domingo, 8 de novembro de 2015

Voz do Self, Voz de Deus

O tema era “Psiquiatria e Espiritualidade”, no Congresso Brasileiro de Psiquiatria.(Parecem termos excludentes, mas não são). O convidado falava de um caso daqueles que tiram o sono dos psiquiatras. Uma paciente bipolar com várias internações e fases repetidas de depressão ou mania, que também passou por vários tratamentos, vários médicos, nada dava certo. Depois de muito tentar, ela passou a manifestar o desejo de morrer. Como em muitos casos de quadros clínicos de má resposta, ela estava cansada, quebrada por dentro, sem forças para lutar. O médico, como em muitas situações semelhantes, tentava contornar o grande horror dessas situações, que é a situação ficar sem saída e o paciente acabar de frente com risco de suicĩdio ou de internação, para evitar o pior. A cena que ele descreveu é daquelas que não se costuma descrever em público: a paciente começou a chorar, num profundo lamento. Ela se perguntava, entre soluços, “O que pode aliviar esses sofrimento, meu Deus?”. O palestrante sentiu-se estranhamente inspirado pelo tom bíblico dessa lamentação e perguntou, com o mesmo tom, “Para onde você se volta, em busca de conforto, em meio a esse sofrimento?”. Ele mesmo ficou surpreso com essas palavras que saíram de seus lábios. A paciente voltou-se para ele, diminuindo seus soluços, e confessou que sentia como que uma voz tranquilizadora, bem no fundo de si, dizendo que tudo iria ficar bem, para ela se tranquilizar que tudo iria se acalmar, inclusive o seu sofrimento. O médico perguntou de quem ela achava que era essa voz. Enxugando o rosto ela falou: “A voz parece de Deus”. “E você ouve isso há muito tempo?”. “Ouço há algum tempo, sim”. “E por que você nunca me falou sobre isso?”. Ela chegou a sorri: “Já me acham maluca sem eu contar sobre essa voz…”. O tratamento tomou outro rumo depois desse diálogo, já que o psiquiatra felizmente não achou que a tal da voz fosse uma alucinação. As oscilações clínicas melhoraram e a paciente finalmente assinou um contrato com seu médico de que não tentaria mais o suicídio (já havia tentado três vezes).
Um dado estatístico que esse ciclo de palestras trouxe é o dado que metade dos psiquiatras americanos não acredita em Deus ou em qualquer forma de transcendência à nossa vida material. Devem ser os mesmos que acreditam que a Mente é uma produção do Cérebro. Ou que a doença mental deriva de um pool de genes malfuncionantes. Posso lembrar de alguns colegas ateus que são excelentes médicos, bem como alguns crentes em Deus que são umas antas, mas a cena que o colega descreveu não ocorreria na sala de alguém que não acredita em nada fora do campo da matéria. Também duvidaria que uma bipolar, cicladora rápida, pudesse melhorar de sua doença através de uma voz interior acolhedora. A história seria motivo fácil de chacota.
Jung descreveu o aparecimento da forma redonda em sonhos e desenhos de pacientes vivendo grande tensão e sofrimento psíquico. Fez um paralelo com as mandalas orientais, que para ele representam a totalidade da Psique tentando se restaurar, em momentos de grande perigo. A Psique, seja ela fabricada pelo Cérebro ou pela Consciência corporal profunda, produz essas imagens e intuições procurando encontrar o equilíbrio perdido. A imagem da Mandala pode indicar essa situação dupla, de grande Perigo e de grande força regenerativa. Deve ser por isso que o ideograma chinês para Crise também representa Oportunidade.
Quem prestar atenção pode perceber esse fator de reação quase orgânica do corpo e da Psique em momentos de risco e desequilíbrio. Jung chamou essa estrutura reorganizadora de Self. A presença tranquilizadora que a paciente chamou da voz de Deus poderia ser essa função orgânica de busca de reequilíbrio. A “voz” do Self. Uma sabedoria celular dizendo para a moça que o seu sofrimento poderia ter fim. A pergunta intuitiva e inspirada do colega levou-a diretamente ao Centro da Psique, perdido no meio das oscilações de seu quadro clínico. A palavra que ele próprio usou quase sem querer, foi “para onde você se volta quando busca consolo no sofrimento?”, “Consolo”, ativou esse sistema autorganizador, que pertence ao organismo físico e psíquico, que os junguianos chamam de Psique. Procuramos tanto a cura nas moléculas, nas metilações e desmetilações dos genes que nos esquecemos que a Psique e o corpo querem se curar, querem encontrar o equilíbrio perdido. E que a hora da aflição pode ser a hora da mudança. Enquanto isso, os colegas assistiam outras aulas, o que salvou o palestrante da internação, como delirante.
Não preciso dizer que saí da conferência muito grato por ter estado lá.

5 comentários:

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  2. muito bom texto,dr. marco. eu tenho a impressao de de no futuro proximo - 20,50 anos,impossivel precisar - trataremos das questoes ditas metafísicas e energéticas com a mesma naturalidade com que tratamos a nutriçao,por exemplo....por enquanto,os pioneiros pagam um certo preço.

    um abraço,
    caio

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  3. Sempre saio de sua página grata por suas postagens Marco ;) beijo......

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  4. Bom sempre te ler, Mestre.

    Edison

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