domingo, 20 de agosto de 2017

As Pontas do Mundo

Um lugar comum de entrevistas de emprego e de Coaching é a tal pergunta: “Como você se enxerga em cinco anos?”. Eu consigo entender que a construção de planos ou de intencionalidades seja importante. Até o delinear de um prazo, também é ok. Mas talvez a maior fonte de sofrimento humano seja a perspectiva de enxergar os próximos anos e ter que ter um plano, um projeto, uma garantia. Os planos macro sepultam o entrelaçamento de pequenos momentos que compõe o que temos, que é a infinidade de aqui agoras que vão se bifurcando em quase futuros. O Macro é inimigo do Micro. Nosso Cérebro caça regularidades e garantias. Foi projetado para isso. Nossa tarefa é reprogramá-lo.
“A vida é o que acontece enquanto você está fazendo seus planos”. Essa pode ser uma boa resposta para a tal pergunta de manual de autoajuda, ou de estagiária de RH: espero que a vida aconteça enquanto os coachs programam o futuro. A vida corre nas bordas do que se espera dela. Eu me vejo em cinco anos tentando arredondar as pontas do mundo, como faço hoje. Todo dia.
Fiquei bastante tocado com uma matéria da Folha, de alguns anos atrás, em que uma moça de origem muito humilde descreveu como ficou feliz após tornar-se budista. Ela era faxineira, e a principal descoberta foi que podia ser muito feliz sendo faxineira. Tornou-se uma profissional cuidadosa e sentia que cada movimento da vassoura tinha significado e devia ser caprichado. Em vez de fazer planos de carreira, como virar a Faxineira das Estrelas ou lançar alguma marca de pano de chão com a sua grife, tratava de estar presente em cada momento de seu dia. Em vez de fingir que limpa e tentar se livrar do serviço o mais rápido possível para poder voltar a viver fora da casa da patroa, ela consegue tirar um grande prazer em fazer o seu trabalho direito, sem checar seus e-mails ou postagens no Face a cada doze segundos. A vida é o que acontece quando você não está postando nas redes sociais. Se antes o Futuro nos roubava uma imensa parcela de nosso presente, agora o Presente se nos escapa na tentativa de atualizar o Passado. Postamos o que comemos, onde estivemos, quem apareceu na Selfie. O postar das fotos e dos comentários é uma constante luta para registrar o que já passou e ou ler os comentários que funcionam como um Espelho. Recebo um like, logo existo. Vou para lugar nenhum, com muitos seguidores.
A meditação é, entre outras coisas, uma disciplina para entrar na cascata infinita de aqui agoras entre uma respiração e outra. Uma boa sessão de terapia é uma tentativa de entrelaçamento delicado do que me torna e me impede. Uma trama delicada de lembranças, associações e novas sínteses. Liberamos as dores e os falsos programas de vida, revemos as crenças para construir não outro Futuro, mas outro estar no mundo. Um novo e renovado compromisso com estar no mundo.
Uma personagem da série Big Little Lies descreve o choro de seu bebê ao nascer. Ela pede perdão por tê-lo trazido ao mundo, tendo sido concebido por um estupro. Ela sente na criança um horror de vir a esse mundo, e quase se arrepende de ter levado a gestação até o fim. Na série, ele é um menino doce que sempre é acusado de estar machucando uma aluna. Uma boa terapia poderia ajudar a criança e sua mãe de desembaraçar essa fantasia, construir uma nova história fora desses territórios de violência. A mãe tem a fantasia de que o filho vai herdar a violência de seu pai, o menino sofre com isso sem perceber. A mãe constrói sem perceber tudo aquilo que pretende evitar.
Tentamos desembaraçar essas tramas de passado, esses medos do futuro, enquanto a Vida acontece indiferente a todo esse labirinto de blá blá blás. Como dizia um mestre zen, meu cachorro não está nem um pouco preocupado com o sentido da vida. E eu diria, nem como vai se enxergar daqui a cinco anos.

7 comentários:

  1. Olá Mestre, bom dia.

    Tudo bem com você?

    Estou tentando te enviar um e-mail mas tá dando erro... Mudou sua conta?

    Ontem assisti um filme “Fragmentado” (Split) na Net e lembrei de você.

    É um filme que fala sobre uma pessoa que tem 23 personalidades distintas e consegue alterná-las em seu organismo apenas com a força do pensamento...

    Se puder veja-o e depois comente aqui no seu blog, Ok ?

    Abraços e saudade!

    Edison

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    1. Oi, Edson. Não sei se tenho peito para falar desse filme. Achei-o muito perturbador. Mas obrigado pela dica. O novo e-mail está aqui à esquerda, no perfil do blog. Abc

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    2. O e-mail não mudou então: "maspi@terra.com.br".

      Mas tá dando erro de falha na recepção...
      Vc tem recebido mensagens de outras pessoas ?

      Edison

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    3. Se vc tá achando o filme perturbador, imagina eu na minha humilde ignorância...
      Edison

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    4. Edson, o e-mail agora é maspi@uol.com.br . Ele mudou sim.

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  2. Oi Dr., tudo bem? Excelente tema e texto (como sempre..)

    Acho que é um tema bastante delicado...no meu entendimento, a linha entre o plano futuro que nos rouba o aqui-agora e nos faz negligentes e o que nos dá um norte saudável e nos faz vencer a preguiça é demasiada tênue...e talvez nos tome muitos anos para achar o equilíbrio...a própria Joko, cujo livro Everyday Zen começa com a frase do cachorro, confessa que planos e objetivos são importantes (em algum momento dessa palestra https://www.youtube.com/watch?v=KYMW-qeyHR0)

    E sigamos aprendendo, debatendo e crescendo..

    abs,

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