segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O Mundo é um Moinho

Não estou com bons sentimentos com relação à eleição de Dilma Roussef por uma margem tão pequena, mas não vou me render à histeria coletiva. Foi uma vitória apertada, dentro do jogo democrático, numa briga onde não havia nenhum santo, em nenhum dos lados. Venceu o melhor marqueteiro, pode-se assim dizer. E é vida que segue. Já sobrevivemos a Sarneys e Collors, vamos ter que seguir com mais alguns anos de PT, que eu espero que não seja mais uma dúzia de anos. Mas por que será que se criou, sobretudo nos estados mais produtivos do país, uma sensação de tamanha ojeriza por esta senhora?
Havia uma antiga e belíssima música de Cartola em que ele dizia que “O mundo é um moinho/ Vai triturar seus sonhos tão mesquinhos/ Vai reduzir as ilusões a pó”... O mundo é um moinho, mesmo, mas também é um espelho. Não acredito nas fantasias tipo “O Segredo”, em que podemos criar a nossa própria realidade (se eu pudesse criá-la, Dilma não seria minha presidente). Acredito, entretanto, que podemos participar dessa criação, ou a Criação pode refletir o que temos no mais íntimo do nosso ser. Não adianta comprar livros de autoajuda sobre como criar a sua própria fortuna e ter com o dinheiro uma relação de medo ou de ressentimento profundo. Podemos fazer todos os exercícios de mentalização e as meditações de abundância e a conta continuar no vermelho no final do mês. Podemos aplicar todas as técnicas de autosugestão ou os coachings de prosperidade, com um ou outro guru de autoajuda, que a mudança deve ser de dentro, bem dentro, para fora (e de fora para dentro, como escrevi em post recente).
Já atendi pessoas, poucas, que passaram pelos porões do Regime Militar, sofrendo abusos e torturas. A marca é definitiva, assim como a ferida. Viver na clandestinidade também deixa marcas, a de ser um fantasma, exilado dentro de seu próprio país. O ressentimento e a desconfiança podem ser definitivos. Dilma tem essas marcas em seu coração. São fundas e dolorosas. Quando alguém discorda de seu ponto de vista, ou quando os estádios da Copa mandam-na tomar em algum lugar, o que ressoa nela é a sensação de um fantasma gritando atrás do pau de arara. Ontem ela acenou com a necessidade de diálogo. Diálogo não é o seu forte. Aécio falou, com razão, durante a campanha, que ela precisava parar com esse discurso de “Nós” e “Eles”. Eu diria mais: está na hora de abrir mão da fantasia de “Eu contra o mundo”. Isso seria um paradoxo, porque na primeira eleição ela foi um poste eleito pelo Lula. Esta eleição ela ganhou quase sozinha, porque o Lulinha sumiu e só reapareceu quando ela tomou a dianteira nas pesquisas. Paradoxalmente, ela vai ter que ampliar o “Nós” e parar de fugir dos malvados da “Elite Branca”. Para isso, vai ter que deixar ressentimentos e medos profundos para trás.
É fácil culpar a mídia e tentar controlá-la pelo estado de conflagração que metade do país criou contra a presidente e seu governo. Infelizmente, demora muito para nascer um Nelson Mandela, que sai da cadeia pronto a estender a mão e buscar o entendimento com seus perseguidores. Para muita gente, o que fica, é um desejo profundo de revanche. Este desejo não leva ninguém para muito longe, e isso inclui os derrotados nas urnas, ontem.

sábado, 18 de outubro de 2014

Medicação é Solução pra Mim?

Estava no Congresso de Psiquiatria em Brasília, assistindo uma aula sobre Depressão e Atividade Inflamatória, mas era antes, uma aula de como dar aula. A fala da mocinha da UNIFESP era calma e pausada, e tinha uma delicada musicalidade; cada slide terminava com uma pergunta que abria o próximo, tornando a aula toda encadeada e o interesse da plateia aceso, como se ela estivesse nos conduzindo pela mão para dentro do conhecimento. Há alguns anos atrás tive uma treta teórica com uma Pedagoga, quando disse que o processo de Aprendizagem\Ensino é basicamente um processo de sedução, de ser convidado para dentro do conhecimento como para uma dança, ou um passeio. Ela ficou muito brava, como se isso fosse uma trapaça ou pior, um desrespeito às suas décadas de estudo sobre o que é ensinar e aprender. A mocinha e sua aula eram uma demonstração cabal de minha tese. Uma delícia de aula, provavelmente amadurecida pelo uso. Um dado intrigante da mesma era justamente a estatística que, a despeito de todo investimento e dispormos de medicamentos e recursos inacreditáveis há vinte anos para o melhor tratamento da Depressão, sua prevalência continua aumentando, assim como as taxas de Suicídio nos países do Ocidente, muitos deles com todos esses recursos para tratar a doença mais relacionada com o suicídio, que são os quadros depressivos.
Já falei bastante nesse blog sobre a nossa Civilização Inflamatória e todas as suas consequências para nossa saúde e qualidade de vida. Alimentação Processada, cheia de gordura, açúcares e sódio, sedentarismo, privação de sono e estressores cada vez mais repetitivos e repetidos, tudo isso cria um organismo sempre preparado para ser atacado, o nosso. A aula da moça demonstrava que a Depressão, como as doenças mais mortíferas de nossa época, que são as Cardiovasculares e Oncológicas, tem uma relação direta com a atividade inflamatória elevada, ou seja, com a nossa vida inflamada. Ninguém consegue deter esta escalada, os médicos parecem garçons correndo atrás da bandeja depois que os copos de cristal já caíram no chão. Falar em Medicina Preventiva tem que passar, necessariamente, pelas causas de inflamação: mudança de hábitos alimentares, de hábitos de exercício físico, de hábitos de sono. Teclando isso eu me lembro de um programa na TV a Cabo em que um médico tentava explicar para a mãe de um menino obeso que ele precisava mudar radicalmente os seus hábitos e emagrecer, pois seus parâmetros clínicos estavam todos catastróficos. A mulher olhava para o médico com uma cara de “o que o senhor quer que eu faça?”. Calligaris descreveu a sensação, diante da doença mental, de enfrentar um dragão com um alfinete nas mãos. A sensação é essa mesmo. O médico pedindo para o garoto de alimentar melhor enquanto ele mastigava um pacote de batatinhas fritas.
As mídias bombardeiam os psiquiatras e seu uso de medicamentos, como se fosse um bando de mafiosos criando dependências e dependentes, a soldo do poder dos laboratórios muito interessados em criar doenças e mercado para os seus medicamentos. Tenho sempre a sensação que essa fúria midialógica está mal direcionada, atacando as consequências antes das causas dos fenômenos. Se o ser humano é constituído estruturalmente pela sensação de Falta e de Vazio, a própria Hipermídia promete a cura dessa falta através do Prazer e do Consumo. Estou louco para falar a um jornalista que venha atacar os medicamentos que a culpa da Depressão que estou tratando é dele, cujo site anuncia produtos de beleza ou carrões esporte que venham curar a nossa miséria. Mas não vou fugir à questão que a aula levantou, com grande propriedade: talvez esteja na hora de repensarmos todo o modelo de nosso atendimento. Tratar uma Depressão com a medicação adequada pode ser, apenas, um bom começo, de um processo mais profundo de transformação.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Pizza e Jornada Interior

Ontem estávamos num jantar de amigos. Um sobrinho da aniversariante está fazendo Faculdade de Psicologia e veio conversar sobre o assunto, meio ruim para degustar entre pedaços de pizza e cerveja em bom ponto. Ele pensa em se aprofundar em Terapia Comportamental e Cognitiva e terminar seus estudos na Itália. Segundo ele, Freud já era. Fiquei mordendo os lábios e recarregando a minha cerveja uruguaia. Se a minha língua algo solta se soltasse, diria para ele fazer um curso de coaching e abandonar a faculdade, pois é um trabalho muito baseado na TCC (Terapia Comportamental e Cognitiva). Igualmente, diria que a psicologia na Itália não é lá grande coisa e talvez no Brasil ele tivesse uma formação melhor. Finalmente, diria que Freud já era apenas na opinião de alguns professores que, ou não leram, ou não entenderam o que leram, ou, pior, dão aula de Psicologia mas não clinicam. Felizmente eu engoli esses pensamentos junto com uma fatia de pizza de mussarela. Ele logo levantou e foi postar as fotos da comida em alguma Rede Social.
Já postei anteriormente nesse blog que a psique tem várias camadas, como as camadas de uma cebola. Por alguma razão estranha, as camadas mais profundas foram descobertas e exploradas antes das camadas mais superficiais. A Psicologia do Inconsciente foi explorada e descrita pelos pioneiros. Freud descreveu o Inconsciente Pessoal, Jung o Inconsciente Coletivo e muito latim já se gastou para se falar nesses assuntos. A Psicologia Comportamental e Cognitiva não se baseia no que está gravado no Inconsciente. Procura operar no Sistema de Crenças e nos Esquemas Mentais que geram doenças. É um bom trabalho que beneficia muita gente. Não é excludente com a exploração do Inconsciente, embora muita gente pense assim.
O que Freud descobriu e que hoje em dia anda muito fora de moda é que o nosso mundo interno é gravado com várias impressões profundas, antigas, inconscientes que rodam dentro de nossa vida como um vírus dentro de um computador, atrapalhando os programas e criando pensamentos e ações que nem sempre são as que a gente mais gostaria.
Ando meio que viciado nos vídeos dos TED Talks (disponíveis no TED.com). Hoje assisti a um vídeo de seis minutos de uma moça bonita e com olhar triste que contou a sua trajetória dentro da Depressão, com quadros depressivos que vinham de sua adolescência e de sua infância carregada de abusos de um pai. Ela procurou tratamento e fez uma TCC para tentar dar conta de seus pensamentos e crenças destrutivas. O quadro só fez piorar, e piorou muito. Quando ela procurou outros tipos de ajuda e de cura, começou sua jornada interior. Na exploração do que poderíamos chamar de seu Inconsciente, descobriu que o seu pior problema não eram os abusos físicos e sexuais que sofreu de seu pai, mas a absoluta falta de qualquer tipo de escuta, dela e de quem a cercava, para seu próprio sofrimento e as coisas que gostaria de expressar. A sua jornada passou pelo reconhecimento dessa dor e elaboração de novas formas de ser e de estar no mundo, não só como uma mulher deprimida e sedenta de aprovação, mas como alguém que visita seu Mundo Interno para poder transformar o Externo.
Usar medicamentos ou mudar as suas formas de pensar ajuda muita gente. Não ajudou essa moça porque as pessoas continuavam dizendo para ela como deveria viver ou pensar, em vez de tentar entender onde e como se manifestava a sua Ferida. Ela fez a sua Jornada Interior para colher a verdade que estava lá. Freud foi um pioneiro em achar este caminho. Isso o garoto não vai aprender na faculdade. Nem muito menos nas Redes Sociais.

sábado, 11 de outubro de 2014

Me Dê Motivo

Estava falando com uma cliente que descrevia sinais e sintomas que desenhavam, delicadamente, um quadro depressivo se instalando: cansaço constante, choro fácil e imotivado, intolerância a pequenas frustrações e uma reação de quase desespero quando as coisas não vão do jeito que ela gostaria. Particularmente, uma profunda angústia diante de qualquer tarefa nova ou inesperada, como ter que chamar um técnico para consertar a máquina de lavar. Como muita gente, ela tem o estranho hábito de discordar dos próprios sentimentos, sobretudo, de ficar muito contrariada quando os tais “sentimentos negativos” aparecem. Estava ouvindo a sua decepção por estar daquela forma. A conversa transcorreu bem até a frase quase fatal: “Mas está tudo bem, estou fazendo tudo o que eu quero e gosto. Se eu tivesse motivo...” Quase ouvi o vozeirão de Tim Maia bradando em meus ouvidos: “Me dê motivo...”
Nos anos noventa eu fiz uma pesquisa numa enfermaria de Leucemias, que hoje são muito graves, mas tratáveis, na época eram menos tratáveis e mais graves. Além de todo o sofrimento e perplexidade de estar com essa condição extremamente delicada, eu ainda testemunhava o sofrimento adicional dos pacientes ficarem procurando pelo erro, ou pela sua culpa em gerar a doença: “O que eu fiz de errado?”, como se a doença fosse uma punição por algum erro ou gerada por algum motivo oculto.
Nesta mesma época eu estudava e enchia o saco de meus orientadores com muita Filosofia da Ciência. Uma figura dessa filosofia é o “Demônio de Laplace”. Este pequeno e inofensivo ser era apenas uma metáfora sobre o conhecimento prévio dos fenômenos. O Demônio de Laplace era o cara que conhecia todas as variáveis, todos os fatores que determinam um determinado acontecimento científico. Sabendo de todos os fatores, pode prever com absoluta precisão tudo o que vai acontecer. Uma de nossas fantasias mais comuns é que somos pessoas formidáveis que sabemos quase tudo a respeito da vida e de nossa vida em particular: com pensamento positivo e uma vida espiritualizada e holística nada de ruim pode nos acontecer. Os problemas só acontecem para o vizinho, que fica ouvindo Gustavo Lima o dia inteiro e grita com o seu cachorro entre uma música e outra.
Lamento dizer que as coisas não funcionam assim. Não é preciso ser pobre, nem infeliz no casamento, nem parte da equipe de campanha da Dilma para ter bons motivos para ter uma Depressão. Um quadro depressivo reflete um estado de esgotamento de neurotransmissão e pode acometer pessoas felizes, com uma vida bacana e muitos cuidados holísticos. Depressão acomete ricos e pobres, gregos e troianos. Duvidar dos sintomas ou discordar deles é tão produtivo quanto xingar São Pedro pela seca no Sistema da Cantareira.
Ficar doente já é suficientemente desagradável. Discordar dos sintomas, do cansaço, da melancolia diária, da angústia e da falta de gosto em fazer qualquer coisa, agradável ou desagradável, achar que é frescura, ou falta de tanque de roupas para lavar, é uma violência muito comum que as pessoas com quadros depressivos sofrem. É duro de se ver que sofrem esse abuso de si próprias ou de pessoas queridas e no mais das vezes bem intencionadas que, querendo ajudar e motivar o doente, acabam colocando mais gotas de lágrimas no copo que já transbordou. Melhor dizer que é uma doença e, como tal, deve ser encarada e tratada. Os resultados são bem melhores do que procurar motivos e culpados.

domingo, 5 de outubro de 2014

Podres Poderes

A Venezuela é um país com riquezas naturais e mulheres muito bonitas. Politicamente, sempre se comportou como uma música antiga de Caetano, que se perguntava sobre a incompetência da América Católica, que sempre precisará de ridículos tiranos? O último ciclo de tiranos ridículos teve em Hugo Chavez seu expoente inacreditável. Chavez transferiu parte da renda gerada pelas altas de petróleo para a população de excluídos de seu país. Confiscou empresas, afrontou os barões da Mídia, fechou jornais, rompeu com o Tio Sam e fez a sua genuflexão diante de outro ridículo tirano, Fidel Castro, que décadas antes também criou uma religião que tinha como único profeta ele mesmo, o Comandante. Os resultados do isolacionismo, personalismo e tirania enlouquecida foram os mesmos nos dois países: miséria, isolamento da comunidade econômica mundial, atraso. A América Católica continua precisando de seus ridículos tiranos. Os tiranos messiânicos de esquerda talvez sejam os piores, pois cometem seus equívocos munidos da melhor das intenções. As boas intenções que pavimentam o caminho do Inferno.
Não caio na tentação de odiar a presidente Dilma ou o PT. Também fico nauseado quando as ordas petistas classificam toda oposição como uma conspiração da “Elite Branca”. Esse discurso sempre tende a dividir o país em dois, e ele está dividido em dois hemisférios, o Norte e o Sul. Nós, da Elite Branca, supostamente, odiamos o PT e sua presidente (que na verdade, na origem, nunca foi petista, e sim, pedetista) porque temos horror à sensibilidade social e sede de mudanças. O PT quer dar poder ao povo, poder de compra, poder de consumo, poder político, e a Classe Dominante se arrepia com esses esgares de liberdade. Um dos países mais injustos do mundo não vai perdoar essa ousadia, não é mesmo?
Os sinais do rumo Bolivariano de nossa Economia estão em toda parte: buracos na balança comercial, moeda sobrevalorizada, parque industrial se deteriorando, e o que é pior, essa absoluta autoindulgência que acomete a todos, corruptos e honestos, ricos e pobres. Dilma fez um manifesto à Nação e à sua tropa defendendo o fortalecimento do mercado interno, a defesa do emprego e a sua resistência em arrochar a classe trabalhadora. Posou de vítima acossada pela Elite que não a perdoa por defender os menos favorecidos. Estou muito longe de achar que ela é uma pessoa completamente mal intencionada e oportunista. Olho para ela e vejo uma governante sem legitimidade, com uma fabulosa incapacidade de fazer acordos e de fazer acontecer as suas boas intenções (aquelas mesmas já citadas). Como terapeuta, lamento a pobreza de sua percepção e leitura de mundo. Lamento essa pureza de reagir contra o papai malvado e capitalista e tomar um caminho bobamente populista quando o país tem tanta capacidade, tanto potencial de crescer de forma sustentável. Responsável.
Esse blog mete o bedelho em muitos assuntos, mais do que devia. Política e Economia não são pautas comuns, nem devem ser. Depois de doze anos, Aécio Neves tem a chance de retirar o PT do poder. Espero que ele consiga. O PSDB não é santo, nem isento de erros grosseiros. Mas teve a coragem de arrochar, apertar o cinto para evitar que o país virasse a Argentina, outro país com ridículos tiranos, na virada do Milênio. Fazendo isso, entregou o poder para o PT. A história vai mostrar que fez a coisa certa. Fazer a coisa certa é bem raro de se ver em nosso tempo.