domingo, 15 de junho de 2014

País do Futebol

Lá pelos idos dos anos 90, minha esposa fez uma dura consideração sobre o cinema brasileiro: disse que o nosso cinema não sustenta a tragédia. Tudo acaba em Carnaval ou besteirol. Venho tentando responder a essa crítica desde então, sem sucesso. Lembrei, na época e hoje, das filmagens das peças de Nelson Rodrigues, nosso autor de várias tragédias suburbanas. Terminavam em Carnaval. Lembro de um filme de Arnaldo Jabor, “O Casamento”, em que o personagem principal, após confessar um crime que não havia cometido, para expiar a culpa por tantos outros pecados, vai sendo levado na cena final para a prisão, levanta as mãos com algemas em triunfo, a batucada comendo solta, enquanto ele repetia, em transe: “Eu sou um assassino”. Veja bem, termina em batucada. Eu poderia citar o “Abril Despedaçado”, do Valtinho Moreira Sales, como uma tragédia brasileira, de morte e assassinato no agreste. O filme é lento, chato e parece iraniano, como, se não me angano, o livro que originou o roteiro. Nunca consegui assistí-lo inteiro para poder usá-lo como argumento. A brincadeira versa sobre nossa incrível vocação tupiniquim para a autoindulgência, para o descuido estético e a desatenção aos detalhes porque somos o país do Samba e do Carnaval. Somos incompetentes, mas muito alegres.

Fui comprar uma camiseta do Brasil para meu filho na véspera da estréia da Copa do Mundo. O estoque acabou rápido em uma grande loja de material esportivo. Como não vendia nada, os estoques estavam pequenos. Foi um Deus nos acuda para encomendar o atual modelo, com aquela gola feiosa. Começamos a entrar na Copa bem devagar. Acho que estávamos naquele suspense do que poderia acontecer, antevendo vexames, greves, black blocks e passeatas causando caos urbano e fracasso total do evento. Hoje as vendas de camisetas estão bombando. O fracasso tem sido relativo, e tolerável, então as pessoas vão se animando. Eu, pessoalmente, tenho me retorcido de vergonha em várias ocasiões. A Cerimônia de Abertura foi de provocar náuseas. A Festa Junina da escolinha da minha sobrinha foi bem melhor. Se as nossas tragédias terminam em Carnaval, a Abertura da Copa terminou em tragédia. Que lixo, que pobreza franciscana de imaginação e coreografias. Sobretudo, que coisinha feita sem capricho. As tribunas dos convidados internacionais ficaram vazias até a hora do jogo. Soube-se depois que estavam perdidos pelo estádio, tentando achar os seus lugares, ou encontrá-los mediunicamente, já que não tinha sinalização interna no estádio. A internet não funcionou e a imprensa se comunicava por celular. As luzes de parte do estádio se apagaram no Primeiro Tempo e eu fiquei mais preocupado com isso do que com o gol contra do Marcelo. Só faltava parar o jogo por falta de iluminação. Na Arena das Dunas, choveu mais no público do que no campo, pelas inúmeras goteiras não consertadas a tempo. Na Fonte Nova, acabou a comida e a bebida.

Falar sobre esses vexames, essas falhas lamentáveis, pode ser classificado de antipatriótico. Lula, sempre ele, classificou os xingamentos da torcida à presidente Dilma (que eu também não endosso) de uma reação da “elite branca”, obesa e reacionária, contra o governo imaculado do PT.

Nossa velha comiseração tudo perdoa, já que somos um país de gente afetiva, acolhedora e alegre. Os gringos se deliciam com essa alegria, e há um esforço coletivo de receber bem essas pessoas, de apagar essas falhas de organização com nossa pegada festeira. Lula, em mais um surto de sinceridade etílica, falou em entrevista que levar o metrô até dentro do estádio é uma babaquice. Brasileiro vai a pé e de jumento, disse o nosso ex (?) presidente.

Nossa tragédia cotidiana está assentada nessa indulgência frouxa, nessa capacidade de batucar, sorrir e rebolar a bunda para os buanas enquanto cometemos erros grosseiros em todos os setores de nosso país, que caminha aos passos largos para um apagão de infraestrutura e estagnação econômica. Espero que a Copa engrene e que as presepadas se tornem menos visíveis. Mas o bom mesmo é essa Copa terminar rápido e podermos voltar para o trabalho, pois esse país tem muita gente que trabalha e que merece descer de metrô, e não de jumento, nos estádios construídos e superfaturados com dinheiro público.

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