domingo, 17 de julho de 2016

As Atenções

Uma amiga descreveu a demissão de sua chefe, que cometeu o erro de tirar as suas férias em um momento vital de publicação de relatórios de sua área, o que deixou seu chefe, e o chefe do chefe, expostos na apresentação dos resultados. A sua viagem, programada há mais de seis meses e autorizada por ambos os chefes abandonados por escrito, deu-se nesse momento vital e os maus resultados foram jogados em suas costas, que não estava lá para se defender. Eu falei para a minha amiga atônita que a demissão foi bem justificada. Como assim? Ela faltou com uma das três atenções. Posso explicar.
Daniel Goleman, no livro “Foco”, descreve três tipos de Atenção fundamentais para a nossa sobrevivência e, eu ousaria acrescentar, para a sobrevivência de nosso planeta. Atenção em Mim, Atenção ao Outro e Atenção ao Momento e ao Devir. Ele não usou esses termos, portanto é esse que vos tecla que está lá tomando as suas liberdades de tradução. A gerente em questão, portanto, não falhou em apenas uma, mas em duas atenções. Saiu-se bem apenas em uma: Atenção para si. Programou as férias com antecedência, em época e lugar bacanas para ela e sua família e voltou descansada e refeita para seu trabalho, que logo descobriu, não estava mais lá. Falhou nas outras duas Atenções: a Atenção ao Outro e a Atenção ao Momento. Se olhasse melhor para os chefes, notaria algumas características importantes: pouco domínio dos dados que ela obtinha e muito pouca vontade de ficarem expostos diante do Board da Empresa. Sujeitos mimados e covardes, como muito gestores, precisavam de sua presença para evitar lambanças. Ela estava imersa entre a água de coco e o picolé, entre uma e outra passada de filtro solar, enquanto os chefes se lambuzavam com planilhas incompreensíveis. Outra falta grave de Atenção foi a falta de percepção na publicação dos dados. Com o intuito de viajar tranquila, ela publicou o relatório no site da empresa e foi fazer as malas. O timing da publicação foi desastroso, permitiu aos adversários dos gestores meterem o pau nos números antes da reunião da diretoria. Você quer dizer que concorda com a demissão? Perguntou a minha amiga mordendo os lábios, o que não costuma ser bom sinal. Como estou ligado ao Outro, percebi que a resposta poderia causar decepção à pessoa querida. Mas é claro que eu concordo, respondi, atento às minhas convicções. Estamos na maior crise econômica desde o Plano Collor, milhões de pais de família em casa engrossando as estatísticas de desemprego, é uma boa ocasião para prestar muita Atenção à todas as prováveis e improváveis cascas de banana do caminho.
O Capitalismo está fundado na ideia da Livre Iniciativa como mola propulsora da Economia. Teoricamente todos podem prosperar e criar o seu próprio destino. Temos livre arbítrio e Democracia, dizem. Na verdade, o tal do hiper capitalismo cria uma sociedade de castas, onde uma minoria cada vez menor toma conta de uma fatia cada vez maior dos recursos financeiros e naturais do planeta. Uma arma poderosa para o domínio das massas excluídas sempre foi a alienação e a inconsciência. Quando os excluídos se manifestam, são logo taxados de bárbaros e xiitas. A sociedade paga um preço cada vez mais alto pela sua falta de Atenção. Estamos, como a pobre gerente, faltando com a Atenção ao Outro e com a Atenção ao Momento. Não está numa boa hora para queimar exemplares do Alcorão em praça pública nem fazer charges de Maomé sentado na privada. Uma arma potente de alienação é semear o Individualismo. Sob esse aspecto, estamos numa época pré Apocalipse. Enquanto as pessoas estão dando trombadas nas ruas olhando seus celulares, existe uma multidão de pessoas que já perceberam que não vão ter acesso aos Paraísos de consumo nem às castas de bem nascidos que ainda vão fazer as festas pagas com dinheiro público. Se prestarmos Atenção ao Outro e ao momento, poderemos começar a ouvir e tentar incluir os futuros homens bomba e os motoristas de caminhões desgovernados, atirados contra a multidão de inocentes.
Não dá mais tempo para olhar só para o próprio umbigo. Temos que prestar Atenção ao Outro e ao Momento de extrema tensão e perigo que atravessamos todo dia. Não adianta colocar flores nos asfaltos banhados de sangue, no dia seguinte. Temos que tirar os olhos das telas infinitas que nos protegem do Real.

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