domingo, 6 de julho de 2014

Neymar e a Banalidade do Mal

O psiquiatra suiço Carl Jung era filho de um pastor protestante. Seu pai era um homem fraco e deprimido que morreu prematuramente. É justo imaginar que uma boa parte de sua obra psicológica foi uma forma de responder a questões que seu pai se recusava a tentar entender. Para Jung, o Bem, o Mal, a vida e o ensinamento de Jesus eram uma verdade psíquica viva e atual, algo para ser compreendido, não ser sepultado debaixo do cimento do Dogma. O seu pai defendia que o Dogma deveria ser respeitado e pronto. Jung dedicou uma boa parte de sua vida para demonstrar que essa visão não era a mais correta.
Obviamente, Jung andou às turras com Protestantes, Católicos e, por outros motivos, com os Judeus. Uma das pendengas com a Igreja Católica foi sobre a natureza do Mal. Jung discordava que o Mal seria apenas algo que ocorre pela privação do Bem. Essa ideia está gravada de maneira mais profunda em nossa Psique e Cultura do que podemos imaginar. Quando se estuda um sociopata ou um serial killer, logo vamos procurar por terríveis abusos e privações de infância. É claro que na maioria dos casos, vamos encontrar. O imprinting da violência e do abandono de transmite de geração em geração, e filhos de mães abandonadoras vão ter uma chance bem maior de reproduzir esse comportamento do que filhos de mães amorosas. Mas Jung via no Mal uma realidade psíquica própria. Como uma expressão de uma função na Natureza. Haveria pessoas naturalmente vocacionadas para exercê-lo, bastando oferecer a elas a devida oportunidade para fazê-lo.
Assisti outro dia ao filme “Hanna Arendt”, sobre a filósofa judia alemã que dedicou grande parte de sua obra ao estudo do Mal. Estou frisando a sua origem judaica e alemã porque isso é fundamental para entender o tema central desse filme. Hanna Arendt fugiu da Alemanha no alvorecer do Nazismo e dava aulas de Filosofia nos Estados Unidos. Foi contratada por um importante órgão de imprensa para cobrir o julgamento de um genocida nazista, Adolf Eichman, um dos executores da chamada “Solução Final”. Eichman foi identificado e preso pelo Mossad vivendo uma vida pacata na Argentina, e em nada lembrava o monstro que ordenou o extermínio de centenas de milhares de vidas de pessoas que nada fizeram contra ele. O seu julgamento foi no início dos anos 60 e sua linha de defesa frisou que ele foi um mero executor de ordens superiores e que ele não tinha a capacidade e o direito de questionar essas ordens. Transformou-se, então, num mero autômato da Morte, sem esboçar sentimento humano com relação a o que fazia.
Hanna Arendt, depois de um longo período de pesquisa e reflexão que quase levou seus editores à loucura, escreveu uma longuíssima matéria sobre o julgamento de Eichman, onde destacou a perplexidade de ver um homem tão medíocre, tão desprovido de qualquer inteligência ou capacidade especial ter sido capaz de dar a Morte uma característica industrial, como uma linha de montagem. Hanna analisou no mesmo ângulo os judeus que colaboraram com os nazistas nos Campos de Concentração e os jovens oficiais germânicos que mandavam seus semelhantes para a morte em massa sem nenhuma culpa e, acima de tudo, sem nenhuma reflexão. Esse foi o tema mais importante do artigo de Hanna: o Mal havia se tornado algo banal e qualquer imbecil poderia assumir o comando da linha de montagem. Obviamente que seu artigo foi incompreendido, para dizer o mínimo, e ela sofreu um verdadeiro linchamento intelectual e moral após a sua publicação. O filme mostra a sua tentativa irredutível de defender o seu olhar em contraponto a todos que queriam transformar o oficial nazista num titã da maldade. Foi classificada como uma traidora de seu povo e da compaixão humana. Hoje, mais de meio século depois, a sua visão sobre o Mal continua sendo comprovada, até pela Neurociência.
Neymar saiu da Copa do Mundo graças a uma joelhada de um jogador da Colômbia, Zuniga, que se caracteriza pelo excesso de vigor físico em detrimento de um Cérebro pouco privilegiado. Se houvesse um poste em campo, correria o risco de um Trauma de Crânio, pois corre sempre em linha reta e de cabeça abaixada. Neymar fez algumas firulas encima dele durante o jogo. O que me convence que a joelhada de Zuniga foi um ato de maldade banal e estúpido foi a sua reação posterior, de se eximir completamente do ocorrido, como um lance normal de jogo. Nenhum tipo de sentimento pelo ocorrido. Um ato banal e sem sentido de agredir um semelhante que ganha em um trimestre o que Zuniga não receberá em toda a sua vida.
Jung e Hanna Arendt tinham, ambos, razão. O Mal existe e se manifesta melhor onde campeia a estupidez.

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