segunda-feira, 14 de agosto de 2017

De Alma e Sentido

No post anterior acabei falando da palestra de Mia Couto e sua advertência sobre não perder a Alma para atender as pessoas. A Medicina deveria ser exercida com Alma. Isso não dá para se ensinar nas cadeiras da Faculdade de Medicina. A Alma não aparece nos microscópios, nem nos aparelhos de Ressonância Magnética. Se está fora da Física, então é Metafísica. Se é Metafísica, é lixo, perante a Ciência Materialista. Pois a Ciência Materialista é como o governo Temer, demora para morrer. Se Einstein cunhou no início do século passado a equação da Relatividade, em que matéria e energia são estados diferentes de condensação e se complementam, ou seja, a matéria em si não existe, então, tecnicamente a Ciência Materialista bateu as botas nessa ocasião. Sem mencionar a Física Quântica, que jogou outras pás de cal. Mas esse é outro assunto.
A entrevista psiquiátrica foi substituída pela aplicação de escalas padronizadas, visando quantificar sintomas e achados para um diagnóstico menos subjetivo. Isso criou a Torre de Babel de escalas, competindo entre si como youtubers tentando ganhar um nicho de público. Isso significa a perda da Alma na entrevista. Lembro de uma consulta em que a cliente me descrevia detalhadamente a sequência de perdas dos últimos anos de sua vida: mudança de emprego, perda de sua mãe e tia depois de longo processo de doença, mudança de casa, desadaptação ao chefe. Uma odisseia moderna que chamamos de crise de meia idade. A sua descrição era detalhada e mostrava como tinha atravessado toda essa sequência de lutos e se organizado internamente em sua nova vida. Só estava com problemas para dormir, daí a consulta. Se ela tivesse sido entrevistada por um computador, digo, por uma escala padronizada, teria o diagnóstico de uma Reação ao Estresse, em curva de recuperação. Só faltou um detalhe. Durante a entrevista, a sua fala lógica e articulada transmitia em mim (veja o pronome, “em” mim, não “para” mim) uma profunda, cortante sensação de tristeza. Depois da tristeza, um cansaço, mas não um cansaço físico, um cansaço de Alma. Como uma vida em preto e branco. Os outros parâmetros clínicos estavam ok e ela estava vivendo bem. Era uma pessoa “funcional”, outro critério derivado da Revolução Industrial para medir a melhora do paciente: ele funciona? Está em condições de pertencer à Sociedade de Consumo? Então beleza. Pois ela estava bem e funcional, com uma dificuldade em dormir que parecia de fácil manejo. E o contato com ela transmitia uma profunda tristeza. Falei com ela sobre isso e introduzi um medicamento para esse estado de esgotamento, que fica sob o guarda chuva da Depressão. A resposta clínica foi impressionante até para mim mesmo, que levantei a hipótese diagnóstica. Felizmente ela aceitou a hipótese e tomou a medicação. E foi como enxergar colorido de novo.
A Alma está conectada com o Cérebro Emocional. Está diretamente correlacionada com nossa capacidade de sentir. Sentir a mim mesmo, sentir o outro. A virtualização do mundo está amortecendo a capacidade de sentir. O luto passou a ser uma foto ou desenho em redes sociais. A solidariedade é uma mensagem inbox. Tudo rápido, um clique e já vamos rir de um vídeo engraçado. A perda da Alma se relaciona à perda da temporalidade do corpo. Sim, porque é o Corpo que gera as sensações de Alma. O neurocientista Antônio Damásio formulou essa teoria, do Marcador Somático. Nosso Cérebro é moldado e se organiza pela sensação primeira de ter um corpo e, dentro desse corpo, tem uma mente que pensa e sente. Pensar e sentir são atividades integradas, que o autor desse post chama de Pensentimento. A Alma se localiza na fenda entre Pensamento e Sentimento, mas começa e termina na Sensação e no Sentimento. A Neurociência diria que se funda nos Neurônios em Espelho, que nos permitem bocejar quando alguém boceja e também sentir a dor do Outro quando o Outro não consegue mais sentir nada.
Salvo engano desse escriba, no Juízo Final dos Egípcios, após a morte, a Alma Imortal do finado ou da finada era pesada numa balança. O peso a ser medido deveria ser o da quantidade de vivências e de participação efetiva na vida que a pessoa conseguiu ou não, adquirir. O peso da alma talvez fosse medido pela capacidade de ver com os olhos do coração. E na quantidade de amor vivido e gerado. Isso parece um mambo jambo metafísico para a Ciência Materialista. Mas a matéria nem sequer existe, não é mesmo? Colocamos a alma naquilo que faz sentido. Procuramos então por Alma e por Sentido.

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