domingo, 13 de dezembro de 2015

Mentalidade de Crescimento

Estava lendo um livro budista, chamado “Retornando ao Silêncio”, quando o autor citou a história de um monge, que era uma espécie de abade de um mosteiro budista, que ficou muito afetado por um incêndio que havia destruído uma ala do mesmo. O monge começou a repetir que desde a infância percebeu que simplesmente não tinha sorte. As outras pessoas eram mais afortunadas, enquanto ele parecia sempre precisar se esforçar mais e tropeçar em infortúnios que atrapalhavam a sua vida. O tal do abade foi afundando nessas ideias negativas, ficando cada vez mais triste e ensimesmado. O mosteiro foi minguando junto, com jovens monges procurando outros lugares para a sua formação. O abade acabou por adoecer e morrer. Estudos mostram que as pessoas podem literalmente morrer com a Síndrome do Coração Partido, onde uma onda de tristeza e depressão pode afetar a variabilidade dos batimentos cardíacos, uma medida de vitalidade e mesmo de longevidade. Batimentos cardíacos pouco variáveis estão correlacionados com menos tempo de vida, o que, infelizmente, pode ter encurtado a vida do monge. O mais angustiante para um psiquiatra que lê essa história é a percepção cristalina que o homem estava com uma Depressão, o que sem dúvida potencializou os seus maus pensamentos e aprofundou mais e mais a sua tristeza.
Rogério Ceni encerrou a sua carreira de vinte e cinco anos no gol do São Paulo. Ganhou todos os títulos, bateu todos os recordes e pendurou suas luvas como um dos maiores ídolos da gloriosa história tricolor. Pessoalmente, como analista junguiano, sei que esse aspecto luminoso carrega em si a sua Sombra, e que nos últimos anos esse Mito, como passou a ser chamado pela torcida, pode ter sido um problema mais do que uma solução, mas não vou me deter nisso. Rogério era um menino que veio de um pequeno clube, o Sinop, do Mato Grosso do Sul. Um time inexistente. Veio morar no Morumbi, onde morava outro Mito , Telê Santana. Com ele, Rogério aprendeu algo muito importante para os vinte e cinco anos seguintes: a importância da repetição infinita para chegar perto da perfeição. Com ele, Rogério aprendeu a chegar meia hora mais cedo e sair uma hora mais tarde do treino e, de um moleque bom debaixo da trave mas ruim de chutar a bola, virou o maior batedor de faltas da história, para onde passará como um goleiro artilheiro. Isso às custas de cerca de treinos e treinos que deixavam suas pernas doloridas. Rogério adquiriu uma característica de vários virtuoses em sua profissão, de músicos a atletas, de médicos e engenheiros: a obsessão pelo autoaperfeiçoamento, pelo aprendizado contínuo para atingir níveis cada vez maiores de domínio,(em Inglês, “Mastering”) de sua atividade. Se ele levar esta característica para a sua vida fora dos gramados, em vez de viver da memória que deixou dentro deles, com certeza vai continuar tendo curvas e curvas de aprendizagem e mastering do que quiser fazer.
As duas histórias, colocadas lado a lado, mostram dois caminhos paradoxais que podem pautar o nosso destino: uma pequena infecção psíquica, uma impressão gravada na infância do tipo “sou um azarado”, “não sou inteligente como os outros”, “as coisas não dão certo para mim”, pode ter um efeito devastador na vida de uma pessoa e seu destino. Talvez o seu efeito mais devastador seja criar uma espécie de Orgulho do Fracasso. Eu sou um fracasso e você pode fazer o que quiser que nada vai mudar isso. O fracasso pode virar uma forma de receber muita atenção e ter muita gente interessada em ajudar. O fracasso, pasme, pode ser uma forma de se criar uma identidade. Uma identidade depressiva, é certo, mas uma identidade. Nosso reizinho anão, o Ego, adora ficar dando voltas e voltas em torno dos fracassos. Virar um eterno café com leite pode ser uma falsa proteção. “Não esperem nada de mim”, diz o falso regente.
Na verdade, o difícil na prática clínica é mudar de um módulo para outro. A autoprogramação para o fracasso cria uma nuvem de lassidão e desânimo difícil de penetrar. Há circuitos projetados pela Natureza de bloqueio de reação, provavelmente para forçar alguém ao repouso. Antes da era dos antibióticos, a desesperança aprendida poderia ser uma defesa contra as doenças. Essa reação hoje pode ser contra um mundo, um mercado de trabalho muito hostil e perigoso. É melhor ficar refugiado em jogos online.
Imagino as noites que o jovem Rogério chorou ou teve medo de fracassar nos seus alojamentos. E que o fato de que, virar o melhor era a única opção de sobrevivência ajudou-o a procurar, procurar, até achar. Essa mentalidade de Crescimento já está sendo ensinada em muitas escolas americanas. Está na hora de ser ensinada em nossas famílias.

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