sábado, 13 de junho de 2015

O Imbecil Corporativo

Outro dia fui contactado por uma representante de uma grande empresa, querendo a minha ajuda diante da alarmante (para a empresa) escalada de processos de abuso moral ou outros processos trabalhistas por doenças psiquiátricas causadas por condições insalubres de trabalho. Quando li a mensagem fiquei todo animado. No mínimo daria para iniciar uma série de palestras, ou, quem sabe, um estudo sobre redução de estresse e melhora de condições de trabalho, que eu poderia implantar na empresa. Nem que fosse um projeto piloto. Fui todo pimpão perguntando como ela queria iniciar o projeto, daí percebi como estava enganado. A moça não estava interessada em se perguntar por que a sua empresa estava batendo o recorde de processos trabalhistas, nem muito menos como criar melhores condições de trabalho. Ela queria construir estratégias de defesa para invalidar todos os processos, desacreditando os reclamantes. Minha filha, quem te deu o meu contato? Isso é uma pegadinha? Mandei procurar um especialista em maldades jurídicas para defender sua preciosa corporação.
Um cliente meu, engenheiro, afirmou que o pensador mais influente de nosso tempo não é Freud, nem Marx, nem Darwin (meu palpite). O cara é Henry Ford, que inventou a produção em série. Tudo o que a vista alcança é produção em série. A Medicina é produção em série, quantos atendimentos, quantos procedimentos, qual o custo-benefício. O quantitativo se sobrepõe ao qualitativo e tudo, absolutamente tudo o que te cerca é medido por sua produtividade. Outro dia veio um rapaz com uma planilha pedindo um planejamento para a sua terapia, quanto tempo para os resultados aparecerem e quais parâmetros indicariam o sucesso ou o fracasso de nossa empreitada terapêutica. Sugeri a ele procurar profissionais de outras linhas terapêuticas. Terapia Junguiana definitivamente não era a melhor opção para ele. Ele saiu com uma cara de que eu não era um profissional muito científico. Aqui entre nós, tem umas vinte páginas de Filosofia da Ciência em minha Dissertação de Mestrado. Posso passar o dia discutindo o que é e o que não é Ciência, mas no caso, não iria me dar ao trabalho. O rapaz e a moça citados sofrem de um quadro cada vez mais frequente e grave, que é o Transtorno de Imbecilidade Corporativa. O quadro é insidioso e consiste em converter um bando de incautos que recheiam seu jargão corporativo com algumas expressões em Inglês, como expertise, follow up, dropout e adotam a Bíblia corporativa de aumentar a produção e esmagar subjetividades o tanto quanto possível. Depois de algum tempo a Imbecilidade Corporativa ganha ares de Verdade Absoluta. O que vale é acelerar a velocidade da linha de produção. Produtividade e Qualidade Total são a Boa Nova e o dogma. E ai de quem discordar. Os infiéis serão abatidos a tiros de exclusão do mercado e letras escarlates que indicam que está fora de jogo. Vai prestar concurso, amigo, o mundo corporativo não te quer mais.
Nossa época produz muita solidão em meio aos fabulosos castelos de Caras e as postagens nas redes sociais. O maior vazio é o de Significado. Em segundo lugar vem o vazio de Pertencimento. Algumas empresas já se dão conta que é melhor gastar com as pessoas do que com processos trabalhistas. O hipercapitalismo subtrai ainda mais a subjetividade das pessoas: todos são peças de engrenagem substituíveis, anônimas, que serão descartadas mais cedo ou mais tarde quando passarem da idade ou apresentarem sinais de desgaste. As empresas que vão sobreviver a essa maré de imbecilidade serão as que entenderem que as pessoas precisam, quase desesperadamente, pertencer e fazer algo que tenha significado. Saber que se faz parte de algo, e que esse algo é mais do que linha de montagem, é o que diminui o sofrimento corporativo e a escalada de adoecimento e confronto que florescem nas empresas. Mas devem durar bastante os imbecis correndo atrás de suas planilhas.

6 comentários:

  1. Mestre,
    Trabalhar numa grande empresa, fazer o que gosta, com orgulho e estar cercado de pessoas legais, esse é o maior desafio.
    Problemas existem em todos os lugares e devem ser superados, com cooperação e criatividade.
    Já foi-se o tempo que as empresas se preocupavam com seus colaboradores.
    Agora é só lucro e produtividade.
    Tô fora !!!

    Abraços.

    Edison

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  2. Ahhhhhhhhh, postei isso no facebook !

    Edison

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  3. Excelente comentário. Aliás você escreve muito bem.
    Me deparo com esses tipos de Idiotas corporativos todos os dias no meu trabalho de consultoria.
    Gente que acha que por ter um sobrenome corporativo pode fazer qualquer coisa e está protegida em nome do corporativo.
    São reuniões e mais reuniões para gerarem novas reuniões...
    As pessoas fazem suas atividades, sem saberem muito o porquê estão fazendo, mas o mais importante é fazer e divulgar aos 4 cantos que estão fazendo, e sem esquecer de marcar uma nova reunião pra falar o que fez, e o que fará em seguida...
    Tô de saco cheio de tantos idiotas corporativos trabalhando em organizações importantes....

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  4. Adorei! E como já vivi isso...
    Bjs
    Dani

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  5. Tese - 1. se eles sofrem assédio moral e não pedem demissão é porque eles são masoquistas e sentem prazer nisso (escreve algo freudiano ao longo da tese).
    Tese - 2. Pedidos de reparação de dano moral de forma pecuniária é a mesma coisa que batata frita que vem de graça no combo do mcdonald's. A equiparação é válida, em algumas situações.
    Tese - 3. Se as antas dos juízes aplicassem punishment damages nas empresas, eu dúvida que elas te contratariam para fazer a palestra de não faça esse tipo de amiguinho que é errado. vivam todos bem. Mas assim...ou voce treina o comportamento deles, ou voce só vai conseguir que eles desenvolvam outro mecanismo que a tornará imperceptível a pratica do assédio, apenas daqui uns anos as pessoas vão ser capazes de entender que elas ainda estão sofrendo e/ou cometendo abusos.
    Seja lá como for, eu defendi a ideia de dano moral pode ser praticado de baixo para cima também em ambiente de trabalho para convencer a demissão de alguém em uma empresa. No final, só equiparei com uma teoria de sequestro moral de alguém que era sociopata e que desesperadamente queria chamar a atenção, até tentar suicidio na frente dos amiguinhos no meio do trabalho bebendo removedor, eu ri quando quando chegou na parte: ele tentou se matar no trabalho...depois que foi bebendo removedor...eu desisti de rir porque...eu ia morrer de rir.
    Conviver em sociedade é apenas, pavlov, skinner...quem é assediado pode também dar uma pensadinha, esse povo que comete assédio não vai entender. eu prometo que eles nao vao entender o condicionamento.

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