domingo, 28 de julho de 2013

O Desejo e a Taça

A torcida do Galo, o Clube Atlético Mineiro é a que realmente merecia o título de Fiel. A única estrela de seu uniforme é do longínquo título brasileiro de 1971. Nesta semana essa estrela ganhou uma companheira, com a heróica conquista da Libertadores, contra o encardido time do Olímpia. Eu bem que tentei torcer contra, já que o início da jornada do Galo passou por pregar uns pregos no caixão do São Paulo, que, de fracasso em fracasso vem coletando os próprios cacos desde o início do ano. Mas, no final, estava secando os batedores paraguaios, até a bola explodir na trave e o grito de “É campeão!” ecoar depois de quarenta e tantos anos na garganta dos mineiros.
Um detalhe legal, que inspirou esse post, foi a entrevista do técnico do Galo, Cuca, ele também um colecionador de vicecampeonatos, como seu clube. Cuca, que não concatenava direito as ideias, mencionou que ele é tido como azarado, o Atlético Mineiro é chamado de azarado e, indo embora na direção dos abraços, virou para as câmeras e gritou: “Azarado porra nenhuma! Azarado porra nenhuma!”- e depois foi engolido pela floresta de campeões emocionados. Todo mundo que persegue um sonho há muito tempo e já experimentou todo tipo de decepção deveria dar uma boa gargalhada diante dessa cena. Explico.
Há uma história da Mitologia Grega que já foi citada neste blog há muito tempo: o mito de Tântalo. O cara era o cozinheiro dos deuses, servia as maiores iguarias do Monte Olimpo e se pudesse, estaria estreando um Reality Show tipo “O Néctar dos Deuses: a Cozinha Divina de Tântalo”. Mas isso não era suficiente para ele. Para virar um dos deuses do Olimpo, Tântalo matou e serviu o próprio filho em um banquete. Os deuses perceberam o golpe e não comeram da carne humana. Tântalo foi condenado à uma eternidade de fome e sede no calor dos infernos, e toda vez que estendia a mão para pegar os frutos de uma árvore frondosa, ao alcance de sua mão, os frutos sobiam e saíam do seu alcance. Tântalo vive a fome e a sede infinitas e sempre tem a riqueza bem perto, mas fora de seu alcance.
O mundo está cheio de Tântalos e Tântalas, pessoas que sempre vagam famintas pelo mundo, sempre tentando, tentando atingir os seus objetivos de qualquer jeito, mesmo que isso custe tudo o que há de mais caro e sagrado. Na hora H, os frutos ficam fora de seu alcance. Este parecia ser o destino de Cuca e do Galo. Ambos já perderam muita coisa, já passaram por muitas decepções e derrotas de última hora. No primeiro jogo da final, na arapuca do Defensores Del Chaco, o Galo viu uma bola entrar na sua gaveta no último minuto daquela batalha. Coisas que só acontecem com ele. Mas, ao contrário de Tântalo, não seria mais uma vez que a árvore se encolheria com seus frutos. O Atlético ganhou num jogo horrível, com a estratégia errada, que foi de ficar levantando a bola na área dos paraguaios o tempo todo para que a sua zaga alta e pesadona ficasse espanando a bola. Teve que contar com a grossura dos caras e as travessuras do Sobrenatural de Almeida para os homens perderem gols inacreditáveis. O time adotou a estratégia de martelar, martelar, até a bola entrar. Eu poderia estar escrevendo que foi uma estratégia ruim, e foi, mas ainda assim deu certo. Ganhou o time que transformou o próprio desejo em Desejo Inquebrantável. Esse é o preço de toda Psicologia Positiva, que passeia pelos livros de Autoajuda. Não adianta pensar positivo, fazer tudo com apuro e perfeição para atingir o seu objetivo. É preciso um desejo legítimo e uma mentalização absoluta para chegar lá, seja para conseguir uma promoção, encontrar um grande amor ou levantar a taça da Libertadores. Um desejo que não se dissolve nem no desespero nem no desânimo que estão, sempre, esperando em toda curva da jornada.

domingo, 21 de julho de 2013

Provar Para Todo Mundo

Lacan descreveu um período importantíssimo na vida de um ser humano, nos seus primeiros anos de vida: o Estadio do Espelho, uma época em que a criança sabe que existe a partir de sua imagem refletida nos olhos do Outro, sobretudo a sua mãe. O próprio senso de Ser, ou, por estranho que possa parecer, a sensação de merecer a própria existência, vai ser estruturada nessa fase. A falta desse olhar pode fazer muito estrago no desenvolvimento de uma psique. Falhas nessa fase frequentemente dão ao sujeito uma sensação muito profunda de desvalia, assim como a necessidade de se provar, o tempo todo.
Estou lembrando desse conceito dando sequência ao texto de ontem, sobre querer, ou não, provar alguma coisa para as pessoas. Uma música do Renato Russo dizia isso: “...quando o que eu mais queria/ Era provar pra todo mundo/ que eu não precisava provar nada pra ninguém”. Interessante ironia. Mostra como é difícil viver sem tentar provar algo a alguém. Outro dia ligou uma senhora no consultório, querendo me entrevistar antes de marcar a consulta. Quem sou eu? Quais são as minhas credenciais? Qual o meu curriculum? A secretária ponderou que isso já está subentendido pela fonte encaminhadora. Não sei se ela lesse esse blog iria ser uma ótima referência, ou se desse uma clicada em meu nome no Google. Nada. A mulher queria porque queria me sabatinar. Está esperando até hoje. Será que os cabelos e a barba rala grisalha já me permitem não responder a esse tipo de exigência? Se a minha agenda estivesse cheia de buracos eu iria responder às perguntas da senhora, que não sabe a diferença entre Marco Spinelli e Hannibal Lecter? Se eu fosse mais budista deveria ter compaixão com os medos da senhora?
Se a senhora conhecesse alguma coisa como o tempo lógico, entenderia que não ligar foi a minha resposta. Não vou entrar nesse jogo. Se isso me qualifica para ser o seu médico, ótimo. Senão, continue procurando. Estou numa fase em que não preciso provar a minha competência? Não acho que seja esse o caso. Prefiro acreditar que a tal conversa é na verdade um jogo de poder: em vez de ser procurado por uma pessoa que supostamente está precisando de ajuda, eu preciso me esforçar para poder ajudá-la. Eu tenho que desejar o tratamento, antes da pessoa que está vindo para a consulta. Isso tem um sotaque narcísico que já conheço de outros carnavais.
A pessoa que se coloca em um lugar de exigir que o outro prove alguma coisa, está se colocando no lugar de Juiz. Essa instância julgadora vai se outorgar o papel de examinadora do outro, alguém que tem o Poder dentro da relação. Lembro de um moleque que foi para aquele programa do Roberto Justus, “O Aprendiz”, felizmente retirado da grade das emissoras, bem como o seu apresentador. Na hora da Avaliação/Inquisição de praxe, ele falou que demitia o Roberto Justus do cargo de chefe, que ele nunca quereria ser comandado por um sujeito daquele naipe. Finalmente um bom momento nesse reality show. O avaliado avaliando o avaliador.
Como este post está muito lacaniano, vou falar de uma frase do homem que eu adoro: “Um analista só se valida por si próprio”. Essa frase responde a questão levantada nesses posts. Por mais que sejamos avaliados todo dia, por clientes, familiares, amigos, redes sociais, redes de fofocas, enfim, mesmo sendo continuamente questionados sobre a nossa competência, de Domingo a Domingo, durante todos os dias de nossa vida, não vai ser um diploma, uma conta bancária ou qualquer método quantitativo que vai avaliar o valor de alguém. A validação só pode partir de si mesmo. E conhecer as próprias limitações talvez seja muito mais importante que as qualidades.

sábado, 20 de julho de 2013

Too Much Mind

Peço desculpas aos fiéis leitores dessas mal tecladas. Depois de minhas férias, tive uma semana daquelas e o resultado é um grande tempo sem posts nesse blog, que está ficando um pouco bissexto. Depois de mais de trezentos textos, ainda há muito o que se falar, embora às vezes bata uma preguiça ou fantasias de encerrar essa tribuna virtual. A maioria dos blogs morrem assim na blogosfera, ouvi numa entrevista no rádio. Vamos continuar alimentando este aqui, que teve e tem lá seus momentos melhores e piores, como tudo nessa vida.
Nesta semana bem bombada fui convidado a dar uma entrevista sobre uma pauta bem difícil: a necessidade, ou não, que temos que provar as coisas para as pessoas, para o Outro. Bola quadrada para psiquiatras: não há nenhum quadro clínico ou falha de neurotransmissão para discutir. Bola quadradérrima para psicoterapeutas: como tirar um protocolo de ação para essa questão? Sem mencionar o sotaque de Autoajuda, o que queima definitivamente o filme de qualquer um. Dá para viver sem querer provar nada para ninguém, como cantava Renato Russo? Somos testados todo dia e avaliados por pares, clientes, chefes, afetos e desafetos. Dr House zelava muito pela sua capacidade de se lixar para o que pensam dele. Isso valeu boas risadas aos expectadores da série, e socos, tiros, prisões e perseguições ao personagem principal, que realmente não era bom candidato a Mr Simpatia.
Vou citar nessa entrevista, se ela ocorrer, uma cena que eu gosto muito de um filme, que já devo ter citado em algum desses trezentos e muitos posts: é uma cena com um ator limitado, Tom Cruise, no filme melosão-que-eu-adoro “O Último Samurai”. Para quem não lembra, o filme conta a história de um coronel do exército americano, alcoólatra e traumatizado com as atrocidades de guerra, que é contratado para treinar o exército japonês. O objetivo era combater os samurais, obstáculos à modernização do Japão. O personagem de Tom Cruise cai prisioneiro dos samurais e passa um inverno nas montanhas geladas, aprendendo sua visão da vida e curando suas feridas. A cena a que eu me refiro é uma em que ele está treinando com um samurai que não vai muito com a sua cara. Simulam uma luta de espada com porretes longos. O americano leva um tremendo e inevitável cacete do japa. Quanto mais se esforça, mais acaba no chão, comendo uma humilhação empoeirada. Um jovem samurai se aproxima e observa qual é o seu problema: “Too much mind” Como assim? Você pensa demais, cara pálida. Pensa na técnica correta, na raiva do adversário, no medo de levar mais porrada, e sobretudo, se preocupa com os olhos risonhos de quem está assistindo. Ele entende rápido, como acontece no cinema, e já equilibra a luta com o samurai que fez aquilo a sua vida toda. Mas o princípio vale, e responde uma questão dessa entrevista: a questão não é ter ou não que provar algo para alguém. A questão é o peso que carregamos por esses infinitos pares de olhos que ficam nos olhando, pelo menos em nosso Imaginário. O que vão falar de mim? Como vão me julgar?
Uma prova de maturidade é estabelecer uma convicção sobre o que somos, tornando a opinião alheia menos importante com o tempo. Como no caso do aprendiz de samurai, sair do “too much mind” e prestar atenção a cada momento, a cada tarefa, esquecendo temporariamente desses pares de olhos que nos espreitam e suas vozes abafadas. Ter que provar alguma coisa, ou não, faz parte de nossas vidas. Todas as vidas. Mas o único jeito de manejar a espada com liberdade é se descolar das infinitas opiniões alheias. Mais uma vez, é mais fácil falar do que fazer.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Altro Estima

Sempre achei que a frase de Jesus, para amar o próximo como a si mesmo, fosse uma via de duas mãos. A sua capacidade de ser amoroso com o Outro é diretamente proporcional à sua capacidade de amar a si mesmo, como um próximo.
Não é comum, entretanto, nem gostar de si nem muito menos olhar no espelho e encontrar alguém com quem se queira alguma proximidade. Olhamos os sinais da idade e do tempo avançando, os quilos ganhos nas férias e depois de mais alguns anos tememos o que se vai encontrar no espelho. Compaixão e delicadeza não deveriam ser exercícios praticados apenas com o Outro, ou o Necessitado, ou o menos afortunado, como ensinam as vozes carolas e os guias do Politicamente Correto. Delicadeza e compaixão consigo deveria ser a primeira lição de casa. E vem com um pacote de benefícios para o Outro, sobretudo o de deixar de conviver com alguém falsamente bondoso, mas que fica esperando o tempo todo que uma fanfarra de anjos celebre a sua bondade, ou, no caso, a sua falsa bondade.
A tal da autoestima não é mandar beijocas para a sua imagem no espelho, nem se presentear com cervejas e caixas de bombons, nem marcar um jantar em um lugar bacana consigo mesmo. Autoestima é diretamente proporcional à sua Altro Estima, inclusive a capacidade de se tratar a si próprio como outro. E tratar esse outro, que sou eu mesmo, significa ter uma relação de respeito, delicadeza e compaixão atuante sobre a própria vida e o próprio ser. Essa é a condição inicial para podermos exercitar essas mesmas qualidades com os que nos cercam, ou os que estão longe.
A tal da autoestima proposta nos programas de variedades ensinam, de uma forma direta ou indireta, como inflar o próprio ego positiva ou negativamente. Pode parecer estranho, mas qualquer um pode parar e imaginar quantas pessoas conhecemos que glorificam o próprio Ego sendo as piores, mais fracassadas e mais infelizes pessoas do mundo. Socar o próprio peito gritando “mea culpa”, ou mais recente “eu sou uma bosta” produzem o mesmo resultado de gritar a plenos pulmões um “eu me amo”: ficar andando em círculos de afetos condicionais e autorreferentes, em vez de praticar, todo dia, algum tipo de delicadeza com nossos quilinhos a mais, nossa preguiça quase diária ou a ida para a Academia que foi enforcada mais uma semana. Emagrecimento e mudança de hábitos estão sempre condenadas ao fracasso se dependerem apenas da tal “força de vontade”. A força de vontade dura uns cinco dias ou o próximo churrasco, o que vier antes. Mudanças de hábitos alimentares ou de qualquer hábito, sobretudo os maus hábitos, dependem de mudança de consciência, inclusive da consciência do que é amar, o que é comer e que tipo de exercício queremos, ou não, fazer, física e mentalmente.
Imagino que seja isso. Autoestima começa e termina na capacidade de seu autoconhecimento e de relacionamento. Isso vale para o Sujeito e para o Outro. A delicadeza é para as duas mãos do “Amar o Próximo como a Si mesmo”.

domingo, 7 de julho de 2013

Mindfulness

Acabei de ler, bem no meio de minhas férias, um estudo sobre Meditação e seus efeitos na Depressão. Esta técnica é chamada de Mindfulness, o que em tradução livre significa uma mente plena, enchendo o ambiente mental de uma pessoa. Parece um programa de índio, mas não. Ou talvez seja, se os índios forem bons meditadores.
Assisti certa vez uma entrevista do Dalai Lama em sua segunda passagem pelo Brasil e o repórter perguntou onde ele arranjava energia para ter uma agenda tão sobrecarregada, quase impossível. Ele respondeu com aquele ar sempre risonho que era movido por um senso muito profundo de Propósito, uma sensação de que ele realmente pode ajudar a mudar o mundo. É claro que eu não sou o Dalai Lama, salvo alguma visita de alguns carequinhas igualmente risonhos que batam naquela porta e digam que descobriram, com algum atraso, que eu sou a reencarnação de algum Lama, ou Rimpoche, ou coisa que o valha. Quem sabe até a reencarnação de algum faxineiro do templo, tudo bem, meu trabalho tem muito de faxina mesmo. O que eu posso dizer é que mesmo não sendo o Dalai Lama, tenho essa benção que é essa coceira do Propósito, essa inquietude de tentar entender mais, curar mais, contrabandear mais conhecimento para as pessoas numa sociedade que o excesso de informação está gerando a falta de informação. Finalmente, acho que descobri a mesma coisa que os Lamas já haviam descoberto há milênios: o trabalho de aquietar a Mente e a Meditação podem realmente ajudar a melhorar as pessoas e o mundo em que elas vivem.
Quem acompanha esse blog é testemunha dessa busca de respostas e de criação de Consciência. Mas quem lê essas mal tecladas linhas também deve se perguntar como fazer essa tal de Meditação. Alguém já pode ter tentado e desistido desanimado com aqueles mantras e aquelas posições de lótus que piorou a sua dor nas costas. Para os ansiosos chega a ser muito desconfortável sentar e contar a respiração, ou tentar cessar os pensamentos. O respeito infinito que os orientais tem pela experiência e o aprendizado individual torna essas técnicas pouco didáticas e pouco compreensíveis ao grande público. Então vamos lá: a meditação consiste numa infinidade de técnicas para aquietar a mente e pacificar nossos pensamentos circulares e obsessivos. Na medida em que as ondas cerebrais vão se lentificando, os neurônios disparam numa frequência mais próxima e harmoniosa. Isso pode se conseguir durante uma boa caminhada, ouvindo uma música no quarto ou fazendo uma atividade relaxante com a máxima concentração, sem que essa concentração demande nenhum esforço. O sujeito meditante vai conseguindo resultados cada vez melhores com a repetição dos procedimentos, gerando uma mente que se encontra na tranquilidade diante de situações de maior ou menor estresse.
Para iniciantes, eu sugiro duas práticas de cinco minutos, no começo e no final do dia. Conte as inspirações e expirações até dez. Preste atenção no ritmo de entrada e saída do ar de seus Pulmões como se você fosse um observador externo. Permita que o ar entre e saia de suas vias aéreas da forma mais consciente possível. Depois envie mensagens, ou imagens para esses Cérebro relaxado e concentrado ao mesmo tempo: imagens de um dia bom, com bom aproveitamento de seu tempo, alimentação consciente e boa produtividade. Sorria para seus medos e alterações de humor. Faça isso duas vezes por dia e observe como vai ficar o dia em que você lembra ou esquece de fazer o seu pequeno período de Meditação. Não precisa ser um Lama, ou um guru indiano para começar.
Aplicar essas técnicas à minha prática clínica é um dos propósitos para os próximos anos. Cada um pode aplicar a técnica para encontrar, ou aprimorar os seus propósitos nessa vida.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Circuito Oval

Steve Jobs, o homem que criou e depois recriou a Apple, falou em mais de uma entrevista que a grande questão para um moleque de vinte e poucos anos com cem milhões de dólares na conta, sempre passou longe do dinheiro. Ficar rico muito cedo tem essas vantagens. Desde então, a sua questão era mudar o mundo e ele o fez. Uma vez ele contratou um executivo da Coca Cola justamente com esse argumento: você pode passar a sua vida vendendo água com açúcar (muito açúcar) ou pode vir aqui mudar o mundo. Eu gosto dessas histórias, mesmo sabendo que Steve Jobs não era nenhum anjo e suas intenções não eram de salvar ninguém, mas, antes, derrotar seus concorrentes, como qualquer filho do Hipercapitalismo e do Hiperconsumo. Mas quando compramos um fone de ouvido da Apple, somos convidados a apreciar o design, o capricho, a sedução de tudo o que está ali, da facilidade de manuseio à perfomance do produto. Aquilo é que é um marketing bem feito, com imenso capricho e detalhismo que construiu um conceito.
Não estou aqui para vender nenhum produto da Apple, nem fazer uma ode a Steve Jobs. Fico na verdade suspirando pela falta de utopia dentro da minha área de atuação. A Psiquiatria evoluiu muito, muito, nessas décadas em que eu a pratico e hoje está batendo às portas da manipulação genética, mudando expressões e equilíbrios entre os genes. Mas isso ainda parece muito pouco. Vivemos num mundo acelerado e a Medicina pode fazer o papel dos mecânicos que trocam as peças dos Fórmulas 1 na beira da pista para devolvê-los para a corrida. Uma corrida que parece daqueles circuitos ovais, para ver quem produz mais, quem consome mais, quem ganha mais posições antes do motor finalmente pifar ou se autodestruir.
Hoje uma parte polpuda dos recursos do SUS para a Psiquiatria são gastos com programas de fornecimento de medicamentos de segunda e terceira geração para tratar a Esquizofrenia, o que acaba gerando uma situação esquizofrênica, gastando 60% do dinheiro com uma doença que afeta 1 a 3% da população. O Estresse, que nem doença é, afeta uma parte bem mais significativa da nossa vida. A principal fonte de doença, que é o Estresse, passa diluído do discurso e na ação da Medicina e na especialidade que mais deveria se ocupar dela, que é a minha. Procuramos por drogas que reduzam os efeitos e protejam nossos pacientes do Ansiedade e suas complicações, mas não temos uma proposta clara e aplicável em grande escala, de como reduzir ou transformar, o estresse de nossos pacientes. Os laboratórios, que ganham seus bilhõezinhos às custas do estresse, também não estão muito interessados em diminuir esse sofrimento. Quem deveria se interessar pela pesquisa de ponta na redução do estresse e no aumento de resiliência da população deveriam ser as Empresas Seguradoras e os Planos de Saúde, que economizariam uma soma exorbitante de dinheiro em exames, procedimentos e consultas de pessoas que, simplesmente, não conseguem parar de se angustiar com o futuro e com o devir, com medo de se tornarem carros velhos e obsoletos, incapazes de voltar para a corrida.
Um caminho que já sabemos tomar e criar corredores mais conscientes do jogo e que sabem dosar cada vez melhor a energia gasta correndo e a capacidade de reabastecimento nos pit stops. A questão é que estão todos viciados na corrida. Ainda.