quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Cérebro Emocional e Aprendizagem

Sábado eu gravei uma vídeo aula aqui no consultório. Um paciente meu está com um bloqueio de estudo, o que está pior às vésperas do vestibular e eu queria aproveitar para alinhavar uma idéias. Ele não veio para a aula de um aluno só mas deu para gravá-la em vídeo. Talvez eu a coloque no Youtube, mas ela ficou um tanto ruinzinha, pela falta de domínio do veículo. No começo ela estava gritada, depois a voz ficou baixa. O ângulo da filmagem foi a linha dos olhos do aluno, deixando o expositor, no caso, eu, mais gordinho do que já me encontro. Mas no final a experiência foi OK e vou repeti-la. Estou apaixonado pela idéia da criação de Consciência ser basicamente um sistema de aprendizagem em várias camadas, do nosso Cérebro normal à máquina quântica que são nossos neurônios e nossas redes neurais. Fico com um pouco de medo de usar esse termo, “quântico”. O que antes era definido como “holístico”, hoje está sob o guardachuva do “quântico”. Percepção Extrassensorial, sincronicidades, visões de OVNIs e vidas passadas, tudo tem um componente que puxa pelo “Quântico”. Mas o fato é que nosso Cérebro é uma máquina probabilística, capaz de percepções e intuições não locais, bem, isso aparece na prática clínica o tempo todo. Pode dar o nome que quiser.
A aula em questão era sobre um conceito de psiquiatra/físico Jeffrey Satinover que já citei em outros posts, o Quarto Cérebro. Como o único aluno não veio, acabei falando dos três Cérebros mais conhecidos. O primeiro é um Cérebro mais antigo, vegetativo, quase um pequeno Cérebro de Réptil em nosso Sistema Nervoso. Ele garante as funções ditas vegetativas, o batimento cardíaco, a respiração, o sono, a regulação da temperatura e o nível primário de Consciência. Se ele não vai bem, o resto também não vai bem.
O Segundo Cérebro está no início da parte mediana de nosso Cérebro e vai até a Substância Cinzenta. É um Cérebro de Mamífero ou de Paleoprimata. Responde pela regulação de toda a nossa vida emocional e instintiva, a regulação de nossos hormônios e aparato básico de sobrevivência, os ciclos biológicos e a modulação do medo e do desejo, grandes forças em nosso desenvolvimento e motivações. No caso do aluno que não veio, é justamente a parte do seu Sistema Nervoso que está causando o seu bloqueio. Uma estrutura do tamanho de uma ervilha, chamada Amígdala, está orquestrando todo o estrago. O medo de fracassar criou um sistema de congelamento. Quando ele pensa em estudar, um frio percorre o seu Estômago, o Coração dispara, a boca fica seca. A repetição de experiências desagradáveis criou um profundo bloqueio, passar no vestibular parece um salto impossível sobre o precipício. Ele não suporta mais decepcionar a si mesmo e as pessoas que o amam. Não esperem nada de mim, ele fala com o seu bloqueio. Ele não percebe, mas está lutando pelo seu direito de fracassar. Parece estranho, mas quase todo mundo chega a um ponto em que precisa abandonar o medo de decepcionar as pessoas amadas.
Superar as dificuldades e os medos também podem ser transformados em um Sistema de Aprendizagem. Como eu já escrevi em outras postagens, mudar velhos hábitos é uma tarefa para um Hércules interior. Mudar o hábito de desistir, de fracassar, de interromper o processo de aprendizagem, também é uma tarefa daquelas. Estava lendo que Michael Jordan não era nem o melhor jogador de basquete de sua família. O seu irmão mais velho era a estrela e sempre fazia questão de prová-lo diante do irmão caçula. Parece que quando Michael foi reprovado e cortado do time de basquete de sua escola, aquilo provocou uma mudança profunda em seu comportamento. Ele passou a treinar mais do que todos e procurar adversários cada vez mais difíceis. A sua curva de aprendizagem passou a ser exponencial e diária, até virar o maior jogador de basquete de todos os tempos. Ele passou a se excitar com os erros e as derrotas, em vez de chorar e ficar com pena de si. Ele também não ficou deitado em um divã de um terapeuta compreensivo e acolhedor repetindo a mágoa e a admiração do irmão que gostava de oprimi-lo. Penso que ele derrotou esse irmão milhares de vezes em sua vida. Tenho certeza que ele fez isso usando os sentimentos, inclusive o seu medo, para atingir níveis cada vez maiores de Concentração e Motivação. Viram? Não deu para falar do Terceiro Cérebro. Mas não vou demorar a abordá-lo.

domingo, 28 de outubro de 2012

A Fratura

Estou aqui bestando no final do final de semana, vendo a “Sessão de Terapia” no GNT, com as melhores cenas geralmente de Maria Fernanda Cândido, no papel de Júlia e ZéCarlos Machado, no papel do analista Théo. As cenas são carregadas da tensão de uma paciente transferida e tentando achar uma brecha na expressão facial de Théo. Ela quer ficar com ele, quer ser a mulher de sua vida e o terapeuta ali, fazendo cara de terapeuta. Zé Carlos Machado não consegue traduzir com clareza a tensão de um homem de mais de cinquenta anos seduzido por uma mulher mais jovem e bela, querendo se entregar para ele. A luta entre o homem e o curador não fica clara nos olhos de Théo. Ele parece e bobo e suas respostas, ainda mais bobas. Júlia o convida a examinar e expor com clareza os seus sentimentos, para poderem lidar com eles. Estranhamente, nesse ponto, a paciente é que está sendo terapêutica e acolhedora, enquanto o terapeuta está todo duro, soltando alguns lugares comuns.
Particularmente bonita é uma cena em que Júlia descreve o que ela vê no homem que está na sua frente. Ela não acha que Théo é o herói, o analista todopoderoso. Ela percebe que algo dentro dele está quebrado, e o que está quebrado tem uma infinita tristeza. Se os dois pudessem juntar as suas tristezas, alguma coisa nova poderia surgir no meio do gigantesco vazio que há entre duas pessoas e suas faltas. É uma fala tão bonita que descreve um ponto nuclear do encontro de duas pessoas numa sessão de terapia. Ele desatou a perguntar e mesmo censurar o que Júlia dissera, por que ela não conseguia se gostar, por que dizia que se detestava há trinta e cinco anos. Ai, meu Deus.
Júlia enxergou a fratura. O homem fraturado entre o seu desejo e sua dor, sempre transido entre uma coisa e outra. O homem da Terapia Comportamental é muito chato, cheio de fobias e obsessões que devem ser eliminadas às pauladas pelas orientações e direções do terapeuta marceneiro psíquico. Júlia cutuca num lugar onde a medicação e a psicoeducação nem imaginam que exista: o lugar do paradoxo, onde a ferida e a grandeza de um homem estão no mesmo lugar. Júlia descreve que algo está quebrado dentro do homem que tenta tratá-la. O que ela não sabe é que essa fratura é a nossa natureza humana.

Fenômeno

Adoro pescar na TV a cabo uns filmes que sumiram na transição do VHS para o DVD. Um deles, do final da década de 90 é o “Fenômeno”, com John Travolta, que provavelmente foi a origem do apelido do hoje rechonchudo Ronaldo Fenômeno. Para quem na viu, é a história de um mecânico de uma pequena cidade americana da Califórnia que, após um evento estranho, em que ele vê uma luz intensa, passa a desenvolver uma capacidade quase ilimitada de aprendizagem e memória, virando objeto de medo e de especulação dos habitantes, que acham que foi abduzido por aliens, e que pode ser perigoso.
O personagem de Travolta, George Maley, passa a apresentar uma curva de aprendizagem assustadoramente alta, chegando a aprender língua exótica, o Português, em vinte minutos. Os problemas não demoram a aparecer, quando ele começa a ficar acelerado, pensando e tendo novas ideias o tempo todo, gerando novos conhecimentos sobre Agricultura, Sismologia, Energia Solar e qualquer assunto em que se debruçasse. No final do filme, lamento revelar, George é diagnosticado com um Tumor Cerebral, um Astrocitoma que envolveu todo o tecido nervoso e passou a superestimulá-lo. Esse estímulo constante aumenta a sua capacidade de concentração, os pensamentos fluem livremente e a formação de memória foi se tornando cada vez mais rápida e eficiente. Ele fica num estado de excitação que em Psiquiatria é chamado de Mania, um estado de aceleração em que a pessoas fica em estado de Humor expansivo, com uma euforia contagiante em que todas as possibilidades parecem ao alcance da mão. Não há necessidade de comer, nem de dormir, todas as associações de ideias são rápidas e parecem infalíveis. O portador do quadro normalmente sente-se muito bem e tudo parece muito bom, mas na verdade os quadros de mania podem ser catastróficos e difíceis de tratar. Estão geralmente vinculados à Doença Bipolar e devem ser tratados com vigor e por muito tempo. Confesso que sempre me intriguei sobre como poderia desenvolver uma Mania controlável, que não levasse o paciente à insanidade e à depressões graves quando a neurotransmissão entra em exaustão. Alguns mecanismos para essa otimização estão sendo esclarecidos.
Estudos de memória demonstram que o filme não está tão errado, embora não exista um Tumor que hiperestimule o Cérebro dessa forma, aumentando as capacidades de atenção e a retenção de novas aprendizagens. Mas outros estudos demonstram que as pessoas que atingem vários níveis de excelência no que fazem são os que conseguem estabelecer esse looping de retroestimulação e aprendizagem constante. Grandes pianistas, o violoncelista Yo Yo Ma e os gênios da Matemática compartilham desse mecanismo de estímulo constante, levando a níveis cada vez mais assustadores de excelência no que fazem. Isso depende menos da carga genética e mais na capacidade de estabelecer sistemas de aprendizagem e reforço de redes neurais. É como se as conexões neurais ganhasse uma musculatura cada vez mais sólida, na medida em que são mais usados e solicitados. Isso também deve ter um papel importante na origem de alguns quadros demenciais. As demências são muitas vezes desencadeadas pela aposentadoria ou por uma perda importante na vida do paciente. Isso pode gerar um ciclo vicioso de desuso. O Cérebro é um órgão como outro qualquer, precisa de exercícios.
No final do filme, George fica estranhamente grato por haver uma explicação científica para as suas capacidades extraordinárias. Ele aponta para o Neurocirurgião que quer estudar o seu Sistema Nervoso in vivo que todos podem desenvolver essas capacidades, essa é uma capacidade humana desconhecida, mas acessível. Vai demorar algumas centenas de anos, mas estamos a caminho. Muita gente diagnosticada com a Doença Bipolar pode ter, na verdade, um Cérebro que se autoestimula demais. Precisamos de redes neurais que façam isso.

domingo, 21 de outubro de 2012

Atenção, Memória e Pão na Chapa

Ontem fiz um pequeno ensaio sobre o a Amnésia dos Garçons, um quadro particularmente dramático quando a minha Média e meu Pão na Chapa estão em jogo. Um comentário anônimo brincou com meu mau humor paulistano e me mandou tomar café da manhã em casa. Lembro de uma entrevista de Chico Buarque em que ele dizia que colocar uma música no disco é como ver um filho cair na vida: ela pode virar tema de comercial de sabão em pó, pode ser mal interpretada, pode virar objeto de culto; não há como saber. Mal comparando, também não pretendo querer dizer como o post deve, ou não, ser lido. Respeito a leitura de cada visitante, pois a postagem é de domínio público na hora que se dá um click para publicá-la. Mas o texto de ontem é humorístico. O uso do palavrão é um recurso humorístico e mostra o cidadão comum perdido na selva das desatenções que vão desde o garçon à mocinha que ligou na veia de uma paciente uma carga de café com leite, levando a vovozinha de oitenta anos à uma morte estúpida e dolorosa. Estamos perdidos numa selva de Atenção difusa e de Amnésias seletivas.
A padoca que eu frequento e tomo café quando vou para o consultório do Itaim tem um fabuloso Pão na Chapa: crocante, cheio de manteiga fresca e não rançosa, dá água na boca só de pensar. A atendente de minha mesa é a Ilza, que tem o mesmo nome de minha mãe. Espero não procurá-la por alguma tensão edípica. Ela já sabe que eu gosto de meu pão na chapa sem prensar. Quando ela falta é que preciso ensinar a sua substituta, que me olha como se eu fosse o mais obsessivo dos fregueses. Dessa cena que eu tirei a cena humorística e pseudo irritada de ontem.
Evolutivamente, precisamos de uma Atenção Multifocal, uma espécie de radar para antenar o ambiente o tempo todo. Ataques de predadores, répteis ou acidentes demandam esse tipo de Atenção desde que descemos das árvores e viramos bípedes. A maturação de nosso Córtex Pré Frontal e sobretudo o milagre evolutivo da Linguagem e da Fala possibilitaram aos hominídeos uma capacidade progressiva de Atenção e Concentração, com grandes vantagens para a aquisição de novas Memórias. Para criar novas memórias, precisamos estar com a atenção focada e de repetição, para fortalecimento das redes neurais que vão formar conceitos, memórias e estratégias adaptativas.
Quando uma auxiliar de enfermagem coloca café com leite ou sopa dentro de um equipo de soro, deve estar com a cabeça no post do Facebook ou na briga que teve com o namorado. Vivemos na barbárie da civilização autoestima, todos estão tão focados nas suas próprias necessidades e demandas, o Outro é apenas um ser que deve suprir as carências e necessidades do ser narcísico que a pósmodernidade nos legou. A Atenção desatenta faz parte desse contexto. Fica engraçado com a garçonete amnésica e trágico com a menina mal treinada e cabeça de vento, que ceifou uma vida.
O que o texto de ontem tenta vincular é a relação íntima e importante entre a capacidade de Atenção/Concentração e a formação de novas memórias. Todas as disciplinas meditativas trabalham na intensificação dessas capacidades e por tabela, na ampliação da Consciência.
Estou aberto para financiadores que queiram pagar um projeto de pesquisa e implantação de programas de Atenção Plena em todos os setores da sociedade. Começando não pelos garçons, mas pelas pessoas que tem a vida do Outro em suas mãos e não estão atentas a isso.

sábado, 20 de outubro de 2012

Média, Pão na Chapa e Memória

Perto de meu consultório tem uma padoca que faz a melhor Média com Pão na Chapa da região. Há outra que a média é melhor, o café é mais forte, mais encorpado e o gosto do café com leite, muito melhor. Mas o Pão na Chapa dessa padaria é um lixo. O chapeiro chega a deixar o pão sem manteiga em vários pontos. Portanto, se considerarmos o conjunto da obra, a padoca A tem uma Média pior, mas um Pão na Chapa incomparavelmente melhor do que a padoca B. Se os visitantes desse blog imaginam que essa será uma coluna de gastronomia de padarias, se enganam. Falaremos sobre a Neurociência dos garçons. Especificamente dos problemas neuropsicológicos que parecem afetar os garçons de padarias e de outros estabelecimentos, sobretudo os mais cheios. Onde eu estava mesmo? Ah, sim, na padoca A. Peço religiosamente a minha Média com Pão na Chapa. Só há uma ressalva. O pão na chapa não pode vir prensado. As padarias adotaram a moda lamentável de colocar o pão com manteiga, verdadeiro ícone de nosso imaginário brasileiro (basta lembrar da música de Noel Rosa, em que pede “Uma boa Média que não seja requentada/ Um pão com manteiga à beça...”). O que diria Noel Rosa, com seu proverbial mau humor, desses pães descaracterizados na prensa, onde o pão e a manteiga perdem o seu gosto, completamente? Triste é o país que abandona sua identidade cultural. Mas é óbvio que eu não falo nada disso para a garçonete que me olha com aquele olho de sono de quem já está lá há muito tempo e não quer ouvir sobre a importância de não amassar o Pão na Chapa. O fato é que, mais de uma vez, faço o meu pedido de forma didática: “Por favor, uma Média e um Pão na Chapa sem prensar”. Observe que eu não aumento a complexidade do pedido, solicitando uma Média mais forte, com mais café, por exemplo. Isso poderia congestionar as redes neurais da moça. Peço, apenas e tão somente, para ela não prensar o puto do pão com manteiga. A minha mente científica consegue catalogar uma incidência de quase 100 por cento de erro na primeira tentativa. Quando a moça aparece com aquele pão que o diabo amassou eu observo que pedira sem prensar. Elas me olham com aquela cara de que vai cuspir em todo o meu pão não prensado e me punem com alguns minutos de atraso, o que esfria a minha Média. Nas outras vezes (porque eu volto a essa padoca, na semana seguinte), quando eu falo para fazer um Pão na Chapa Sem Prensar, Porra, a moça já lembra do estimulo aversivo da devolução e, dessa vez, acerta. O problema é que na outra semana terei que repeti o processo de aprendizagem com outra garçonete, pois a anterior já deve ter tido um ataque de nervos e deixou o emprego. Não por minha culpa, eu espero.
Qual a origem da Amnésia dos Garçons? Observem que eu não vou nem abordar o Transtorno de Déficit de Atenção dos Garçons. Você pode acenar, gritar, convulsionar na mesa que o cara continua olhando para um ponto perdido no infinito, apenas para não fazer contato visual com o freguês. Mas não. Vou falar do problema específico de Memória dessa valorosa categoria profissional. Quando queremos guardar uma nova memória, temos mecanismos de Memória Rápida e Ultrarrápida. Quando precisamos discar um número novo de telefone, guardamos esse número em nossas redes neurais por alguns segundos, esquecendo do mesmo logo depois de discá-lo. É a Memória de Trabalho, ou Working Memory. Para transformá-la em Memória Declarativa, ou Memória mais permanente, é preciso uma Atenção mais detida. Um revólver apontado à cabeça do garçon pode ser um mecanismo motivacional que aumente a sua capacidade de retenção. Pensando bem, o excesso de tensão ansiosa pode prejudicar a formação de Memória. Plantar bananeira na mesa ou pegá-lo pelo colarinho pode melhorar o seu quociente atencional, melhorando a formação de novas memórias.
O fato é que a Memória de Trabalho, se não for bem treinada, vai se desmanchar rapidamente entre a mesa e o balcão do chapeiro. E notem que a padoca B já forneceu tablets para o garçon digitar o pedido, criando uma memória digital para ele. Mas o Pão na Chapa da padoca A vale o risco neuropsicológico.

domingo, 14 de outubro de 2012

Sobre Pastores e Ovelhas

Há um trecho do Novo Testamento, se não me engano antes do milagre da multiplicação dos pães, em que Jesus olha para a multidão e fica tomado pela compaixão, pois pareciam ovelhas sem um pastor. É uma passagem muito bonita e emocionante. Várias vezes Ele se enterneceu com o sofrimento, sobretudo aquele causado pela ignorância e pela dificuldade de achar um caminho que as pessoas tinham há vinte e um séculos. Não que tenha melhorado muito nesse período de tempo, a sensação de não ter um norte continua permeando a experiência humana.
Não sou Jesus, mas acho que tive uma sensação parecida com ele diante da multidão faminta. Estava acompanhando a última mesa redonda do Congresso Brasileiro ontem, justamente uma que abordava a Doença de Pânico. O programa falava em vários aspectos dessa doença que parece moderna mas já era descrita nos tempos de Hipócrates. As aulas foram boas, mas um pouco decepcionantes pelos esquemas interpretativos um pouco antigos da tal Neurobiologia. Vou exemplificar para não parecer, apenas, uma crítica rabugenta. Um esquema mostrava um estímulo que pode desencadear uma crise de Pânico, por exemplo, um lugar muito quente, abafado. As áreas vinculadas ao medo ao nosso Cérebro Emocional interpretam mal essa experiência, gerando preocupação. Essa preocupação vira medo, o medo entra em looping e esse looping leva à crise de Pânico. Errado. A maior parte das crises passam por estímulos que nem são percebidos conscientemente. Um lugar fechado, um engarrafamento, um aumento de frequência cardíaca, algo que nem vai ser interpretado pelo nosso Cérebro Consciente. Vai direto para as áreas do medo, sem que o paciente o perceba. A crise já aparece, de pronto, como um raio adrenalínico atravessando o corpo. O medo vem depois, assim como o looping de preocupação, que faz a crise se espalhar. O esquema do cara era antigo, mas a tentativa era bem intencionada de entender os sintomas. Como o colega estava de passagem marcada, anteciparam as perguntas. Foi aí que ocorreu a cena.
Um colega que é psiquiatra no interior do Brasil, pegou o microfone e fez uma pergunta constrangedora. Contou que tinha um paciente esquizofrênico que estava se isolando progressivamente, recusando qualquer tipo de ajuda. Ele perguntou, singelamente, se a mesa tinha alguma sugestão para o caso. O colega que estava dando aula sobre os sintomas de Pânico, notem. Nada a ver com o pergunta. Ficou num misto de constrangimento e uma irritação discreta. Poderia ter dito que aquilo era uma aula sobre outro assunto, mas acabou frisando que os dados sobre o caso estavam muito resumidos, mas acabou sugerindo uma conduta com antidepressivos e neurolépticos atípicos. Para quem não sabe o que significam esses palavrões, não se preocupe. O fato é que foi uma pergunta sem noção, fora de hora e de lugar e a resposta foi ainda pior. Um esquizo que está se isolando e recusando qualquer tipo de ajuda precisa de investimento humano. A família precisa ser orientada, alguma figura que o paciente respeita ou, na pior das hipóteses, uma intervenção institucional, como um hospital dia ou uma internação, podem ajudar a romper o cerco criado pela doença. Remédios de 200 reais a caixa não seriam a ajuda que médico e paciente precisavam. Mas o colega recolheu-se em sua desesperança e a aula seguiu. Pareciam ovelhas sem pastor.
A Psiquiatria se ressente, como toda a Medicina, de uma visão mais ampla, menos fragmentada, dos casos. O que parece o óbvio para alguns é quase intangível para outros. O colega em sua simplicidade humana e teórica deve ter ficado com aquela dúvida durante todo o Congresso e resolveu externá-la lá exatamente por ser a sua última chance. Fico imaginando-o perdido entre aquele mar de esquemas e teorias, sem entender o básico do que é um paciente esquizo. Deu vontade de comprar uma Kombi e sair pelo país adentro, espalhando Psiquiatria. Recolhendo as ovelhas.

sábado, 13 de outubro de 2012

Sequestro Virtual

Para quem não leu o último post, estou aqui em Natal, indo para o Congresso Brasileiro de Psiquiatria pela Via Costeira, o que significa estar sempre com a visão tomada pelo mar. E pensar que há 3 anos o Congresso foi em São Paulo. Ninguém conseguia chegar nas primeiras aulas por conta do trânsito na Marginal. Esta cidade é que é lugar para se fazer congresso e as pessoas, pasmem, estão indo para as atividades! Isso é que é gostar de Psiquiatria.
Houve uma mesa redonda com um tema cheio de pais preocupados: a Dependência de Internet. A aula começou com a citação de um moleque de treze anos, paciente do expositor: “Estar conectado é estar vivo”. O moleque pode ser adicto de redes sociais, mas é bom frasista. O meu filho comprou um jogo para jogar online, com o singelo título de Diablo III. Pois só esse jogo online já matou três. Suicídio? Não. A morte online se dá por privação de sono, desidratação e mal epilético, provavelmente. Um casal coreano foi preso por deixar seu bebê morrer literalmente de fome, porque estavam ocupados demais com seu bebê virtual. O que se estava discutindo é a função aditiva, ou geradora de abuso, do mundo virtual.
O mercado de games é mais poderoso do que o cinema. A última versão do FIFA está batendo todos os recordes de vendas. Assistindo à exposição eu me lembro de uma briga numa reunião no Instituto de Psiquiatria. O neurologista falava dos Reward Systems (Sistemas de Recompensa), as vias neurais que comandam o prazer, como um fator importante na geração de dependências. O psiquiatra se escandalizou, dizendo que aquilo era uma redução grosseira, que não estávamos falando de ratos, mas de gente. Lamento dizer que o neurologista tinha razão. E a indústria do videogame tem perfeita noção do sistema de alternância de punição/recompensa que vai deixando as pessoas de diversas idade vidradas diante das telas de LCD. Os mecanismos que tornam os adolescentes um público mais vulnerável dependem das características de seu Cérebro. Durante esse período, essas vias de recompensa ficam menos sensíveis à Dopamina. Isso determina aquela mudança no humor em que aquela criança que adorava tudo e vibrava diante das novidades passa a achar tudo um saco. O famoso tédio dos adolescentes deriva dessa mudança.
Outra mudança nessa fase é o aumento das áreas que geram os impulsos. A área do Cérebro que contém esses impulsos, o Córtex Pré Frontal, ainda não está amadurecida.É uma mistura explosiva de impulsividade e falta de contenção, temperadas pela dificuldade de avaliar as consequências, já que há uma dificuldade de acreditar que vai haver consequências. Os jogos online criam um sistema de alta concentração e recompensa, aumentando a atividade da Dopamina no Cérebro Emocional e a secreção de hormônios como a Adrenalina e o Cortisol. Um mundo muito mais atraente e excitante que nossa mundo real, tão tedioso.
Os quadros de Abuso e Dependência de Internet ou do mundo virtual não vão diminuir nos próximos anos, muito pelo contrário. Se eu tivesse uma visão marketeira de meu ofício, abriria um grupo de pesquisa e atendimento desse público. Somos uma geração de pais vivendo em um mundo mais complexo, onde as ameaças virtuais são tão graves quando as reais. O trabalho nessa travessia é de maturar a capacidade de conter os impulsos, limitar o tempo no mundo virtual e viver com os pés fincados no real. Fácil, não?

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Bullying

Pois estou aqui, num chalé com o pé literalmente na areia, em Natal, ouvindo o mar. Direto no Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Pasmem, apesar do local descrito, estou indo para o Congresso, e vou ser um repórter nesse blog sobre os temas mais interessantes. O título desse post já é uma dica sobre o tema de hoje.
Estamos na cidade onde existe um dos mais avançados institutos do Cérebro nesse país, chefiados pelo médico com maiores chances de receber o primeiro prêmio Nobel para um brasileiro. Quantos colegas do Instituto do Cérebro foram convidados a palestrar no glorioso e trigésimo Congresso Brasileiro de Psiquiatria, organizado pela ABP (Associação Psiquiátrica Brasileira)? Se alguém chutou nenhum, ganhou o prêmio.
Apesar de estar pasmo com esse fato, que demonstra que sai diretoria, entra diretoria e as panelinhas não se desmancham, ainda há vida inteligente no Congresso.
Tatina Moya, jovem pesquisadora paulista, radicada no Rio de Janeiro, fez um relato sobre o atendimento de pessoas envolvidas em Bullying. Lembrei de um texto clássico de Freud sobre violência, chamado "Uma Criança Está Sendo Espancada". Nesse ensaio impressionante, Freud descreve que, numa cena de violência, temos três posições de identificação: alguns se identificam com o Agressor, outros com a Vítima, finalmente outros ficam numa posição neutra, a do Observador. Esse texto já tem quase um século e ainda descreve, com admirável simplicidade, o que acontece com as vítimas de abusos em sua vida: alguns repetem as agressões e passam a ser pessoas violentas e abusivas, outras permanecem na posição de vítimas e procuram inconscientemente por relacionamentos onde recebam maus tratos e a grande maioria acaba anestesiada diante da TV ou da violência, sem esboçar reação. Ou, pior, algumas pessoas na posição de autoridade repetem a apatia do Observador.
Não sei se Tatiana leu ou teve contato com o texto de Freud. Ele anda muito fora de moda nesses tempos de Psiquiatria Biológica. Mas a parte magistral de sua apresentação foi justamente ter abordado as três pontas desse triângulo. Todo processo de bullying tem esses participantes. O Perpetrador, normalmente o menino mais velho, mais popular ou naturalmente inclinado à violência; a Vítima, a criança mais tímida, gordinha ou com alguma diferença visível para os valentões; e, talvez, a pior parte do triângulo, que somos nós, observadores impassíveis. Tatiana colocou, com propriedade, que muitas escolas ou pais entendem que isso é uma fase natural, que vai passar quando os anjinhos crescerem. Estudos de suicídio mostram que muitas pessoas podem tentar contra a sua vida décadas depois de sofrer assédios e exposição ao ridículo entre seus pares. As marcas são profundas e duráveis. Outro dado de pesquisa impressionante é que o risco de depressão e suicídio é importante tanto entre as Vítimas quanto entre os Perpetradores. Há um risco maior para os garotos que ficam nas duas posições, passando de vítimas a agressores. Quanto maior e mais constante a experiência com a violência e o abuso, maior o risco psiquiátrico e maior o risco de suicídio no futuro.
Outra pesquisadora descreveu, com emoção, que foi votar nessa última eleição numa escola onde havia um cartaz que dizia: "Vamos expulsar o Bullying dessa escola". Ela conversou com o diretor, que descreveu uma política de elaboração e diálogo com todos os participantes do Bullying. Diante da violência, todos são vítimas. Mas nada é pior do que cruzar os braços.

domingo, 7 de outubro de 2012

Tiririca e a Memória

Nosso sistema eleitoral criou uma barreira representativa, tornando todo o processo eleitoral abstrato e impenetrável para a população pobre e com baixa aquisição cultural. Uma barreira importante é a barreira da Memória. O desfile enlouquecido de candidatos aleatórios transmite ao eleitor uma impressão de geléia geral e desorientação. Não há como diferenciar ou fixar quem é quem e o que realmente eles querem ou podem fazer. Aqui em Cotia temos candidatos que tentam seguir a trilha aberta por Tiririca, verdadeiro gênio do marketing político, que se diferenciou justamente por ter escrachado de vez essa hipocrisia. Temos aqui candidatos como o Nego Drama, que deve estar procurando pelo voto dos rappers, já que seu nome é título de música dos Racionais MC’ s. Tem um candidato autointitulado Lingüiça Sem Preguiça, o que sempre me fez perguntar se era um apelo para o voto feminino. “Abaixo as Linguiças Preguiçosas”, seria um slogan de alta densidade eleitoral. Através do humor e da palhaçada, tentam se fixar na memória do eleitor. Tiririca tinha razão.
A multiplicação das mídias criou esse espaço de diluição de memória. Para criarmos uma nova memória, precisamos de aumento de dendritos e ramificações de nossos neurônios, principalmente numa região do Cérebro chamada Hipocampo. A Memória nova a ser adquirida demanda repetição, rememoração e síntese proteica. Depois da conquista humana de tanto sedentarismos, temos hoje o sedentarismo da Memória. Não temos mais as Memórias, temos o Google. E uma grande geração de pessoas sedentárias cognitivamente, com a lassidão de tomar conhecimento do que realmente está acontecendo. Uma alienação que não produz boa síntese proteica e boa capacidade associativa, o que é fundamental para ampliar as capacidades de nossos neurônios. O mundo está ficando cada vez mais estratificado entre Cérebros hiperfuncionantes, como posso notar na quantidade imensa de jovens que trabalham doze horas por dia em ritmo acelerado de processamento de informação e os hipofuncionantes, com pessoas mais humildes que receberam diplomas sem ter a qualificação necessária para tê-los. Muito desses Cérebros pouco treinados procuram uma brechinha na política, sempre com a mentalidade vigente de se dar bem sem fazer força.
Os candidatos acenam com aumento do tempo de permanência da criança na escola. Na verdade a revolução seria fazer as pessoas aprenderem mais em menos tempo na escola. Isso se faz transformando o ambiente escolar em algo mais estimulante intelectual e afetivamente. Como um vídeo game. Mesmo nas candidaturas à Prefeitura de São Paulo, onde há candidatos que já foram ministro e secretário estadual de Educação, as propostas são xôxas, bobocas e populistas. Já está na hora da Neurociência ser matéria curricular de educadores. Votem em mim.

sábado, 6 de outubro de 2012

Experiência Emocional

Eu tinha uma cliente engraçada que dizia que a sessão só era realmente boa se ela chorasse. Isso criava uma certa tensão humorística, porque quando ela finalmente chorava a gente se cumprimentava: Yes! Acabava atrapalhando o choro, mas era engraçado. Ela não sabia, mas estava absolutamente certa, embora pelo ângulo errado.
Estou lendo um paper sobre a aplicação da Neurociência à Psicoterapia. A autora, Vera Lemgruber, recuperou um termo dos anos 40, criado por um psicanalista, F. Alexander, a Experiência Emocional Corretiva. No decorrer de uma sessão terapêutica, uma reação emocional forte, como o choro, uma gargalhada, um grito, um susto, normalmente significa que algo importante foi tocado. Algo que a Defesa estava sutilmente escondendo e que, de repente, explode numa reação emocional. Outro dia eu estava assistindo aquele reality show trash, que é o Celebrity Rehab. Já falei dele em outros posts. O programa é sobre um período de reabilitação para dependência química, em um grupo de semi ou excelebridades reunidas aleatoriamente numa clínica para tentar um período de entendimento e recuperação de suas dependências. O psiquiatra que comanda o tratamento é Dr Drew, que eu adoro assistir. Ele tem a coragem, ou a falta de noção, de se expor e expor também as suas deficiências. Eu me divirto com as furadas de sua parca compreensão simbólica, o que atrapalha o seu trabalho e o trabalho da Psiquiatria com esses casos extremamente complexos. Pois Dr Drew deve ter lido sobre o assunto, pois houve uma sessão em que ele conversava com um dos pacientes sobre uma experiência traumática, em que ele lembrava de mais uma surra que seu pai tinha lhe dado. A lembrança e a compreensão do vazio que ela provocava levou-o às lágrimas. Quando essa emoção aflorou, o terapeuta quase que imediatamente encerrou a conversa. Ele queria apenas aquilo, chegar à emoção e pimba! – Nosso tempo acabou. Soltei um belo e sonoro palavrão. Não é possível que esse cara vai colocar o paciente para fora da sala enxugando as lágrimas.
Jung chamava essas Experiências Emocionais de Ab-Reação. Uma emoção forte que libera um afeto escondido debaixo de camadas e camadas de esquecimento e repressão. A expressão do afeto tem geralmente um sentido libertador (no seu sentido mais profundo: liberta-a-dor). O artigo perde o pé nesse ponto, quando sugere uma psicoterapia voltada para a produção de EECs. Já fiquei imaginando os pacientes num pau de arara, tomando choque e o terapeuta gritando: Chora! Chora, desgraçado! Menos, menos, gente. Psicoterapia não é campo de tortura. As experiências emocionais ocorrem e são acolhidas e trabalhadas, não um alvo a ser atingido. Dr Drew pisou na bola de novo. Após a experiência emocional, ele podia e devia ter acolhido as lágrimas do paciente, esperado o afeto ser expresso e ligar o que ele sentia com o seu comportamento de adição. A compreensão da dor e do mecanismo de repetição pode ajudar, e muito, na recuperação. E a experiência emocional na sessão pode ter efeito esclarecedor, chegando em níveis mais profundos de Ser.
A parte excelente desse artigo é a percepção que se aliarmos a força do Cérebro Emocional ao Racional em um processo terapêutico, os resultados serão muito, muito melhores. Isso parece a coisa mais óbvia do mundo, mas acreditem, para muita gente, não é. Podemos ouvir em qualquer conversa de boteco as pessoas dizendo que Depressão é fraqueza e Pânico é falta de força de vontade. Não são. Há uma infinita rede de medos e lembranças afetando os quadros psiquiátricos.
O terapeuta não é o senhor do Labirinto, mas procura pelos fios deixados por Ariadne.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Hora Mágica

Já está frequentando os divãs e a minha sala a nova série do GNT, dirigida por Selton Mello, "Sessão de Terapia". Para quem não conhece, a série é a adaptação de um trabalho originalmente feito em Israel, que já foi adaptada em mais de quarenta países, e é sobre um psicoterapeuta que vai atender um paciente por dia, todo dia. Téo, o terapeuta brasileiro, vai atender Maria Fernanda Cândido na Segunda Feira, um atirador de elite na Terça, um casal na Quinta e assim por diante. Vamos acompanhar, inclusive, o próprio terapeuta ser atendido por sua antiga mestra, nas Sextas Feiras.
Os pacientes já estão fazendo comparações entre o Téo e seu terapeuta, no caso, eu. Vem me perguntar se eu estou gostando da série brasileira. Eu dou uma de rabugento e digo que não estou gostando. Não estou gostando e vejo todo dia, se é que me entendem. Um problema para mim é que eu já havia assistido a série americana, com Gabriel Byrne fazendo Paul, o psicoterapeuta. A série americana é sem vaselina. A sessão reconstrói quase com perfeição o ambiente analítico. Nunca vi o cinema ou a TV conseguir isso. Os silêncios, os olhares, a inflexão da voz, tudo recria o campo psíquico que se forma quando analista e cliente se debruçam sobre uma vida e suas histórias. Não é uma conversa comum, não é bate papo. Há uma pessoa estabelecendo e disponibilizando a sua Escuta e sua atenção flutuante para entrar dentro de outra Subjetividade, todo o campo de experiências e códigos que definem e dão o contorno a uma vida. É um processo longo, meticuloso, que depende muito da confiança mútua e do pacto que se estabelece entre os participantes do campo analítico. Gabriel Byrne conseguiu recriar esse campo psíquico como ninguém, ele realmente entendeu esse campo de escuta, recheado de silêncios e de exploração delicada de lembranças. A versão americana, chamada de "In Treatment", é mais lenta e mais fiel a uma sessão de psicoterapia. Talvez por isso mal completou a terceira temporada e não chegou ao Brasil em nenhum desses boxes de megastore. Muita gente achou a série muito chata.
Selton Mello já deve ter recebido essa informação. Criou um ritmo mais rápido, dinâmico, que às vezes parece um bate boca entre os pacientes e Téo. Ele mal consegue estabelecer o campo de escuta e já vem a paciente falar que está apaixonada por ele, o outro manda calar a boca e o marido espreme uma resposta para a questão do casal. Téo vai sendo espremido, questionado e em alguns momentos francamente agredido pelos seus analisandos. Parece que a terapia é uma espécie de MMA analítico e que o terapeuta precisa ser treinado pelo Anderson Silva para poder sentar em sua cadeira. Uma vez eu estava orientando uma aspirante a terapeuta e ela contou que tinha levado um coice desses de sua primeira paciente. Eu falei para ela que "benvinda ao clube". Ela abriu uma Clínica de Estética. Que ficar levando coice de paciente, que nada.
Quem nunca fez psicoterapia e assistir à série pode ficar tranquilo ou tranquila que o dia a dia de um consultório tem muito mais afeto e muito menos bate boca do que na série de TV. Selton Mello e os atores querem prender a atenção do público, então as sessões serão mais "calientes" do que na vida real. Mas uma coisa é realmente bem legal de se assistir: é como o terapeuta se coloca com muita firmeza na posição de que não vai oferecer respostas aos pacientes, mas vai ensiná-los a entender as sua questões e procurar as suas respostas dentro de si, não na boca de um especialista. Nessa era de tantos palpiteiros dizendo para as pessoas o que elas devem pensar, como devem se vestir e o que devem dizer em todas as ocasiões, é um grande alívio ver alguém que não se acha o sócio majoritário da verdade do Outro tentando ouvir e ajudar, na sua hora mágica de cinquenta minutos, semanal.