domingo, 6 de dezembro de 2015

No Meio da Luz e Sombra

O príncipe Sidharta, que viria a ser o Buda, conheceu os extremos da vida: da extrema opulência e riqueza de um príncipe para anos de meditação e rigor da vida ascética, vivendo na floresta comendo raízes e gafanhotos. Estava à beira do rio e ouviu um mestre orientando o aluno sobre a melhor afinação de uma corda, como de um violão: se ela ficar muito solta, não consegue produzir o som. Se estiver muito tensa, pode se romper. Para a adequada afinação, é muito importante o equilíbrio entre as duas polaridades. Sidharta atingiu imediatamente a iluminação, depois de anos de sofrimento e privação. Para atingir a Iluminação, são inúteis tanto o Sofrimento gerado pelo Rigor, quanto o Prazer dos sentidos e a excessiva indulgência. Estava descoberto o Caminho do Meio, o verdadeiro Caminho.
Para Jung, a imagem do Cristo na Cruz representa a Tensão de Opostos, a via crucis de nosso desenvolvimento. O formato da cruz representa a tensão eterna entre a espiritualidade que aponta para cima, e as necessidades humanas, que são paralelas ao chão. Como diria a música do Paralamas: “O Homem traz em si a Santidade e o Pecado/Lutando no seu íntimo/Sem que nenhum dos dois prevaleça”. Vivemos a Tensão eterna entre as necessidades de nossa vida consciente e a criação de uma vida interior; o Visível versus Invisível.
Já falei nos posts anteriores sobre a Função Transcendente. Ela se dá após um período em que a tensão parece infinita e sem saída. O choque de opostos também pode causar a Função Transcendente. É a tal Luta de Classes de Marx. Recentemente vimos em São Paulo uma tensão de opostos daquelas: o governo propôs uma reforma administrativa na Educação que fecharia escolas ociosas e separaria alunos do Ensino Fundamental e Médio. Os alunos e as famílias reagiram, com apoio das associações de professores e partidos de oposição. Andar em São Paulo virou uma aventura nestas semanas, com bloqueio de vias em pontos cruciais, parando a cidade. Barricadas de carteiras e cadeiras. E bombas de gás pimenta encima de crianças. Levou a pior o governador Alckmin, que viu a sua popularidade despencar e recuou. Mas as semanas de atrito levantaram questões de ambos os lados: se os alunos e os professores amam tanto as suas escolas e são capazes de tal mobilização, por que as notas de nossas escolas nos exames nacionais são tão vergonhosas? Se São Paulo investe mais do que qualquer estado da União, como que se pode melhorar os índices e as notas? A Associação dos Professores, que tem dinheiro para pagar propagandas em horário nobre, tem algo melhor a propor do que mais verbas para a Educação? As fragilidades de ambos os lados foram expostas: o governo com sua face autoritária e estúpida e o sistema da educação estadual, que tem escolas ociosas porque, quem pode, coloca o filho em qualquer lugar que não uma Escola Estadual, com honrosíssimas exceções. A Função Transcendente seria um pacto envolvendo todos para melhorar a educação, com os pais entrando no jogo. Ocupar as escolas não basta. Precisa ocupar os espaços vazios da aprendizagem.
Em nossa vida psíquica, os opostos se chocam e se alternam, como um movimento pendular. Alternamos períodos de otimismo e projetos ambiciosas com encolhimentos e medos quando as coisas não saem tão bem. Mas o método de tentar a síntese após choques violentos de polaridades, esse é um método estranho de resolver as coisas. O processo de Desenvolvimento implica numa desmontagem do Ego. Por que será que sentimos uma discreta (ou não tão discreta) satisfação quando vemos um banqueiro que se achava intocável e poderoso de camiseta num presídio comum? Vingança de pobre? Também, mas ele representa o Ego todo poderoso que é, abruptamente, reduzido à sua pequenez humana. A lei que, esta sim , vale para todos: ganhe Consciência ou fique preso nas suas Neuroses.
O Caminho do Meio foi descoberto há tanto tempo e é tão melhor que o choque de opostos. Jung teve muito trabalho com o Mito Cristão e a Alquimia para pesquisar sobre isso. Para nós que sucedemos a sua busca, mais de cinquenta anos após a sua morte, ainda trabalhamos com as pessoas na via crucis de suas dores e tensões de crescimento. Mas vamos encontrar o caminho, bem no meio das luz e da sombra.

Um comentário:

  1. Nossa, Spinelli!
    Foi a melhor (e mais inteligente) análise que já vi do conflito das escolas/governo!
    Muito bom o seu texto.
    Obrigada por compartilhar!
    Lúcia Andrade

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