domingo, 23 de novembro de 2014

Dependentes

Estava conversando numa sessão sobre a possibilidade de aumentar o número de sessões, já que o assunto estava ficando mais bacana e as visões internas, as introvisões que chamamos de Insight, estavam se tornando mais ricos e mais presentes no trabalho. Veio a dúvida se aumentar a frequência das sessões não seria criar uma dependência do terapeuta. Esta é uma questão que vira e mexe aparece em nossos sofás terapêuticos: a indústria da terapia, seja medicamentosa ou psicoterápica, busca, pelo menos a nível inconsciente, induzir uma espécie de dependência nas pessoas? Essa indústria é uma máfia silenciosa que captura as pessoas para dentro de uma bolha onde o remédio e a sessão serão drogas pesadas, que induzem mais e mais uso (e abuso)?
Assisti recentemente um documentário sobre o que aconteceu em nossa sociedade com a substituição da dieta vegetal de nossa vida agrícola para a dieta com forte presença da proteína animal, ou da alimentação baseada na carne. Os livros de Medicina do início do Século Vinte nem tinham capítulos sobre Infarto do Miocárdio e a Doença Coronariana era praticamente inexistente. Era quase um evento raro, assim como a Obesidade. Com a troca da dieta baseada em vegetais e grãos para o senso comum que não há como eliminar a carne da dieta e quanto mais carne melhor, as doenças cardiovasculares foram se tornando as superestrelas da Medicina. Vamos chegar à idade madura com pílulas para baixar o Colesterol, controlar o Diabetes e a Hipertensão, e tudo isso está fortemente correlacionado com a nossa dieta. O uso progressivo de antidepressivos e ansiolíticos também deve estar correlacionado com esse tipo de alimentação, que nas últimas décadas ainda foi se tornado cada vez mais industrializada e acrescentada de gorduras Trans, doses industriais de Sódio e alimentos cada vez mais desprovidos de nutrientes. Para isso, temos outras pílulas, de vitaminas, para devolver o que foi retirado da alimentação. Estou falando tudo isso para demonstrar que estamos imersos em mais dependências e mais indústrias produtoras de pseudociências e necessidades. Estou tentando diminuir ao máximo o consumo de carne e outros pró inflamatórios de minha dieta. O resultado é, se parar para fazer um lanche numa padaria, não tenho o que pedir. Estamos enfiados em vários circuitos de dependência, os consultórios não estão livres disso. Em alguns países desenvolvidos, se o médico suspende o tratamento antidepressivo e o paciente tem uma recaída e, por exemplo, perde o emprego, o médico pode ser questionado e mesmo processado. Retirar a medicação envolve um acordo de mútua vigilância e cuidado entre médico e paciente. Sem esse cuidado, sem essa confiança, é melhor manter a medicação. Recebo algumas vezes pessoas que estavam mantendo a prescrição de antidepressivos por alguns anos pelo simples fato de não terem mantido o seu seguimento. Dava para ter suspendido ou trocado a medicação, que o sujeito preferiu manter quase como automedicação. Tudo isso para “não ficar dependente” do tratamento.
O Budismo tem um conceito que eu adoro, que é a Interdependência. Não somos apenas dependentes, mas interdependentes. Um tratamento deveria fortalecer esses laços de interdependência e enfraquecer os nós da codependência. É bem mais fácil falar do que fazer. Aumentar o número de sessões porque o processo está se aprofundando e se tornando mais rico é exatamente o contrário de criar Dependência. Significa aprofundar o Silêncio, numa época que somos dependentes do Ruído.

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