domingo, 11 de outubro de 2015

Da Luz e Sombra

Como James Hillman, analista e pensador junguiano, acredito que nossos problemas mitológicos começam e terminam no livro do Genesis. Vamos fazer um pequeno sumário: No Princípio era o Caos e escuridão, e o Criador passa a iniciar o Big Bang da criação, saindo do Vácuo Quântico para o construção da matéria e energia, que são a mesma coisa e intercambiáveis. O que? Não é isso que está escrito? Tudo bem então. Vou me deter numa parte específica: a expulsão do Paraíso.
Adão e Eva viviam no Jardim do Eden, cercados de tudo o que precisavam em um mundo de absoluta harmonia e abundância. Não havia conflito, portanto, não havia sofrimento. Entretanto, a falta de conflito gerava um efeito colateral grave: a falta de Consciência. Jeová permitiu aos pombinhos comer e beber de tudo naquele jardim magnífico, exceto o fruto da árvore de Conhecimento. Sendo onisciente, Jeová sabia muito bem o que iria acontecer quando impusesse ao ser humano uma Interdição: onde tudo era simetria, acontecia, enfim uma tensão, um conflito. E a Serpente, junto com a Mulher, levaram a culpa quando a Interdição foi transgredida, o que parece ser o destino das interdições tomadas sem consciência. Expulsos do Paraíso, Jeová avisou que Adão ganharia o pão com o suor de seu rosto e Eva sofreria dor em seus partos, além de criar uma eterna inimizade entre ela e a serpente. A Modernidade teria tornado as maldições inócuas, já que quem ganha mais maçãs, ou dinheiro, é quem nunca tira seu sustento do suor de seu rosto, mas armazena o suor alheio em algum Paraíso, não do Eden, mas um Paraíso Fiscal. Sem mencionar que as técnicas de analgesia e as cesarianas também afastaram das mulheres as dores do parto. Como a linguagem, ao contrário do que pensam os Criacionistas, é Simbólica e não factual, então as maldições não só persistem como se tornaram mais complexas: feliz do homem que pode ganhar o pão com o suor de seu rosto, pois o trabalho está cada vez mais dissociado de algum significado e, ter como ganhar a vida com dignidade é uma tarefa cada vez mais difícil. E a criação e manutenção da vida está migrando das dores do parto para os tubos de ensaio. Mas parece que temos cada vez mais suor e mais dor para dar origem e sustentar a vida, nossa e de quem amamos.
A Jornada da Consciência passa então por essa dores de criar e manter a Vida. O suor que se demanda é o da dedicação atenta ao caminho, para não se perder nos emaranhados das estradas que se bifurcam. Mas talvez a pior das pragas tenha sido a da inimizade com a Serpente. Essa continua enchendo os consultórios.
Jung escreveu que uma das maiores dificuldades na formação de nossa Consciência, ou uma das condições iniciais de nossa Neurose, seja a dissociação do Bem e do Mal. A Serpente é uma figura simbólica ligada à terra e à profundidade. Eva é o símbolo do Feminino, o mesmo que tem em seu interior a Mãe Criadora e o veneno da Serpente. A herança dessa Mitologia é o estabelecimento da Consciência binária, que opõe a Luz e a Sombra, o Bem e o Mal, a Vida e a Morte. Em outro livro da Bíblia, temos um Jó perplexo com a percepção que o Deus que tanto amava fora capaz de uma aposta com o Diabo para testar a sua fé. Mas não vamos falar disso hoje. Mas uma dica: Jó descobriu que o Bem e o Mal estavam no mesmo lugar, milênios antes de Melanie Klein.
Uma ilusão de nossa mitologia é de que podemos isolar o Mal se o colocarmos aos cuidados das figuras demoníacas. A Interdição do Mal, como no caso das maçãs do Eden, criam um mundo regido pelo engodo e pela maldade. Conquistamos o Mal não com o Bem, mas com a Consciência. Podemos renunciar a ele na medida que o conhecemos e, em algumas situações, podemos exercê-lo. Sobretudo, não se vence o Mal com Bondade ingênua. Por isso que diz o ditado popular que as boas intenções pavimentam o caminho do Inferno. Deve ser por isso que Jesus recomendou a mansidão do cordeiro, mas a astúcia das serpentes. Ele devia saber que estava reabilitando e incorporando às serpentes o seu lugar na dança da Vida.

3 comentários:

  1. Muito bom texto, Dr.Marco..eu conheço pouco o trabalho de Jung mas,qdo começamos a nos interessar pelas mitologias ( a cristã,a hindu com seu gita,a nordica com seus nibelungos) e,principalmente, nos dispomos a olhar para nosso próprio sofrimento com afeto - por mais paradoxal que soe - algo em nós percebe que todos dizem a mesma coisa.

    Um abraço,
    Caio Caridade

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