segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A Gargalhada de Patch Adams

Estava falando na semana passada sobre a importância da Esperança para a superação de dificuldades, como uma doença grave, por exemplo. Lembro de um filme antigo com o Michael Keaton, em que ele tem uma doença terminal e o médico vem falar com ele cheio de números e estatísticas para comunicar a ele que a vaca estava indo para o brejo e era bom ele deixar as suas coisas meio arrumadas para quando acontecesse o pior. Ele ouviu tudo engolindo em seco e, antes de ir embora, falou para o cara que ele não podia ter feito aquilo. Aquilo o que?, perguntou o médico por trás de seu avental e sua gravata francesa. O paciente olhou na sua cara e falou: “Você não podia ter me tirado a esperança. Era a única coisa que eu tinha”. Há alguns dias, uma paciente minha foi encaminhada, no meio de um processo duro de tratamento para uma doença neoplásica, também conhecida como Câncer, para uma avaliação da médica responsável pelos Cuidados Paliativos. A colega começou a conversa assumindo que ela deveria saber que a sua doença era incurável. “Fiquei sabendo agora”, ela respondeu de chofre. A jovem doutora não sabia onde enfiar a cara. A sua voz estava trêmula para me dizer que a massa não tinha diminuído e os médicos estavam reunidos para decidir se valia a pena uma reoperação. Assim como quem calcula o risco e o benefício, de posse das estatísticas.
Fico muito grato por ter trabalhado em hospitais com esse tipo de paciente, porque a sensação mais devastadora que ele experimenta nessas situações é a mais profunda solidão, como se todos fugissem com os olhos quando pede por orientação e, por favor, por um plano. Os médicos são formados com a ideia de que sua função é curar todo mundo e reagem muito mal quando as coisas não estão evoluindo bem. É uma sensação de vergonha e impotência que deixam os pacientes desnorteados. Não se trata de ser candidamente otimista, nem de fingir que as coisas estão indo bem quando não estão, mas de demonstrar que a hora é escura e não está dando para ver muito à frente do nevoeiro, mas navegar continua sendo preciso. Várias vezes ouvi de pacientes o pedido de não desistir deles. Lembro de um filme infantil com o Jim Carrey, “Desventuras em Série”, onde três crianças órfãs foram colocadas aos cuidados de um tio perverso que tenta matá-las para ficar com sua herança. A menina mais velha tem uma crença, dita em off pelo narrador, de que “sempre tem um jeito”. Em situações difíceis, ela amarra uma fita em seu cabelo, faz um rabo de cavalo e sempre descobre um jeito de sair das situações mais desesperadoras. Lembro dela amarrando o cabelo quando naquelas situações clínicas que dá vontade de cavar um buraco e desaparecer. Amarramos os neurônios e vamos ver que jeito que se pode dar. Sempre tem um jeito. Não desisto de navegar, mas não navego sozinho. Vamos juntos, no mesmo barco.
Lamento muito que o ator que encarnou a Esperança e o riso diante da morte, que foi Robin Williams, tenha morrido só, enforcado em seu quarto. Dava para notar que ele era capaz das maiores piruetas de alegria, assim como encarnar uma tristeza incrivelmente profunda em seus papéis dramáticos. Era Bipolar, diria a Psiquiatria. Provavelmente, era. Mas a morte é um Mistério, o suicídio também. Prefiro ficar com a imagem de sua gargalhada diante do medo e da incerteza da vida. Gargalhando diante da Morte, como Patch Adams.

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