domingo, 26 de janeiro de 2014

Hormese e Longevidade

Uma das capacidades mais exigente em nossos tempos é localizar coisas boas no meio de imenso ruído. Encontrar uma aula boa, uma pesquisa de ponta que abre grandes questões dentro de um Congresso, por exemplo. É quase acidental tropeçar em uma aula ou conferência bacana e, para isso, é preciso garimpar. Isso também vale para a Internet ou para a TV a Cabo. A tendência infinita à repetição e o acúmulo de lixo e de ruído virtual e real, e, de repente, uma joia escondida, que tropeçamos e às vezes perdemos para algum clique ou uma zapeada. Havia uma música declamada dos Paralamas em que Herbert Vianna dizia: “Tudo o que te ensina/Existe solto por aí.” É isso mesmo. As coisas estão sempre soltas por aí, procurando pelo nosso aprendizado.
Encontrei uma dessas joias em um programa que um jornalista inglês faz sobre Medicina. Eu já o conhecia de programas anteriores, em que investigava métodos de cura ancestral. Esse programa eu me lembro, se chama Medicina Milenar. Uma senhora, asmática grave, melhorou muito com uma sopa de cupim receitada por um curandeiro amazônico. Pelo menos enquanto gravava o programa. Não sei como ela está hoje, mas se fosse eu, importava vários ninhos de cupim na Amazônia para fazer o xarope.
Neste programa que dá origem a esse post, o tal jornalista descobre que, apesar de ser magro e viver uma vida não sedentária, seu corpo fabrica uma substância, o IGF-1, que se correlaciona com uma série de doenças inflamatórias, Câncer e Doenças Cardíacas incluídas. Ele entrevistou um pesquisador que estuda o valor do Jejum para a diminuição dessa substância e consequentemente, de todas os fatores que vão afetar o nosso futuro, como altos níveis de Glicose, Insulina e Colesterol. Numa passagem particularmente interessante do programa, ele sobe numa Ferrari com o pesquisador que acelera numa daquelas Highways americanas. Ele usou essa imagem para descrever o que acontece dentro de nossas células nesses tempos de dietas com altos índices de carbohidratos, gorduras e proteínas. As células estão sempre no Modo Vai-Vai-Vai. Muita síntese de substância e acúmulo de reservas, no caso, de gordura. Excesso de ofertas de nutrientes costumam por muita lenha nessa fogueira. Mas qual o princípio do Jejum? Na hora em que os nutrientes são mais escassos, diminui o ritmo da correria. Depois de milhões de anos de incerteza e insegurança alimentar, nosso tempo de nutrientes abundantes tornam nossas células lentas, preguiçosas, inchadas, como o Ministério da Dilma.
Diante dos exames, o médico deu uma intimada no entrevistador, dizendo que ou ele aprende como desafiar o seu organismo, ou em poucos anos vai viver tomando oito comprimidos por dia, se tudo der certo. Caso contrário, sua prescrição poderia ficar ainda mais florida. Não é difícil de se perceber que o grande comando de nosso tempo é esse Modo Vai-vai-vai. Comemos com medo de ficar com fome entre as refeições. Compramos com medo de não achar o mesmo produto em alguns meses. Corremos atrás de atualizações de Programas, aplicativos, celulares e tablets, com medo de ficar para trás numa corrida que é, acredite, apenas imaginária.
Há algum tempo nesse blog eu comentei um termo, relativamente novo, que eu descobri em alguns estudos e que hoje me é muito caro: Hormese. Hormese é o processo de desafiar o teu corpo e seus neurônios para que estejam sempre em sua melhor forma. Eu que sou de família italiana, passei toda a infância ouvindo o “mangia que te fá bene...”. Nem desconfiava que no futuro iria descobrir que comer não faz tanto bem assim... E que tolerar o desconforto é um caminho para a saúde.

domingo, 19 de janeiro de 2014

A Espada e a Expectativa

Lembro de uma pequena história de samurai que me ocorre para escrever esse post: “Havia um valente samurai que viajou de muito longe para consultar um velho Mestre. Estava com o espírito carregado por uma dúvida e, depois da jornada, finalmente perguntou ao sábio como saber a diferença e encontrar o Inferno ou o Céu na vida de uma pessoa. O mestre, de maneira estranha, não recebeu bem o Samurai. Pareceu mesmo ignorar a sua pergunta. O guerreiro começou a se sentir incomodado com essa atitude. Repetiu a pergunta, com insistência incomum. O velhinho respondeu com um desaforo, que não iria conversar com um desclassificado. O Samurai puxou a sua espada, pronto a matar o velho desaforado. O sábio olhou em seus olhos e falou: “Esse é o Inferno”. O samurai então, entendeu a mensagem, guardou a espada e se curvou diante do mestre. “Esse é o Paraíso”, completou o homem.
A história não é muito animadora. Podemos concluir, através dela, que estamos no Inferno a maior parte do tempo. Quando o guerreiro se deixa ofender por um desconhecido, está no reino do Ego. O sangue sobe à cabeça e ele está perto de lavar a sua honra também em sangue, quando, envergonhado, entende a lição. Mais surpreendente é o final, quando a atitude de respeito é comparada ao Céu.
Lembrei dessa historieta antes de falar sobre um tema recorrente nesse blog, que é a Obsessão Amorosa, doença que acomete ambos os sexos mas, predominantemente, as mulheres, que não usam armadura nem falam japonês, mas podem se comportar como o samurai. A língua pode ser afiada como uma espada e decepar esperanças. Mas o essencial de nosso inferno pós moderno é sempre, sempre o mesmo: “Eu, eu, eu, eu e mais eu”. Para completar, um pouco mais de Eu. As moças chegam nas relações com uma lista de características que se esperam de seu candidato a Príncipe: beleza, pegada, situação financeira e uma capacidade sobre humana de atender a todas as suas carências. Quando nosso candidato falha em alguns desses quesitos, geralmente em todos, começam as críticas, as cobranças e os desencontros que terminam em uma caixa de chocolates e vários lenços de papel molhados. Como o velho mestre conseguiria dar conta de tanta expectativa e sofrimento?
A atitude que o mestre aponta como o paraíso é do Respeito. Respeito pelo Outro, mas, acima de tudo, respeito pelo aprendizado. Em vez de esticar e puxar o Outro, ou a relação, para cima e para baixo até ela se encaixar no caixão das expectativas, adotar uma atitude de respeito por tudo o que não conseguimos controlar. Lição número um para os samurais do amor: começar pelo respeito ao Outro. Ou à Outra.
A Guerra dos Sexos não existe mais . O que existe são espadas cortando o ar.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Cristo de Saias

Então cá estamos, eu, o Blog e os leitores, em 2014. Poupei a todos de ensaios junguianos sobre o Natal ou do texto do Borges na virada do ano. Apenas um descanso, em época de grande cansaço que é a reta final do ano.
Não falei do Mito da Natividade, um dos meus preferidos. Nem mencionei que essa época é de grande tensão psíquica. Os terapeutas participam desse momento de tensão, muitas vezes compartilhando o sofrimento. O final do ano é uma travessia, como todas as épocas de transição em nossa vida, e algumas pessoas não conseguem cumpri-la.
Um paciente com uma sólida formação cristã e, particularmente, católica, estava falando sobre candidatos à canonização. Mencionou um ídolo seu, o papa João XXIII e a missionária Dorothy Stang, morta por um matador que lhe pediu desculpas antes de executá-la. Ela mostrou para ele, diante da mira de sua arma, a sua Bíblia amassarocada e respondeu, antes dos tiros, que aquela era a única arma que tinha na vida.
Essa mulher veio aos rincões de nosso injusto país para defender os fracos, os pobres que são como podres, já diria o poeta. A sua arma era a Bíblia e a crença de que fazer o certo, mesmo naquelas paragens onde uma vida custa barato, valia a pena.
Vivemos em um tempo fortemente dominado pelo EU, um EU gigantesco em todas as mídias, em todas as esquinas. Alguns pregadores chegam a mencionar um Jesus que venha trazer prosperidade e capacidade de consumo. Fico ainda hoje, muitos anos depois da morte de Dorothy Stang, marejado com a cena da senhora magricela, num país tão longe do seu, estendendo a Bíblia para o homem que iria tirar a sua vida.
Dei uma entrevista há poucos meses que já mencionei nesse blog, sobre os mitos e as Trindades. Mencionei o personagem principal da trilogia “Matrix”, Neo. Havia tanta Mitologia e tanto Budismo nesses três filmes, mas, no final, o herói consegue derrotar o vilão, Smith, um programa maligno com capacidade infinita de multiplicação e alienação da raça humana, entregando a sua vida para a Matrix. Smith não consegue prever, nem entender, que alguém escolha morrer para salvar a todos. Ele acredita no Individualismo absoluto, e não está sozinho. Neo entregou a sua vida como um herói Crístico.
Não falei de Natal nem de Ano Novo desta vez. Mas começo o ano falando que aquela senhora, morta no interior do Pará, encarnou como ninguém a Consciência Crística. Concordo com o que o homem falou em sua sessão: ela merecia virar santa sem escalas e sem burocracia.