domingo, 27 de novembro de 2016

As Mãos das Tecedeiras

Os educadores já falam há muitos anos de diversos tipos de Inteligência, a despeito que as mais medidas em provas sejam a Inteligência Lógica e Matemática e a capacidade de acumular e processar informações. Eu gostaria de falar de dois tipos de Inteligência, que nem ao menos são classificadas como tal: a Inteligência Interna e Externa.
A Inteligência Externa é aquela realmente valorizada em nossa Cultura extrovertida e bastante regida pelo Ego. As suas medidas são da capacidade de jogar o jogo da vida para conseguir o sucesso. Sucesso se mede por aquisições: quem tem a melhor casa, o melhor carro, o melhor marido ou a família mais feliz. Temos nos grupos de Facebook e WhatsApp essa concorrência silenciosa sobre quem consegue manejar melhor as ferramentas da vida exterior, quem tem mais amigos, mais visitantes na Fan Page, mais curtidas no Instagram. É um tipo de apreensão para estudar e esquadrinhar tudo do Objeto de estudo para dominar, controlar e interagir com o mesmo. Conhecer e dominar dá poder.
A Inteligência Interior já não tem tanto destaque. Implica em um conhecimento mais profundo da verdadeira natureza do meu Eu Interior e do Outro. É um tipo de saber que vem mais da reflexão e do exame delicado do que o Eu vive internamente e os outros Eus também. Está mais baseada no cuidado e na cooperação do que no domínio e na aquisição. Nesse tipo de Inteligência, o saber se confunde com a sabedoria, e a sabedoria se baseia no equilíbrio. Inclusive no equilíbrio entre os tipos de Inteligência.
Tenho a impressão que as mulheres sofrem mais com a predominância da primeira Inteligência sobre a segunda. A Inteligência Interna tem muita relação com o Feminino: perceber os ritmos da vida e o tempo das coisas, a compreensão que é mais importante que o entendimento, o silêncio que é mais rico do que o barulho. Sobretudo, a parte mais difícil, que é encontrar o Balanço que leva ao equilíbrio, pois nossa vida e o nosso organismo vive na constante somatória de micros ou macros pontos de desequilíbrio. Manter o equilíbrio depende do Balanço. Quem é muito duro não sabe balançar.
Nos anos 90 havia uma euforia sobre a Reposição Hormonal em mulheres que iniciavam a Menopausa. Os estudos mostraram o aumento do risco de Câncer de Mama por conta da terapia hormonal. Qualquer antecedente longínquo de doença oncológica já contraindicava essa terapêutica. Com hormônios, a mulher tem maior risco de Câncer de Mama. Sem eles, elas ficam expostas às doenças vasculares cardíacas e cerebrais, além da Osteoporose.
Cuidar da saúde da Mulher depende de uma Inteligência mais interior e mais profunda. Mais feminina. Portanto, mais equilibrada e com a sabedoria das tecedeiras.

domingo, 20 de novembro de 2016

Motivação

Motivação é o grande babado. Nós humanos temos a capacidade inédita no planeta de planejar ou regular a própria motivação em iniciar, completar e checar as tarefas realizadas. Para isso temos áreas bastante desenvolvidas em nosso Córtex Pré Frontal para manter a atenção e o desempenho em tarefas repetitivas e sem graça, como assistir uma aula, completar um relatório, ler outro relatório inútil e maçante. Passar horas no trânsito para ir e voltar do trabalho.
Já mencionei os Três Focos em outros posts mas vou voltar ao tema: podemos ter foco no Eu, foco no Outro ou foco no Contexto. O tal do foco no Contexto é o tal do foco no Resultado. Vivemos hoje num mundo onde a Psicopatia é uma característica selecionada evolutivamente (ou involutivamente). Selecionamos psicopatas para a Gestão, para a Política, para os cuidados com a vida. Como fazemos isso? Fácil. Com o foco no Resultado. Quer um slogan Psicopata? Jus Do It (eu tinha uma camiseta com esse slogan. Não sei onde deixei). Just Do It é a mira no resultado sem olhar para o entorno. É dar uma graninha para a fiscalização para liberar uma casa noturna, com material inflamável no teto. Uma fagulha ou um rojão da Gurizada Fandangueira e temos uma fornalha matando mais de duzentos jovens que só queriam ir para uma festa em Santa Maria. Porque importante é fazer a reforma e usar o material de baixo custo para maximizar os lucros.
As empresas querem a patuleia motivada para trazer os resultados. Os resultados visados são aumentar os lucros e diminuir os custos. Just Do It.
Já escrevi bastante sobre a Geração Autoestima e as infinitas mídias para polimento do Ego: somos lindos no Face, no Instagram, nos grupos do Whatsapp, nos Snaps que se consomem em alguns segundos. Nada pode perturbar a orgia furiosa das imagens, que substituíram as palavras. Nada se fala, nada se escreve. Pouco se lê. O limite da leitura é de 140 caracteres. Já estourei o limite nesse post e em outros. Várias vezes.
Então temos duas grandes forças de Motivação: o Eu, que é um saco sem fundo na busca eterna da Autoestima e da Vida Incrível e o Resultado, pelo qual se pode matar ou morrer. O Outro? Parece que o Outro deixou de existir. Não preciso mais ouvir o Outro. Podemos circular entre milhares de pessoas que compartilham de nossas opiniões e podemos bloquear o acesso a todos os dissidentes. Não preciso mais ouvir nem perceber o Outro, só cativá-lo para obter o Resultado. Vídeos no Youtube ensinam a pegar as meninas de maneira rápida usando estratégias de marketing e persuasão. Esse é ponto da Fábrica de Psicopatas: só existe o Eu e o Resultado; o Outro é irrelevante ou, pior, é o Inimigo.
Já vi em filmes de guerra que, na batalha, ninguém luta pela pátria, pela liberdade, pela democracia. Nem ao menos se luta para si, ou para continuar vivo. A luta é pelo Outro que está aqui, ao meu lado. Quando me formei fui chamado para servir o Exército. Do dia para a noite estávamos marchando através da selva amazônica, com um bando de médicos recém formados e gordinhos branquelos, muito longe da forma física. Depois de dez quilômetros eu só me lembro de gritar como louco “Vamo´ lá porra, vamo´lá, Medicina!”, com medo que meus colegas desmaiassem na lama amazônica. Chegamos ao final, juntos.
Nosso Cérebro é relacional, já escrevi em muitos posts. A Motivação pode ser construída com esses vários cuidados: cuidado Comigo, cuidado com o Outro, cuidado com o Resultado e com o Mundo. Esse é o começo da Inspiração que pode ativar e manter a Motivação.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

O Gorila de Laquê

Foi nos anos setenta que Paul MacLean descreveu a teoria do Cérebro Trino. Ele repetiria as fases da Evolução: seria como camadas que foram se sobrepondo e crescendo uma encima da outra. A camada de baixo seria um Cérebro Reptiliano, responsável pelo comportamento reflexo e os instintos mais básicos de sobrevivência. Mais acima tem o Cérebro de Paleomamífero, responsável por nossas reações emocionais mais primitivas, como o Medo, a Raiva, a Ferocidade para matar a presa, trucidar o inimigo, defender o próprio território. A terceira camada, a última que envolve as outras duas como a cobertura de um sundae é o Neocortex, o Cérebro Racional, capaz de moderar a resposta emocional, processar sentimentos mais complexos, planejar, executar e avaliar o resultado de determinado ato ou comportamento. Pode-se dizer que a história humana traduz uma luta permanente para harmonizar esses três bichos que habitam e lutam pela primazia de nosso comportamento e emoções.
Os hominídeos primitivos já carregavam os seus doentes, não abandonavam os velhos e mais fracos e homenageavam seus mortos. Preferencialmente evitavam devorar as crias de seus inimigos. Sentimentos mais complexos de compaixão, respeito hierárquico e cuidado com o grupo permitiram aos pouco promissores hominídeos sobreviverem em um mundo cheio de predadores maiores, mais fortes e mais rápidos que eles, até que a criação de ferramentas e o domínio da agricultura permitiu ao Homo sapiens dominar o planeta. A capacidade de sobrevivência como grupo foi determinante nessa jornada evolutiva.
Lembro de uma cena de um documentário B, desses que se seguiram ao sucesso do “Quem somos Nós?”, lá pelos meados da década passada, onde os realizadores perguntavam para pessoas com diferentes crenças espirituais para onde estava indo nosso mundo e a vida inteligente desse planeta. No post anterior, lembrei da capacidade adquirida há sessenta anos do homem aniquilar a vida nesse planeta. Para onde estamos indo? Uma senhora que era uma espécie de guia espiritual respondeu fazendo um movimento com suas mãos, que faziam uma curva para cima e se encontravam, para depois se afastarem para cima, como um caminho que se afunila e se fecha para depois se abrir como uma flor. O entrevistador perguntou o que aquilo significava, ela respondeu que em vários setores há um afunilamento, como se o mundo estivesse caminhando para um beco sem saída; toda a angústia, a sensação de falta de sentido e de infelicidade da vida moderna confluía para aquele ponto. Mas a velha sábia também enxergava um movimento simultâneo de abertura para uma realidade mais ampla e para um salto coletivo de Consciência, onde a selvageria e a tormenta interna do homem moderno iria finalmente se transformar em outro padrão.
A análise mais interessante que ouvi sobre a vitória do Paleo primata Donald Trump, eleito para ser o homem mais poderoso do planeta, coloca que aquela figura ridícula soube usar como ninguém as Redes Sociais na construção de sua vitória. Foi uma campanha baseada num instrumento muito comum da vida internauta, que é a Trollagem, um termo derivado dos monstros da mitologia celta e de Tolkien no “Senhor dos Anéis” que são os Trolls, monstros deformados que destroem tudo o que passa na sua frente. Trump trollou a tudo e a todos, disparando insultos contra minorias, imigrantes, mulheres e chineses. Foi o segundo grande movimento de retrocesso contra o mundo globalizad: antes disso o povo inglês também votou de forma apertada pelo Brexit, a saída da Inglaterra da Comunidade Européia. Trump promete levantar um muro para proteger os americanos das invasões bárbaras. Ele se valeu dos instintos mais básicos de nosso Cérebro Reptiliano e Paleoprimata: territorialidade, xenofobia, ferocidade, dominância. A trollagem exclui o diálogo e não permite nenhuma forma de debate.
Lembrei da velha xamã mostrando o movimento de estrangulamento seguido de uma abertura. Foi a única coisa que me fez sorrir nesse céu de tempestade.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Mundo Interno

No final de sua vida, Jung escreveu uma carta em que expressava uma profunda frustração por não conseguir fazer as pessoas ouvirem o que tinha para dizer. O vazio espiritual levava o mundo a estados de tensão insuportáveis e pela primeira vez na história o homem tinha o poder de destruir a vida no planeta. Jung morreu no início dos anos 60, quando o mundo chegou ao auge da Guerra Fria e uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética parecia estar batendo em nossa porta. Jung dizia nessa carta que a Filosofia e a Religião estavam em um estado lamentável, e que temos um tesouro enterrado em nossa alma. A sua mensagem não foi ouvida, mais de meio século depois.
Não existe a polaridade clara daquele final de Guerra Fria. Americanos e Russos levaram as suas disputas para a Síria, onde o Estado Islâmico passou a exportar o terror ao mundo, o terror como um ato individual, imprevisível, irrastreável. Um outrora pacato trabalhador aluga um caminhão e o arremessa em alta velocidade contra uma multidão assistindo aos fogos na beira da praia. Essa é a guerra globalizada: o ato individual de violência e terror em nome de minha crença.
Um velho junguiano proclamava em suas aulas, quando eu engatinhava como psiquiatra e terapeuta, que a Contra Reforma Católica, com toda a violência da Inquisição, havia criado a dissociação de nossa Cultura, onde Religião e Ciência ficariam completamente separadas e em campos opostos em nossa Psique. Caetano disse num texto sobre americanos que um americano vai fundo no que vê, mas não no próprio fundo. Essa é a própria definição do que aconteceu e acontece ao mundo que só confia no que vê e toca, e duvida do que está no próprio fundo. O mundo interno deixa de existir. Esse é o resultado do divórcio entre Ciência e Religião.
Ao contrário do velho junguiano, não acho que nosso atual estado psíquico lamentável tenha sido causado pela Santa Inquisição. A Idade Média, também chamada de Idade da Trevas, foi um período de Introversão doentia, o mundo separado por muralhas e as pessoas presas em medos e superstições. O Mercantilismo rompeu as muralhas dos feudos e isso trouxe ao mundo a Tecnologia e a Ciência. O homem passou a ir fundo no que vê, mas não no próprio fundo. O movimento de Extroversão teve na Contra Reforma a tentativa de impedir o movimento para fora. Como toda Repressão, só acelerou o processo que tentava impedir. Se antes havia uma Introversão patológica, hoje estamos no campo oposto. A Idade da Razão está longe, muito longe, da razão.
Jung percebeu que a fabulosa tensão que ameaçava destruir a Raça Humana se originava na tensão entre nosso Mundo Interno e Externo. Temos uma crise permanente da nova Religião, que só acredita no que é palpável e se ri do Invisível e da Psique. Não há uma Realidade Profunda, só o que nossos instrumentos podem medir.
O Tesouro que Jung dizia que está enterrado em nosso quintal é nosso quase esquecido Mundo Interior. As pessoas procuram desesperadas por ele no meio da profunda sensação de Vazio e silencioso desespero que atravessam as nossas esquinas. Os que pedem pela mudança de olhar, agora para o próprio fundo, queimam nas fogueiras do descrédito. Mas isso, como Nova Inquisição, vai fortalecer aquilo que quer impedir.