sábado, 31 de maio de 2014

Espelho do Medo

Um dos meus consultórios fica numa casa. Um dia desses chamei a paciente para a sua consulta, que seria realizada numa sala no andar de cima da mesma. A sua acompanhante perguntou, mais de uma vez, se a porta da frente estava trancada e disse que temia que a casa fosse invadida. Subi para a consulta com a sensação que estava subindo com a paciente errada.
Muito do que se trata em nossos consultórios tem a ver com essa percepção, muito aguda numa cidade como São Paulo, de que as casas estão prestes a serem invadidas, ou as pessoas estão sempre a um passo de ser atacadas. Muita gente sonha em se aposentar e morar em Miami, ou numa cidade em que se possa andar nas ruas à noite sem esse tipo de medo. A acompanhante já me dava uma dica sobre esse ambiente de prontidão adrenérgica, o que a consulta confirmou que esse estado também havia feito estrago no desenvolvimento da paciente. Isso quer dizer que devemos morar na Paulicéia sem ter que ficar esperto o tempo todo? O que significa esse “ficar esperto”? Significa, como no caso da senhora em minha recepção, um estado de permanente ativação adrenérgica? Coração batendo forte, respiração curta, vigilância aumentada para qualquer ameaça, real ou imaginária. Hipertensão Arterial, Glicose alta, sono perturbado à noite. Um custo alto, com benefício baixo.
Estudos com Ressonância Magnética Funcional mostram que um praticante experiente da Kundhalini Yoga tem uma ativação aumentada de áreas do Hipocampo e da Amígdala à direita. Isso se traduz por uma experiência profunda de paz e relaxamento. Em contraponto aos nossos estados de hiperativação de nosso Sistema Nervoso Simpático, uma ativação compensadora do Parassimpático.
Uma descoberta que eu considero particularmente bacana na Neurociência é a de Neurônios Espelho, ou grupos neurais que disparam em reação ao movimento do outro. Talvez esses neurônios sejam o mecanismo que torna o bocejo, ou a risada, “contagiosos”. Uma região do nosso Cérebro, a Insula, responsável pelo processamento de sentimentos viscerais, é rica nesses neurônios, o que pode estar relacionado com a empatia, ou nossa capacidade de “sentir na pele” o que está acontecendo ou causando sofrimento a um semelhante. Uma das características do que se chama de Psicopatia é justamente a incapacidade de se colocar na pele do outro ou ter empatia com o sofrimento alheio. Não deve ser por uma falta de Neurônios Espelho, mas por uma perda na sensibilidade aos seus disparos.
Não acho que aquela senhora aceitaria a ideia que o seu estado de hipervigilância vai produzir mais estrago do que benefício na sua vida e na de seus entes queridos. Mas estou começando a acreditar, de uma maneira cada vez mais consistente, em uma psicoeducação que inclua o estímulo a uma atitude mais relaxada, serena e afetiva, com relação à vida e ao devir possa realmente economizar muita medicação e muitas noites de insônia para os pacientes e seus entes queridos. O mundo reflete os nossos Neurônios Espelho. Se projetamos a imagem de um mundo selvagem e implacável, é isso que vamos viver o tempo todo. Isso equivale a deixar de viver, esperando o tempo todo pela morte.

domingo, 25 de maio de 2014

A Paz, Fez um Lar na Revolução

Estava assistindo uma pequena palestra de uma senhora, a pacifista Scilla Elworthy, numa série na internet chamada TED Talks. São pequenas inserções de ideias que valem a pena espalhar, segundo o subtítulo dessas apresentações. Scilla falou sobre Não Violência ou, mais importante, como enfrentar a Opressão em suas diversas formas com estratégias não violentas. Classificou a Violência institucional, ou seja, a praticada por Estados, Forças Policiais ou mesmo Empresas como Violência Política, usada para intimidar; Violência Psíquica, usada para fragilizar emocionalmente; e Violência Física, usada para aterrorizar. Esse pode ser o componente da Violência Doméstica e de várias formas de relação violenta, entre pessoas, grupos, estratos da sociedade.
Scilla citou uma pacifista que é a sua heroína, uma mulher chamada Aung San Suu Kyi, que atua em Burma (se o leitor pensa que eu sei onde fica Burma, está muito enganado). Ela liderava uma manifestação de estudantes quando depararam com uma tropa de choque, com várias metralhadoras apontadas para os jovens. Aung San notou que os jovens que seguravam as armas estavam tão assustados quanto seus seguidores. Calmamente, ela mandou seu grupo sentar no asfalto e caminhou serenamente até as armas apontadas, com tanta calma e clareza que pode caminhar até a arma, colocar a sua mão nela e baixá-la, suavemente. Ninguém morreu, nem virou um assassino naquele dia. É óbvio que esse tipo de paz interna e coragem precisa ser internalizada por muitos anos e inclui a disposição serena de entregar a própria vida para algo que valha a pena. Falei em um post anterior sobre a freira Dorothy Stang, morta no Pará por um pistoleiro, a mando de pessoas que seu trabalho incomodava. É preciso um laço muito profundo com uma causa, um caminho que se julgue ser o caminho correto, para se caminhar na direção de uma arma, pronta a disparar.
No filme “O Lobo de Wall Street”, Scorsese carrega na tinta da violência psíquica. Terminei o filme exausto com aquilo. Para quem não viu, o filme trata da trajetória verídica de um corretor do mercado financeiro que fez fama e fortuna desviando dinheiro de investidores para dentro de seu próprio bolso; e montou uma corretora especializada na prática. O filme trata de sua ascensão e queda. O que impressiona é a sua absoluta convicção em seu direito de enganar, persuadir e lesar pequenos e grandes investidores com a força de sua motivação. Ele termina a sua vida como um guru de autoajuda, ensinando às pessoas comuns como canalizar a própria energia para o sucesso pessoal.
Na prática clínica é possível constatar que o Ego é uma estrutura que faz muita falta para quem não o desenvolveu adequadamente, assim como destrói a vida de quem o tem poderoso demais. Ficar dentro de um universo de projetos e metas pessoais tem essa mesma característica: quem não tem meta nem projeto pessoal vive dissolvido nas águas da vida; quem se aferra aos seus projetos pessoais e objetivos como se não houvesse mais nada a se fazer, costuma cair no mesmo vazio do personagem do filme.
Posso notar que pessoas como a ativista caminhando suavemente na direção das metralhadoras, costumam ter mais paz interior e compaixão pelos seus pares. Fazer algo pelo outro é frequentemente mais divertido do que passar a vida obsessivamente remoendo o Eu e o Meu. Não tenho dúvida que vivemos num mundo que premia e coloca em cargos de liderança pessoas como o Lobo de Wall Street. Mas a imagem da pacifista enfrentando a violência com a paz de seu coração é bem mais agradável de levarmos como inspiração, para começarmos a semana.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Jornada ao Centro de Si

Posso me candidatar facilmente a garoto propaganda do Netflix. Adoro sobretudo ter acesso a filmes e documentários que não se acha em qualquer lugar, já que eu sou uma perfeita negação em ficar baixando filmes e séries da internet. Vi um documentário desses que ninguém vê, uma produção caseira chamada “The Dhamma Brothers”, em tradução livre, “Os Irmãos do Dharma”. Esse trabalho documenta um programa de Meditação Vipasana aplicado por dez dias a prisioneiros de alta periculosidade de uma prisão no Alabama. Os estados do Sul dos EUA não se caracterizam por tratar os prisioneiros com muita consideração, pode-se assim dizer. O psicólogo do complexo, meio cansado de nada conseguir fazer para ajudar aqueles presos, conseguiu propor e viabilizar esse trabalho. Cerca de quinze presos passaram dez dias fazendo a meditação Vipasana, assistindo palestras confinadas a um espaço no ginásio sem poder trocar nenhuma palavra com os colegas, respeitando o Nobre Silêncio. O estranho é que eles conseguiram esses voluntários que, mais estranho ainda, realmente se empenharam em cumprir o programa, sem nenhuma tentativa de matar os instrutores.
Durante a aplicação do trabalho em que o Silêncio era o principal e invisível personagem, os presos experimentaram a sensação de estar numa “prisão dentro da prisão”, como alguns descreveram. Não havia como fugir do confronto, para alguns, terrível, do que viria de seu mergulho interior: os instrutores chamavam isso de Período de Tempestade, em que a imersão na meditação e no silêncio traria imagens, pensamentos, lembranças perturbadoras que não poderiam ser verbalizadas nem compartilhadas. Um dos presos descreveu a imagem de sua filha de quatro anos, morta num acidente banal em um brinquedo de parquinho. O outro lembrou da cena do crime que o mandou para aquela prisão. O outro começou a chorar copiosamente, num lugar em que chorar na frente dos outros não é exatamente boa política.
Nos últimos posts acabei debatendo a natureza do Mal e a sua possibilidade de abordagem pela Ciência Médica, quais são os limites do que pode ou não ser tratado. Pois esse filme veio responder a algumas dessas questões, e outras também. Alguns daqueles presos puderam contemplar, com alguma perplexidade, o absurdo do ato criminoso que haviam cometido há décadas, mas do qual não podiam fugir ou retroceder. Não se reconheciam no moleque que havia feito aquilo. Tudo isso aparecia naquelas horas de silêncio e de olhar interior. O documentário seguiu os presos por um período após o trabalho: eles estavam nitidamente transformados, para estranheza dos colegas.
O que me emocionou como médico e terapeuta foi a confluência entre esse processo vivido na meditação e a psicoterapia profunda, tão atacada nas últimas décadas. Jung disse uma vez que ninguém vai ao Paraíso sem passar pelo Inferno. Talvez estivesse citando a “Divina Comédia”, onde Dante Alighieri desce às profundezas do inferno e sobe até o Paraíso procurando por sua amada Beatrice. Os cognitivistas e programadores neurolinguísticos acham que esse mergulho não é necessário: basta reprogramar as falsas crenças e afetos e poderemos atingir o Paraíso da Saúde Mental e Inteligência Emocional. Os “Irmãos do Dharma” desmentem essa afirmação. A entrega ao Grande Silêncio e a Introvisão trouxeram a tempestade e a bonança para os presos. Os monstros apareceram, foram vistos e observados, até perderem a força. O que ficou em seu lugar foi uma Paz profunda, que resistiu à volta dos presos ao seu ambiente de reclusão e violência.
As Psicoterapias Profundas procuram por esses monstros e olham em suas caras, para que percam a sua força. Nem sempre esse processo vai até o seu final, nem sempre os resultados são os desejados, mas talvez seja um dos últimos lugares onde as pessoas podem silenciar e olhar para o seu mundo interno, num mundo de violência e exterioridade. Ela tem muito a aprender com aqueles instrutores que terminaram o seminário abraçando os homens que a sociedade quer esquecer.

domingo, 11 de maio de 2014

O Amor no Tempo das Redes Sociais

Hoje no almoço do Dias das Mães conseguimos a proeza de reunir diversas gerações de mães e avós em torno de uma mesa de churrasco. Conseguimos fazer aquelas coisas estranhas e antigas, como conversar, por exemplo, competindo com afinco com os Smart(?)phones , que finalmente em algum momento captaram a atenção dos mais jovens e dos não tão jovens.
O mago de autoajuda Deepak Choppra foi filmado pelo filho, que resolveu economizar alguns anos de divã e exorcizar seus demônios com o seu pai, dono de um Império, num filme sobre seu pai ausente e narcisista, idolatrado pelos fãs. Deepak foi à Tailândia para se tornar um monge budista, mas não desgrudava de seu Blackberry e checava seus e-mails entre um mantra e outro. O seu filho registrou a contradição de maneira implacável em seu documentário sobre o pai/ celebridade. Será possível atingir o estado de Buda com um celular apitando de minuto em minuto?
É muito tentador analisar a fixação das pessoas nas redes sociais e seu caráter aditivo, como uma dependência química, pelo ângulo do Narcisismo. Os smartphones seriam os novos espelhos de Narciso, e as pessoas veriam o seu Eu ideal em suas fotos no Instagram e nos chats do whatsapp. Mas não vou por aí.
Grooming é uma expressão da Neurobiologia para descrever um comportamento de proteção que um grupo de animais pode desenvolver para apoio mútuo e defesa de um grupo contra ataques externos. Lembro da foto de um grupo de macacos catando piolhos uns dos outros quando o seu pequeno grupo estava escondido do risco de um ataque de predadores. Em situações de risco, os machos da espécie tem uma tendência a se endurecer e se preparar para a luta ou a fuga. As fêmeas, por outro lado, tem uma capacidade maior de estabelecer esse comportamento de “Grooming”, com proteção mútua, estabelecimento de alianças e proteção dos filhotes. Talvez esse tenha sido o comportamento primitivo que dá base ao incrível efeito viciante dessas redes sociais: a sensação de estar conectado a um grupo quase infinito de amigos virtuais que fazem parte de uma família, ou uma tribo imaginária. Nesse mundo em que se apagaram as identidades e o poder protetor dos grupos, estar filiado a um grupo do whatsapp ou curtir uma foto de um colega de faculdade, pode ser o exercício de afeto mais intenso e íntimo do dia de uma pessoa. As redes sociais podem traduzir uma sensação de proximidade e afeto, como estar num churrasco virtual com um grupo de amigos, que estão em outros churrascos com outros amigos, até que o mundo inteiro esteja num churrasco infinito, onde todos postam e retwitam as suas impressões, enquanto a carne esfria.

sábado, 3 de maio de 2014

A Nervura do Mal (2a Parte)

Em nosso post anterior, “A Nervura do Mal”, o colega Daniel Martins respondeu e fez reparos às críticas contidas nesse texto à sua aula no Congresso de Clínica Psiquiátrica. Como o objetivo desse blog de 12 seguidores não é de causar polêmica, embora a controvérsia seja sempre benvinda, então vamos situar o leitor no debate.
A aula do Dr Daniel Martins tinha um tema provocativo, com a questão levantada se maldade tem cura? Daniel brincou que não, e fez um ensaio cuja reflexão mais interessante foi situar o Mal como entidade abstrata, difícil de definir em termos médicos. A sua aula também pincelou o risco de uma neuro inimputabilidade (o termo é meu e foi inventado agora). O que significa esse termo? Sabe-se que estudos sobre pessoas capazes de atos de extrema crueldade e nenhuma empatia, chamados de psicopatas pelo senso comum e pelos filmes de psicopata, essas pessoas apresentam pouca sensibilidade da Amígdala Lateral, região de nosso Cérebro que faz a mediação de emoções, como o medo, por exemplo. Nota-se também no histórico dessas pessoas evidências de um maior índice de abusos físicos e psíquicos em sua infância, além de maior morbidade psiquiátrica em seus pais. Essas pessoas seriam doentes mentais, portanto inimputáveis? A falta de sensibilidade nessas regiões garantiria a inocência dessas pessoas, que não teriam como inibir os seus impulsos violentos? Daniel defendeu o Livre Arbítrio como uma marca de nossa condição humana e colocou um limite na tentativa de muitos de transformar agressores em vítimas. Como está claro em seu comentário no post citado, tentou fazer uma demarcação do que pode e não pode ser abarcado pela Medicina diante da agressividade e violência humanas. Na sua resposta, também fica claro uma coisa: o Mal não é relativo. Uma pessoa abusar sexualmente de uma criança que não está em condições de se defender está errado. Posso acrescentar que uma menina morrer de complicações de inanição porque defende o seu estilo de vida próprio, que chamamos de Anorexia Nervosa, também é errado e demanda tratamento. Nisso concordamos.
Não concordo com nenhum niilismo terapêutico, mesmo quando falamos de pessoas com lesões profundas de caráter e de empatia humanas. Não acho que a Pena de Morte seja a única saída para esses casos, como os programas popularescos insinuam. Citei no post a história de Jack Kornfield que relatou o caso da mãe que visitou, ajudou e tratou do menino de rua que assassinou a tiros o seu filho apenas para mostrar à sua gangue que era capaz disso. Um caso brasileiro foi o pai de Ives Ota, um menino de 8 anos que foi sequestrado e morto por dois rapazes; ele visitou e perdoou os assassinos de seu filho. Não acho, como muita gente da área pensaria, que o comportamento dessas pessoas seria uma defesa maníaca diante da tragédia e uma desesperada tentativa de reparar a desespero com o Amor. Ou, diriam alguns, a Negação do próprio ódio. Imagino que a dor e o absurdo possam mobilizar nas pessoas um salto de consciência em que nossas miudezas e neuroses ficam de lado e a compreensão sobre a infinita estupidez humana se torna mais clara e possível. Daí o perdão do imperdoável. Atingir esse nível de consciência é muito, muito raro. Mas não impossível. Diversos estudos com meditação, diversos tipos de psicoterapias e reabilitação de pacientes antissociais, o atual nome dos psicopatas, mostram resultados limitados, mas animadores.
Concluo, diante da pergunta da aula do Dr Daniel Martins, que o Mal não tem cura, já que ele não é uma doença. Em termos junguianos, gostaria de acrescentar que o Mal é uma realidade psíquica e uma força presente em nossas vidas. Bastante presente em nossos dias. A maldade tem cura? Não sei tem cura, mas tem tratamento. Ele não é fácil nem popular. É mais fácil deixar a discussão sobre o tratamento dessas pessoas nos programas do Datena do que nos Congressos. Sob essa ótica, acho que a aula perdeu a oportunidade de abrir um bom debate.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O Vencedor e as Batatas

Caetano Veloso, já num período de maturidade artística, fez uma incompreensível música sobre Alexandre, o Grande, o que não será objeto de análise desse blog. A música era muito ruim e não deve figurar nas antologias de sua impressionante obra. A parte que interessa a este post é uma passagem dessa música em que menciona que o mestre de Alexandre era o filósofo Aristóteles, “cuja cabeça até hoje sustenta o Ocidente”.
Tenho a impressão que a cabeça que sustenta o Ocidente e grande parte do mundo, em nossos dias, é de Charles Darwin. Estou lendo um livro que menciona que Darwin deu de presente uma cópia do seu - “Origem das Espécies”- para um tio, que recusou o mesmo de maneira pouco polida. A sua justificativa é que Darwin tinha abolido a ideia de um Universo ordenado e moral, colocando no trono da divindade o Acaso selvagem. Pois o velho tinha toda razão e nenhuma Razão, podemos assim dizer: desde então, a Física Quântica e a Ciência foram destruindo gradativamente a noção de que há alguma ordem em nosso mundo. Tudo é mutação aleatória de nossos genes, que nos torna mais ou menos aptos a perpetuar nosso Genoma. Vivemos então sob a metáfora do “Gene Egoísta”, isto é, a única moralidade possível é a sua capacidade de sobreviver e perpetuar o nosso material genético (ou perpetuar nossos “genes egoístas”). Prevalecer ou morrer, essa é a lei (lembro quando escrevo isso de Quincas Borba, personagem do incrível Machado de Assis: Ao vencedor, as batatas).
O mundo darwiniano nos legou, paradoxalmente, um mundo mais primitivo do ponto de vista do afeto. Presenciamos um mundo onde grupos, ideias, empresas, pessoas, vivem e morrem com a intenção de prevalecer, superar, eliminar os concorrentes pelos nichos de poder. O mundo está dominado por paleoprimatas que vivem correndo para conseguir as melhores fatias do bolo, ou, de preferência, deter os meios de produção de todos os seus ingredientes. Corremos, corremos com medo da falência, da fome ou, pior do que as alternativas anteriores, do esquecimento. O Inferno é o silêncio.
No seminário que fui, na semana passada, garimpei uma aula particularmente interessante, de uma geneticista que procurava pela diferença genética entre saúde e doença, quais genes “causariam” as doenças. Angelina Jolie à parte, não existem genes projetados pela Mãe Natureza com a finalidade específica de causar doenças. O que ela descobriu é que determinadas doenças tem uma característica em comum de causar problemas e erros de multiplicação e função celular. Doenças como a Hipertensão Arterial, diversos tipos de Câncer e o Diabetes estão associados a esse problema na função das células, o que, por sua vez, está associado à ativação de determinado grupo de genes. Isso, na modesta opinião do escriba desse blog, confirma a origem e o funcionamento comum de diversas doenças de base inflamatória, como as doenças cardiovasculares, neoplásicas, autoimunes e mesmo nas doenças psiquiátricas como as geradas pelo estresse físico e psíquico, como Ansiedade e Depressão. Tudo pode ter uma fonte comum.
Nosso mundo darwiniano glorifica os campeões do correcorre de genes e memes egoístas. Isso produz nas pessoas um estado de urgência e o estímulo aos afetos negativos, como o medo, a raiva, o ressentimento. A sensação de insegurança, o medo do futuro, a alimentação e o estilo de vida inflamatórios estão completamente associados às doenças que tentamos e não conseguimos curar. Já há evidências científicas que cultivar emoções e sentimentos positivos cause um impacto mais profundo em nossa saúde do que nossas emoções darwinistas de luta por territórios e transmissão de genes. O homem sobreviveu às diversas fases de sua acidentada evolução pela capacidade de estabelecer alianças e proteção mútua. A comunicação e a cooperação nos salvaram nessa jornada. Foi isso que nos salvou da Seleção Natural e aumentou a complexidade e a capacidade de nosso Cérebro: fazer amor, não a guerra.