondeu: aquele que eu alimentar mais. Pela Neurociência moderna, sabemos que o monge estava sendo bastante otimista, para dizer o mínimo. Em nosso Subcórtex, temos um cão muito maior para o Ódio do que para o Amor. O medo, a necessidade de domínio territorial, a luta pelo alimento e melhores condições de perpetuação de seu genoma, são um imperativo inconsciente que nos movem mais do que gostaríamos de admitir. Alimentar a Mente com sentimentos de Amor e respeito pelas diferenças com o Outro é dar de comer a um cão muito menor, muito mais frágil do que o outro que é o da desconfiança, da defesa de interesses e da disputa. Destruir é mais fácil do que criar. Defender é mais fácil do que confiar. Alimentar o cão menor e fazê-lo crescer é uma tarefa e tanto, que dura alguns anos e demanda uma crença e uma convicção muito grande nesse caminho. O caminho do Ódio e da Divisão vende jornais e aumenta o Ibope de programas popularescos. O deputado Marco Feliciano que o diga: está exultante com o foco e a atenção que sua insignificante pessoa tem recebido através de um discurso sectário e de manipulação do Medo e da Divisão. Bater nele é vitaminá-lo, é dar a um político inexpressivo um valor de divisão que ele não tem. Mas a mídia gosta do enfrentamento, da divisão.
No âmbito da psicoterapia profunda, Symbolon é aquilo que une, que junta os mundos do Real e do Imaginário; Jesus é um Símbolo da união do Mundo Externo com o Mundo Interno. O “Eu e Meu Pai somos Um” tem a ver com isso. Dia-bolon é aquele que separa, que divide. Eles são funções complementares em nossa vida, mas é sempre mais fácil dividir do que somar em nossa matemática psíquica.
Uma boa psicoterapia, seja de qual linha terapêutica for, é aquela que une, que sintetiza o que antes estava despedaçado dentro de uma Psique. Para isso, pode buscar alimentar o Cão do Amor, com escuta, compreensão, amplificação do Sintoma. O Cão do Ódio e do Medo é sempre mais forte, por isso que fazer Psique é tão delicado e tão difícil. Uma vez eu dei supervisão para uma jovem terapeuta corporal. Ela estava surpresa com a quantidade de espetadas e de raiva que tocar no corpo das pessoas gerava. Falei para ela que se queria ser terapeuta, era bom engrossar o couro porque ainda tomaria muita porrada em sua prática. Ela aposentou a maca e hoje se dedica a uma boa carreira como decoração de interiores. Ou decoração de exteriores, pois quem redecora os interiores somos nós. Terapeutas.

domingo, 7 de abril de 2013

Karma Evolutivo

Estou lendo um livro chamado “Retornando ao Silêncio” de um monge budista que emigrou para os EUA, mas lembra de muitas histórias da sua terra natal, o Japão. Uma delas era a respeito de seu mestre. Desde o início de sua aprendizagem, o Mestre dizia que ele nascera paraa ter sorte. Várias vezes durante a passagem pelo mosteiro, o homem observava que ele era uma pessoa naturalmente propensa à ser afortunado, o que lhe causava alguma inveja. Os fatos confirmaram as ideias do Mestre: o seu Templo pegou fogo, os seus monges foram embora, e sua tristeza foi se tornando cada vez mais profunda. Dizia que plantava sementes boas nessa vida para viver melhor nas próximas, acumulando mérito. A primeira vez que eu li, pensei: “Ai meu Deus, o tal do japa tinha Depressão, não tratou, o quadro se aprofundou e destruiu a vida dele”. Mesmo uma pessoa com todos os fatores de proteção para um quadro depressivo, como boa e saudável alimentação, vida não sedentária, meditação por horas ao dia, uma prática religiosa altruísta e uma rotina com muito pouco estresse, todos esses fatores de proteção e o Mestre foi destruído por um único pensamento, que cresceu como um vírus até tomar conta de toda a sua vida: a sensação de que não era uma pessoa destinada a ter sorte. Esse era o seu Karma, e esse sistema de crenças tornou-se uma programação inconsciente que ganhou vida em sua Psique. Jung chamou essa metaprogramação de Complexo: um agregado de ideias cercadas de imensa e oculta carga afetiva, que influencia a nossa vida consciente e, algumas vezes, toda a nossa vida. Quem pode saber de onde surgiu essa ideia viral: se o cara era ruim nos esportes, ou perdia os jogos, ou nunca provou da alegria de estar vivo ou viu nos olhos da mãe essa alegria.
Em nosso Genoma temos populações genéticas para todas as características. O ambiente pode ativá-las ou inibi-las. Jung descrevia uma informação inata, universal, que poderia ser ativada e acessada. Filhos de alcoólatras e abusadores podem se tornar grandes pais, mulheres maltratadas pelas mães podem virar mulheres amorosas e cuidadosas com suas filhas. Olhar para as características que desaprovamos e ativarmos outras é uma tarefa de todos nesse mundo, talvez seja esse nosso Karma evolutivo: pegar o legado que nossos mentores e ambiente nos impõe e transformá-lo em coisa melhor para quem vem depois. O que ocorre de maneira mais comum é essas dores ou sementes de dor ficarem gravadas no fundo de nossas redes neurais, causando estragos.
Mesmo um monge que pratica o bem durante a maior parte de seu tempo pode ficar envenenado por um simples ideia: “Eu não nasci para ter sorte” e esse núcleo de crença virar progressivamente autopiedade, inveja, tristeza. As velhas pragas da mente que catamos todo dia e que não param de nascer. Para mim, o otimismo consiste na prática diária de plantar boas sementes, ou ativar boas populações genéticas, para tornar a vida das pessoas melhor e menos sofrida. Jesus advertiu que “o Mal é o que sai da Boca” e tinha toda razão. As palavras, pensadas ou faladas, podem fazer muito estrago.

sábado, 6 de abril de 2013

Cérebro, Mente, Psique

Acabei de abrir e-mail da colega e amiga Luciana Magalhães, que me passou comentários no Facebook sobre esse blog, que ela gentilmente divulgou. Fiquei particularmente mexido com os comentários do grupo de Ernani Fornari, que fazem um trabalho que me chegou ao conhecimento através da Lú, da Terapia do Realinhamento Energético. Ainda sei pouco sobre essa forma de terapia, mas já li e assisti um vídeo do Ernani e já percebi que ele compartilha dessa mania de síntese, que eu sei que é um caminho longo e tortuoso. Ernani é um buscador e mete o bedelho em toda forma de conhecimento que possa ajudar na Cura e nesse ponto, imagino que nossos trabalhos, embora bem diferentes, sejam muito próximos. Muito obrigado ao grupo pelos comentários e já os convido para comentar aqui mesmo, neste blog. Será uma honra.
Luciana também colocou o texto em um grupo junguiano. Li um comentário em inglês de um terapeuta junguiano americano desancando o meu texto, falando que eu me autodenomino “Terapeuta de Orientação Junguiana” mas sou mais um seduzido pela Ciência Materialista que acho que a Psique é um produto do Cérebro e que uso o termo Brain (Cérebro) muito mais do que Mind (Mente) ou Psique. Que delícia. O ataque é meio bobo e sectário, embora bastante compreensível, já que ele deve ter lido um post do departamento de Neurociência desse blog, coordenado pelo mesmo autor dos posts junguianos, no caso, eu. O bacana é criar debate e levantar questões. Vou contar uma pequena história pessoal para ilustrar esse assunto, e para esclarecer do que se fala neste blog.
Nos idos dos anos 90, eu fazia parte de um grupo do Instituto de Psiquiatria. Nossa verba era limitada e passamos a organizar cursos para pagar nossas contas, da secretária ao computador. Aproveitei a ocasião para falar do que realmente interessava: uma reflexão sobre o trabalho complementar da Psiquiatria e Psicologia na Clínica diária. O nome da série era: “Psiquiatria e Psicologia: Uma Ponte Possível”. Tudo bem que quase duas décadas depois está mais para “Uma Ponte Longe Demais” do que uma ponte possível. Lembro nitidamente de uma aula que eu preparei sobre Esquizofrenia, e da leitura tripla que tentei na época: os achados clínicos e como eles se agrupavam no que hoje entendemos como um espectro sindrômico; os achados biológicos e como funcionava o Cérebro de um paciente com esses sintomas; finalmente, descrevi como o então jovem psiquiatra suíço, Carl Jung, descobriu o Inconsciente Coletivo em uma frase de um paciente que hoje seria chamado de esquizofrênico. O paciente disse para Jung que o vento se formava a partir do movimento do pênis do Sol, que se movia para frente e para traz. Jung já era um estudioso de Religião e Mitologia comparadas. A ideia do Pênis do Sol existia na Mitra, uma das mais antigas mitologias do mundo. A Psique do paciente tinha reproduzido aquela ideia, e não havia a menor chance dele ser um estudioso da mitologia mitraica. A Esquizofrenia poderia ser, também, uma psique aberta para o Inconsciente Coletivo, como os xamãs eram e são. Ao final da aula, o chefe do grupo pediu a palavra e me desancou na frente de 200 pessoas, dizendo que aquela aula não representava o nosso grupo, era pessoal e não comprovada cientificamente. Não respondi, pois as pessoas não entenderam o ataque, mas na primeira reunião do grupo observei, com aquela moderação que temos aos vinte e poucos anos, que faltava cultura psiquiátrica, psicológica e científica para ele para entender aquela aula. E que a opinião dele não era a opinião do grupo, mesmo ele sendo nosso chefe. Não é uma coisa boa para se falar ao seu chefe, muito menos em público. Foi o último curso que eu organizei, e a Psiquiatria que ele defendia está no poder em todos esses anos. A Psicologia Profunda é vista como uma espécie de curiosidade e as Terapias consideradas são as de Orientação Comportamental e Cognitiva, passíveis de validação empírica.
Esse blog representa essa tentativa de síntese: me interessam, muito, os avanços da Neurociência; as intervenções a Nível de Ego, como as Terapias Comportamentais, ajudam milhares de pacientes, todo dia; a medicação bem empregada muda e transforma sofrimentos humanos atrozes; o trabalho na Psique Profunda chega nas verdadeiras origens do sofrimento e produz as verdadeiras transformações, as que vem de dentro, não de fora. Finalmente, não consigo acreditar numa clínica junguiana que não seja Multidimensional, onde Cérebro, Mente e Psique não se transformem entre si. Sei que isso gera incompreensão e ataques de todos que defendem o seu quadrado. Mas está na hora de se arrebentar com os quadrados para formarmos um mosaico.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Flash Foward

Outro dia recebi uma questão interessante de uma leitora desse blog, que preferiu se manifestar no meu e-mail. Ela questionava o tal do Pensamento Positivo e como desenvolvê-lo sem tentar se fazer de boba. Dizia que não era assim otimista, pelo contrário, tendia sempre a ser um pouco pessimista e esperar pelo pior das pessoas e dos acontecimentos. Como desenvolver um otimismo que não seja tolo e não ignore a Realidade?
Não sei se a minha resposta foi animadora. Nosso Cérebro foi projetado pela Evolução para ser antes pessimista do que otimista; valorizar antes as experiências negativas do que as positivas. As lembranças mais facilmente fixadas em nossas redes de Memória são as cercadas de forte emoção, por isso lembramos mais das situações de risco, medo, tristeza e trauma. Uma das espetaculares intuições de Freud foi justamente correlacionar esses fragmentos de Memória traumática com a origem de comportamentos estranhos, neuróticos e medos tão profundos quanto irracionais que se originam dessas memórias profundas. Essa descoberta teve uma profunda influência em todos os tipos de Psicoterapia: recuperar essas memórias e, sobretudo, ressignificá-las (gosto muito dessa palavra) é uma tarefa que produz cura e transformação. O que Freud teria dificuldade hoje de aplicar o seu método seria para pacientes desse século que não são, apenas, prisioneiros do Passado: hoje temos pacientes completamente escravizados e paralisados pelo Futuro.
Nosso Cérebro tem a obrigação evolutiva de ser pessimista. Temos que estar preparados o tempo todo para situações de risco ou dificuldades que podem estar esperando por nós. No filme “As Aventuras de Pi”, o personagem principal sobrevive a sete meses de naufrágio, à deriva nas correntes do Pacífico, dividindo o bote salvavidas com um tigre chamado Richard Parker. Quando finalmente encontram terra firme, Richard Parker vai embora sem olhar para o homem que pescou e o manteve vivo no naufrágio, para sua grande mágoa. O que ele acaba compreendendo é que esse tigre, real ou imaginário, foi seu estado de extrema Prontidão e Atenção Plena diante das dificuldades e riscos diários à sobrevivência. Richard Parker representa esse estado mental não de otimismo nem pessimismo, mas de prontidão meticulosa diante do que a vida pode, ou não, trazer de bom ou de ruim.
Nosso Cérebro também conseguiu compreender a natureza do tempo e, portanto, conseguiu de forma mais complexa que qualquer outra forma de vida, planejar o futuro. Fui a um simpósio no ano passado em que um colega do Reino Unido relatou um achado bem diferente das descobertas de Freud: em vez de procurar pelos Flash Backs de experiências traumáticas, o seu grupo pesquisou os Flash Fowards, a antecipação de cenas terríveis que acometiam os pacientes como se estivessem num cinema gigante, assistindo um filme de terror da própria vida. Eram experiências em que os pacientes faziam o que fazemos todo dia, ficar projetando cenários de desgraça, fracasso para o futuro. Os pacientes que apresentavam esses Flashes Foward tinham uma evolução pior, necessitavam de mais medicamentos e tinham mais recaídas do que o resto do grupo em seguimento. Isso quer dizer que as pessoas que ficam projetando em sua tela mental imagens de cenas horríveis, como desemprego, doença, abandono ou, pior que tudo, não encontrar um bom namorado e ficar para titia, essas pessoas vão adoecer mais e ter respostas mais modestas ao tratamento.
Posso dizer para a leitora que perguntou sobre o Pensamento Positivo, é que acredito mais em atitudes do que pensamentos. Uma atitude de prontidão e abertura diante do futuro é o melhor pensamento positivo que posso desejar. Mas hoje em dia, não ficar projetando imagens de desgraça para o próprio futuro é um cuidado que nosso Cérebro Pessimista deveria sempre ter.