domingo, 21 de agosto de 2016

Solve e Coagula

Depois de uma Era de Ouro, com seus cavaleiros da Távola Redonda, o Rei Arthur caiu doente e a sua terra secou, pois ela dependia de seu Rei para frutificar e criar vida. O Reino empobreceu, os ideais se dispersaram e a tristeza tomou conta das conversas abafadas. Os cavaleiros que restaram saíram ao mundo à procura do Cálice Sagrado, pois só tomando a água mágica, sorvida de dentro do Santo Graal, a doença do Rei poderia ser curada enfim. Sir Percival vagou pelo mundo por muitos anos procurando pelo caminho do Graal. Fo preso em um bosque cheio de sortilégios, onde via as armaduras dos seus companheiros apodrecendo junto com seus cadáveres. Percival foi levado, a partir desse supremo desespero, à presença do Senhor do Graal e fracassou. Fugiu assustado da responsabilidade. Vagou pelo mundo carregado em sua vergonha. Foi atacado por um mendigo, que reconheceu ser o maior dos cavaleiros, Sir Lancelot. Caiu em um rio pútrido, onde foi despojado de sua armadura e sua força. Foi levado novamente ao Castelo Invisível, e, diante do Senhor do Graal, respondeu que o Cálice servia a Ele, a quem chamou de Senhor e de Mestre. Percival obteve assim o Santo Graal e salvou o seu Rei.
Essa história belíssima para mim representa a importância do erro e da derrota. Sobretudo do que acontece depois. Diego Hypólito fracassou bisonhamente em duas Olimpíadas, caindo de bunda e de cabeça na prova que levou quatro anos treinando. A seleção de vôlei masculino de Bernardinho ganhava a final da Olimpíada de Londres com uma certa facilidade, de dois sets a zero, quando a Rússia, comandada por um gigante fora de sua posição, pulverizou os brasileiros virando o jogo para três a dois. Nunca uma medalha de prata foi tão sofrida. Hoje no primeiro lugar do pódio, Bruno e Serginho estavam aos prantos, provavelmente lembrando de uma sequência inédita de vice campeonatos nesses anos, como uma maldição. Com certeza, a lembrança mais intensa deve ter sido da medalha e do pódio amargos de quatro anos antes. Dessa vez, a cor da medalha era diferente.
A Alquimia dos antigos repetia em seus textos: “Solve e Coagula”. Talvez eles não soubessem, mas estavam resumindo os movimentos intrínsecos da vida e da Psique. Passamos por ciclos de início, crescimento, apogeu, decadência e morte. Todos nós e todos os processos. É por isso que os budistas insistem que a Impermanência é uma lei inexorável da vida. O Rei Arthur viveu isso na própria carne, como um jovem armeiro que virou o mais glorioso dos reis, para ver os seus cavaleiros e seu reino padecer de seus próprios erros. O “Solve e Coagula” dos alquimistas representa as coisas que se dissolvem na água e são lentamente aquecidas e trabalhadas para virar a Matéria Prima da Pedra Filosofal. Representa as fases da vida que se expandem e retraem, como as próprias estações do ano. Saímos do estado de solução para o estado de firmeza onde não vamos mais tremer diante da responsabilidade ou do perigo.
Diego Hypolito mergulhou numa profunda depressão depois de suas derrotas, duvidando de si e de suas opções. Pensou em desistir de tudo e levar uma vida tranquila, longe dos holofotes. Ouvi ou li mais de um jornalista dizendo que Bernardinho estava superado no início titubeante da seleção de vôlei na RIO 2016. Serginho estava cansado e aposentado da seleção, imaginando que nessa Olimpíada seria apenas um torcedor. Todos eles voltaram inteiros, para não titubear dessa vez.
Depois do período de dissolução, que para muita gente pode ser uma noite escura de alma, o Coagula representa a retomada do treino, da luta, da busca, até criar em nossa Psique um núcleo muito firme, um diamante interno que aguenta qualquer temperatura. Ou qualquer adversidade. Muita gente se desmancha, ou se perde, na dureza dessa forja.
Sir Percival perdeu tudo o que tinha e o que era, para, do meio do rio de lama, ser testado uma segunda vez e, dessa vez, sentir-se digno diante de seu Senhor. Somos todos Percival. Ou tentamos ser.

Um comentário:

  1. sabe o que é curioso, Dr. ? a dificuldade que temos de reconhecer que precisamos de ajuda nesse processo...ouço muito coisas como "não preciso de terapia" ou "não vou tomar remédio"...engraçado que ninguém acha estranho pedir orientação quando começa a fazer musculação, porém pra lidar com a própria psique, é sinal de fraqueza...vai entender...

    muito bom texto, como de costume..abs

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