sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O Coração do Homem Bomba

Os textos desse blog frequentemente dirigem as suas várias estocadas para dois males correlatos de nossa modernidade (?): a Civilização Inflamatória e a Geração Autoestima, irmãs gêmeas na geração de doença e sofrimento. A Civilização Inflamatória se baseia na criação constante de fissuras e dependências: comer muito, beber até a embriaguez, consumir desenfreadamente. Tudo sofre dessa inflamação: a alimentação, as relações humanas, o envenenamento da natureza. Lembro de uma cena de "Wall Street: o Dinheiro Nunca Dorme", em que o jovem aspirante ao mercado financeiro pergunta ao seu chefe inescrupuloso: Qual o seu número? Qual a quantidade de dinheiro que finalmente vai deixá-lo saciado? Ou vai tirá-lo dessa roda viva? Mais. Essa é a resposta da Civilização Inflamatória: Mais. Mais dinheiro, mais poder, mais comida industrializada, mais estímulo, mais acúmulo de coisas, trecos, brinquedos para dar uma fugaz sensação de saciedade, que vai ser substituída pela busca do Mais. Quero Mais. As células respondem a essas mensagens. Acumulam gorduras, multiplicam-se, tornam-se indiferenciadas, os anticorpos se voltam contra elas. As Mentes inflamatórias criam as células inflamadas.
A geração autoestima tem também seus Egos insaciáveis. Egos siliconados e acelerados. Não interessam as capacidades de Ser, mas o que Parece. O teatro de Personas nas fotos fotoshopadas das redes sociais. Ninguém pode se frustrar. Toda Autoestima deve ser burilada e maquiada. As frustrações são punidas aos berros, imagina alguém interferir e arranhar a minha autoestima.
Engraçado como nas livrarias as prateleiras de Psicologia estão sendo tomadas pelos livros de Autoajuda: Livre-se de Seus Medos, O Seu Ser Magnificado, Essa sou Eu, Homens Gostam das Mulheres Poderosas. E por aí vai. Manuais para encontrar a Riqueza ou a Alma Gêmea. Salve-se quem puder: cuide de seus sonhos e corra dos vampiros de sua energia.
As pessoas vem ao consultório com medo de dependências: medo de ficar dependente dos medicamentos, do terapeuta, medo de não dormir mais sem remédio. Carregam cinco celulares, checam os e-mails, almoçam as bolachas da recepção e não conseguem silenciar os pensamentos, que dão infinitas voltas dentro de sua cabeça. Mas os remédios podem ser muito perigosos.
A Psiquiatria tenta acompanhar a Civilização Inflamatória com seus medicamentos. Medica demais, e mal. Todos estão acelerados, então explodem os diagnósticos de Bipolaridade e Deficit de Atenção e Hiperatividade. Não é por acaso que estes diagnósticos explodiram. Junto com os Transtornos de Sono. Tudo gira em torno da correria e das células inflamadas. Todos correm atrás de suas fissuras e dependências. Mas fazer terapia é coisa de maluco.
Os atentados terroristas do Estado Islâmico na França foram feitos por cidadãos franceses, recrutados pelos fundamentalistas. Fico pensando no tipo de desespero que move essas pessoas. O que elas estão querendo explodir? Para o que estão tentando chamar a Atenção? Nesse mundo em que todos cuidam do próprio prazer e do perfil no Face, essas pessoas vivem uma grande crise de nosso tempo, que é uma crise de Significado: o trabalho perdeu o significado, os políticos e os governos são esta piada, as próprias famílias se afundam nas telas dos smartphones. O líder fundamentalista nada de braçada no desespero e na exclusão. Oferece ao homem bomba significado, uma causa para viver e morrer por ela. Estou justificando os atos terroristas desses caras? Pelo amor de Deus... Estou tentando entender onde navegam esses recrutadores de jovens mártires. E posso dizer sem medo: eles navegam na Exclusão e na Indiferença. Essa é a nossa doença, que a Psiquiatria e a Psicologia devem arregaçar as suas mangas para tratar. É fácil plantar o ódio onde ninguém presta atenção ao Outro. O curador deve dar o seu olhar. A sua Atenção. E deve trabalhar as fissuras infinitas e os Egos vorazes. Está na hora de desacelerar e ter um Mundo Interno, para recuperar o Significado.

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