sábado, 2 de junho de 2012
Memória Celular
Estava lendo um artigo sobre Cognição Neural. Já escrevi um texto sobre isso para postar no blog, mas ficou chato e foi para o lixo. Talvez um dia eu faça um coletânea de textos desprezados e abandonados pelo autor que vos tecla. Deve ter algumas coisa boa por lá, mas esse não é o assunto desse post. O assunto é a dificuldade de falar de um tema que eu acho tão legal sem cair em explicações chatérrimas para o leitor e a leitora do outro lado da tela. Aprendi por exemplo que a origem da lesão à distância da Doença de Chagas não se dá pela ação do parasita Trypanosoma cruzi, como aprendemos na escola. A lesão se dá pela reação imune cruzada, onde os nossos anticorpos atacam o parasita mas também as proteínas do músculo cardíaco. Um caso de dano colateral, ou fogo amigo. O sistema de reconhecimento de nossa resposta imune faz anticorpos contra o inimigo, mas acaba atacando o próprio corpo. É a chamada autoimunidade. Nem sempre é fácil explicar para as pessoas que o seu corpo esteja fabricando armas contra si próprio. Não é uma imagem agradável. A moderna genômica e proteômica demonstra que há uma infinidade de microorganismos que vivem em paz dentro de nosso corpo sem serem detectados por nosso sistema de defesa, embora tenham muitas proteínas que poderiam ser confundidas. Podemos tomar um medicamento a vida toda sem problemas e um belo dia o nosso sistema de defesa acha que ele é um perigo e desencadeia uma brutal reação alérgica. Para quem não sabe esse é o princípio da reação alérgica:uma resposta imune devastadora a uma falsa agressão. Como matar um rato com uma granada, ou uma bazuca. O estrago é muito maior. O que atacar e o que não atacar depende de uma hipercomplexa rede de reconhecimento. Para isso, precisa de um sistema de aprendizagem e ação, que implica em ativar e ativar populações de genes e de células. É muito legal. A parte mais maneira de nossa cognição imune é acreditar que ela se dá por tentativa e erro, com a criação de uma infinita rede de associações e de memórias celulares, que determinam o reconhecimento, ou não, do inimigo e do amigo dentro de nosso organismo. Mas a parte mais legal é saber que não há um sistema imune igual ao outro, assim como não há uma rede de memórias de uma pessoa igual a outra. Mas, melhor que isso. Todos os processos que dão base à vida se baseiam em aprendizagem.Outro dia o meu filho se queixou que não consegue se motivar para aprender o que ensinam na escola. Acha as matérias chatas, desinteressantes. Eu respondi que nem sempre aprender é uma coisa agradável. Sempre demanda tentativa e erro, e errar é doloroso. Mas não era isso que eu queria falar. Foi uma resposta de pai, ou seja, meio chata. Aprender é construir uma rede de relações que uma simples célula pode processar ao infinito. Imagine o que podem fazer os bilhões de células que temos em nosso Sistema Nervoso.
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É realmente estranhíssimo pensar que nosso organismo cria anti corpos que atacam suas próprias células, como na doença de Hashimoto. Doenças autoimunes são simbolicamente desastrosas.
ResponderExcluirOlá Spinelli,
ResponderExcluirVocê sempre consegue fazer conecções e ligações muito interessantes.
Neste seu texto: da resposta celular de defesa, ao todo, até ao processo de aprendizado do ser humano.
Seu texto é riquíssimo!
Um beijo,
Lúcia
Caramba, gente, obrigado pelos elogios. Sem dúvida que a resposta imune exagerada é um Colapso Simbólico e, quando se fala de Cognição do Sistema Imune, podemos comparar o Aprendizado das células e dos humanos.
ResponderExcluirBah, esta sacada final tvez seja a resposta ao aprendizado "chato". Acredito que a epifania nos motiva, como um combustível. Ou ainda, como vejo na relação entre professor e aluno, o afeto presente/desperto no processo do conhecimento, essencial! Já disse Platão no Banquete...
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