quinta-feira, 9 de junho de 2016

Ego e Não Ego

Há um vídeo no Youtube (TED Talks) de Jill Bolte Taylor, uma neurocientista que relata com humor e emoção a experiência de um Acidente Vascular Cerebral, chamado de Derrame pelo público leigo, que ela teve há mais de uma década. Jill descreve com precisão e humor negro o seu Cérebro Esquerdo desligando e perdendo o comando de sua mente, enquanto sua alma era invadida por sensações de plenitude e bem aventurança, as mesmas sensações que místicos descrevem em suas iluminações. À medida que as preocupações, as pressas e o medo foram sendo colocados de lado ou mesmo deixavam de existir, Jill se sentia maravilhada com o espetáculo de luz e energia que observava no chuveiro ou entrando pela janela. Em alguns momentos, seu Hemisfério Esquerdo se ligava novamente e gritava: “Nós estamos tendo um AVC, vai procurar ajuda!”. Jill realmente chegou a ligar para seu laboratório, mas logo depois voltava a se maravilhar com o espetáculo de sua vida se esvaindo. Esses sentimento de plenitude e graça cedeu à um sentimento ainda maior de rendição. Ela finalmente se rendeu e se preparou para a sua passagem. Não havia medo nem dor. Todos os anos de medo e toda a carga emocional acumulada, agora se desprendiam e a energia era fluida e seguia em outra direção.
Um amigo do laboratório suspeitou que algo não estava bem e pediu uma ambulância para resgatá-la. Ela acordou alguns dias depois perplexa de ainda estar viva. A sua recuperação completa levou quase dez anos. E a sua grande contribuição vem da visão de um Derrame visto de dentro, pelos olhos de uma neurocientista. Jill voltou da morte com a sensação de que há algo muito maior em nossas redes neurais do que nossa racionalidade. A sua Mente Racional, que sempre guiara a sua vida e suas escolhas, foi se apagando na medida que um pequeno sangramento se espalhava pela lateral de seu Cérebro Esquerdo; nesse processo, ela voltou a enxergar o mundo com o maravilhamento dos olhos de uma criança, que tudo vê como novidade e como alegria. Alegria de Ser.
Falei que iria complementar o último post, sobre o Ego. O que chamamos de Ego é esse complexo de funções que percebem, interpretam e interagem com o ambiente visando preservar a vida. O Ego tem os medos e as fúrias de tentar viver num mundo seguro e previsível, onde comida, abrigo e prazer sejam garantidos e protegidos. Quando esses a prioris estão ameaçados, ele se torna triste, irritável, inquieto com a vida e o mundo. Na maioria das vezes, essas tais ameaças nem existem. Nosso Ego pode também agredir ou matar quando possuído pelo medo, pois uma de suas funções é usar seu medo para proteção, necessária ou não. Um de seus subprodutos é a gana pelo controle. Quem tem necessidade de controlar tudo vai vendo a vida entrar em estado de ressecamento e, estranhamente, tenta controlar tudo com ainda mais força, gerando mais sofrimento.
Penso que o Sofrimento que o Buda apontou como sendo a essência de nossa vida consciente é essa sensação de que sempre falta algo, e quando esse algo for encontrado, vai cessar o sofrimento. Isso gera mais sofrimento. A roda de sofrimento e a busca de sua cessação talvez seja a fonte de muitas tradições espirituais. Abandonar o Ego é deixar tudo o que nos dá a sensação de existência e segurança. Salvo alguns iluminados, não é algo para se fazer de um dia para outro. Mas vivências como a de Jill B. Taylor ao menos demonstram que, o que se procura, na vida e nas terapias, é um sentido de abandonar os medos e as ilusões de controle. Quando conseguimos, vamos na direção da experiência direta da sensação de maravilha, aquela que aparece quando deixamos de enxergar pelo filtro do medo. Podemos ver isso nos olhos das crianças ou nos lampejos de felicidade que se enfiam entre nossas infinitas preocupações.

2 comentários:

  1. muito legal, Dr....e vc gostou mesmo do vídeo da Jill, hein.

    Acabei de ler Ending the Pursuit of Happiness do seu colega e mestre Zen Barry Magid...o livro é espetacular...dois argumentos de lá que penso terem relevancia para nossa "conversa" virtual:

    1) O ego, de acordo com as tradições orientais, seria tão somente a identidade que criamos a nosso respeito..ele não existe ou deve ser diluído porque é passageiro e sujeito às nossas fantasias

    2) A maior parte do trabalho de um mestre zen é ensinar seus alunos a simplificar a vida. Eles (nós) investem muito tempo aprendendo e interpretando conceitos que, após apreendidos, se mostram extremamente simples.

    Acho que tudo está 100% em linha com suas explicações.

    Vamos em frente! Um forte abraço e obrigado pelas palavras.

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  2. medo, Medo

    A única Liberdade real, é a liberdade de não ter Medo

    ( essência da Vida )

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