segunda-feira, 29 de março de 2010

Sobre Nardonis e Isabellas

O cronista Nelson Rodrigues deixou várias e maravilhosas frases para o nosso imaginário brasileiro, uma delas me ocorre ao pensar no casal Nardoni: “Toda unanimidade é burra”. Pois o dito casal é uma unanimidade na mídia e a sua condenação foi celebrada dionisiacamente com fogos e festas fora do Fórum e dentro de nós. Isabella, por outro lado, tem o seu túmulo visitado e caminha para virar um anjo ou uma pequena santa popular, como Santo Antoninho Marmo, desses que recebem promessas e agradecimentos por graças alcançadas. Dormimos em paz com nossas consciências, pois a justiça foi feita. Resta o vazio, diz Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella. Olhar para esse vazio demanda coragem.
O casal Nardoni não tinha antecedentes criminais. O que se pode falar deles fica circunscrito a tantas famílias disfuncionais: brigas e berros com palavrões em altos brados, agressões verbais e tensões entre esposa/madrasta e a filha do primeiro casamento. Pelo o que foi descrito nos autos e na perícia, houve várias agressões físicas do carro até o apartamento, até a esganadura da menina. Alexandre, julgando a filha morta, construiu um cenário para a ocultação do crime de sua esposa. O resto é de conhecimento público.
O que me incomoda nesse processo de demonização do casal é justamente a característica de bodes expiatórios de uma sociedade progressivamente violenta e abusiva com os mais fracos. Eles estão presos e podemos dormir em paz? A justiça foi feita? O fato é que todos os dias chegam Isabellas e mais Isabellas nos Pronto Socorros da cidade. Fraturas, contusões e lacerações creditadas a quedas da laje e pequenos acidentes domésticos quando na verdade são frutos de agressões e abusos físicos que as crianças sofrem entre quatro paredes, de seus cuidadores e entes queridos. Resta o vazio de um lugar que essa menina de cinco anos não vai mais ocupar, o vazio da perda irreparável. Devemos lembrar que vivemos pressionados, que a frustração nos é estimulada todo dia, com outros Nardonis adotando um comportamento selvagem no trânsito, em brigas de bar, em incidentes domésticos. A melhor homenagem que podemos fazer a essa menina é cuidarmos muito bem de nossa irritação e de nossa violência interna, pois nosso mundo está precisando, muito, de exercícios de não violência, todo dia. Essa pode ser a nossa homenagem a ela e às nossas crianças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário