domingo, 29 de junho de 2014

Pátria Límbica, Brasil

Experimentos com hamsters, hoje clássicos, demonstraram que o amor não estava no Coração, como diziam os poetas, mas no Cérebro Límbico, o Cérebro Emocional. Se o Neocortex, o que podemos chamar de Cérebro Racional, é removido, os roedores não aprendem mais como sair de labirintos, mas continuam cuidando atenciosamente de seus filhotes. Por outro lado, se as áreas emocionais forem ligeiramente danificadas, os bichos vão resolver qualquer labirinto, mas vão deixar os filhotes morrerem de fome. Há uma relação do afeto com o córtex olfativo, usado pelas ratinhas para localizar as suas crias no escuro. A tal da “Química” entre casais é talvez seja química mesmo, com uma compatibilidade de cheiros, gostos, texturas. Isso que está na base de relações que dão, ou não, liga.
Quem acompanha esse blog sabe que eu já escrevi um texto de apoio e admiração pelo Felipão, técnico da seleção nesta Copa. Felipão é um técnico eminentemente Límbico, pode-se assim dizer. Abraça e beija seus jogadores, xinga juízes e dá peitadas em oponentes. Quando era técnico de Portugal deu uma cabeçada em um beque adversário. No início da carreira, deu uns cascudos em Wanderley Luxemburgo dentro de campo e só por isso já merecia colocar as mãos na Calçada da Fama. Felipão descarta jogadores que não tenham “Espírito de Seleção”, o que eu desconfio que foi o motivo de não chamar o Robinho. Ele sabe que para ganhar os sete jogos que separam uma seleção da taça é preciso foco e motivação absolutas. O problema é que a sua ênfase no aspecto emocional e amoroso do grupo está transformando nossa seleção num bando de mariquinhas. Eles choram abraçados, choram no hino, choram na zona mista, choram antes, durante e depois da decisão por pênaltis contra os tampinhas do Chile. Como os ratinhos de laboratório, a retirada do Neocortex deixa a galera unida, a família Scolari aos prantos, e jogar bola, que é bom, nada. Precisamos de Cérebro para entender o jogo, criar situações inesperadas e executar o adversário de maneira sumária e implacável. Chega de caras fofinhos que entram em campo de mãos dadas. Precisamos de gente de má índole, sobretudo na hora em que passa pela cabeça dos jogadores o que vai acontecer se milhões e milhões de brasileiros se decepcionarem mais uma vez com o futebol.
Uma característica dramática das crianças autistas é a sua capacidade de identificar e retribuir as manifestações de afeto. A doença de Asperger, que está dentro do espectro do Autismo, deixa os pacientes como os ratinhos com lesão límbica: com uma capacidade de inteligência bem próxima ao normal, mas com uma incapacidade de entender emoções complexas, ironias ou frases de duplo sentido. Entendem a lógica, mas tem dificuldades de perceber quando alguém está irritado mas não o demonstra. E, sobretudo, não conseguem retribuir ou demonstrar as emoções que não conseguem processar.
Pode me chamar, Felipão. Vamos acabar com a choradeira e transformar os seus meninos em Autistas, que não ouvem, não sentem, não percebem o que está envolta. Só conseguem ver as traves do adversário e a necessidade de enfiar a bola lá dentro. Várias vezes. Emoção, só com o caneco na mão.

domingo, 15 de junho de 2014

País do Futebol

Lá pelos idos dos anos 90, minha esposa fez uma dura consideração sobre o cinema brasileiro: disse que o nosso cinema não sustenta a tragédia. Tudo acaba em Carnaval ou besteirol. Venho tentando responder a essa crítica desde então, sem sucesso. Lembrei, na época e hoje, das filmagens das peças de Nelson Rodrigues, nosso autor de várias tragédias suburbanas. Terminavam em Carnaval. Lembro de um filme de Arnaldo Jabor, “O Casamento”, em que o personagem principal, após confessar um crime que não havia cometido, para expiar a culpa por tantos outros pecados, vai sendo levado na cena final para a prisão, levanta as mãos com algemas em triunfo, a batucada comendo solta, enquanto ele repetia, em transe: “Eu sou um assassino”. Veja bem, termina em batucada. Eu poderia citar o “Abril Despedaçado”, do Valtinho Moreira Sales, como uma tragédia brasileira, de morte e assassinato no agreste. O filme é lento, chato e parece iraniano, como, se não me angano, o livro que originou o roteiro. Nunca consegui assistí-lo inteiro para poder usá-lo como argumento. A brincadeira versa sobre nossa incrível vocação tupiniquim para a autoindulgência, para o descuido estético e a desatenção aos detalhes porque somos o país do Samba e do Carnaval. Somos incompetentes, mas muito alegres.

Fui comprar uma camiseta do Brasil para meu filho na véspera da estréia da Copa do Mundo. O estoque acabou rápido em uma grande loja de material esportivo. Como não vendia nada, os estoques estavam pequenos. Foi um Deus nos acuda para encomendar o atual modelo, com aquela gola feiosa. Começamos a entrar na Copa bem devagar. Acho que estávamos naquele suspense do que poderia acontecer, antevendo vexames, greves, black blocks e passeatas causando caos urbano e fracasso total do evento. Hoje as vendas de camisetas estão bombando. O fracasso tem sido relativo, e tolerável, então as pessoas vão se animando. Eu, pessoalmente, tenho me retorcido de vergonha em várias ocasiões. A Cerimônia de Abertura foi de provocar náuseas. A Festa Junina da escolinha da minha sobrinha foi bem melhor. Se as nossas tragédias terminam em Carnaval, a Abertura da Copa terminou em tragédia. Que lixo, que pobreza franciscana de imaginação e coreografias. Sobretudo, que coisinha feita sem capricho. As tribunas dos convidados internacionais ficaram vazias até a hora do jogo. Soube-se depois que estavam perdidos pelo estádio, tentando achar os seus lugares, ou encontrá-los mediunicamente, já que não tinha sinalização interna no estádio. A internet não funcionou e a imprensa se comunicava por celular. As luzes de parte do estádio se apagaram no Primeiro Tempo e eu fiquei mais preocupado com isso do que com o gol contra do Marcelo. Só faltava parar o jogo por falta de iluminação. Na Arena das Dunas, choveu mais no público do que no campo, pelas inúmeras goteiras não consertadas a tempo. Na Fonte Nova, acabou a comida e a bebida.

Falar sobre esses vexames, essas falhas lamentáveis, pode ser classificado de antipatriótico. Lula, sempre ele, classificou os xingamentos da torcida à presidente Dilma (que eu também não endosso) de uma reação da “elite branca”, obesa e reacionária, contra o governo imaculado do PT.

Nossa velha comiseração tudo perdoa, já que somos um país de gente afetiva, acolhedora e alegre. Os gringos se deliciam com essa alegria, e há um esforço coletivo de receber bem essas pessoas, de apagar essas falhas de organização com nossa pegada festeira. Lula, em mais um surto de sinceridade etílica, falou em entrevista que levar o metrô até dentro do estádio é uma babaquice. Brasileiro vai a pé e de jumento, disse o nosso ex (?) presidente.

Nossa tragédia cotidiana está assentada nessa indulgência frouxa, nessa capacidade de batucar, sorrir e rebolar a bunda para os buanas enquanto cometemos erros grosseiros em todos os setores de nosso país, que caminha aos passos largos para um apagão de infraestrutura e estagnação econômica. Espero que a Copa engrene e que as presepadas se tornem menos visíveis. Mas o bom mesmo é essa Copa terminar rápido e podermos voltar para o trabalho, pois esse país tem muita gente que trabalha e que merece descer de metrô, e não de jumento, nos estádios construídos e superfaturados com dinheiro público.

domingo, 8 de junho de 2014

Toque do Anjo

Gostaria de alertar os leitores desse blog que alguns trechos dos últimos posts foram profundamente inspirados pelo livro “Fé: Evidências Científicas” de George E. Vaillant, Editora Manole. É um livro encantador, que fortemente recomendo aos interessados, sobre um paralelo entre Emoções Positivas, Psiquiatria, Espiritualidade e nossa Evolução como espécie. Isso de um psiquiatra passado de seus setenta anos, com os olhos marejados de ter presenciado tudo o que mudou, nem sempre para melhor, em quase meio século de Psiquiatria. Espero chegar lá. Nesta semana, um paciente de mais de década olhou para mim no meio da consulta e, do nada, me falou que mesmo que eu ganhasse na Megasena continuaria fazendo aquilo que estava fazendo, todo dia. Tem toda razão. Diminuiria um pouco a carga horária, mas espero manchar os dedos nas tintas das canetas e carimbos por muitos anos, como o Dr Vaillant.
Um dos casos descritos nesse livro, tirado de sua longa jornada terapêutica é de Bill, um dos pacientes acompanhado em seu serviço por toda a sua vida, em grupo ligado à Universidade de Harvard. A sua história me fez lembrar a cena de “Uma Mente Brilhante”, onde o genial e esquizofrênico John Nash agradece, ao receber o prêmio Nobel, pela presença impressionante de sua esposa em sua vida, o que lhe ensinou o significado do amor. Ele não devia a ela apenas aquele prêmio, mas também estar vivo para recebê-lo.
Bill passou por coisa pior. Aos três anos de idade foi dado por sua mãe para adoção. O seu pai, algum tempo depois, foi internado em Hospital Estadual com uma psicose sifilítica. Ele nunca mais se recuperaria desse quadro. Bill foi levado a lares adotivos onde sofreu abusos físicos e psíquicos impressionantes, desde espancamentos regulares até fome e descuidos com o que seria básico para um ser humano poder crescer. Hoje ele seria um extraordinário candidato a psicopata ou abusador de crianças, o que, infelizmente, acaba acontecendo com muita gente que cresce nessas condições. Bill casou aos 25 anos com uma mulher boa e amorosa, que, como John Nash, ensinou a ele o significado do amor e de viver em família. Bill não era religioso e descobriu o poder superior em uma família amorosa, que também o achava o máximo.
Após 33 anos de casado, a esposa de Bill morreu tragicamente de Câncer. Aos 53 anos de idade, a sensação de que a vida tinha algum sentido se perdeu completamente para ele. Algumas de suas palavras: “Eu digo que perdi uma amiga, perdi uma amante, perdi uma mãe, perdi uma irmã, perdi uma médica, uma enfermeira, uma professora, uma lutadora”. A sua vida voltou para o escuro vazio de sentido que conhecera muito cedo. Alguns anos depois dessa perda, foi internado com uma profunda depressão; relatou que perdeu a esperança, sentia raiva, desespero e medo. Parecia que seu destino trágico tinha dado apenas uma trégua e agora voltava para cobrar seu tributo. Dez anos depois dessa avaliação, Bill compareceu à entrevista novamente transformado: um curador espiritual tirou a dor de suas costas e ele havia encontrado no ambiente acolhedor e profundamente amoroso da cura pela oração um novo significado para a sua vida. Bill descobriu que, curando o outro, curava a si mesmo. Mais uma vez, foi curado pelo amor desinteressado, com a vantagem que, agora, esse amor emanava dele, não de outra pessoa.
Em nossa vida, cruzamos por muitas pessoas sempre dispostas a reclamar da dureza do caminho, de como os seus desejos nunca são realizados e como o mundo é essencialmente injusto e mau. Acho que vou pensar, ouvindo isso, nas mãos de Bill passando energia e pedindo a cura para gente que teve uma vida infinitamente mais fácil que a dele próprio. Com certeza, vai ajudar a começar a nova semana de trabalho, no meio de passeatas, greves e Copas do Mundo.

domingo, 1 de junho de 2014

Psicologia Positiva

Há alguns anos li uma entrevista na Veja de uma psicóloga que fazia uma reflexão sobre a terrificante experiência de passar pelo tratamento de um Câncer de Mama, incluindo Radio e Quimioterapia. Dentre as inúmeras dificuldades, ela se queixou da tirania do Pensamento Positivo. Não bastava dores, efeitos colaterais e o medo da doença, ela se via bombardeada pela contínua propaganda que, se mantivesse o Pensamento Positivo, tudo daria certo. Podemos concluir que, se as coisas dessem errado, seria obviamente por uma deficiência de Positividade de sua parte. A vantagem de ter espírito crítico e vivência clínica é que ela sabia que haveria dias e momentos de esperança e de angústia, de bons e de maus pensamentos, e que o tal do Pensamento Positivo não impediria complicações e efeitos colaterais.
Uma paciente de 30 anos se desesperava pelo fato de seu irmão caçula fracassar em concursos e entrevistas, quando sempre se apresenta com a mentalidade do “já ganhei”. O moleque entra “mentalizado” em seus pensamentos positivos, com uma fé inabalável em seu sucesso, o que resulta em repetidos fracassos. Ela também já ouviu falar nas virtudes da mentalização positiva, mas estudar para a prova e se preparar para a entrevista costuma dar mais resultados.
Há um movimento bastante consistente e em crescimento na Psicologia, autodenominada Psicologia Positiva. Acho o nome um pouco perigoso, porque vai ser facilmente confundido com o movimento pelo Pensamento Positivo. Elas podem parecer a mesma coisa, mas não são. Para a pessoa que está atravessando a difícil jornada de um tratamento para uma doença grave, ou para um jovem tentando entrar no mercado de trabalho, talvez mais importante do que ter um pensamento positivo com relação aos resultados de sua empreitada, seja bem melhor ter uma atitude paciente e amorosa consigo mesmo e com as pessoas envolvidas no processo. Li um livro de um médico que passou por um tratamento para doença Oncológica que desenvolveu uma atitude amorosa até para o aparelho de Radioterapia, que ele via como um canhão benigno, atacando as células inimigas. Mais do que um pensamento positivo, ele descobriu que uma atitude amorosa contava tanto em seu processo de cura como o de seus pacientes. O nome do livro, para quem se interessar, é “Memória das Células”.
Nossa evolução como espécie teve alguns passos fundamentais. Um deles foi descer das árvores e andar sobre dois pés, o bipedalismo, o que possibilitou o uso das mãos e o uso de instrumentos, com imensas vantagens evolutivas. Isso, entretanto, gerou dificuldades para o parto dos primeiros hominídeos, já que uma cabeça maior tinha que passar por um canal de parto menor. Os bebês humanos precisam de muito tempo de maturação, necessitando de alguns anos de cuidados. Para isso, foi necessário um vínculo mais forte e profundo com as mães e o estabelecimento de alianças entre os machos e as fêmeas para defender a sobrevivência de seu bando. Amor, cuidado e tolerância foi a marca distintiva do que nos torna humanos e nos salvou como espécie.
Como já foi colocado em posts anteriores, somos muito estimulados a viver numa sociedade darwiniana em que os mais aptos prosperam, os não tão aptos são marginalizados. Competir e vencer são marcas de nosso passado evolutivo, onde conquistar territórios fazia muita diferença para um grupo viver ou perecer. É uma bobagem fazer as pessoas viverem nessa selva Paleolítica. A Psicologia Positiva vem em boa hora se estimular a criação de alianças e zonas de comunicação entre nós, descendentes do Homo sapiens. Vivemos hoje oprimidos entre o medo de sermos atacados por nossos semelhantes e outros predadores e a necessidade de construção de alianças e de uma cultura de não agressão. Não vai ser nada fácil, com tanta ênfase e lucro da Cultura do Eu, que os sentimentos positivos prevaleçam. Podemos esperar muitas lágrimas no percurso.