sábado, 18 de outubro de 2014

Medicação é Solução pra Mim?

Estava no Congresso de Psiquiatria em Brasília, assistindo uma aula sobre Depressão e Atividade Inflamatória, mas era antes, uma aula de como dar aula. A fala da mocinha da UNIFESP era calma e pausada, e tinha uma delicada musicalidade; cada slide terminava com uma pergunta que abria o próximo, tornando a aula toda encadeada e o interesse da plateia aceso, como se ela estivesse nos conduzindo pela mão para dentro do conhecimento. Há alguns anos atrás tive uma treta teórica com uma Pedagoga, quando disse que o processo de Aprendizagem\Ensino é basicamente um processo de sedução, de ser convidado para dentro do conhecimento como para uma dança, ou um passeio. Ela ficou muito brava, como se isso fosse uma trapaça ou pior, um desrespeito às suas décadas de estudo sobre o que é ensinar e aprender. A mocinha e sua aula eram uma demonstração cabal de minha tese. Uma delícia de aula, provavelmente amadurecida pelo uso. Um dado intrigante da mesma era justamente a estatística que, a despeito de todo investimento e dispormos de medicamentos e recursos inacreditáveis há vinte anos para o melhor tratamento da Depressão, sua prevalência continua aumentando, assim como as taxas de Suicídio nos países do Ocidente, muitos deles com todos esses recursos para tratar a doença mais relacionada com o suicídio, que são os quadros depressivos.
Já falei bastante nesse blog sobre a nossa Civilização Inflamatória e todas as suas consequências para nossa saúde e qualidade de vida. Alimentação Processada, cheia de gordura, açúcares e sódio, sedentarismo, privação de sono e estressores cada vez mais repetitivos e repetidos, tudo isso cria um organismo sempre preparado para ser atacado, o nosso. A aula da moça demonstrava que a Depressão, como as doenças mais mortíferas de nossa época, que são as Cardiovasculares e Oncológicas, tem uma relação direta com a atividade inflamatória elevada, ou seja, com a nossa vida inflamada. Ninguém consegue deter esta escalada, os médicos parecem garçons correndo atrás da bandeja depois que os copos de cristal já caíram no chão. Falar em Medicina Preventiva tem que passar, necessariamente, pelas causas de inflamação: mudança de hábitos alimentares, de hábitos de exercício físico, de hábitos de sono. Teclando isso eu me lembro de um programa na TV a Cabo em que um médico tentava explicar para a mãe de um menino obeso que ele precisava mudar radicalmente os seus hábitos e emagrecer, pois seus parâmetros clínicos estavam todos catastróficos. A mulher olhava para o médico com uma cara de “o que o senhor quer que eu faça?”. Calligaris descreveu a sensação, diante da doença mental, de enfrentar um dragão com um alfinete nas mãos. A sensação é essa mesmo. O médico pedindo para o garoto de alimentar melhor enquanto ele mastigava um pacote de batatinhas fritas.
As mídias bombardeiam os psiquiatras e seu uso de medicamentos, como se fosse um bando de mafiosos criando dependências e dependentes, a soldo do poder dos laboratórios muito interessados em criar doenças e mercado para os seus medicamentos. Tenho sempre a sensação que essa fúria midialógica está mal direcionada, atacando as consequências antes das causas dos fenômenos. Se o ser humano é constituído estruturalmente pela sensação de Falta e de Vazio, a própria Hipermídia promete a cura dessa falta através do Prazer e do Consumo. Estou louco para falar a um jornalista que venha atacar os medicamentos que a culpa da Depressão que estou tratando é dele, cujo site anuncia produtos de beleza ou carrões esporte que venham curar a nossa miséria. Mas não vou fugir à questão que a aula levantou, com grande propriedade: talvez esteja na hora de repensarmos todo o modelo de nosso atendimento. Tratar uma Depressão com a medicação adequada pode ser, apenas, um bom começo, de um processo mais profundo de transformação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário