domingo, 11 de janeiro de 2015

A Pena e a Metralhadora

Em Dez de Setembro de 2001, um paciente meu teve um sonho de madrugada, que correlacionou com o fato de ter lido um livro sobre a Segunda Guerra Mundial antes de dormir. Lembro do sonho como se tivesse sido contado ontem: “No sonho havia um grupo de pessoas preocupadas com uma crise mundial. Estavam reunidas no alto de uma montanha, em torno de uma mesa redonda. Na mesa havia um livro enorme, com pessoas de várias nacionalidades em torno dele, discutindo as soluções para o perigo”. Meu paciente acordou e foi para o trabalho, até ser chamado para ver o segundo avião se chocar com as Torres Gêmeas, pondo fim ao mundo que a gente conhecia até então. Foi na sessão que correlacionamos o sonho com o Onze de Setembro. O terrorismo então criou esse paradoxo: em nome da Liberdade, as liberdades individuais foram abolidas. Somos todos monitorados, rastreados, nossos corpos expostos em máquinas de Raio X nos Aeroportos, prisioneiros são torturados e enviados para masmorras sem julgamento, em nome da segurança e da liberdade. O sonho antecipou a crise mundial que praticamente definiu o rumo dos anos 2000 e as guerras que vieram depois das torres desabarem.
Hoje aconteceu uma passeata de quase quatro milhões de parisienses nas ruas da Cidade Luz, num protesto intenso contra o atentado perpetrado por terroristas fanáticos ao jornal satírico Charlie Hebdo, uma espécie de Casseta e Planeta francês. O Jornal publicou tiras e charges com o profeta Maomé. O pessoal do Porta dos Fundos, que faz muitos vídeos brincando com Jesus e com Deus, está sendo provocado: façam vídeos com Maomé então, se forem machos de verdade...
A turma do Mas tomou as mídias, dizendo que os caras folgaram demais. Mas, não pode mexer assim com radicais. Mas, a turma do Charlie era anti qualquer religião, pisava no calo de muita gente. Eu concordo com algumas vozes que dizem: “Mas uma ova! Ninguém pode tirar a vida de ninguém por conta de uma tirinha”.
A parte mais assustadora desse atentado, assim como o atentado de Boston, é o terrorismo ter virado um negócio de família. Microcélulas terroristas, compostas por dois irmãos e poucos familiares, são quase impossíveis de rastrear, uma agulha no palheiro de ruídos nas redes sociais e nas linhas de celular. Mais uma vez, o terrorismo vai permitir que se subtraia ainda mais as liberdades individuais. Como no caso dos irmãos de Boston, os irmãos franceses eram imigrantes, tinham pouca ou nenhuma inserção na sociedade francesa e na vida produtiva e receberam dos radicais uma espécie de processo de adoção. Passaram a ter nome e sobrenome e, acima de tudo, uma causa para defender, um inimigo para atacar. A sua vida de pequenos marginais passou a ter um foco e um significado. Quantos órfãos do Capitalismo podem ser recrutados? Quantos serão seduzidos pela chance de empreender uma luta heroica contra os caras que jogam outros jogos terroristas, como os assassinatos econômicos e as manipulações de informação. O que se vai fazer para vigiar essa células terroristas?
O sonho do meu paciente anunciava uma crise que se realizou nesses anos. O Alto da Montanha representa a necessidade profunda dos homens de boa vontade de olharem a situação de um outro patamar, para compreender e superar as diferenças. Uma cultura de ódio é bem mais fácil de construir do que uma de paz. Criar uma sociedade islamofóbica não vai permitir que se escrevam novos livros sagrados. Há milênios que as religiões criam boas tentações para achar que meu profeta é melhor que o seu, então vou enfiá-lo pela sua goela abaixo. A religião ocidental predominante é o Capitalismo. Ou o Hipercapitalismo. Essa é a nova Cruzada. Os focos de resistência do Islã não representam apenas que um bando de fanáticos quer que as mulheres andem de burca e a Guerra Santa prevaleça. Eles lutam também para que sua Cultura não seja engolida, e o mundo vire finalmente um gigantesco Mac Donalds. Fazer charges ridicularizando uma crença não vai estabelecer zonas de diálogo e criação de visão compartilhada com o Islã que quer a Paz e o entendimento. Esse Islã está em grande risco e sob grande ataque. E precisa muito da ajuda do Ocidente.

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