domingo, 4 de outubro de 2015

Atenção Curativa

Já faz um bom tempo que aprendi uma técnica de relaxamento e meditação em que, em algum ponto, a dirigente convidava a escanear uma parte de seu corpo onde estivesse concentrada uma zona de tensão. Localizada a região de desconforto, o próximo passo foi apenas prestar atenção a essa parte do corpo e observar o que ocorria. A tensão começava a se esgotar, como uma pia que foi desentupida. O simples ato da Atenção simples e não julgadora voltada ao desconforto faz com que o mesmo se esvazie dentro de si.
Essa técnica vem sendo trazida para a Terapia Cognitiva nos últimos anos. Olhar os pensamentos de fora, como uma Consciência separada de sua Consciência. O ato de apenas prestar atenção aos pensamentos, sem tentar controlá-los, pode esvaziar a sua potência. Os pensamentos, olhados em profundidade, revelam a sua natureza de não existência. São fabricados por nossos medos, ou nossa necessidade de antecipação, que foi discutida no último post desse blog. São, no final das contas, nada, e para o nada voltam se são apenas olhadas de fora. Ou de dentro.
Penso que a própria sessão no consultório seja antes de tudo um ato de Atenção. Não são poucos os pacientes que se queixam de médicos indiferentes, ou dispersos, ou que tiram as suas conclusões de maneira automática e sem examinar o caso com algum cuidado. Olhar para o caso com atenção é, em si, um ato terapêutico. A Atenção ao sintoma cria um caminho para a melhora. Como nessa meditação que aprendi há muito tempo. Olhar para o medo vai tirá-lo das sombras.
Muito se diz nos Congressos de Sono e de Psiquiatria que vivemos numa sociedade privada de sono. Vivemos numa sociedade privada de Atenção, com vendas recordes de Ritalinas e outros estimulantes. A falta de Atenção é irmã siamesa do desassossego. Esse blog é um tanto rabugento com as redes sociais, talvez porque elas estejam fundadas na necessidade desesperada de receber Atenção, de estar nos Trend Topics, ou romper a barreira dos milhões e milhões de almas que procuram reconhecimento e validade na forma de likes ou retweets. Disputa-se palmo a palmo o campeonato de memes e quem recebe muita atenção deste tipo não parece muito feliz com isso. Talvez oferecer a Atenção, mesmo para si, crie mais felicidade do que buscá-la desesperadamente.
Muito já se teclou aqui sobre a falta de atenção, sobretudo em reflexões sobre os deficits de atenção de garçons e garçonetes, gerando falhas na entrega de pães na chapa ou porções extras de maionese. Esse escriba se desespera com outro filhote da desatenção, que é o descuido. Ou a pressa. Ou a briga permanente com o tempo. Mesmo assim o tema não se esgota. Do garçon ao cruzamento perigoso da esquina, tudo demanda uma Atenção delicada e constante.
Pode ser que a própria evolução tenha nos selecionado para a Desatenção.Ter um radar sempre ligado para tudo o que ocorre no entorno, para tudo o que vem pela frente, para tudo o que eventualmente já nos machucou, esse tipo de Atenção provavelmente nos trouxe até aqui. Mas não deve nos levar para muito longe. Observe o (a) visitante desse blog o poder curativo da Atenção Relaxada a tudo o que importa.

Um comentário:

  1. dr. marco, agora que li com calma esse post..divido sua opiniao sobre o poder da atençao..na verdade, eu estou começando a acreditar que a felicidade é função da capacidade de ser senhor da própria atenção...por um lado, é meio frustrante, pois doma-la exige treino e,o mais dificil, consistencia..por outro, saber que há um caminho é alentador..eu,por mim, estou iniciando na jornada agora...

    obrigado pelos textos.

    um abraço,
    caio

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