domingo, 25 de outubro de 2015

Tite e a Neurociência

Os posts desse blog sobre futebol não são muito visitados pelos leitores (ou, mais provavelmente, pelas leitoras). Ou eu não entendo muito do assunto, mas gosto de me meter à besta, ou o pequeno público que se formou em torno desses posts gosta de saber sobre outras coisas e não está nem aí para o futebol. O fato é que já escrevi algumas bobagens nesse blog, as maiores sobre futebol: elogiei e enchi a bola do Felipão um ano antes do Sete a Um, afirmei que ninguém entendia o que Tite falava no Corinthians, no ano em que ele remontou um time em frangalhos para ser Campeão Brasileiro no mesmo ano e Mundial no seguinte, ou seja, minha pouca credibilidade pode ser abalada quando me meto a escrever sobre esse assunto. Contrariando o bom senso, vou falar sobre futebol e Neurociência, voltando a ele, Tite.
Tite é o melhor técnico do Brasil em atividade. Não porque daqui a poucas semanas vai comemorar mais um título brasileiro pelo Corinthians, para meu sofrimento. Ele vai ser campeão com um grupo de jogadores razoavelmente fraco e pior que muitos outros elencos, como o São Paulo, o Internacional e o próprio Palmeiras. Vai ser campeão com Wagner Love de centroavante. Isso é coisa de gênio. Não está na seleção por obra de uma dupla em que, um está na Suiça riscando a parede de sua cela para contar os dias e o outro não viaja nem para o Paraguai com medo de ser preso. Ou seja, uma duplinha que não usa critérios muito transparentes para escolher o técnico. Dunga, o escolhido, nunca foi campeão em um clube, nem em campeonato de várzea. Mas este é outro assunto.
Os hominídeos não eram muito promissores nesse planeta: não eram os primatas mais fortes, nem mais rápidos, nem duravam muito depois de procriar. Os seus bebês eram frágeis e precisavam de cuidado por muito tempo depois de seu nascimento. O que? Ainda estou escrevendo sobre o Corinthians? Estou, calma. O que destacou os hominídeos na sua luta pela sobrevivência, além dos polegares opositores e a criação de armas e utensílios, foi a sua capacidade de organização e colaboração como grupo. Para isso, desenvolveu Neurônios Espelho, que lhe permitiram aprender por imitação e similaridade, perceber a reação de seus pares e, muitas eras depois, aprender a ser auto consciente. Vivemos a época pós darwiniana de metáforas de genes egoístas e sobrevivência do mais apto, o que no limite está destruindo o nosso mundo, mas o que nos fez prosperar como espécie até a completa dominância do planeta não foram os genes egoístas, mas a capacidade de colaborar e cuidar dos mais fracos.
Tite montou um time baseado em colaboração e ressonância psíquica. É como se fosse uma orquestra de Neurônios Espelho sempre buscando ressonâncias e sinergias. Jogadores desacreditados e dados como medíocres deslancharam nesse sistema. Houve apitos amigos no caminho? Sim, mas não era necessário. Ninguém conseguiu montar um grupo tão coeso. Ninguém conseguiu tirar tanto de tão poucos.
Infelizmente, em nossos sistemas corporativos, permanecem as metáforas darwinianas e os sistemas de dividir para governar. Assim como as fantasias de controle. Nem sempre é valorizada a força do grupo e dos sistemas de sinergia e ressonância, que trariam resultados mais palpáveis e interessantes, como vemos hoje no Corinthians, que perdeu meio time no começo do campeonato e parecia que ficaria perdido em posições intermediárias.( Enquanto isso, o São Paulo vive a sua própria Operação Lavajato).

domingo, 18 de outubro de 2015

De Médico e de Louco ...

Outro dia dei uma entrevista para umas moças que estavam completando seu curso de Pós Graduação em Psicologia Organizacional. Queriam falar sobre o Transtorno de Humor Bipolar. Ontem recebi a versão editada da entrevista, gravada com celulares apoiados em livros e uma escada, no consultório. Elas deram preferência à parte mais técnica e menos provocativa de nossa conversa, e, estranhamente, não colocaram uma parte divertida do debate: as empresas devem tentar selecionar seus funcionários bipolares?
Temple Grandin é uma senhora estudiosa de técnicas mais humanas de abate de bovinos, e chegou a completar o seu doutorado na área. Ela é portadora de uma doença do Espectro do Autismo, a Doença de Asperger. Oliver Sacks tornou-a uma celebridade no livro “Um Antropólogo em Marte” quando dedicou um capítulo à sua vida. Temple Grandin tem uma emocionante aula no TED talks em que defende e descreve a importância para o mundo de pessoas com as suas características. Quem assistiu ao filme “O Jogo da Adivinhação” pode perceber no gênio matemático AlanTuring as mesmas características de Asperger de Temple Grandin: uma capacidade ilimitada de atenção aos pequenos detalhes e de foco em questões que geralmente passam despercebidas das pessoas “normais”, dificuldade de entendimento de ironias e ambiguidades, deficits importantes de inteligência social e ressonância afetiva levando a isolamento e, em alguns casos, depressão. Alan Turing provavelmente ganhou a Segunda Guerra Mundial quando decifrou os códigos criptografados dos nazistas. Também inventou a máquina que hoje é o nosso computador. Morreu sozinho, deprimido e suicidou-se após anos de perseguição por ser homossexual e não ter a malícia de outros que souberam ocultar essa condição, no tempo em que a mesma era entendida como um crime e uma doença.
As meninas me perguntaram como detectar numa entrevista o traço bipolar e isso levantou uma questão se é do interesse de uma empresa selecionar pessoas sem traços vistos como “patológicos”. Eliminar os psicopatas afetaria a Governança Corporativa (além de esvaziar o Congresso Nacional), assim como impedir os Bipolares deixaria as corporações nas mãos de gente morna e pouco criativa. Elas não colocaram também a parte em que eu mencionei que os Bipolares vão procurar mais as carreiras artísticas e criativas do que as funções de controle. É mais fácil achar um bipolar nas áreas de inovação do que entre os contadores, embora o nosso governo demonstra todo dia como a Contabilidade se torna uma arte cada vez mais criativa (e fantasiosa). Há alguns estudos mostrando que os CEOs das empresas tem maior chance de diagnóstico de Bipolaridade do que as pessoas do chão de fábrica. Extroversão, criatividade, atração pela tomada de risco e busca de novidades são algumas das características observadas na bipolaridade que são muito preciosas nas empresas, em alguns casos vitais para a sua sobrevivência. Basta observar as mudanças de Humor e as expansões e depressões de Steve Jobs para notar como isso foi devastador em uma fase de sua carreira para depois se transformar numa força que transformou o próprio mundo. Ele era Bipolar? Ou Ciclotímico? Não sei. Muita gente diz que sim. A Apple, a maior empresa do mundo, teria falido sem ele.
A Psiquiatria provavelmente pode estar criando para o mundo uma nova e poderosa doença, que é a Normose. A sua principal manifestação seja a necessidade absoluta de controle de si e do Outro. Geoge Orwell antecipou este controle em “1984”. Todos temos que ser adequados, corretos, auto regulados. Basta olhar envolta para ver que a Normose é um estímulo para o seu contrário, que é a sociedade de compulsivos que estamos criando. Mas este é outro assunto. A pergunta das meninas enseja a Normose no mercado de trabalho.
Temple Grandin alerta para o risco, com nosso atual conhecimento de genética, de eliminar do mundo os traços da doença de Asperger. Sem esses traços, hoje o mundo poderia estar falando alemão e extinguindo as pessoas fracas e doentes da raça humana. A resposta da pergunta é: não selecione ninguém por suas características genéticas. A Psicologia Organizacional deve focar em aproveitar melhor os traços genéticos e colocar as pessoas nos lugares onde possam render mais. Selecionar os melancólicos, os expansivos, os esquisitos, nas entrevistas pode transformar o mundo numa gigantesca fila de bovinos caminhando para o abate.

domingo, 11 de outubro de 2015

Da Luz e Sombra

Como James Hillman, analista e pensador junguiano, acredito que nossos problemas mitológicos começam e terminam no livro do Genesis. Vamos fazer um pequeno sumário: No Princípio era o Caos e escuridão, e o Criador passa a iniciar o Big Bang da criação, saindo do Vácuo Quântico para o construção da matéria e energia, que são a mesma coisa e intercambiáveis. O que? Não é isso que está escrito? Tudo bem então. Vou me deter numa parte específica: a expulsão do Paraíso.
Adão e Eva viviam no Jardim do Eden, cercados de tudo o que precisavam em um mundo de absoluta harmonia e abundância. Não havia conflito, portanto, não havia sofrimento. Entretanto, a falta de conflito gerava um efeito colateral grave: a falta de Consciência. Jeová permitiu aos pombinhos comer e beber de tudo naquele jardim magnífico, exceto o fruto da árvore de Conhecimento. Sendo onisciente, Jeová sabia muito bem o que iria acontecer quando impusesse ao ser humano uma Interdição: onde tudo era simetria, acontecia, enfim uma tensão, um conflito. E a Serpente, junto com a Mulher, levaram a culpa quando a Interdição foi transgredida, o que parece ser o destino das interdições tomadas sem consciência. Expulsos do Paraíso, Jeová avisou que Adão ganharia o pão com o suor de seu rosto e Eva sofreria dor em seus partos, além de criar uma eterna inimizade entre ela e a serpente. A Modernidade teria tornado as maldições inócuas, já que quem ganha mais maçãs, ou dinheiro, é quem nunca tira seu sustento do suor de seu rosto, mas armazena o suor alheio em algum Paraíso, não do Eden, mas um Paraíso Fiscal. Sem mencionar que as técnicas de analgesia e as cesarianas também afastaram das mulheres as dores do parto. Como a linguagem, ao contrário do que pensam os Criacionistas, é Simbólica e não factual, então as maldições não só persistem como se tornaram mais complexas: feliz do homem que pode ganhar o pão com o suor de seu rosto, pois o trabalho está cada vez mais dissociado de algum significado e, ter como ganhar a vida com dignidade é uma tarefa cada vez mais difícil. E a criação e manutenção da vida está migrando das dores do parto para os tubos de ensaio. Mas parece que temos cada vez mais suor e mais dor para dar origem e sustentar a vida, nossa e de quem amamos.
A Jornada da Consciência passa então por essa dores de criar e manter a Vida. O suor que se demanda é o da dedicação atenta ao caminho, para não se perder nos emaranhados das estradas que se bifurcam. Mas talvez a pior das pragas tenha sido a da inimizade com a Serpente. Essa continua enchendo os consultórios.
Jung escreveu que uma das maiores dificuldades na formação de nossa Consciência, ou uma das condições iniciais de nossa Neurose, seja a dissociação do Bem e do Mal. A Serpente é uma figura simbólica ligada à terra e à profundidade. Eva é o símbolo do Feminino, o mesmo que tem em seu interior a Mãe Criadora e o veneno da Serpente. A herança dessa Mitologia é o estabelecimento da Consciência binária, que opõe a Luz e a Sombra, o Bem e o Mal, a Vida e a Morte. Em outro livro da Bíblia, temos um Jó perplexo com a percepção que o Deus que tanto amava fora capaz de uma aposta com o Diabo para testar a sua fé. Mas não vamos falar disso hoje. Mas uma dica: Jó descobriu que o Bem e o Mal estavam no mesmo lugar, milênios antes de Melanie Klein.
Uma ilusão de nossa mitologia é de que podemos isolar o Mal se o colocarmos aos cuidados das figuras demoníacas. A Interdição do Mal, como no caso das maçãs do Eden, criam um mundo regido pelo engodo e pela maldade. Conquistamos o Mal não com o Bem, mas com a Consciência. Podemos renunciar a ele na medida que o conhecemos e, em algumas situações, podemos exercê-lo. Sobretudo, não se vence o Mal com Bondade ingênua. Por isso que diz o ditado popular que as boas intenções pavimentam o caminho do Inferno. Deve ser por isso que Jesus recomendou a mansidão do cordeiro, mas a astúcia das serpentes. Ele devia saber que estava reabilitando e incorporando às serpentes o seu lugar na dança da Vida.

domingo, 4 de outubro de 2015

Atenção Curativa

Já faz um bom tempo que aprendi uma técnica de relaxamento e meditação em que, em algum ponto, a dirigente convidava a escanear uma parte de seu corpo onde estivesse concentrada uma zona de tensão. Localizada a região de desconforto, o próximo passo foi apenas prestar atenção a essa parte do corpo e observar o que ocorria. A tensão começava a se esgotar, como uma pia que foi desentupida. O simples ato da Atenção simples e não julgadora voltada ao desconforto faz com que o mesmo se esvazie dentro de si.
Essa técnica vem sendo trazida para a Terapia Cognitiva nos últimos anos. Olhar os pensamentos de fora, como uma Consciência separada de sua Consciência. O ato de apenas prestar atenção aos pensamentos, sem tentar controlá-los, pode esvaziar a sua potência. Os pensamentos, olhados em profundidade, revelam a sua natureza de não existência. São fabricados por nossos medos, ou nossa necessidade de antecipação, que foi discutida no último post desse blog. São, no final das contas, nada, e para o nada voltam se são apenas olhadas de fora. Ou de dentro.
Penso que a própria sessão no consultório seja antes de tudo um ato de Atenção. Não são poucos os pacientes que se queixam de médicos indiferentes, ou dispersos, ou que tiram as suas conclusões de maneira automática e sem examinar o caso com algum cuidado. Olhar para o caso com atenção é, em si, um ato terapêutico. A Atenção ao sintoma cria um caminho para a melhora. Como nessa meditação que aprendi há muito tempo. Olhar para o medo vai tirá-lo das sombras.
Muito se diz nos Congressos de Sono e de Psiquiatria que vivemos numa sociedade privada de sono. Vivemos numa sociedade privada de Atenção, com vendas recordes de Ritalinas e outros estimulantes. A falta de Atenção é irmã siamesa do desassossego. Esse blog é um tanto rabugento com as redes sociais, talvez porque elas estejam fundadas na necessidade desesperada de receber Atenção, de estar nos Trend Topics, ou romper a barreira dos milhões e milhões de almas que procuram reconhecimento e validade na forma de likes ou retweets. Disputa-se palmo a palmo o campeonato de memes e quem recebe muita atenção deste tipo não parece muito feliz com isso. Talvez oferecer a Atenção, mesmo para si, crie mais felicidade do que buscá-la desesperadamente.
Muito já se teclou aqui sobre a falta de atenção, sobretudo em reflexões sobre os deficits de atenção de garçons e garçonetes, gerando falhas na entrega de pães na chapa ou porções extras de maionese. Esse escriba se desespera com outro filhote da desatenção, que é o descuido. Ou a pressa. Ou a briga permanente com o tempo. Mesmo assim o tema não se esgota. Do garçon ao cruzamento perigoso da esquina, tudo demanda uma Atenção delicada e constante.
Pode ser que a própria evolução tenha nos selecionado para a Desatenção.Ter um radar sempre ligado para tudo o que ocorre no entorno, para tudo o que vem pela frente, para tudo o que eventualmente já nos machucou, esse tipo de Atenção provavelmente nos trouxe até aqui. Mas não deve nos levar para muito longe. Observe o (a) visitante desse blog o poder curativo da Atenção Relaxada a tudo o que importa.