domingo, 29 de novembro de 2015

Autoestima

Costumo dizer que Psicoterapia é tão fácil de fazer que até os terapeutas fazem. É claro que é uma piada. Como toda piada, com um fundo de verdade. Americanos estudam tudo e para tudo tem estatísticas. Fizeram um estudo com seiscentas pessoas que faziam psicoterapia, de todas os tipos, modelos cores e anos. Comparado com um grupo de pessoas que não faziam terapia, os terapeutizados demonstraram melhor índice de satisfação pessoal e capacidade de lidar com os próprios problemas. Isso contraria o senso comum que diz que para fazer terapia você precisa ser louco, ou problemático. Uma vez eu quase joguei uma supervisionanda da sacada porque ela afirmou que não sabia se levaria o filho para a terapia: "Não sei se ele precisa". Esse estudo confirma que a frase foi muito infeliz. Psicoterapia é no mínimo uma oportunidade de conhecimento de si, de sua história e da capacidade de escuta. Não é só a escuta do terapeuta que conta, mas o direito de se ouvir, de construir uma narrativa e poder escutar a própria voz dentro dessa narrativa. Isso cria insight, reflexão e,uma palavra que está muito na moda nas terapias cognitivas e que eu adoro, Modulação. Como estamos num mundo de desregulados, a capacidade de modular as respostas afetivas, emocionais e intelectuais é uma tarefa cada vez mais desenvolvida nas salas de terapia. Ou, pelo menos, deveria ser.
Escrevi há muito tempo sobre um sonho de Bel César, psicoterapeuta, budista entusiasta, e uma das pessoas que tenta uma aproximação entre a Psicoterapia e as práticas budistas. No sonho, ela estava condenada à morte e poderia fazer uma última declaração. Ela agradeceu às pessoas que haviam testemunhado a sua vida com compaixão. Não lembro a leitura que ela teve sobre o próprio sonho, mas lembro que fiquei arrepiado quando o li. Ele tocou numa verdade profunda da terapia, que é o Olhar do terapeuta, um olhar de testemunha compassiva. As pessoas pensam que compaixão é a capacidade de sentirmos pena, ou passar a mão na cabeça dos pacientes. Uma versão para disso é a fantasia que todo terapeuta deve tomar partido do paciente e melhorar a sua autoestima. Aí temos outra palavra espinhosa: autoestima. Já alfinetei muito a geração autoestima em outros posts, por isso vou me poupar neste. Mas vou abraçar temas mais difíceis, talvez: o que seria uma compaixão cabível e como uma terapia pode melhorar a autoestima?
Compaixão é, antes de mais nada, Atenção. Podemos olhar na rua, uma mãe com um bebê no colo, olhando para a tela do seu smartphone. Ou teclando enquanto dirige, com crianças no banco de trás. Ou no shopping, deixando a criança destruir a loja enquanto escolhe uma blusa. A Atenção é um artigo cada vez mais raro, talvez porque todos a disputem. Na sessão, o olhar do terapeuta é uma oferta de atenção. Compaixão começa por aí. Essa Atenção pode ser inédita nesse mundo de olhares cansados e voltados ao próprio umbigo.
Não é tarefa da terapia melhorar a autoestima do freguês. Não é tarefa tecer elogios nem tentar fazer o paciente tentar agradá-lo com os seus progressos. Autoestima é, antes de tudo, autoaceitação. Como Hillman disse, nossos problemas começam e terminam no Genesis. Já chegamos no mundo devendo: somos pecadores de cara e vamos pagar pelos pecados. Em algumas culturas, já chegamos com um carma coletivo para carregar nas costas. A psicoterapia permite visitar e compreender esses pecados que não cometemos, mas estamos sempre sendo acusados em nosso tribunal interno. Deveríamos ser mais magros, mais espertos, ter mais grana ou receber ajuda humanitária de algum senador do PT. Me ajuda, Delcídio. Antes da autoestima, temos o auto bullying. O terapeuta olha e trabalha encima do auto bullying. Já ajuda muito, antes de melhorar, parar de piorar as coisas.
Mas por que eu comecei este post brincando que é fácil ser terapeuta? Porque o simples exercício da escuta e do olhar atentos já permitem que a Psique comece a se organizar. Basta prestar Atenção e aceitar a realidade de nossa Imperfeição. Talvez nessa Imperfeição que esteja o verdadeiro brilho.

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