sábado, 30 de junho de 2012

Stress e Falta de Stress

Engraçado o jeito que a Medicina lida com o tema Stress (desculpem os puristas, vou o usar o termo em Inglês). Stress é uma espécie de curinga, como os vírus. Caiu o cabelo? É stress. A gripe não sara? É uma virose nova. O Intestino não funciona? Stress. Funciona demais? Stress.
Pois essa entidade fantasma é apontada como o sujeito oculto de quase todas as nossas mazelas. E é mesmo. Mas o que significa stress, ou estresse?
Há um sonho descrito em um maravilhoso livro de Edward Edinger, um importantíssimo autor junguiano. O paciente relatou um sonho em que o mundo estava acabando, com a morte de muitas pessoas. O paciente havia sido selecionado, no sonho, a fazer parte das pessoas que iriam reconstruir o mundo depois de toda a destruição apocalíptica. Ele notou que as pessoas selecionadas tinham a pressão um pouco alta. Os hipertensos graves e as pessoas de pressão baixa teriam a sua vida ceifada. O mundo seria reconstruído pelas pessoas com a pressão discretamente elevada.
O sonho está errado fisiologicamente. As pessoas com níveis pressóricos mais baixos vivem mais, isso é um consenso. Os sonhos, porém, não tem valor factual, apenas, mas tem valor simbólico e alguns deles, coletivo. O sonho antecipou a nossa pós modernidade, onde o mundo, como se conhecia, acabou. Os pressionados demais morrem mais cedo. Esse é um dos efeitos do Stress psíquico excessivo: a Medicina Chinesa diria que pessoas com excesso de Yang se desgastam mais rápido. A Medicina Ocidental diria que pessoas com hiperatividade adrenérgica também vão durar menos. Mas o sonho também fala do excesso às avessas: das pessoas apáticas demais ou que tem “muito pouca pressão”. Todo dia chegam nos consultórios as pessoas “com excesso de Yin”, ou pouca atividade adrenérgica, pessoas mornas em sua vida pessoal e fisiológica, que não conseguem fazer parte do jogo que chamamos de vida. Existe um termo científico para a nossa necessidade de Stress: a Hormese. Hormese é a resposta do organismo ao estresse moderado, aos desafios do dia a dia, aos exercícios físicos constantes e equilibrados, ao uso regular de nosso corpo e nossas capacidades mentais. Não é incomum ver as pessoas adoecerem quando se aposentam ou quando passam muito tempo desempregadas. A falta de atividades é um fator de estresse tão importante como o excesso. O sonho do paciente de Edinger falava sobre isso: o mundo será dos que mantiverem o tônus de atividade e de exploração do ambiente. Os que se acelerarem demais ou de menos vão ficar fora do jogo. Como já foi colocado no post de Domingo passado, a restrição energética aumenta a Hormese, enquanto que os excessos produzem a resposta em contrário. Uma das tragédias de nossa epidemia moderna de Obesidade é o efeito lentificador de Metabolismo que o excesso de oferta energética, como o excesso de açúcares em farináceos e doces (refrigerantes já são os novos vilões da Saúde Pública). O metabolismo lentificado gera dificuldade de resposta ao estresse de nosso organismo. Não é à toa que as Medicinas Orientais tratavam muitas doenças com o jejum, o que, para nossa civilização, é um absurdo.
Nossa Medicina e recomenda para todos os estressados algo como: “relaaaxa...”, vamos dar um Relax na beira da piscina, “você precisa relaxar mais...”. Esse conselho é fisiologicamente errado. Não adianta tentar ensinar um estressado a relaxar. Os sintomas ansiosos podem aumentar e muito se você manda o gordinho estressado fazer relaxamento e entoar mantras indianos. O sucesso do Pilates, que eu espero que não seja só uma moda, deriva provavelmente da junção da tonificação muscular com o relaxamento, um modelo mais adequado á nossa Hormese. Portanto é bom lembrar a todos que precisamos do Stress para nossa sobrevivência e desenvolvimento no dia a dia.
A falta de estressores também pode ser mortal, como o excesso.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Jung e a Final da Libertadores

Outro dia um paciente veio fazer uma fofoca e me atiçar contra a terapeuta de sua filha, uma lacaniana muito composta. Quando ele mencionou que fazia Psicoterapia Junguiana, a colega se empertigou no sofá e observou que Jung era assim um cara místico... Eu não passei recibo e comentei que me recusava a discutir essa "acusação" sem cerveja. Ele passou o recado, todo pimpão. Eu sei, eu sei. Que coisa feia. Entrar nessa rivalidade clubística entre linhas, isso é coisa de um junguiano sem compostura. O fato é que não houve mais nenhum comentário da moça.
Uma das construções teóricas de Jung que lhe valem o título de "místico" é a Sincronicidade, ou Lei das Coincidências Significativas. Jung começou a notar pequenos eventos onde fatos ou acontecimentos sem relação de causalidade entre si aconteciam em determinado momento, reforçando uma impressão ou uma idéia. Uma vez no hospital um colega me enunciou esse princípio de forma muito clara e interessante. Era logo um Ortopedista, que não acreditam em nada que não esteja no Raio X. Havia um senhorzinho que trabalhava no prédio da Faculdade de Medicina e era muito querido dos alunos. Um belo dia ele caiu de uma escada e teve uma fratura. Diagnosticada a fratura, optou-se por fazer uma cirurgia para colocar um pino no local. A cirurgia foi desmarcada três vezes, por razões diferentes: numa o cirurgião bateu o carro, na outra o paciente pegou uma Pneumonia, na terceira a Pressão dele subiu antes da Anestesia, a cirurgia foi suspensa. O colega optou por fazer um tratamento mais conservador e não cirúrgico. A justificativa científica é que "alguém lá encima não estava querendo essa cirurgia". Claro que o tratamento conservador era uma boa opção e, mais claro ainda, os três eventos que impediram a cirurgia não tiveram nenhuma relação causal entre si. Entretanto, colocando as três coincidências na balança, o médico "sentiu" que era melhor optar por outro caminho. Para a Ciência, meu colega é um supersticioso e o terapeuta que leva as coincidências em conta é um místico ou um charlatão (pode não parecer, mas para a Ciência, são sinônimos).
Toda essa introdução é para dar aos secadores do Corinthians, dentre os quais eu alegremente me incluo, uma má notícia: a Sincronicidade, chamada pelos locutores esportivos de "sorte de campeão" está do lado do Timão. Explico. No gol do Boca, a torcida pode dar graças pelo fato da bola ter entrado. O centroavante do Boca, carinhosamente alcunhado de El Tanque cabeceou para fazer o gol. Chicão meteu a mão na bola no desespero. A bola bateu na trave e voltou para outro jogador estufar as redes. Se ele não tivesse feito o gol, seria pênalti e expulsão. Como o Boca levou vantagem, Chicão tomou um cartão amarelo e o Corinthians não ficou com um jogador a menos,que, naquela altura, seria catastrófico. Tite colocou o Romarinho, um garoto de 21 anos recém chegado do Bragantino, para tentar empatar o jogo. No primeiro toque que deu na bola, Romarinho mandou-a para dentro do gol do Boca. Para finalizar, um jogador do Boca que acabara de entrar perdeu um gol debaixo da trave.
Lamento dizer, caros e solidários secadores: a Sincronicidade está do lado do Corinthians. isso não é nada bom.

domingo, 24 de junho de 2012

Não Comer, Rezar e Amar

Eu sou filho de uma família de origem italiana, por parte de pai e mãe. Um estudo neurobiológico importante para se fazer nas famílias de imigrantes é sobre a questão da comida. O “Manggia que ti fá bene” é um mantra que atravessa as gerações. Toneladas de pasta e embutidos, carbohidratos e gorduras, beliscões nas bochechas em aprovação aos quilinhos em excesso como medida de saúde. Pois a ciência vem provando nas últimas décadas que a relação peso\saúde é exatamente inversa a que se apegavam as nossas bisavós.
O excesso de peso aumenta a produção de radicais livres, os subprodutos metabólicos que aceleram os processos de envelhecimento celular. A Psiquiatria não sabe, mas está no epicentro do que pode ser uma perspectiva mais ampla sobre o que é ser realmente um médico e o que é realmente uma Medicina preventiva. O problema é que tratamos as vítimas dos estresses sociais e biológicos e tentamos restituir o seu bom funcionamento, esse é o foco do dia a dia nos consultórios e da pesquisa de novos medicamentos. O mundo pósmoderno é uma corrida de ratos circular e a medicina trata de consertar os ratinhos quando eles se cansam para retomar a ciranda de Produzir-Consumir-Gozar-Morrer que está estampado em todas as mensagens da Hipermídia. Corremos, corremos, corremos em círculos. A Psiquiatria está em posição estratégica para lidar com a correria e com a grande doença de nosso tempo, que é o hiperestresse. Podemos usar medicamentos para proteger os neurônios dos estressores psíquicos e celulares. Podemos diminuir as percepções de sofrimentos passados e futuros. Mas, além de tudo, podemos adentrar uma terra hoje habitada pela Medicina Ortomolecular e a Nutrologia, que descrevem, já que não há uma produção de estudos controlados nessa área, os efeitos benéficos de uma dieta com mais nutrientes e menos calorias vazias e gorduras saturadas na vida das pessoas. Nos estudos obre envelhecimento e proteção celular estão algumas dicas sobre o que pode nos proteger não só das depressões ou dos transtornos psiquiátricos em si, mas das múltiplas agressões que nosso corpo sofre nas gôndolas dos supermercados.
Hoje existem evidências robustas que a dieta com menos energia, ou seja, a dieta com menor exposição a calorias vazias (pão branco, açúcares, doces e massas feitas de farinhas refinadas e destituídas de nutrientes) e gorduras saturadas (frituras, alimentos industrializados com alto teor de gorduras, carnes gordas) e altas quantidades de sódio, aumentam o envelhecimento e o estresse oxidativo a nível celular e diminuem a longevidade de nossas células. A nível de nosso Sistema Nervoso, há um comprometimento progressivo de nossas áreas relacionadas à Memória e Concentração. O estereótipo do obeso como uma pessoa lentificada e pouco energética deriva provavelmente dos efeitos da Síndrome Metabólica nessas áreas.
O “Come que te faz bem” de nossas avós vai ser substituído pelo “Diminua as porções que vai te fazer bem”.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Vinte Segundos

Para quem pretende assistir ao novo filme de Cameron Crowe, “Compramos um Zoológico", saiba que esse post vai falar de um momento importante do filme, mas não vai estragá-lo, antes, espero despertar o interesse por ele.
Esse diretor americano pintou muito bem nos anos 90, fez um filme delicioso em 2000, o “Quase Famosos” e decaiu nos anos 00. “Compramos um Zoológico” não é a tentativa de recuperar o tom “cool” dos primeiros filmes. É um filme tradicional, redondo, sobre o processo de transição de uma família de classe média americana que se vê devastada pela morte prematura da mãe de duas crianças. Não é um filme a ser cultuado, como outros de Cameron, mas vale a espiada.
Matt Damon faz o papel do viúvo, Benjamin, um jornalista que está claramente zonzo com a puxada no tapete que a vida lhe deu. Resolve, como muita gente que passa por uma perda dessas, mudar completamente de vida. Quer mudar para uma casa no interior, levar uma vida mais tranquila. Encontra a casa de seus sonhos, mas há um porém: quem comprar a casa vai ter que cuidar de um zoológico que o antigo dono tinha montado. Benjamin toma a decisão de comprar a casa e reassumir o zoológico. Começa aí a jornada que na verdade é um caminho longo de elaboração de um luto.
Ontem uma cliente contava, emocionada, da declaração de amor de seu filho a uma coleguinha de escola, ambos na Sexta Série, atualmente o Sétimo Ano. O detalhe dramático é que a declaração foi postada no Facebook. Seria o menino massacrado pelos colegas, num Cyberbulling devastador? Seria simplesmente ignorado pela menina, que com doze anos já parece um murelhão quando põe um vestido? Surpresa. As outras meninas apoiaram a iniciativa. A musa agradeceu a postagem. Os colegas não devem ter notado o ocorrido, já que o menino não foi jogado dentro da lixeira da escola. Ela estava emocionada, eu contei para ela uma passagem do “Compramos um Zoológico”. Quando Benjamin resolve comprar o zoológico e mudar de vida, encontra a resistência de seu filho adolescente que já perdera a mãe e agora, mudando para uma pequena cidade, perde os amigos. O moleque fica emputecido o filme inteiro e torce para a empreitada dar errado. Faz uma amiga que trabalha no zoológico, a menina se encanta e se aproxima, mas de tanto ser maltratada, afasta-se do menino e lhe dá uma ignorada. Como diz a Lei de Spinelli número 25, “Homem bom é homem abandonado”; depois de levar um bom pé na bunda o menino se vê subitamente interessado pela garota, sem sucesso. A menina continua dando o merecido gelo nele. Foi quando Benjamin conta para o filho a Lei dos Vinte Segundos. O irmão ensinou para ele que, na vida, você precisa de apenas Vinte Segundos de Coragem Extrema. Vinte segundos que podem fazer toda a diferença. Mas é preciso exercer esses vinte segundos em plenitude. O moleque entendeu e foi lá enfrentar a menina e abrir o seu coração em seus vinte segundos de coragem extrema. O resultado os leitores vão checar no filme.
Minha cliente estava emocionada com a descoberta que seu filho fez, sem ter visto o filme, de seus vinte segundos de coragem extrema. Prometeu procurar o DVD na locadora para tentar vê-lo com o garoto, entre um blockbuster e outro. Com certeza, é um filme mais fácil de arrastar a filha para ver do que um filho, mas ela vai fazer uma propaganda adequada.
Para enfrentar as fases e os ciclos de nossa vida e de nossos filhos, vai ser preciso muitos pequenos intervalos de coragem extrema.

domingo, 17 de junho de 2012

Marizete e o Vídeo Blog

(Coloca-se diante da Webcam, checando algumas vezes o melhor ângulo, vira o rosto examinando os perfis, até encontrar um ponto, ou desistir de procurar alguma imagem de webcam que não fique uma bosta)
- Oi. Meu nome é ...Não vou falar meu nome. Não sou locutora do Jornal Nacional para ter que dar Boa Noite e me apresentar. Eu sou Fulana, ou Sicrana. Para quem não me conhece, eu gosto de uma cena de um filme bobo, o “Demolidor”. O herói é um advogado cego que à noite veste uma roupa justinha, o grande público que me desculpe, mas há uma necessidade completamente gay de colocar esses heróis em roupas justinhas, mas o que eu falava mesmo? Ah, sim, do Demolidor. Pois ele encontra uma moça, que logo vamos saber também é uma super-heroína-com-identidade-secreta , a Electra. Ele pergunta o seu nome, ela começa uma luta de Kung Fú no parquinho público. Quando sobe no balanço para fugir de uma pernada, ele pergunta: “Tudo isso só por que eu perguntei o seu nome?”. Ela responde, na bucha: “Tenta perguntar meu telefone” (Risos). Eu nunca iria conseguir dar essas respostas que ficam na cabeça dos roteiristas de Holywood. Fico refazendo o diálogo milhares de vezes, poderia ter falado isso, poderia ter falado aquilo. Ou quando um cara bacana pergunta o meu nome, abro aquele sorriso meio amarelo de moça bonita mas meio ameaçada pelo carinha que eu finge ignorar... (pega fôlego). As pessoas sempre dizem que meus parágrafos são muito longos e que eu falo como se estivesse escrevendo. Deve ser por isso que sou completamente incompatível com o Twitter. Não consigo me imaginar concentrando todos esses pensamentos em uma frase, tipo “Malhando na academia”, que tem algumas variações muito poéticas, como “Voltando da academia” ou “Não fiz nada hoje que tenha a ver com academia”... Acho que essa última ficou muito intelectual para se tuitar. Pois eu estou aqui, desesperada por ser uma excluída do Twitter, resolvi inaugurar esse vídeo blog. Pois logo de saída já estou presa em uma dificuldade, que é a de me dar um nome. É muito óbvio falar um nome comum, “Meu nome é Marizete dos Santos” (abre os braços, espalhafatosa). Quando alguém faz um vídeo blog é para criar uma nova identidade, alguma coisa diferente do seu nome repetido aos berros por sua mãe. Marizete, porra, Marizete! Vem limpar a bosta da bosta do teu cachorro! Aqui entre nós, meu nome não é Marizete, nem Marizena. Mas poderia ser, minha mãe adora nomes compostos, que juntem Marílson com Elizena.(Olha para a tela). Não, não, vocês não me pegaram, não. Meu pai não se chama Marílson e minha mãe não chama Elizena. (Suspira), Poderia ser um nome daqueles ripongos, Lua, Brisa, Cachoeira... Não, não, Cachoeira não é um bom nome... Talvez eu devesse fazer uma votação entre os seguidores desse vídeo blog: qual é o nome que você daria a essa personagem? Deixa eu ver (0lha para o computador e finge teclar e pesquisar a tela), bem, meu vídeo blog estréia com zero seguidores, zero Page Views. Nada mau. Nada mau. Pelo menos eu posso fazer suspense para o meu próximo vídeo blog: tente perguntar o meu nome! Don´t call my name, Alejandro! (sai da vista da webcam, cantando e dançando Lady Gaga como se fosse a Carmen Miranda) Don´t call my name, Don´t call my name,Alejandro...

sábado, 16 de junho de 2012

Sushi Woman

Quando acontece uma tragédia, as pessoas correm aos especialistas para explicações tranquilizadoras. Algo que nos ofereça a impressão que aquilo poderia ter sido facilmente evitado, mediante as medidas adequadas.
Marcos, o executivo da Yoki, foi morto por sua esposa com um tiro e depois teve seu corpo esquartejado na tentativa de ocultação do cadáver. Foi o assunto da semana. Em nossa civilização viciada em Reality Shows, o crime foi comentado, a intimidade das pessoas exposta e os detalhes mórbidos multiplicados nos jornais e internet. Os especialistas de plantão, alguns da minha área, saíram caçando explicações. As pessoas me perguntavam, nas consultas, como uma coisa dessas pode acontecer na casa vizinha.
“Uma Linda Mulher” foi o filme que lançou Julia Roberts como Cinderela moderna. Fez o papel de uma prostituta que se apaixona pelo seu cliente, um rico executivo encastelado no mundo dos negócios. Tentaram fazer outros filmes com Richard Gere e Julia Roberts tentando recuperar a química quase perfeita de “Pretty Woman”, mas não rolou. O fato é que o arquétipo do homem bem sucedido que se apaixona pela prostituta e decide tirá-la “da vida”. A mocinha tira o executivo de seu castelo solitário. O Príncipe transforma a Gata Borralheira em Princesa. E vivem felizes para sempre.
Engraçado como as pessoas não empatizaram com a vítima nesse reality da semana. Pelo contrário. Ontem, uma cliente que passou várias vezes por abusos morais de chefes, familiares e, sobretudo, marido, disse entender muito bem o que Elize, a assassina confessa de Marcos, sentiu. Tem um livro que eu gosto muito: “Homens Maus fazem o que Os Homens Bons Sonham”. O título já é autoexplicativo. A diferença entre a pessoa dita normal, ou portadora de Juízo Moral e a outra, dita Perversa está justamente na capacidade de simbolização. Às vezes temos vontade de matar alguém. Ou precisamos “matar” simbolicamente uma ordem, uma fase de nossa vida ou um relacionamento que só traz sofrimento. O trabalho simbólico é longo e doloroso e vivemos antes o que está morrendo, sem certeza do que irá nascer depois. A pessoa que não tem ou perde a capacidade de Simbolização passa ao ato. Precisa matar o relacionamento, ou o que ele representa, mas acaba matando o Outro, ou a si mesma.
Elize encontrou o Príncipe que, encantado, tirou-a “Da Vida”. O sonho logo virou em pesadelo, sem “felizes para sempre”. Richard Gere perdeu o seu interesse, passou a ser distante, sempre irritado com a sua perseguição ciumenta. Julia-Elize engravidou quando o divórcio estava sendo discutido, o que não é nem um pouco incomum. Nenhum casamento é salvo assim, antes, é definitivamente condenado. O resto da história é conhecido: a traição, a nova amante candidata a Cinderela, a discussão, o tiro, a morte revelada em cadeia nacional pelos advogados da família em seus detalhes bizarros.
É engraçado dizer que não precisamos de salvadores, nem salvadoras, para redimir nossas falhas, nossos medos, nossas pobrezas. Não precisamos de Príncipes nem de Cinderelas. No entanto, não há nenhum dia que não sejamos salvos, às vezes por pessoas que nem conhecemos.

domingo, 10 de junho de 2012

Da Superfície e do Profundo

Não sei se os leitores desse blog notaram, mas o texto postado ontem é francamente incoerente com vários outros já colocados nesse espaço. Acabei me colocando contra um ponto de vista do filósofo Luís Felipe Pondé, que escreveu em sua coluna da Folha de São Paulo de 04 de Junho algo que vinha de encontro ao que foi muito defendido nesse blog: na época das superfícies e do superficial, só o confronto com nossos monstros interiores vai nos transformar. Pois resolvi entrar em mais uma polêmica inexistente e discordar (mesmo concordando). O nosso paradigma, sobretudo nos últimos vinte anos, mudou profundamente com o advento da Internet. Estamos hoje tangidos pelas subjetividades em rede, pela Economia em rede, pela sobrevivência que depende da Interconexão. Tratei um caso de um senhor que apresentava uma Depressão de moderada para grave, que com o tempo tornou-se de grave para gravíssima, que tinha adoecido junto com a sua empresa, um “family business” que estava indo para as cucuias. Chegou a oferecer o negócio de graça, ninguém quis pegar, tamanha a ideia que aquilo era um abacaxi. Quando ele finalmente respondeu ao tratamento, teve uma ideia luminosa: deu, de graça, uma participação na empresa para um rapaz que ele percebeu de grande visão, que estava criando o comércio eletrônico (em Português, o “E-Business”) para os seus produtos. O rapaz abraçou a causa, fez um investimento preferencial e maciço no site e nas aparições do Google, alavancando as vendas e uma recuperação impressionante da empresa.
Luis Felipe Pondé escreveu sobre uma grande descoberta de Freud. Temos um ser que habita nossas redes neurais, uma psique profunda, que muitas vezes comanda mais as nossas ações do que gostaríamos. Revelar o que ficou recalcado é fundamental para que a Consciência se liberte de seus entraves, de seus bloqueios. Concordo e mais do que isso, pratico isso todo dia na minha Clínica. O que eu escrevi ontem é que as pessoas estão atarantadas com esse mundo em rede, sofrendo de um mal inteiramente novo de nossa Pósmodernidade: a Desconexão. Diante da sensação de estar “online” o tempo todo, as pessoas estão mais recolhidas, mais isoladas do que talvez qualquer outra época da História, sobretudo nos centros urbanos. O que eu gostaria de concluir é que as pessoas deitam nos divãs com outra e profunda demanda em nossos tempos cibernéticos: elas não querem mais revelar o seu Eu profundo, pelo menos não dá para buscar as cenas de infância ou as dores de Alma antes de definir para si uma Identidade no meio de toda essa Despersonalização cibernética que vivemos. As pessoas precisam recuperar a sua Humanidade antes de se perderem, de vez, nas identidades virtuais. Recuperando o Ego e a capacidade de estabelecer conexões com o mundo externo e Interno, aí vamos fazer um trabalho que passe pelo Profundo e pela Superfície.
Freud e Jung devem estar rindo de nossa cara.

sábado, 9 de junho de 2012

Infernos (Im) Pessoais

A fiel leitora desse blog, Lúcia, fez uma sugestão de que eu comentasse o artigo do filósofo Luis Felipe Pondé, publicado na Folha de São Paulo de 04 de Junho, “O Meu Inferno Mais Íntimo”. Imagino que ela se lembrou de mim nos parágrafos finais do texto de Pondé, quando ele afirma que, ao contrário de Sartre, o Inferno não são “Os Outros”, mas, antes, o Inferno somos Nós, sendo o verdadeiro confronto, o confronto com os Demônios que nos habitam. No final do texto, ele mencionou um conto hassídico, quando foi possível a um homem justo visitar o Inferno, onde todos gritavam “Eu, eu, eu...”
Uma fórmula infalível de sofrimento é a fixação no Ego. Só há uma desgraça maior do que se fixar no Ego: é não ter Ego nenhum. Os neodarwinianos gastam muito latim dizendo que temos genes e patrimônios genéticos egoístas, que querem mais a reprodução e a predominância. Nossa cultura valoriza essa postura de predomínio, a glória do macho dominante. Grupos de neoprimatas, que chamamos de humanos, em situação de perigo, produzem dois tipos de reação adaptativa: o enfrentamento e a colaboração. Os machos, em situação de perigo, ficam nervosos, irritadiços e prontos para atacar ou fugir. As fêmeas reagem de outra forma: estabelecem alianças, protegem as crias, estabelecem e multiplicam os canais de comunicação. Homens brigam, mulheres falam, por isso que os machos da espécie fazem qualquer coisa para fugir de uma Discussão de Relacionamento.
Nossa civilização macha e darwiniana valoriza o sucesso, a dominância, o Poder. O pior é que as mulheres se contaminaram com esse sistema falocêntrico e também disputam os tronos de “Poderosa”, “Maravilhosa”, “Absoluta”. Mulheres turbinadas e homens em carros turbinados, são as imagens da Civilização Autoestima.
No Sábado passado eu falei sobre a Memória Celular e as estruturas em rede que determinam a comunicação entre as células e a resposta imune. Não há uma célula macha nem outra turbinada e gostosa para comandar o espetáculo. As células atuam numa rede infinita de comunicação e reação orquestrada, quase simultânea e em cadeia. O novo paradigma, inaugurado com com as novas tecnologias digitais, é o das estruturas em rede, em que prevalecer e colaborar tem a mesma importância. Não adianta glorificar o talento de um Messi se ele não tiver os gênios Iniesta e Xavi se multiplicando em campo, atuando de forma coordenada, múltipla, orgânica.
Poderia responder ao Pondé que o Inferno, hoje em dia, não são Os Outros, nem Nós mesmos. O Inferno é perder o contato. O Inferno é o Isolamento. Não adianta mais ajudar as pessoas a enfrentarem os seus demônios internos. Temos que ajudá-las a fazer contato com o mundo Interno e Externo, sem perder a capacidade de comunicação e Integração. As pessoas isoladas em seus medos e visões estanques são candidatas ao Inferno Íntimo.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Aprendizagem e Memória

Quando os meus filhos estavam em idade para início de sua Educação Infantil, começamos a procurar e testar os tipos de escola aqui da região, para vermos qual projeto pedagógico era mais legal, mais promissor. Encontramos uma escola que tinha um projeto encantador. O ensino seria feito por projetos: por exemplo, vamos projetar uma pequena horta atrás das salas de aula. O que é uma planta, como é o desenho de uma horta, o que fazer com as sementes, quais são os nutrientes que as plantas precisam para crescer, qual a posição que elas devem ter com relação ao sol e assim por diante. O conhecimento seria integrativo, multidisciplinar, baseado na experiência. Pagamos o valor de uma faculdade de Medicina, andamos em carros velhos por alguns anos, achando que o esforço valia a pena. Não valeu. Os professores não sabiam como se adaptar ao novo tipo de ensino, a diretora se perdeu com a necessidade de implantar o novo modelo, os conteúdos que as crianças precisavam reter não eram claros e depois de algum tempo as crianças diziam que “não tinham aprendido nada”. Depois de cinco anos, colocamos os caras num a escola tradicional, a 30 km de casa, o que em São Paulo é uma distância intransponível, eles demoraram quase dois anos para aprender a aprender, justamente o que a tal escola Construtivista dizia que faria. Organizar o conhecimento, reter novos conteúdos, usar o aprendizado em provas e aguentar professores azedos, frustrados e arbitrários. A boa e velha escola tradicional, que salvou a escolaridade deles, que estava indo para algum inferno de boas intenções, como eles costumam ser. O processo de aprendizagem precisa da obtenção e retenção de novos conteúdos. Isso depende associação, compreensão e repetição. Repetição. A vontade de alguns educadores de enfrentar o decoreba de seu passado escolar criou uma metodologia anti conteúdos, o resultado foi catastrófico para a nossa já limitada Educação. O ministro da Educação de FHC, Paulo Renato, falecido recentemente, merecia uma estátua em praça pública por ter colocado um fim no festival de burrice e veleidades. Instituindo o ENEM e o ENADE ele criou um método, cheio de limitações, é claro, mas um método de avaliar se o conhecimento está sendo transmitido e recuperado em testes. Houve um desvio no eixo das escolas desde então. Muita gente poderia balançar a cabeça e achar que tudo isso foi um grande retrocesso, que voltamos à Idade da Pedra dos testes e das crianças torturadas e focadas no desempenho, não na aprendizagem em si. O fato é que acabou-se o tempo do papo cabeça e estamos no tempo da boa e velha avaliação. Quem não gosta de ser avaliado nem de prestar contas sobre os resultados de seu trabalho e estudo, é melhor tentar o Congresso Nacional. No mundo real, temos que aprender e usar o conhecimento. E a aprendizagem não termina nunca.

domingo, 3 de junho de 2012

Sobre Aulas e Supositórios

Bem sei que não deve ser fácil ser seguidor desse blog. Não há um tema que o caracterize, mas a superposição de vários temas que se me aparecem no dia a dia de estudos e consultório. Assuntos como futebol, relacionamentos, busca do amor, Neurociência, Psicologia Junguiana, Mitologias e por aí vai. De vez em quando, falo até de Psiquiatria. Não há como criar um público específico, mas dá para observar, agora que eu aprendi, quantas pessoas entraram em cada texto. Ontem, que eu falei de Memória Celular e Cognição do Sistema Imune, devo ter uma meia dúzia de page views. Hoje vamos fazer outra mudança de assunto, embora dentro do mesmo tema, que vou explicar. Os dois posts tem a ver com uma aula de vinte minutos que eu dei para o meu filho, sobre Método de Estudo. É bem difícil dar essa aula para o seu filho, que pode achar que é uma aula com críticas embutidas ou a tentativa do pai psiquiatra de fazer uma lavagem cerebral ou impor as suas verdades. Diante de todos esses perigos, acho que me saí bem, falei por cerca de 25 minutos, rabiscando o que falava num caderno, para alinhavar e frisar o núcleo da comunicação. Foi bem legal, pelo menos para mim. Difícil foi ouvir que as aulas que ele tem na escola não repetem de forma nenhuma a forma de transmissão de conhecimento que foi usada. Eu tenho um amigo que é professor universitário e durante algum tempo foi coordenador de curso. Ele tem um humor com aquela acidez gaúcha deliciosa, e cunhou um termo tão grosso quanto realista: a “Aula–Supositório”, que como o nome sugere, é uma aula em que o professor comprime uma grande quantidade de saber em seus slides e enfia esse conhecimento goela (para sermos delicados) abaixo dos alunos. Como coordenador de curso, ele fez o que pôde e o que não pôde para combater, sem sucesso, a Aula-Supositório. Pois meu filho, com aquela capacidade adolescente de transferir responsabilidades para o professor, descreveu exatamente a Aula-Supositório; uma aula em que o professor soca uma quantidade X de matéria de forma rápida e sem destaques dos pontos principais, comprimidos em uma série de slides e bola pra frente (ou supositório para frente, quer dizer, para trás). As aulas devem ter exposições claras e que vão construindo o saber. Os pontos principais devem ser sublinhados e repetidos. O aluno deve ser mapeado o tempo todo qual é o campo de saber que está sendo abordado e onde o professor quer chegar com aquela exposição. No final, o professor deve seguir a regra dos três, ou seja, resumir os três pontos principais que devam ser base para o estudo e possível aprofundamento dos temas. Sobretudo, há um quantum de conteúdo que o aluno deve levar para casa. Ele não deve nem sair empanturrado, nem oco de conceitos, mas deve acompanhar o encadeamento de idéias como uma história com começo, meio e fim. O relativo anonimato desse blog me garante imunidade. Se esse texto cair nas mãos de alguns professores, diriam que estou ensinando o padre a rezar a missa e que não faço idéia de como é impossível prender a atenção desses "aborrecentes" em tempos de Redes Sociais e Internet em todos os lugares. Ninguém consegue captar mais conteúdo do que um tweet de 140 letras. Posso imaginar. Mas a droga mais utilizada no planeta é a autopiedade. As aulas tem que captar o interesse, depois a Atenção, para depois chegar aos arquivos de Memória. Essa é a tarefa. Está na hora de dedicarmos mais tempo tentando cumprí-la e menos tempo analisando por que não conseguimos fazê-lo.

sábado, 2 de junho de 2012

Memória Celular

Estava lendo um artigo sobre Cognição Neural. Já escrevi um texto sobre isso para postar no blog, mas ficou chato e foi para o lixo. Talvez um dia eu faça um coletânea de textos desprezados e abandonados pelo autor que vos tecla. Deve ter algumas coisa boa por lá, mas esse não é o assunto desse post. O assunto é a dificuldade de falar de um tema que eu acho tão legal sem cair em explicações chatérrimas para o leitor e a leitora do outro lado da tela. Aprendi por exemplo que a origem da lesão à distância da Doença de Chagas não se dá pela ação do parasita Trypanosoma cruzi, como aprendemos na escola. A lesão se dá pela reação imune cruzada, onde os nossos anticorpos atacam o parasita mas também as proteínas do músculo cardíaco. Um caso de dano colateral, ou fogo amigo. O sistema de reconhecimento de nossa resposta imune faz anticorpos contra o inimigo, mas acaba atacando o próprio corpo. É a chamada autoimunidade. Nem sempre é fácil explicar para as pessoas que o seu corpo esteja fabricando armas contra si próprio. Não é uma imagem agradável. A moderna genômica e proteômica demonstra que há uma infinidade de microorganismos que vivem em paz dentro de nosso corpo sem serem detectados por nosso sistema de defesa, embora tenham muitas proteínas que poderiam ser confundidas. Podemos tomar um medicamento a vida toda sem problemas e um belo dia o nosso sistema de defesa acha que ele é um perigo e desencadeia uma brutal reação alérgica. Para quem não sabe esse é o princípio da reação alérgica:uma resposta imune devastadora a uma falsa agressão. Como matar um rato com uma granada, ou uma bazuca. O estrago é muito maior. O que atacar e o que não atacar depende de uma hipercomplexa rede de reconhecimento. Para isso, precisa de um sistema de aprendizagem e ação, que implica em ativar e ativar populações de genes e de células. É muito legal. A parte mais maneira de nossa cognição imune é acreditar que ela se dá por tentativa e erro, com a criação de uma infinita rede de associações e de memórias celulares, que determinam o reconhecimento, ou não, do inimigo e do amigo dentro de nosso organismo. Mas a parte mais legal é saber que não há um sistema imune igual ao outro, assim como não há uma rede de memórias de uma pessoa igual a outra. Mas, melhor que isso. Todos os processos que dão base à vida se baseiam em aprendizagem.Outro dia o meu filho se queixou que não consegue se motivar para aprender o que ensinam na escola. Acha as matérias chatas, desinteressantes. Eu respondi que nem sempre aprender é uma coisa agradável. Sempre demanda tentativa e erro, e errar é doloroso. Mas não era isso que eu queria falar. Foi uma resposta de pai, ou seja, meio chata. Aprender é construir uma rede de relações que uma simples célula pode processar ao infinito. Imagine o que podem fazer os bilhões de células que temos em nosso Sistema Nervoso.