Prometeu era um Titã, irmão de Zeus. Como muitos, cobiçava o poder de seu irmão deus, o mais poderoso do Olimpo. Tentou ludibriá-lo divindo os despojos de um touro sagrado. Depois roubou o fogo dos deuses e deu aos homens. Passou a eternidade preso por correntes numa rocha. Durante a noite, os abutres lhe comiam o Fígado. Pela manhã, ele se renovava, para voltar a ser comido na próxima noite. Na Mitologia Grega, é muito comum o combate entre o mundo dos deuses e o mundo dos homens. Normalmente porque os homens tentam sobrepujar os deuses com uma invenção recente de nossa jornada evolutiva, que é a astúcia, a capacidade de esconder as nossas verdadeiras intenções e trapacear os deuses, o que sempre acaba sendo um mal negócio, já que os deuses tem acesso às verdadeiras intenções dos humanos. A maldição continua, entretanto, quando o homem e sua Razão tenta manipular o mundo à sua vontade, tentando operar na Matéria e duvidando de tudo que seja Metafísico, isto é, fora do campo do mundo físico. A Psique, por exemplo, que existe num campo paralelo e interdependente com o mundo físico, mas não faz parte dele, para muita gente, não existe, ou é um produto dos nossos neurônios.
Para um budista, a metáfora prometeica poderia facilmente representar a natureza impermanente da vida. Nossas aspirações prometeicas, de atingir o mundo dos deuses através de nossa astúcia e das capacidades da Mente terminam em um permanente sofrimento, que se renova o tempo todo. A Mente tentar superar o sofrimento é como tentar se levantar segurando os próprios cabelos. A Mente não pode curar a ferida que a própria Mente criou. Talvez por isso que a Psicologia Cognitiva esteja se aproximando do Budismo, através do Mindfulness. Determinadas memórias, determinadas feridas, não podem ser reparadas pelo entendimento. É preciso olhar para elas, integrá-las, para que possam, um dia, deixarem de doer ou mudar a sua característica. Jung chamou isso de Função Transcendente: a capacidade da Psique de saltar para além de seu Conflito, gerando uma nova síntese. Haveria como aproximar a Função Transcendente com o Mindfulness? Pensa esse escriba que sim.
O Mindfulness tem como princípio um treinamento constante em estar completamente presente no Presente. Nossa Mente divagadora está sempre preocupada com o Futuro, ou com o que ocorreu no Passado. Quando viajamos, levamos fotos e lembranças para podermos ficar presentes na recordação. Podemos viver então o vivido na hora que prestamos atenção ao que passou.
O Mindfulness tenta talvez provocar uma saudade do Presente. Um exercício usado em suas vivência é dar uma uva passa e pedir para a pessoa mastigá-la por uns cinco minutos, até ela se dissolver no ato de mastigação em si. Eu diria que é mastigar a uva passa com saudade dela, pois o seu gosto vai se transformando tanto durante o processo que as pessoas notam que nunca comeram verdadeiramente uma uva passa na sua vida. Ou talvez nunca tenha realmente sentido o gosto da comida e da vida.
Uma Psicoterapia de base analítica é, em grande medida, uma expedição ao Passado, onde as experiências lá vividas são recuperadas, muitas vezes revividas e colocadas em perspectiva. Só que não é a Mente que cura a Mente. O ato de Atenção a esses conteúdos e o Olhar do terapeuta sobre essas cenas faz com que mudem esses nós que se estabelecem em nossa Psique por tantos anos. Essa é a Função Transcendente: de repente, o que doía muito, já não dói tanto assim e os ressentimentos, tão longamente alimentados, deixam de ter tanto valor ou de ocupar tanto espaço na vida psíquica do paciente.
Como na música de Guilherme Arantes: "Amanhã/ Ódios aplacados, temores abrandados/ Será pleno..." Esse é um projeto terapêutico de cada dia: aplacar os ódios, abrandar os temores. Mas não será o Amanhã que será pleno. Será o Agora.
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bom texto, Dr. Marco..se tiver interesse e 5', sugiro a leitura do texto do link abaixo, do Dr. Roberto Cardoso...trata-se do mesmo paradoxo - a mente tentando interpretar a própria mente - porém no contexto da meditação...
ResponderExcluirps: não nos conhecemos, porém lhe envio saudações alvinegras...06 para ser mais exato...:)
Um abraço
http://www.redepsi.com.br/2010/06/05/o-ladr-o-n-o-pode-pegar-o-pr-prio-ladr-o/
Por isso espero por esses textos toda semana ����
ResponderExcluirGrande Mestre, a semana não comece bem sem seus textos !!!
ResponderExcluirEdison
A primeira vez que estive com o Dr. foi no workshop "Quando não ouvimos os Deuses Adoecemos". Sou da área do Direito.
ResponderExcluirO tema me ajudou profundamente, inclusive ao poder compartilhar as informações com duas pessoas que estão se tratando de panico. E o compartilhar ajudou muito essas pessoas queridas.
Novamente lhe agradeço por postar esse texto, pois o final dele é o resumo do estado que me encontro. E tambem está no texto detalhes para se identificar o trabalho de um excelente analista.
"O ato de atenção a esses conteudos e o olhar do terapeuta sobre essas cenas..."
Não é magica, porque no meu caso demorou muitos anos para isso acontecer. Mas estava la minha analista, com o olhar em todas as cenas, e como isso foi importante para mim.
E quando a função transcedente aconteceu... realmente o que é pleno é o agora!
E quando compartilhamos a plenitude, sem alerdear nada de nossas vida, as vezes nos perguntam: Para que voce faz terapia ?
E eu penso, realmente acho que não há como responder.
Apenas um gesto nesse momento: respirar, olhar profundamente o outro, e sorrir.
Patricia Euf.