domingo, 28 de outubro de 2012

Fenômeno

Adoro pescar na TV a cabo uns filmes que sumiram na transição do VHS para o DVD. Um deles, do final da década de 90 é o “Fenômeno”, com John Travolta, que provavelmente foi a origem do apelido do hoje rechonchudo Ronaldo Fenômeno. Para quem na viu, é a história de um mecânico de uma pequena cidade americana da Califórnia que, após um evento estranho, em que ele vê uma luz intensa, passa a desenvolver uma capacidade quase ilimitada de aprendizagem e memória, virando objeto de medo e de especulação dos habitantes, que acham que foi abduzido por aliens, e que pode ser perigoso.
O personagem de Travolta, George Maley, passa a apresentar uma curva de aprendizagem assustadoramente alta, chegando a aprender língua exótica, o Português, em vinte minutos. Os problemas não demoram a aparecer, quando ele começa a ficar acelerado, pensando e tendo novas ideias o tempo todo, gerando novos conhecimentos sobre Agricultura, Sismologia, Energia Solar e qualquer assunto em que se debruçasse. No final do filme, lamento revelar, George é diagnosticado com um Tumor Cerebral, um Astrocitoma que envolveu todo o tecido nervoso e passou a superestimulá-lo. Esse estímulo constante aumenta a sua capacidade de concentração, os pensamentos fluem livremente e a formação de memória foi se tornando cada vez mais rápida e eficiente. Ele fica num estado de excitação que em Psiquiatria é chamado de Mania, um estado de aceleração em que a pessoas fica em estado de Humor expansivo, com uma euforia contagiante em que todas as possibilidades parecem ao alcance da mão. Não há necessidade de comer, nem de dormir, todas as associações de ideias são rápidas e parecem infalíveis. O portador do quadro normalmente sente-se muito bem e tudo parece muito bom, mas na verdade os quadros de mania podem ser catastróficos e difíceis de tratar. Estão geralmente vinculados à Doença Bipolar e devem ser tratados com vigor e por muito tempo. Confesso que sempre me intriguei sobre como poderia desenvolver uma Mania controlável, que não levasse o paciente à insanidade e à depressões graves quando a neurotransmissão entra em exaustão. Alguns mecanismos para essa otimização estão sendo esclarecidos.
Estudos de memória demonstram que o filme não está tão errado, embora não exista um Tumor que hiperestimule o Cérebro dessa forma, aumentando as capacidades de atenção e a retenção de novas aprendizagens. Mas outros estudos demonstram que as pessoas que atingem vários níveis de excelência no que fazem são os que conseguem estabelecer esse looping de retroestimulação e aprendizagem constante. Grandes pianistas, o violoncelista Yo Yo Ma e os gênios da Matemática compartilham desse mecanismo de estímulo constante, levando a níveis cada vez mais assustadores de excelência no que fazem. Isso depende menos da carga genética e mais na capacidade de estabelecer sistemas de aprendizagem e reforço de redes neurais. É como se as conexões neurais ganhasse uma musculatura cada vez mais sólida, na medida em que são mais usados e solicitados. Isso também deve ter um papel importante na origem de alguns quadros demenciais. As demências são muitas vezes desencadeadas pela aposentadoria ou por uma perda importante na vida do paciente. Isso pode gerar um ciclo vicioso de desuso. O Cérebro é um órgão como outro qualquer, precisa de exercícios.
No final do filme, George fica estranhamente grato por haver uma explicação científica para as suas capacidades extraordinárias. Ele aponta para o Neurocirurgião que quer estudar o seu Sistema Nervoso in vivo que todos podem desenvolver essas capacidades, essa é uma capacidade humana desconhecida, mas acessível. Vai demorar algumas centenas de anos, mas estamos a caminho. Muita gente diagnosticada com a Doença Bipolar pode ter, na verdade, um Cérebro que se autoestimula demais. Precisamos de redes neurais que façam isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário