domingo, 8 de junho de 2014

Toque do Anjo

Gostaria de alertar os leitores desse blog que alguns trechos dos últimos posts foram profundamente inspirados pelo livro “Fé: Evidências Científicas” de George E. Vaillant, Editora Manole. É um livro encantador, que fortemente recomendo aos interessados, sobre um paralelo entre Emoções Positivas, Psiquiatria, Espiritualidade e nossa Evolução como espécie. Isso de um psiquiatra passado de seus setenta anos, com os olhos marejados de ter presenciado tudo o que mudou, nem sempre para melhor, em quase meio século de Psiquiatria. Espero chegar lá. Nesta semana, um paciente de mais de década olhou para mim no meio da consulta e, do nada, me falou que mesmo que eu ganhasse na Megasena continuaria fazendo aquilo que estava fazendo, todo dia. Tem toda razão. Diminuiria um pouco a carga horária, mas espero manchar os dedos nas tintas das canetas e carimbos por muitos anos, como o Dr Vaillant.
Um dos casos descritos nesse livro, tirado de sua longa jornada terapêutica é de Bill, um dos pacientes acompanhado em seu serviço por toda a sua vida, em grupo ligado à Universidade de Harvard. A sua história me fez lembrar a cena de “Uma Mente Brilhante”, onde o genial e esquizofrênico John Nash agradece, ao receber o prêmio Nobel, pela presença impressionante de sua esposa em sua vida, o que lhe ensinou o significado do amor. Ele não devia a ela apenas aquele prêmio, mas também estar vivo para recebê-lo.
Bill passou por coisa pior. Aos três anos de idade foi dado por sua mãe para adoção. O seu pai, algum tempo depois, foi internado em Hospital Estadual com uma psicose sifilítica. Ele nunca mais se recuperaria desse quadro. Bill foi levado a lares adotivos onde sofreu abusos físicos e psíquicos impressionantes, desde espancamentos regulares até fome e descuidos com o que seria básico para um ser humano poder crescer. Hoje ele seria um extraordinário candidato a psicopata ou abusador de crianças, o que, infelizmente, acaba acontecendo com muita gente que cresce nessas condições. Bill casou aos 25 anos com uma mulher boa e amorosa, que, como John Nash, ensinou a ele o significado do amor e de viver em família. Bill não era religioso e descobriu o poder superior em uma família amorosa, que também o achava o máximo.
Após 33 anos de casado, a esposa de Bill morreu tragicamente de Câncer. Aos 53 anos de idade, a sensação de que a vida tinha algum sentido se perdeu completamente para ele. Algumas de suas palavras: “Eu digo que perdi uma amiga, perdi uma amante, perdi uma mãe, perdi uma irmã, perdi uma médica, uma enfermeira, uma professora, uma lutadora”. A sua vida voltou para o escuro vazio de sentido que conhecera muito cedo. Alguns anos depois dessa perda, foi internado com uma profunda depressão; relatou que perdeu a esperança, sentia raiva, desespero e medo. Parecia que seu destino trágico tinha dado apenas uma trégua e agora voltava para cobrar seu tributo. Dez anos depois dessa avaliação, Bill compareceu à entrevista novamente transformado: um curador espiritual tirou a dor de suas costas e ele havia encontrado no ambiente acolhedor e profundamente amoroso da cura pela oração um novo significado para a sua vida. Bill descobriu que, curando o outro, curava a si mesmo. Mais uma vez, foi curado pelo amor desinteressado, com a vantagem que, agora, esse amor emanava dele, não de outra pessoa.
Em nossa vida, cruzamos por muitas pessoas sempre dispostas a reclamar da dureza do caminho, de como os seus desejos nunca são realizados e como o mundo é essencialmente injusto e mau. Acho que vou pensar, ouvindo isso, nas mãos de Bill passando energia e pedindo a cura para gente que teve uma vida infinitamente mais fácil que a dele próprio. Com certeza, vai ajudar a começar a nova semana de trabalho, no meio de passeatas, greves e Copas do Mundo.

5 comentários:

  1. Tenho certeza que você também chegará lá Marco Antonio. Um bom número de pessoas que passaram, passam e passarão por seu consultório sempre vão lembrar da sua pessoa, de seu acolhimento, afeto e do muito que auxiliou a cada uma delas a encontrarem aquela passagem "estreita". Caminho este que consegui com sua ajuda encontrar, adentrar e iniciar uma verdadeira vida com sentido e significado. Deu muito trabalho, exigiu muito em todos os sentidos, bateu cansaço, bateu água até acima do pescoço algumas vezes e entre outras coisas mais, porque no fundo sempre soube, que valeria a pena pagar o preço de viver, experienciar essa jornada e que você em muitos momentos se tornou a luz no final do túnel.
    Beijo

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    1. oi Spin tudo bem? achei vc por coincidencia postei uma poesia sua dos tempos do dante no meu mural com o seu nome, e minha prima de achou na internet, melhor ainda, achou suas sabias palavras, beijos Rosicler

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  2. Mestre, vc é um amigo pra sempre, tenha certeza disso, esteve comigo nos piores momentos, isso marca muito (mais do que nas alegrias), mesmo que minha memória falhe, como acontece às vezes. Grande abraço.

    Edison

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  3. Texto muito legal! Vou ler o livro, sem dúvida.
    Tenho certeza que se ganhasse na loteria continuaria fazendo o que faz! Ser médico, está no seu coração e na sua mente!
    Um abraço,
    Lucia

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  4. Mais um belíssimo texto, "anjo" Marco Antônio Spinelli!
    Bjs,
    Priscila

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