segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Esperança em Brasa

São muito antigos os estudos em bebês submetidos a um período de isolamento em instituições. Quando pedem por ajuda, o bebê começa com um resmungo, que vira choro e, se o pedido de ajuda continua sendo ignorado, por uma razão ou outra, o choro ganha contornos de agitação desesperada, que dura um tempo de fúria e resfolegos. Após um tempo em que esse choro não produz ajuda nem resultado, o bebê entra numa espécie de torpor e indiferença quanto aos estímulos do meio e a capacidade de interagir e, por que não dizer, confiar nas pessoas que lhe cuidam. Se o abandono é prolongado, o bebê pode ficar cada vez mais alheio e “frio” quando recebe estímulos amorosos.
George Vaillant, em seu livro “Fé”, descrito em outros posts deste blog, cita um estudo em que ratos são encurralados em um canto de sua gaiola e recebem choques elétricos (não fui eu que projetei esses experimentos, mas eles produziram belos modelos sobre a construção do medo em nosso Cérebro. Obrigado aos bravos roedores). Os ratos são divididos em dois grupos: o primeiro não tem como fugir e, após um tempo, entram no mesmo estado de torpor dos bebês abandonados. O termo técnico para isso é “Desamparo Aprendido”. Outro grupo de ratinhos conseguiu fugir de seus agressores e continuou tendo um comportamento semelhante ao normal depois do ocorrido. Finalmente, para completar o estudo, foram injetadas células cancerosas nos dois grupos. A amostra dos ratinhos “esperançosos”, os que conseguiram fugir dos choques, teve uma sobrevida e recuperação espetacularmente melhores: apenas 27 por cento dessa amostra veio a morrer de Câncer, em detrimento de 63 por cento dos ratinhos sem esperança, os que não encontravam saída.
Fico pensando nesses estudos quando vejo aqueles médicos americanos cheios de números e estatísticas avisando aos pacientes que a vaca provavelmente está indo para o brejo e não vale a pena alocar as esperanças contra os números. No filme “Dallas Buyers Club”, também citado em posts anteriores, o médico do PS chega para o personagem principal do filme e avisa que ele é soropositivo e desenvolveu a AIDS, e, pelos exames, não chegaria a ter um mês de vida. O cowboy mandou-o para vários lugares e saiu pelo mundo estudando e procurando ajuda, contra o esperançocídio que o colega tinha executado com suas palavras objetivas e científicas. Ele sobreviveu por alguns anos e ajudou muita gente a enfrentar o surto inicial da AIDS com a sua esperança e sua recusa de se curvar diante do tal do realismo que lhe foi esfregado na cara. Em tempos de Ebola, é bom lembra dessas histórias.
Nosso Cérebro tem uma capacidade ímpar na natureza de fazer projeções do Futuro. Isso é uma vantagem evolutiva extraordinária, assim como uma fonte de encaminhamento psiquiátrico, quando as projeções de futuro são sempre uma negação da esperança. O fato é que se agarrar a planos mirabolantes e esperanças infundadas destroem tantas vidas quanto as pessoas que aprendem a não esperar nada de si nem do outro, nem da vida.
Irving Yallon, autor de Best Sellers Psi como “Quando Nietzsche chorou”, confessou em um de seus livros sobre a prática da psicoterapia que, um dos melhores trabalhos que conseguiu realizar em sua vida de terapeuta foi continuar animando e dando suporte aos seus pacientes nas horas mais difíceis, na hora em que tudo fica escuro e tudo parece que vai dar só errado. Essa foi uma opinião muito corajosa, porque os terapeutas também são criados para serem muito objetivos e neutros, não a ficar gritando da arquibancada: “Vamo’ lá! Não desiste, continua remando, continue andando no túnel (sem luz no final)!” Concordo com ele. É das tarefas mais nobres da terapia, manter a brasa da esperança acesa. E tome sopradas. Quanto mais vezes encontramos a saída, mais valentes ficamos.

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